Open-access Perfil nosológico de centro de referência em dermatologia no estado do Amazonas - Brasil

Resumos

FUNDAMENTOS: As doenças de pele estão associadas a alta morbidade, baixa mortalidade e baixa proporção de hospitalização. Entretanto, podem causar considerável interferência no bem-estar físico e emocional do indivíduo. Várias delas atingem grandes contingentes populacionais, havendo necessidade de intervenções específicas para seu controle. OBJETIVO: Descrever a frequência das dermatoses diagnosticadas em serviço de dermatologia na cidade de Manaus, capital do estado do Amazonas. MÉTODOS: Coletaram-se dados registrados sobre sexo, idade, procedência e diagnósticos referentes à primeira consulta dos pacientes atendidos entre janeiro de 2000 e dezembro de 2007. RESULTADOS: Das 56.024 consultas registradas, obtiveram-se 56.720 diagnósticos dermatológicos, sendo mais comuns as doenças sexualmente transmissíveis (25,12%), as dermatoses alérgicas (14,03%), as dermatoses não especificadas (13,01%), a hanseníase (6,34%) e acne, seborreia e afins (5,05%). A frequência foi semelhante para ambos os sexos, a faixa etária de 20-29 anos foi predominante e Manaus foi a procedência mais referida. CONCLUSÕES: O padrão das doenças cutâneas identificadas neste estudo pode servir como linha de base para que gestores do sistema de saúde da região desenvolvam estratégias de prevenção e controle das dermatoses mais comuns, com ênfase nas doenças sexualmente transmissíveis, doenças cutâneas alérgicas, hanseníase e acne

Dermatologia; Dermatopatias; Doenças sexualmente transmissíveis; Epidemiologia; Pele


BACKGROUNDS: Fundaments: Skin diseases are associated wih high morbidity, low mortality and low rate of hospitalization. However, they can cause considerable interference in physical and emotional well-being of the individual. Several of them reach large population, requiring specific interventions for their control. OBJECTIVE: To describe the frequency of skin disease diagnosed in the dermatology service in Manaus, capital of Amazonas State. METHODS: We collected data on registered sex, age, origin and diagnostics for the first consultation of patients attended between January 2000 and December 2007. RESULTS: Of the 56.024 recorded visits, we obtained 56.720 cases of dermatological diagnoses, being the most common sexually transmitted diseases (25,12%), allergic skin disesases (14,03%), unspecified dermatoses (13,01%), leprosy (6,34%) and acne, seborrhea and related diseases (5,05%). The frequency was similar for both sexes, aged 20-29 years predominated and Manaus the origin most reported. CONCLUSIONS: The pattern of skin diseases identified in this study may serve as a baseline to managers of health system in the region develop strategies for prevention and control of dermatoses, with emphasis on sexually transmitted diseases, allergic skin diseases, leprosy and acne

Dermatology; Epidemiology; Sexually transmitted diseases; Skin; Skin diseases


INVESTIGAÇÃO

Perfil nosológico de centro de referência em dermatologia no estado do Amazonas - Brasil*

Adriana Andrade RaposoI; Antônio Pedro Mendes SchettiniII; José Carlos Gomes SardinhaI; Valderiza Lourenço PedrosaIII

IMédica dermatologista da Fundação Alfredo da Matta (Fuam) - Manaus (AM), Brasil

IIMestre em Patologia Tropical; médico dermatologista da Fundação Alfredo da Matta (Fuam) - Manaus (AM), Brasil

IIIAssistente social especialista em epidemiologia; gerente do Departamento de Controle de Doenças e Epidemiologia da Fundação Alfredo da Matta (Fuam) - Manaus (AM), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Adriana Andrade Raposo Rua 21, nº 646 - Parque 10, Conjunto Castelo Branco 69055-390 Manaus - AM E-mail: big@argo.com.br

RESUMO

FUNDAMENTOS: As doenças de pele estão associadas a alta morbidade, baixa mortalidade e baixa proporção de hospitalização. Entretanto, podem causar considerável interferência no bem-estar físico e emocional do indivíduo. Várias delas atingem grandes contingentes populacionais, havendo necessidade de intervenções específicas para seu controle.

OBJETIVO: Descrever a frequência das dermatoses diagnosticadas em serviço de dermatologia na cidade de Manaus, capital do estado do Amazonas.

MÉTODOS: Coletaram-se dados registrados sobre sexo, idade, procedência e diagnósticos referentes à primeira consulta dos pacientes atendidos entre janeiro de 2000 e dezembro de 2007.

RESULTADOS: Das 56.024 consultas registradas, obtiveram-se 56.720 diagnósticos dermatológicos, sendo mais comuns as doenças sexualmente transmissíveis (25,12%), as dermatoses alérgicas (14,03%), as dermatoses não especificadas (13,01%), a hanseníase (6,34%) e acne, seborreia e afins (5,05%). A frequência foi semelhante para ambos os sexos, a faixa etária de 20-29 anos foi predominante e Manaus foi a procedência mais referida.

CONCLUSÕES: O padrão das doenças cutâneas identificadas neste estudo pode servir como linha de base para que gestores do sistema de saúde da região desenvolvam estratégias de prevenção e controle das dermatoses mais comuns, com ênfase nas doenças sexualmente transmissíveis, doenças cutâneas alérgicas, hanseníase e acne.

Palavras-chave: Dermatologia; Dermatopatias; Doenças sexualmente transmissíveis; Epidemiologia; Pele

INTRODUÇÃO

A pele é o maior órgão do corpo humano. Sua extensão e a condição de revestimento externo permitem uma fácil exposição às injúrias do meio ambiente. Além disso, vários processos patológicos em órgãos internos têm manifestações cutâneas. Como consequência, observa-se um grande número de doenças na pele. De modo geral, elas são responsáveis por elevado número de atendimentos nas unidades básicas de saúde e estão associadas a alta morbidade, baixa mortalidade e baixa proporção de hospitalização.1 Entretanto, podem causar considerável interferência no bem-estar físico e emocional do indivíduo, levando a quadros de estresse, ansiedade e depressão.2

Um estudo feito no Reino Unido detectou taxa de prevalência das doenças cutâneas de 22,5%, sendo o eczema a condição mais encontrada, com 6,1% dos casos.3 Nos Estados Unidos, verificou-se que 36,5% dos pacientes atendidos em uma unidade básica de saúde apresentavam pelo menos uma doença dermatológica, com média de 2,3 dermatoses por paciente.4 Em Bamako, capital de Mali, foi identificado que 11,7% das consultas em centros não especializados eram motivadas por doenças cutâneas.5

No Brasil, Bechelli, em um trabalho realizado em escolares da área do Vale do Purus, no estado do Acre, em 1981, encontrou taxas de prevalência de doenças na pele variando entre 21% e 81%.6 Talhari et al., nos anos de 1979 a 1982, detectaram, entre 100.939 estudantes de escolas do estado do Amazonas, 95.267 casos de doenças dermatológicas.7 Em 1985, Pizzol verificou que 30,5% dos diagnósticos efetuados pelos médicos em consultas feitas em crianças de creches do município de Viana, no estado do Espírito Santo, eram de doenças cutâneas.8 Em 2006, um censo realizado pela Sociedade Brasileira de Dermatologia identificou um total de 57.343 casos de dermatoses, sendo a acne o agravo mais observado.9

Devido a essa alta frequência, conhecer o padrão das doenças dermatológicas de uma região tem grande relevância para o planejamento das políticas de saúde. Como esses padrões podem variar de um país para outro e até em uma mesma cidade, pois sofrem influências de fatores genéticos, raciais, nutricionais, culturais, climáticos e socioeconômicos, há necessidade de estudos locais.10 A frequência das doenças em uma região pode ser determinada por pesquisas populacionais de larga escala, porém elas são de difícil condução por necessitarem de longo tempo e serem de custo elevado.11 Estudos feitos em serviços ambulatoriais e hospitalares, apesar de não refletirem a exata situação de uma doença na comunidade, fornecem indicadores da magnitude do problema e podem ser usados para o desenvolvimento de estratégias para o seu controle.10

Há poucos trabalhos publicados sobre a frequência das dermatoses na região Norte do Brasil. Na pesquisa realizada em 22/02/2010, na página eletrônica da Biblioteca Virtual em Saúde, utilizandose as palavras-chave dermatoses, frequência e Brasil, identificaram-se 52 artigos, mas nenhum relacionado às doenças de pele nessa região. Já na página do Pubmed, na data de 01/03/2010, utilizando-se para a busca as palavras skin disease, frequency e Brazil, identificaram-se 1.433 referências. Ao trocar-se a localidade para Brazilian Amazon, o número de referências reduziu-se para 18, sendo a maioria constituída por trabalhos específicos sobre a leishmaniose.

A proposta deste estudo foi descrever a frequência das dermatoses diagnosticadas em centro de atendimento especializado localizado em Manaus, identificando-se o perfil dos pacientes atendidos em relação ao sexo, à faixa etária e à procedência e comparando-se os resultados com outros estudos realizados no Brasil e no exterior.

Manaus, capital do estado do Amazonas, está localizada no Norte do Brasil, na confluência entre os rios Negro e Solimões. Tem extensão territorial de 11.401km2 e é considerada um dos portões de entrada para a maior floresta tropical do planeta: a floresta amazônica. Seu clima é equatorial, quente e úmido, com temperatura média anual de 27ºC, umidade relativa do ar em torno de 80% e precipitação pluviométrica média de 2.300mm por ano. Tem duas estações: a chuvosa (inverno) e a seca ou menos chuvosa (verão).12 Sua população é de 1.646.602 habitantes (IBGE, 2007),13 o que a coloca na posição de oitava cidade mais populosa brasileira. É responsável por 98% da economia do estado do Amazonas e 55% da região Norte do Brasil.12

A Fundação Alfredo da Matta (Fuam), localizada em Manaus, é a instituição onde esse trabalho foi realizado. Inaugurada no ano de 1955 com a finalidade de prestar assistência ambulatorial aos pacientes diagnosticados com hanseníase, ampliou, posteriormente, suas atividades para atender pacientes com outras doenças dermatológicas e as sexualmente transmissíveis.14 Em conjunto com a Fundação de Medicina Tropical e o Ambulatório Araújo Lima da Universidade Federal do Amazonas, é um dos serviços de referência no atendimento secundário especializado em dermatologia.

MATERIAL E MÉTODOS

Realizou-se um estudo descritivo, retrospectivo, avaliando-se a frequência das dermatoses diagnosticadas na Fuam no período de janeiro de 2000 a dezembro de 2007.

As informações foram obtidas no banco de dados da Gerência de Controle de Doenças e Epidemiologia da Fundação, nos arquivos do Sistema de Informações de Agravos de Notificação (Sinan) e nos arquivos do Sistema de Vigilância Aprimorada das Doenças Sexualmente Transmissíveis (Siva-DST). Os registros estudados referem-se à primeira consulta do paciente realizada na instituição. Foram coletados dados sobre sexo, idade, procedência e diagnóstico e observados os casos em que os registros apresentavam mais de um diagnóstico por paciente.

Nesses bancos de dados, as dermatoses diagnosticadas foram registradas nos seguintes grupos: acne, seborreia e afins, alopecias, buloses, dermatite atópica, dermatoses alérgicas, autoimunes e virais, dermatozoonoses, discromias, doenças hereditárias, metabólicas e sexualmente transmissíveis (DSTs), hanseníase, leishmaniose, líquens, micoses subcutâneas e profundas, micoses superficiais, nevos, piodermites, psoríase, pitiríase rósea, tuberculose cutânea e outras micobacterioses atípicas cutâneas, tumores benignos, tumores malignos, outras dermatoses infecciosas e não infecciosas e dermatoses não especificadas. O grupo das outras dermatoses infecciosas e não infecciosas correspondia às doenças diagnosticadas que não se enquadravam em nenhum dos grupos citados. Já as dermatoses não especificadas relacionavam-se às doenças em que não se estabeleceu o diagnóstico na primeira consulta.

Quanto às DSTs, as informações contabilizadas referem-se apenas aos casos com comprometimento cutâneo e que se apresentaram na forma de condiloma acuminado, herpes simples, candidíase, cancro mole, linfogranuloma venéreo, donovanose e sífilis, excluindo-se, assim, os corrimentos uretrais, cervicais, vaginais e a infecção pelo HIV.

RESULTADOS

Durante o período do estudo, 56.024 pacientes foram vistos, sendo registrados 56.720 casos de diagnósticos dermatológicos. Desse total, 51,68% dos pacientes eram do sexo feminino e 48,32%, do sexo masculino.

Os números de casos estavam assim distribuídos em relação às faixas etárias:

10-19 anos - 19,26%;

20-29 anos (a mais frequente) - 26,17%;

30-39 anos - 14,74%;

40-49 anos - 11,2%;

>50 anos - 17,21%.

Identificaram-se 5.396 crianças menores de dez anos, o que correspondeu a 9,63% dos atendimentos médicos de primeira vez.

Em 89,32% dos pacientes, a procedência mais referida foi da capital, Manaus; 4,63%, de municípios do interior do estado e um pequeno grupo, 1,19%, de outros estados. Em 4,86% dos casos não havia registro da localidade de origem.

As DSTs foram o grupo mais diagnosticado, com 25,12% dos casos, seguidas pelas dermatoses alérgicas, com 14,03%, pelas dermatoses não especificadas, com 13,01%, pela hanseníase, com 6,34%, e pelo grupo da acne, seborreia e afins, com 5,05% (Tabela 1). As doenças menos atendidas foram as dermatoses autoimunes (0,83%), a pitiríase rósea (0,54%), as doenças metabólicas (0,23%), as buloses (0,21%), as micoses subcutâneas e profundas (0,16%), as doenças hereditárias (0,14%) e a tuberculose cutânea e outras micobacterioses atípicas cutâneas (0,06%).

Ao avaliar-se isoladamente o grupo que mais apareceu neste estudo, o das DSTs, observou-se que 14.071 pacientes foram atendidos, havendo o mesmo número de diagnósticos registrados. Desses pacientes, 50,15% eram do sexo masculino e 49,85%, do feminino. A faixa etária mais frequente foi de adultos jovens, com idades de 20-29 anos, com 46,02% dos casos, seguida de crianças e adolescentes de 10-19 anos, com 30,79%. Quanto à procedência, 90,34% dos pacientes referiram Manaus (Tabela 2).

O condiloma acuminado foi o diagnóstico mais comum entre as DSTs, acometendo 53,48% dos pacientes, seguido pelo herpes simples (19,57%) e pela candidíase (12,60%). A donovanose foi a DST menos encontrada, tendo sido responsável por 0,06% dos diagnósticos feitos (Tabela 3).

DISCUSSÃO

A maior frequência de DST observada neste estudo o diferencia de outros similares, em que as dermatoses alérgicas15,16,17 ou a acne9 são mais comuns. Em outros trabalhos, há um predomínio das dermatoses infecciosas e parasitárias,5,18,19 porém a maioria deles exclui as DSTs da pesquisa. Como o serviço estudado é centro de referência para atendimento de DSTs, isso pode ter sido viés que influenciou o resultado encontrado.

Uma pesquisa realizada no ano de 2005, em seis capitais brasileiras, entre homens e mulheres que procuraram atendimento em clínicas de DSTs, identificou taxa de prevalência dessas doenças de 51,0%, sendo que 14,4% das infecções eram de origem bacteriana e 41,9%, de etiologia viral.20 Levando-se em consideração que uma parte dos indivíduos infectados é assintomática e que muitos casos sintomáticos podem passar despercebidos tanto pelos pacientes como pelos médicos, a magnitude do problema pode ser maior.21 As DSTs têm grande importância para a saúde, pois podem estar relacionadas a casos de doença inflamatória pélvica, infertilidade masculina e feminina, câncer de colo uterino, infecções congênitas e neonatais e aumento do risco de infecção pelo HIV. 20

Entre as DSTs, o condiloma acuminado foi o agravo mais diagnosticado, ocorrendo em 53,48% dos casos, o que está de acordo com os dados encontrados na literatura. No estudo citado anteriormente,20 encontrou-se alta prevalência da infecção pelo HPV, que foi de 41,2% entre os homens e mulheres que procuraram atendimento em clínicas de DSTs. Quando se considerou apenas o resultado de Manaus, uma das seis cidades estudadas, essa taxa de prevalência subiu para 61,3%, sendo a mais alta entre essas localidades.20 Em outro trabalho, realizado no Rio de Janeiro entre os anos de 1998 e 2000, a taxa de prevalência do DNA do HPV em mulheres foi de 50,1%.22 A importância dessas informações aumenta quando se recorda que há subtipos de HPV com alto risco de oncogenicidade associados ao desenvolvimento de neoplasias intraepiteliais.

O segundo grupo de doenças mais registrado foi o das dermatoses alérgicas, sendo que neste não foram incluídos os casos de dermatite atópica, computados separadamente. Em pesquisas realizadas na África do Sul,15 na Arábia Saudita16 e na Grécia,17 as dermatoses alérgicas foram as doenças cutâneas mais identificadas, com uma frequência de 37%, 35,7% e 31,9%, respectivamente, enquanto que, no Irã18 e na Nigéria,19 foram o segundo grupo mais comum, com 24,5% e 14% dos diagnósticos, respectivamente. Isso tem sido associado a fatores como a industrialização, o aumento do uso de substâncias químicas nos ambientes ocupacional e doméstico, a exposição a produtos de baixa qualidade contendo substâncias irritantes e alérgenos, mudanças nas dietas, o uso extenso e descontrolado de drogas.10,19,23 No Brasil, estudo de 1977 feito na Santa Casa de São Paulo já demonstrava a predominância das dermatites eczematosas que ocorreram em 30,25% dos casos relatados.24 Apesar da prevalência elevada, não existem programas específicos para enfrentamento das dermatoses alérgicas, como ocorre com as DSTs e a hanseníase.

Em terceiro lugar está o grupo das dermatoses não especificadas, registradas em 13,01% dos pacientes atendidos. Nestes, não foi possível estabelecer o diagnóstico da doença na primeira consulta, havendo, provavelmente, necessidade de exames complementares e acompanhamento clínico para definição diagnóstica.

A hanseníase ocupa o quarto lugar na distribuição em termos de frequência, tendo sido diagnosticada em 6,34% dos pacientes consultados. Como a Fuam também é um centro de referência para atendimento dessa doença, isso pode justificar o motivo para esta se encontrar entre as dermatoses mais comumente registradas. Em 2007, foram diagnosticados no estado do Amazonas 729 casos novos de hanseníase, sendo que 372 (51,0%) eram de Manaus, com um coeficiente de detecção de 2,15 casos/10.000 habitantes, um índice ainda considerado muito alto. Tem-se observado, porém, uma tendência decrescente desse indicador, já que, em 1987, o coeficiente de detecção de hanseníase em Manaus era mais alto, com 9,06 casos/10.000 habitantes.25

A acne, a seborreia e afins corresponderam ao quinto grupo mais comumente atendido, com 5,05% dos casos. Isso poderia contrastar com as informações do Censo Dermatológico da Sociedade Brasileira de Dermatologia de 2006, em que a acne foi a doença mais frequente (14%),9 e com estudos feitos na África do Sul, em 1999,15 e na Arábia Saudita em 20002001,16 nos quais essa foi a segunda afecção mais comum, com 15,9% e 12,75% dos casos, respectivamente. É importante mencionar, no entanto, que apenas os pacientes com acne de moderada a severa gravidade são tratados na fundação.

Tumores malignos foram identificados em 3,91% dos pacientes atendidos. Em trabalho feito por Hartshorne em 1999, na África do Sul, 2,8% das dermatoses identificadas corresponderam a tumores malignos,15 enquanto que, na Nova Zelândia, Oakley et al. mostraram, em 1984, que o câncer de pele foi a principal doença dermatológica atendida em serviços de saúde pública, com 18,5% dos casos.26 Já os tumores benignos foram diagnosticados em 3,37% das consultas realizadas, um índice próximo aos dos tumores malignos.

A leishmaniose foi encontrada em 2,62% das primeiras consultas, sendo, por ordem de frequência, a décima primeira doença atendida no cômputo geral, o que pode estar relacionado ao fato de que, em Manaus, o serviço de referência para atendimento da leishmaniose situa-se em outra instituição.

A dermatite atópica foi registrada em 2,60% dos casos. Trabalhos que destacam o eczema atópico como uma dermatose comum são, geralmente, realizados especificamente com população pediátrica, como um estudo feito na Suíça por Wenk et al., que demonstrou que essa era a doença mais prevalente naquela população, com 33,5% dos casos.27 Há necessidade de outros estudos na cidade, principalmente, entre crianças, a fim de determinar sua frequência e relevância.

A psoríase ocorreu em 2,33% dos pacientes, de modo semelhante ao encontrado na literatura, em que se estima um acometimento entre 1-2% das populações da Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos.28 Em contraste, trabalhos realizados na Nova Zelândia26 e na Austrália29 demonstraram uma frequência mais elevada de psoríase, 7,6% e 6,6%, respectivamente, mostrando as variações que pode haver nesse padrão.

A baixa ocorrência das dermatozoonoses, piodermites, infecções virais e micoses superficiais contrasta com dados de estudos em outros países, onde as dermatoses infectoparasitárias foram as doenças cutâneas mais diagnosticadas.5,18,19 Isso pode estar relacionado ao fato de que o estudo de Manaus foi realizado em serviço de atendimento secundário e a maioria dos pacientes com essas doenças, por serem consideradas dermatoses simples, era encaminhada para atendimento na rede básica de saúde. Mas também pode estar associado à forma de registro nos bancos de dados que computam esses diagnósticos de modo separado. Ao somarem-se todos os resultados dos grupos de doenças infecciosas e parasitárias registrados isoladamente, excetuando-se a hanseníase e as DSTs, obtém-se um total de 6.050 casos, correspondendo a 10,67% dos atendimentos, o que caracteriza este grupo, então, como o quarto de doenças cutâneas mais diagnosticadas. Adicionandose os grupos das DSTs e da hanseníase, obtém-se um total de 23.675 casos, os quais correspondem a 41,74% dos atendimentos e configuram o grupo de dermatose cutânea mais comum, semelhante ao que é encontrado em várias outras pesquisas.5,8,18,19

Na comparação com outros trabalhos existentes na literatura, observaram-se muitas variações nos resultados das frequências das dermatoses em cidades do Brasil e do exterior, dependendo dos locais onde foram realizados os estudos, se em serviços de saúde de atendimento básico ou especializado, e da metodologia de classificação das doenças estudadas. Alguns excluíam as DSTs e a hanseníase, por exemplo. Porém, destaca-se que, na maior parte desses trabalhos, tanto as dermatoses alérgicas15,16,17 como as doenças cutâneas infectoparasitárias5,8,18,19 e a acne9,15,16 encontram-se entre as três causas mais comuns de atendimento dermatológico. Neste estudo realizado em Manaus, pode-se observar resultado semelhante.

CONCLUSÃO

A frequência das doenças dermatológicas e o perfil dos pacientes analisados neste estudo permitem concluir que:

As DSTs, as dermatoses alérgicas, as dermatoses não especificadas, a hanseníase e a acne, seborreia e afins, foram os cincos grupos mais diagnosticados. Entre as DSTs, a dermatose mais encontrada foi o condiloma acuminado.

Os cinco grupos menos diagnosticados foram os das doenças metabólicas, das buloses, das micoses subcutâneas e profundas, das doenças hereditárias, da tuberculose cutânea e das micobacterioses atípicas.

Houve frequência semelhante para ambos os sexos, a faixa etária entre 20 e 29 anos foi a mais comum e a maioria dos pacientes referiu ser procedente de Manaus.

Os trabalhos da literatura, apesar das variações em relação aos diagnósticos mais encontradiços, demonstram que as doenças infecciosas e parasitárias, as doenças cutâneas alérgicas e a acne encontram-se, geralmente, entre as mais comuns, analogamente ao que foi identificado neste estudo. Quanto às DSTs e à hanseníase, essa comparação é mais difícil de fazer, pois, em vários estudos, elas eram excluídas da avaliação.

Pode-se afirmar, com esta pesquisa, que as DSTs, especialmente o condiloma acuminado, as dermatoses alérgicas, a hanseníase e a acne, são um importante problema de saúde pública na cidade de Manaus e atingem, predominantemente, uma faixa etária jovem e economicamente ativa.

Esses resultados podem servir como linha de base para que gestores do sistema de saúde desenvolvam estratégias de prevenção e controle das dermatoses na região, com especial ênfase nas DSTs, nas doenças cutâneas alérgicas, na hanseníase e na acne.

Recebido em 26.04.2010.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 08.08.2010.

Conflito de interesse: Nenhum

Suporte financeiro: Nenhum

Referências bibliográficas

  • 1. Grob JJ, Stern RS, Mackie RM, Weinstock WA. Epidemiology, Causes and Prevention of Skin Diseases. Londres: Blackwell; 1997.
  • 2. Koenig TW, Garnis-Jones S, Rencic A, Tausk F. Psychological aspects of skin diseases. In: Freedberg IM, Eisen AZ, Wolff K, Austen KF, Goldsmith LA, Katz SI. Fitzpatrick's Dermatology in general medicine. 6th ed. New York :McGraw-Hill; 2003. p.389-98.
  • 3. Rea JN, Newhouse ML, Halil T. Skin disease in Lambeth. A comunity study of prevalence and use of medical care. Br J Prev Soc Med. 1976;30:107-14.
  • 4. Lowell BA, Froelich CW, Federman DG, Kirsner RS. Dermatology in primary care: Prevalence and patient disposition. J Am Acad Dermatol. 2001;45:250-5.
  • 5. Mahé A, N'Diaye HT, Bobin P. The proportion of medical consultations motivated by skin diseases in health centers of Bamako (Republic of Mali). Int J Dermatol. 1997;36:185-6.
  • 6. Bechelli LM, Haddad N, Pimenta WP, Pagnano PM, Melchior E Jr, Fregnan RC, et al. Epidemiological Survey of Skin Diseases in Schoolchildren Living in Purus Valley (Acre State, Amazonia, Brazil). Dermatologica. 1981;163: 78-93.
  • 7. Talhari S, Torrecila MAA, Talhari A. A study of leprosy and other skin diseases in school children in the state of Amazonas, Brazil. Lepr Rev. 1987;58:233- 7.
  • 8. Pizzol JL. Incidência de Dermatoses em Crianças de Zero a Seis Anos de Idade no Município de Viana - Espírito Santo - no Ano de 1985. An Bras Dermatol.1988;63:15-7.
  • 9. Sociedade Brasileira de Dermatologia. Perfil nosológico das consultas dermatológicas no Brasil. An Bras Dermatol. 2006;81:549-58.
  • 10. Ogunbiyi AO, Daramola OOM, Alese OO. Prevalence of skin diseases in Ibadan, Nigeria. Int J Dermatol. 2004;43:31-6.
  • 11. Goh CL, Akarapanth R. Epidemiology of skin disease among children in a referral skin clinic in Singapore. Pediatr Dermatol. 1994;11:125-8.
  • 12 Manaus.am.gov [internet]. Prefeitura de Manaus. Nossa cidade - informações gerais. [Acesso: 18 Abr. 2009]. Disponível em: http://www.manaus.am.gov.br/culturaeturismo/nossa-cidade/informacoes-gerais
  • 13 Ibge.gov [internet]. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Contagem da população 2007. [Acesso: 17 Abr. 2009]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/xtras/perfil.php?codmun=130260&r=1
  • 14 Fuam.am.gov [internet]. Fundação Alfredo da Matta. Histórico. [Acesso: 9 Dez. 2009]. Disponível em: http://www.fuam.am.gov.br/pagina interna.php?cod=3
  • 15. Hartshorne ST. Dermatological disorders in Johannesburg, South Africa. Clin Exp Dermatol. 2003;28:661-5.
  • 16. Shelleh HH, Al-Hatiti HS. Pattern of skin diseases in a hospital in Southwestern Saudi Arabia. Saudi Med J. 2004;25:507-10.
  • 17. Symvoulakis EK, Krasagakis K, Komninos ID, Kastrinakis I, Lyronis I, Philalithis A, et al. Primary care and pattern of skin diseases in a Mediterranean island. BMC Fam Pract. 2006;7:6.
  • 18. Baghestani S, Zare S, Mahboobi A. Skin disease patterns in Hormozgan, Iran. Int J Dermatol. 2005;44:641-5.
  • 19. Onayemi O, Isezuo SA, Njoku CH. Prevalence of different skin conditions in an outpatients' setting in north-western Nigeria. Int J Dermatol. 2005;44:7-11.
  • 20. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Programa Nacional de DST e Aids. Prevalências e freqüências relativas de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) em populações selecionadas de seis capitais brasileiras, 2005. Brasília: Ministério da Saúde; 2008. 224 p.
  • 21. Carret MLV, Fassa AG, Silveira DS, Bertoldi AD, Hallal PC. Sintomas de doenças sexualmente transmissíveis em adultos: prevalência e fatores de risco. Rev Saúde Pública. 2004;38:76-84.
  • 22. Carvalho MO, Carestiato FN, Perdigão PH, Xavier MP, Silva K, Botelho MO, et al. Human papillomavirus infection in Rio de Janeiro, Brazil: a retrospective study. Braz J Infect Dis. 2005;9:398-404.
  • 23. Naafs B. Allergic skin reaction in the tropics. Clin Dermatol. May-Jun 2006;24:158- 67.
  • 24. Zaitz C, Proença NG, Ferreira AM, Arns VL. Estatísticas do Ambulatório de Dermatologia da Santa Casa de São Paulo (1977). An Bras Dermatol. 1979;54:311-24.
  • 25. Secretaria Estadual de Saúde. Fundação Alfredo da Matta. Boletim Epidemiológico 2007.
  • 26. OakleyA, Hannan S, Hodge L. Aspects of dermatology practice in Auckland. N Z Med J. 1986;99:193-6.
  • 27. Wenk C, Itin PH. Epidemiology of pediatric dermatology and allergology in the region of Aargau, Switzerland. Pediatric Dermatology. 2003;20:482-7.
  • 28. Consenso Brasileiro de Psoríase e Guias de Tratamento. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Dermatologia; 2006. p.16.
  • 29. Plunkett A, Merlin K, Gill D, Zuo Y, Jolley D, Marks R. The frequency of common nonmalignant conditions in adults in central Victoria, Australia. Int J Dermatol. 1999;38:901-8.
  • Endereço para correspondência:
    Adriana Andrade Raposo
    Rua 21, nº 646 - Parque 10, Conjunto Castelo Branco
    69055-390 Manaus - AM
    E-mail:
  • *
    Trabalho realizado na Fundação Alfredo da Matta (Fuam) - Manaus (AM), Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jun 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Recebido
      26 Abr 2010
    • Aceito
      08 Ago 2010
    location_on
    Sociedade Brasileira de Dermatologia Av. Rio Branco, 39 18. and., 20090-003 Rio de Janeiro RJ, Tel./Fax: +55 21 2253-6747 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: revista@sbd.org.br
    rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
    Acessibilidade / Reportar erro