Resumos
Paracoccidioidomicose é a mais prevalente micose sistêmica na América Latina, em pacientes imunocompetentes, sendo causada pelo fungo dimórfico Paracoccidioiddes brasiliensis. O estudo da sua imunopatogênese é importante na compreensão de aspectos relacionados à história natural, como a imunidade protetora, e à relação entre hospedeiro e parasita, favorecendo o entendimento clínico e a elaboração de estratégias terapêuticas. O polimorfismo clínico da doença depende, em última análise, do perfil de resposta imune que prevalece expresso pelo padrão de citocinas teciduais e circulantes, além da qualidade da resposta imune desencadeada, que levam ao dano tecidual
Alergia e imunologia; Citocinas; Paracoccidioides; Paracoccidioidomicose
Paracoccidioidomycosis is the most prevalent systemic mycosis in Latin America, among immunecompetent patients. It's caused by the dimorphic fungus Paracoccidioiddes brasiliensis. Investigations regarding its immunopathogenesis are very important in the understanding of aspects related to natural history, as the protective immunity, and the relationship between host and parasite; also favoring the knowledge about clinical patterns and the elaboration of therapeutic strategies. The disease clinical polymorphism depends, at least, of the immune response profile according to the tissue and blood released citokynes, resulting in tissue damage
Allergy and immunology; Cytokines; Paracoccidioides; Paracoccidioidomycosis
REVISÃO
Imunologia da paracoccidioidomicose*
Maria Rita Parise FortesI; Hélio Amante MiotII; Cilmery Suemi KurokawaI; Mariângela Esther Alencar MarquesIII; Sílvio Alencar MarquesII
IDoutora em Patologia, Bióloga da FMB-Unesp, Botucatu (SP), Brasil
IIDoutor; professor-assistente do Departamento de Dermatologia e Radioterapia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (FMB-Unesp) - Botucatu (SP), Brasil
IIIDoutora em Patologia, Professora adjunta do Departamento de Patologia da FMB-Unesp, Botucatu (SP), Brasil
Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Hélio Amante Miot Departamento de Dermatologia SN Campus Universitário 18618-000 Botucatu - SP Tel.: (14) 9671-5656 E-mail: heliomiot@fmb.unesp.br
RESUMO
Paracoccidioidomicose é a mais prevalente micose sistêmica na América Latina, em pacientes imunocompetentes, sendo causada pelo fungo dimórfico Paracoccidioiddes brasiliensis. O estudo da sua imunopatogênese é importante na compreensão de aspectos relacionados à história natural, como a imunidade protetora, e à relação entre hospedeiro e parasita, favorecendo o entendimento clínico e a elaboração de estratégias terapêuticas. O polimorfismo clínico da doença depende, em última análise, do perfil de resposta imune que prevalece expresso pelo padrão de citocinas teciduais e circulantes, além da qualidade da resposta imune desencadeada, que levam ao dano tecidual.
Palavras-chave: Alergia e imunologia; Citocinas; Paracoccidioides; Paracoccidioidomicose
INTRODUÇÃO
Paracoccidioidomicose (PCM) é micose sistêmica humana, cujo agente etiológico é o Paracoccidioides brasiliensis, fungo termodimórfico (Figura 1) que promove uma doença inflamatória crônica granulomatosa.1
A PCM é endêmica na América Latina, tendo maior incidência no Brasil, e diagnosticada com maior frequência no Estado de São Paulo. A real incidência não é conhecida, porém, nas áreas endêmicas, acredita-se na ocorrência de 3 casos por 100 mil habitantes.2,3
A PCM infecção não privilegia gênero ou etnia; já a PCM doença afeta principalmente trabalhadores rurais adultos, do sexo masculino, em contato constante com a vegetação e solo, no período mais produtivo de suas vidas, o que implica em importante repercussão econômica para pacientes e dependentes.1,2
Trabalhadores rurais, geralmente, estão inseridos em estratos sociais de menor nível socioeconômico, têm higiene menos cuidadosa e apresentam maior grau de desnutrição. Além disso, tabagismo e consumo abusivo de álcool são hábitos comumente observados nesta população.4,5 Estes fatores são considerados condições de risco pré-existentes e exercem papel importante na transformação do estado de infecção para doença manifesta, uma vez que interferem nos mecanismos de defesa do hospedeiro com implicações na qualidade da formação do granuloma.6 Da mesma forma, observa-se em indivíduos imunossuprimidos pela infecção pelo HIV/Aids, ou iatrogenicamente, que o fungo adquire comportamento de agente oportunista, com evolução e aspectos clínicos distintos.7
A relação entre o P. brasiliensis e o meio ambiente ainda não está totalmente esclarecida, mas acredita-se que o micélio seja a forma saprobiótica do fungo na natureza que, sob certas condições, produziria conídios, estruturas de reprodução assexuada e de propagação da espécie. Os conídios, presentes no solo, água e plantas, à temperatura ambiente, são considerados formas infectantes.3,8
O contágio do hospedeiro ocorre mais frequentemente pela inalação de conídios e fragmentos micelianos, que alcançam os bronquíolos terminais e alvéolos pulmonares, onde se transformam em células leveduriformes, produzindo a infecção que pode disseminar-se para os demais tecidos por via linfática e hematogênica. Excepcionalmente, é possível a inoculação traumática do fungo, via tegumentar. O fungo também pode instalar-se na pele e mucosas por inoculação traumática.9-11
A predominância de homens em relação às mulheres afetadas pela PCM ocorre devido ao possível efeito protetor hormonal, este definido pela presença de receptores para estrógenos na parede do fungo, capazes de bloquear a transformação de micélios ou conídios à forma leveduriforme infectante.12,13 O P.brasiliensis é desprovido de sistemas de mobilidade e desenvolveu evolutivamente características antigênicas para permitir sua adesividade e interação com os tecidos do hospedeiro, impedindo a defesa efetiva e garantindo sua sobrevivência.11 Os mecanismos imunopatológicos pelos quais ocorre a persistência da infecção latente, invasão intravascular e disseminação do fungo pelo organismo não são completamente esclarecidos, apesar de inúmeras pesquisas relativas à fisiopatologia da doença e da biologia do fungo.11
Classificação clínica da PCM
A PCM é classificada de acordo com sua história natural e condições clínicas do paciente nas formas aguda ou subaguda e crônica (Quadro 1). As manifestações clínicas dependem da virulência da cepa infectante do P.brasiliensis, do grau e do tipo de resposta imunológica desencadeada, dos tecidos infectados e, especificamente, de características intrínsecas do seu hospedeiro.11,14
Não se conhecem as manifestações clínicas associadas à PCM infecção. Os resultados evidenciados pelo achado de reação intradérmica positiva à paracoccidioidina, quando de inquéritos epidemiológicos, têm mostrado que, em áreas endêmicas, o índice de infecção pode ser alto quanto a 70% da população pesquisada.5 Em contraposição, o número de casos clínicos, com a doença franca, é muito inferior, mostrando que a possibilidade maior é que indivíduos infectados permaneçam como tal, indefinidamente, a não ser que o equilíbrio hospedeiro-parasita seja alterado, permitindo a multiplicação do fungo e a evolução para doença clinicamente manifesta.5,14, 15
A forma aguda ou subaguda (tipo juvenil) é observada em indivíduos jovens de ambos os sexos. Em geral, desenvolve-se a partir de lesão primária pulmonar não detectada que progride rapidamente com disseminação linfática e hematogênica para órgãos do sistema monocítico-macrofágico, como baço, fígado, linfonodos, ossos e medula óssea, levando à deterioração importante da condição clínica do paciente. Altos títulos de anticorpos específicos e depressão grave da imunidade celular são comumente observados.16 Os índices de letalidade associados à PCM estão particularmente associados a essa forma clínica.
A forma crônica, também denominada "do adulto", é a mais comum na prática clínica. Desenvolve-se a partir do complexo primário pulmonar ou da reativação de foco quiescente pulmonar ou metastático. A maior parte dos casos tem início nos pulmões e progride lentamente. Geralmente, é observada em adultos do sexo masculino com mais de 30 anos de idade. Apresenta quadro clínico de duração prolongada, normalmente acima de seis meses de história clínica, e se expressa frequentemente pelo comprometimento pulmonar e tegumentar (cutâneo e/ou mucoso).5
As lesões podem permanecer localizadas (subtipo clínico unifocal) ou se disseminar para vários órgãos e sistemas (multifocal), com gravidade variável.16
Aspectos histológicos das lesões cutâneas
O contato do P.brasiliensis com o tecido do hospedeiro desencadeia inicialmente reação inflamatória congestivo-exudativa com afluxo predominante de neutrófilos. Progressivamente, estas células são substituídas por macrófagos, que se dispõem em nódulos frouxos e células gigantes multinucleadas. Com a evolução do processo, são encontradas células epitelioides e, concomitantemente, forma-se halo linfoplasmocitário. Assim, o granuloma da PCM é constituído por arranjo nodular de células epitelioides e células gigantes multinucleadas do tipo Langhans e corpo estranho, muitas contendo fungos. É comum a presença de área central de supuração e de exsudato inflamatório rico em linfócitos, plasmócitos e eosinófilos, permeando ou circundando a reação granulomatosa (Figura 2). Fibrose de intensidade variável é vista, em geral, circundando o granuloma ou áreas de necrose, que vão sendo progressivamente substituídas por tecido fibroso cicatricial.6,17
Estudos experimentais e em humanos sustentam a hipótese de que o granuloma da PCM pode representar uma resposta imune específica do hospedeiro contra o fungo.18 A evolução do granuloma está relacionada à resposta imune do hospedeiro e aos componentes da parede celular expressos pelo fungo.19 Os granulomas epitelioides, obtidos de biópsias de pele ou mucosa de pacientes com PCM, são compostos por agrupamento central de células HLA-DR+, representadas por macrófagos e células epitelioides envolvidas por manto periférico de células T com predomínio da população CD4+. Estes achados corroboram a hipótese de que os linfócitos T e as células HLA-DR+ estão ativamente envolvidos no processo de formação do granuloma e na defesa do hospedeiro contra o P.brasiliensis.20
Assim, macrófagos e linfócitos T assumem importância central na morfogênese do processo inflamatório e a atuação sinérgica destas células é importante na formação e modulação do granuloma, por meio da produção de citocinas e outros mediadores no sítio inflamatório.14, 18, 21
A configuração morfológica da reação granulomatosa na PCM, baseada no padrão da resposta imunológica, pode ser representada pela configuração de dois polos antagônicos. Em indivíduos com resposta imune celular preservada, observam-se granulomas epitelioides compactos, bem definidos, por vezes confluentes, com poucos fungos e infecção benigna localizada. Nos pacientes que apresentam comprometimento imunológico, a inflamação granulomatosa é desorganizada, com grande número de fungos e granulomas frouxos, mal definidos, com exudação supurativa e áreas de necrose. Ocorrem proliferação e disseminação do fungo, levando à doença generalizada de mau prognóstico.5, 21, 22
Portanto, a reação granulomatosa que ocorre na PCM humana e na experimental representa a mais especializada e eficiente resposta do tecido do hospedeiro na tentativa de bloquear e restringir o fungo, impedindo sua multiplicação e disseminação pelos tecidos.
Lesões cutâneas
O significado clínico das lesões cutâneas depende do seu número, padrão e localização. Lesões múltiplas, do tipo pápulo-acneiformes, sugerem disseminação hematogênica do P. brasiliensis e refletem a gravidade da doença. Basicamente, a frequência, o número e a característica das lesões cutâneas são consequências da interação parasita-hospedeiro, incluindo a patogênese das lesões, o sítio envolvido e a duração da doença.5
A caracterização dos padrões morfológicos das lesões cutâneas na PCM não é facilmente estabelecida devido ao polimorfismo clínico da doença, à dinâmica de evolução da lesão e também ao critério dermatológico empregado. Entretanto, lesões ulceradas são consideradas as mais prevalentes, podendo apresentar um padrão semiológico característico que é a aparência de úlceras limpas, não infectadas secundariamente e com a presença de pontilhado hemorrágico que imita, assim, a denominada estomatite moriforme (Figura 3), auxiliando o diagnóstico clínico.5 As lesões cutâneas são mais frequentes no segmento cefálico e presentes ao redor do nariz e da boca.1,5,23
Formas disseminadas são associadas à resposta imune menos eficiente, ao pior prognóstico e a recidivas mais frequentes, como ocorre nas formas aguda ou subaguda e em formas crônicas graves (Figura 4).
Imunopatogenia da PCM
O estabelecimento da doença, sua disseminação e gravidade dependem de fatores inerentes ao próprio fungo, como sua virulência, composição antigênica, das condições ambientais e, principalmente, dos fatores ligados ao hospedeiro de desenvolver uma resposta imune eficaz. No que se refere a este último aspecto, podemos considerar que o P. brasiliensis sintetiza antígenos metabólicos que interagem com o sistema imune do hospedeiro, provocando uma resposta imunológica altamente complexa e multifatorial.14 Estudos clínicos e experimentais têm sugerido a interação entre mecanismos específicos e inespecíficos de defesa na determinação da resistência ao P. brasiliensis.11, 24
O P. brasiliensis apresenta uma complexa estrutura antigênica, com epítopos que se relacionam com a patogenicidade. O principal componente antigênico do P. brasiliensis é uma glicoproteína de superfície da parede fúngica com 43 KDa (gp43), um antígeno imunodominante associado ao fator de virulência e/ou escape pelo qual o fungo evade os mecanismos de defesa do hospedeiro e se instala nos tecidos.25 A glicoproteína gp43 apresenta efeitos proteolíticos sobre colágeno, elastina e caseína. Esta digestão de proteínas estruturais parece ter importante papel na instalação do fungo nos tecidos.26
Vários mecanismos da imunidade inata, como ativação das proteínas do sistema- complemento e atividade microbicida das células natural killer (NK) e dos fagócitos, constituem forma significativa no combate aos fungos patogênicos. Células da resposta inata-células natural killer (NK), neutrófilos, monócitos e macrófagos - desempenham papel central na resistência ao P. brasiliensis. A participação destas células na reação inflamatória e na atividade fungicida são induzidas pelo fungo e por citocinas produzidas pelas células durante sua interação com fagócitos.27-29 O papel das células NK foi estudado no sangue periférico de pacientes com a PCM e no modelo experimental do hamster. Estas células apresentam atividade citotóxica diminuída quando de PCM doença, sugerindo distúrbio imunológico associado à depressão da imunidade celular tanto em pacientes quanto no modelo experimental.30
A interação entre moléculas de superfície do parasita e receptores homólogos presentes na membrana celular das células fagocíticas, incluindo os neutrófilos, modula a fagocitose e a ativação dessas células. Entre esses receptores destacam-se os receptores semelhantes a Toll (TLRs, Toll-like receptors) e receptores de lecitina tipo C-Like (CLR), que são proteínas transmembrânicas que interagem com estruturas moleculares de patógenos, ativando as células fagocitárias. Os TLRs são capazes de reconhecer porções moleculares associadas ao patógeno (PAMPs) e induzir a sinais que resultam na expressão de genes da resposta imune inata e produção de citocinas inflamatórias e anti-inflamatórias que regulam a resposta imune adaptativa.31
Apesar dos TLRs promoverem resposta imunológica contra agentes infecciosos, modelos experimentais sugerem que leveduras do fungo penetram em macrófagos do hospedeiro através dos receptores TLR2 e TLR4. A interação entre o TLR e o P. brasiliensis é considerada um mecanismo de escape desenvolvido pelo fungo para garantir sua sobrevivência dentro das células fagocitárias.32
Foi demonstrada a participação de TLR2, TLR4 e dectin-1 no reconhecimento e internalização do P. brasiliensis com consequente ativação de neutrófilos. A cepa menos virulenta do fungo foi reconhecida preferencialmente por TLR2 e detectin-1, com produção balanceada de TNF-α e IL-10. No entanto, a cepa mais virulenta induziu somente à produção de TNF-α. Os autores sugerem que a cepa menos virulenta desencadearia uma resposta mais controlada, menos danosa para o hospedeiro por meio da indução da produção de IL-10.33
Polimorfonucleares (PMN) humanos estão presentes em grande quantidade nos tecidos parasitados e apresentam importante papel na atividade fungicida contra o P. brasiliensis através dos mecanismos dependentes dos metabólitos de oxigênio como H2O2 e ânion superóxido, quando estas células são estimuladas com IFN-γ, TNF-α, GM-CSF e IL-15.34,35 Os PMN têm papel essencial nos estágios iniciais da infecção, conferindo resistência ao hospedeiro e contribuindo para o desenvolvimento de resposta imune efetiva contra o P.brasiliensis. PMN ainda produzem grandes quantidades de prostaglandinas E2 e leucotrienos, perpetuando o edema e o processo inflamatório, porém, minimizando a capacidade de dano celular causado pelos monócitos.
No entanto, quando desafiados com P. brasiliensis in vitro, os PMN produzem altos níveis de IL-8, desencadeando processo antiapoptótico dos neutrófilos, favorecendo a multiplicação e sobrevivência do fungo no interior da célula fagocitária.36 Da mesma forma, a produção de óxido nítrico (NO) pelos monócitos, estimulados pelo P. brasiliensis, parece exercer efeito modulador negativo na formação de granulomas e positivo na disseminação fúngica, levando à disseminação da PCM.37
Estudos experimentais e em pacientes com PCM indicam que a resistência ao fungo é dependente das atividades de células T Helper e macrófagos/monócitos, mediadas por IFN-γ e TNF-α.27 O efeito sinérgico entre estas duas citocinas é essencial para a resistência do hospedeiro e eficiente atividade fungicida contra o P .brasiliensis.27,28 Ainda durante a evolução da infecção, os linfócitos CD4 Th1 sintetizam citocinas, como IFN-γ, TNF-αe IL-12, que conferem proteção ao hospedeiro, evitando a disseminação do fungo.14,18,27,38
O TNF-α atua sobre a função macrofágica na PCM humana e experimental, modulando e amplificando a resposta imune, promovendo reação granulomatosa e atividade fungicida mediada por macrófagos.27, 39 A ausência desta citocina resulta no comprometimento dos mecanismos de defesa associado à incapacidade de desenvolver reações granulomatosas, eficientes para conter a multiplicação fúngica.40
O aspecto heterogêneo das lesões observadas no tegumento dos pacientes com PCM está, provavelmente, associado aos eventos imunopatológicos que se estabelecem durante o contato do P. brasiliensis com o tecido do hospedeiro. A interação parasita-hospedeiro estimula a produção de citocinas como o TNF-α pelas células fagocíticas, levando à lesão tecidual através da produção exacerbada de metabólitos intermediários do oxigênio, colagenases e ativação das moléculas de adesão e proliferação fibroblástica. Assim, na PCM, tal como ocorre em outras doenças granulomatosas, como tuberculose,41 esquistossomose42 e hanseníase,43 o TNF-α parece estar envolvido na proteção contra agentes infecciosos através da indução da atividade fungicida e microbicida de fagócitos mononucleares e macrófagos teciduais, na ativação de fibroblastos, na iniciação e manutenção da resposta granulomatosa, na expressão de moléculas de adesão, como também na imunopatogênese tecidual.18,27,39
Para corroborar a importância do papel mediador do TNF-α na formação de resposta imune efetiva contra patógenos intracelulares, cite-se a terapêutica imunobiológica de doenças inflamatórias com imunoglobulinas antiTNF-α, que promove aumento no risco do desenvolvimento de formas graves de doenças infecciosas.44
Nas lesões granulomatosas de pele e mucosa de pacientes com PCM, a expressão de TNF-αdistribui-se difusamente na derme, expressa-se nas células mononucleares do infiltrado inflamatório ao redor do granuloma e em ceratinócitos, indicando o envolvimento desta citocina na gênese e manutenção de granulomas.18 Grande número de células dendríticas expressando TNF-α dispõe-se ao redor de granulomas, sugerindo participação desta citocina precocemente após contato do P. brasiliensis com o hospedeiro.45 A expressão de citocinas anti-inflamatórias, como IL-10 e TGF-b em linfonodos de pacientes com a forma aguda da doença, está associada ao mecanismo pelo qual o fungo evade a resposta imune do hospedeiro, contribuindo para a forma disseminada da PCM.46 A detecção de imunomarcação para IL-10 e IL-5 em granulomas frouxos de pacientes indica resposta imune ineficaz para conter a infecção fúngica.45, 47 Nas formas mucocutâneas da PCM, a presença de TGF-β nas áreas de fibrose após tratamento com sulfametoxazol-trimetoprim sugere que esta citocina está envolvida no processo de cicatrização através da estimulação da proliferação de fibroblastos, como também exerce funções reparadora e reguladora das lesões, modulando a resposta inflamatória, reduzindo a destruição tecidual e contribuindo para o reparo e menor intensidade da sequela tecidual.18
O sucesso da implantação do P. brasiliensis nos tecidos do hospedeiro depende de características do fungo, como virulência da cepa infectante e volume do inóculo e, principalmente, do ambiente de citocinas produzidas durante o confronto entre o fungo e as células fagocitárias. Desta forma, se o fungo induzir precocemente à síntese de citocinas com atividade supressora ou anti-inflamatória, como o TGF-β e IL10, a resultante poderá ser a supressão da resposta macrofágica, permitindo a instalação e a reprodução do fungo nos tecidos e a disseminação do mesmo para vários órgãos e sistemas.14
Há evidências que indicam capacidade de internalização do fungo pelos ceratinócitos, células epiteliais de outros tecidos e pelo endotélio, sem que o processo desencadeie resposta fagocítica efetiva, o que pode indicar mecanismo outro pelo qual o agente evade a fagocitose por leucócitos e, assim, ganha a corrente sanguínea e se dissemina por outros tecidos.11
A imunorregulação na PCM está associada a padrões de resposta imune regulada por células T Helper do Tipo Th1 , Th2 e células T regulatórias CD4+ CD25+ (Treg). Indivíduos saudáveis que entram em contato com o P.brasiliensis podem resolver a infecção no local do inóculo a partir de eficiente resposta imune inata e do desenvolvimento do padrão de resposta Th1, com formação de granulomas densos.14
A maioria das formas clínicas da doença ocorre pela incapacidade de desenvolvimento de resposta efetiva Th1, portanto, inaptidão à formação de granulomas densos. Há, nesses casos, possibilidade de desvio para outros padrões de respostas imunológicas, como a Th2, que resulta ser ineficiente para conter a propagação da infecção.45
Pacientes com a doença em atividade apresentam depressão da resposta imune celular, caracterizada por diminuição da síntese de citocinas de padrão Th1 como IL-2, IFN-g e IL-12, e aumento dos níveis de IL-4, IL-5 e IL-10, que corresponde à resposta de padrão Th2 não protetora ao hospedeiro.48
A resposta imune humoral contra o fungo não é efetiva. Caracteriza-se pela produção de altos títulos de anticorpos das classes IgG4, IgA e IgE, associadas ao predomínio de citocinas supressoras do granuloma como IL-4, IL-5 e TGF-β, além da intensa eosinofilia. É observada em pacientes com as formas mais graves da PCM, o que reforça o papel não protetor da resposta Th2.49,50
Pacientes com a forma crônica de gravidade moderada apresentam resposta imune intermediária entre o padrão Th1 e Th2. Indivíduos com a PCM infecção que vivem em áreas endêmicas, mas que não desenvolvem a doença, apresentam padrão Th1, suprimindo a replicação fúngica e mantendo um equilíbrio entre o hospedeiro e o parasita; além disso, pacientes com a forma aguda/subaguda desenvolvem resposta Th2.51
A importância da resposta Th1 na PCM foi demonstrada, in vivo, pelo desenvolvimento de doença disseminada em paciente portador de deficiência congênita da subunidade b1 do receptor de IL-12/IL 23. Essa deficiência resulta em prejuízo adicional da síntese de IFN-γ, e susceptibilidade às infecções intracelulares por micobactérias e salmonelas.52
Células T regulatórias com fenótipo CD4+ CD25+(Treg) são importantes no controle da resposta imune. A ausência destas células está associada à exacerbação da resposta inflamatória e, consequentemente, ao desenvolvimento de doenças autoimunes. Por outro lado, a ativação excessiva pode estar associada à susceptibilidade aos patógenos.53
Pacientes com PCM crônica apresentam níveis elevados de células com fenótipo característico de células Tregs (CD4+ CD25+), tanto no sangue periférico quanto nas lesões, sugerindo que estas células podem controlar a resposta imune local e sistêmica na PCM crônica. A expressão de receptores CTLA-4 (Cytotoxic T-lymphocyte-associated antigen-4 immunoglobin) em células Tregs age como regulador negativo da ativação das células T em pacientes com PCM.53, 54
Dentro do contexto de susceptibilidade da PCM, antígenos leucocitários humanos classe II (DRB1*11) estão associados à forma crônica unifocal leve, sugerindo que este alelo possa conferir resistência contra a disseminação do P. brasiliensis.55
Citocinas como IL-1b, IL-6, IL-8, IL-10, IL-12 e TNF-α, na PCM, têm sido relatadas por vários autores e sugerem que monócitos/macrófagos são importantes fontes desses peptídeos capazes de promover resposta inflamatória sistêmica.56 A produção sistêmica de TNF-α pode ser responsável por sintomas como febre, anorexia, perda de peso e dano tecidual, comumente associadas às formas moderadas e graves de PCM.39, 57 Níveis elevados de IL-18 e sTNF-RII em pacientes com a forma aguda estão associados à gravidade,58 e sTNF-R1, sTNF-R2 e a quimiocina CXCL9 na forma crônica indicam doença em atividade.59 Em trabalho recente, Siqueira et al, em 2009, demonstraram que a adição de IL-6 em cultura de monócitos permitiu a proliferação do P. brasiliensis quando essas células foram desafiadas com cepa virulenta do fungo. Os mecanismos pelos quais monócitos em presença de IL-6 permitem a proliferação do fungo ainda não são conhecidos; no entanto, a elucidação deste processo poderia contribuir para o entendimento do papel desta citocina na patogênese da PCM.60
Embora a resposta imune seja fundamental para a defesa do hospedeiro, aspectos imunopatológicos estão relacionados à exacerbação da resposta imune, resultando em dano tecidual. Citocinas próinflamatórias como IL-1, IL-8 e TNF-α podem estar envolvidas em distúrbios metabólicos como febre, elevação da proteína C reativa, astenia e perda de peso, observados em pacientes com quadros mais graves.56 Em contrapartida, citocinas anti-inflamatórias IL10 e TGF-β, provavelmente, têm como função controlar e modular a resposta inflamatória sistêmica em pacientes com a doença em atividade.56
Um resumo dos efeitos das citocinas decorrentes da interação entre fagócitos e P. brasiliensis encontra-se na figura 5.
Como exposto, a interação dos componentes da parede do fungo com os receptores do sistema imune do hospedeiro induz à produção de citocinas, que atuam estimulando os mecanismos celulares de defesa contra o fungo, levando à sua eliminação e regulando a intensidade da resposta granulomatosa, impedindo a lesão tecidual. Por outro lado, o envolvimento de citocinas durante o confronto entre o fungo e as células fagocitárias pode promover o crescimento do fungo nos tecidos do hospedeiro levando à progressão da doença.60 No entanto, é fundamental que haja equilíbrio entre os sinais pró e anti-inflamatórios para o sucesso e equilíbrio das interações entre o hospedeiro e o fungo.
Os resultados obtidos até o momento sugerem papel potencial de substâncias imunomoduladoras, como o uso de vacina efetiva que possa modular o sistema imune no sentido de amplificação de resposta eficaz contra o P. brasiliensis. As moléculas associadas às proteínas de choque térmico (heat-shock proteins -HSP) são a opção mais atraente, pois estão associadas a diferentes fenômenos da imunidade inata e adaptativa.61 Membros desta família de proteínas têm sido testados na profilaxia e/ou imunoterapia de doenças como tumores, doença autoimune e micoses.62, 63
O potencial da vacina DNAhsp65 foi testado em modelo murino da PCM como fator imunomodulador. A imunização com a DNAhsp65 induziu à resposta Th1 associada à redução da carga fúngica pulmonar. Estes resultados indicam a DNAhsp65 como candidata promissora e atrativa na prevenção, e mesmo na terapia, como adjuvante no tratamento da PCM.64 Outra molécula, denominada HSP60, quando utilizada no modelo da PCM pulmonar induziu à resposta imune protetora contra a infecção, sugerindo que este antígeno imunodominante é considerado candidato também para o desenvolvimento da vacina contra o P. brasiliensis.65
O tratamento das micoses sistêmicas é feito com antifúngicos sistêmicos e, nos casos de pacientes imunossuprimidos, as formas leveduriformes proliferam intensamente devido à deficiência da resposta imune inata e adaptativa. Nestas condições, a terapêutica é pouco eficiente e períodos longos de tratamento são necessários com risco de recaídas da doença. A vacina terapêutica com antígenos fúngicos pode levar a uma resposta imune celular eficiente impedindo a possível recaída da doença. As vacinas de DNA e peptídeos parecem ser bastante promissoras, pois são obtidas em grandes quantidades e com alto grau de purificação para a imunização humana.66
O estudo da imunologia da PCM tem fornecido subsídios para o entendimento da história natural da doença e suas manifestações clínicas para a elaboração de propostas terapêuticas, bem como o desenvolvimento de medidas protetoras, como as vacinas. Enquanto todos estes aspectos fisiopatológicos não são esclarecidos, a PCM permanece como doença de grande morbidade para os pacientes, causando significativo impacto à sociedade.
AGRADECIMENTOS
À fotógrafa Eliete Soares, pela documentação fotográfica clínica. À bióloga Rosângela Maria Pires de Camargo, pela realização dos exames micológicos.
Aprovado pelo Conselho Editorial e aceito para publicação em 29.04.2010.
Conflito de interesse: Nenhum
Suporte financeiro: Nenhum
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
21 Jun 2011 -
Data do Fascículo
Jun 2011
Histórico
-
Recebido
29 Abr 2010