Resumos
A arte da Cantaria usando o quartzito foi utilizada na construção dos monumentos históricos de Ouro Preto/MG. Após mais de 300 anos de existência, parte de algum desses monumentos encontra-se em avançado estágio de deterioração. Na restauração desses monumentos, alguns restauradores empregam a resina poliéster ortoftálica. Nesse trabalho, o quartzito itacolomi não colado e colado com diversas resinas foi submetido a ensaio de resistência em flexão e constatou-se que a resina suportou carga maior que o quartzito. Todos os corpos-de-prova romperam fora da região da aplicação da resina, confirmando a eficácia das resinas para colar a rocha.
Quartzito; resinas; comportamento mecânico; monumentos históricos
The art of carving stone using itacolomi quartzite was employed in the monuments of Ouro Preto city in Minas Gerais. More than 350 years after being built, some of these monuments are in an advanced stage of deterioration. In the restoration of these buildings, some restaurateurs employ orthophthalic polyester resin. In the present study, both non-glued and glued (using different types of resins) itacolomi quartzite were submitted to a flexion strength test. After some trials, it was verified that the resins supported greater loads than the quartzite. All specimens broke outside the resin's application area, thus confirming the effectiveness of resin adherence to rock.
Quartzite; resins; mechanical behavior; historical monuments
METALURGIA E MATERIAIS METALLURGY AND MATERIALS
Avaliação da integridade estrutural do quartzito Itacolomi empregado em monumentos históricos de Ouro Preto sem e com colagem usando diferentes resinas
Evaluation of the structural integrity of Itacolomi quartzite employed in historical monuments of Ouro Preto/MG that was either non-glued or glued using different types of resins
José Henrique NevesI; Leonardo Barbosa GodefroidII; Luiz Cláudio CândidoIII
IEngenheiro Mecânico; M.Sc.; Professor do IFMG, Campus de Ouro Preto. jhneves106@gmail.com
IIEngenheiro Metalúrgico; M.Sc.; D.S; Professor Associado III; Grupo de Estudo sobre Fratura de Materiais, Departamento de Eng. Metalúrgica e de Materiais Escola de Minas/UFOP leonardo@demet.em.ufop.br
IIIEngenheiro Metalúrgico, M.Sc.; D.Sc; Professor Associado III; Grupo de Estudo sobre Fratura de Materiais, Departamento de Eng. Metalúrgica e de Materiais Escola de Minas/UFOP candido@em.ufop.br
RESUMO
A arte da Cantaria usando o quartzito foi utilizada na construção dos monumentos históricos de Ouro Preto/MG. Após mais de 300 anos de existência, parte de algum desses monumentos encontra-se em avançado estágio de deterioração. Na restauração desses monumentos, alguns restauradores empregam a resina poliéster ortoftálica. Nesse trabalho, o quartzito itacolomi não colado e colado com diversas resinas foi submetido a ensaio de resistência em flexão e constatou-se que a resina suportou carga maior que o quartzito. Todos os corpos-de-prova romperam fora da região da aplicação da resina, confirmando a eficácia das resinas para colar a rocha.
Palavras-chave: Quartzito, resinas, comportamento mecânico, monumentos históricos.
ABSTRACT
The art of carving stone using itacolomi quartzite was employed in the monuments of Ouro Preto city in Minas Gerais. More than 350 years after being built, some of these monuments are in an advanced stage of deterioration. In the restoration of these buildings, some restaurateurs employ orthophthalic polyester resin. In the present study, both non-glued and glued (using different types of resins) itacolomi quartzite were submitted to a flexion strength test. After some trials, it was verified that the resins supported greater loads than the quartzite. All specimens broke outside the resin's application area, thus confirming the effectiveness of resin adherence to rock.
Keywords: Quartzite, resins, mechanical behavior, historical monuments.
1. Introdução
O quartzito Itacolomi foi largamente utilizado na construção de casas, monumentos civis e religiosos na cidade de Ouro Preto/MG, no século XVIII (Linguanotto, 1972).
O quartzito micáceo ou itacolomito é formado de grãos de quartzo ligados por um cimento de mica (Sericita), produzido pela alteração de vários aluminossilicatos. É ocasionalmente flexível em alto grau, em virtude da lixiviação parcial da mica, permitindo o entrelaçamento dos cristais, como se fossem articulados entre si. O referido quartzito é, também, conhecido como quartzito flexível do Brasil (Villela, 2003).
Por apresentar uma textura fanerítica de média a fina, possuir granulação visível, textura áspera e apresentar desprendimento dos grãos, durante o polimento, torna-se muito difícil a obtenção de superfícies lisas e polidas, como ocorre, por exemplo, com a rocha esteatito, denominada "pedra sabão". A sua utilização se deve à característica geológica de não soltar placas e ser formado por grãos que são liberados à medida que são trabalhados por uma ferramenta cortante. Apesar de ser poroso, possui contornos de grãos entrelaçados, fato que lhe confere grande resistência mecânica. Nas cidades históricas, algumas preciosidades artísticas encontram-se deterioradas, por estarem expostas aos agentes de intemperismo e a outros tipos de ambientes agressivos. Faz-se, então, necessária a intervenção para a preservação e recuperação de acervos. Sabe-se que o emprego de resinas em restaurações de monumentos rochosos tem sido efetuado de maneira empírica. As resinas misturadas com pó de rocha são utilizadas para enchimento de descontinuidades e união por colagem de peças degradadas. Entre outros, o restaurador Jair Afonso Inácio e o mestre da Cantaria José Raimundo Pereira ("mestre Juca") empregaram a resina poliéster. A resina epóxi foi sugestão do vendedor da casa das resinas por ser também empregada em restaurações. Assim, o objetivo desse trabalho, devido à escassa bibliografia existente sobre o quartzito itacolomi, foi avaliar as propriedades mecânicas dessa rocha, empregando-se ensaios de flexão em amostras sem e com diferentes tipos de resinas.
2. Materiais e métodos
O bloco de rocha, utilizado na confecção de corpos-de-prova (CPs), foi retirado da encosta a noroeste da serra do Itacolomi. A preparação de CPs prismáticos retangulares, com dimensões de 20x10x5cm, para ensaios de flexão, obedeceu à Norma ABNT/NBR 12763-1992.
Para a descrição mineralógica, via microscopia óptica, utilizaram-se seis lâminas delgadas de acordo com a Norma ABNT/NBR 12768-1992. A Figura 1 apresenta a seqüência de cortes para a confecção das lâminas analisadas, no CP número 1. As lâminas foram cortadas nas faces A, B e C, no sentido longitudinal paralelo, longitudinal perpendicular e transversal, respectivamente ao plano de foliação (Neves, 2006).
A Figura 2(a-c) apresenta as fotografias das lâminas, sendo que a Figura 2(a, b) corresponde à lâmina A. Nota-se, na Figura 2(a) que os grãos do quartzito são ligados com cimento (sericita), de cores cinza-claro com manchas ou veios marrons, acinzentados, esverdeados e róseos. Na Figura 2(b), destacam-se os contatos relativamente retilíneos dos contornos de grãos, empregando-se polarização cruzada. Na Figura 2(c), vê-se a lâmina B com os grãos de quartzo e grãos opacos (escuros), geralmente de hematita ou de magnetita, empregando-se luz polarizada descruzada.
Para os ensaios de flexão, utilizou-se uma máquina servo-hidráulica MTS-810 de 10 toneladas. A taxa de varredura do êmbolo foi de 4500 N/min.
Para aplicação de esforços nos CPs, foram usinados três cilindros de aço do tipo AISI 4340, conforme Norma ASTM E399/90. O sistema usado para o ensaio é constituído por dois cilindros fixados na parte inferior, onde são apoiados os CPs e um cilindro superior (cutelo) móvel (Figura 3a e b). De acordo com a norma, o diâmetro do cilindro usado no dispositivo, para a execução dos ensaios de flexão, deve obedecer à relação
W/2 < D < W
onde: "W" é a espessura do corpo de prova e "D" é o diâmetro do cilindro.
Para avaliar a resistência do quartzito, após colagem dos CPs, eles foram colados com resinas do tipo poliester insaturada ortoftálica PA-154, isoftálica 33411e epoxídica CRM 029.
Um aspecto importante considerado nesse trabalho foi a análise da integridade estrutural dos mesmos CPs, previamente rompidos e posteriormente colados na temperatura ambiente, uma vez que o material quartzítico, por ser cerâmico, apresenta comportamento mecânico elástico na temperatura ambiente.
As resinas poliéster e epóxi foram misturadas manualmente com o pó de quartzito, na razão de um terço do volume de pó para dois terços do volume de resina, visando à adequada viscosidade do material compósito obtido. O tempo de cura das resinas foi de três dias.
3. Resultados e discussão
A Tabela 1 mostra a composição mineralógica volumétrica microscópica das amostras. Nota-se que o quartzito apresenta uma composição relativamente heterogênea (Campos, 2005). Ferreira (1991) observou resultados semelhantes, porém com grau de dispersão ainda maior, encontrando, além do quartzo e da sericita, a limonita. Silva (2007) executou os ensaios em flexão obtendo uma dispersão semelhante e determinou, também, a porosidade aparente, a absorção de água e o desgaste abrasivo.
A dispersão da composição mineralógica dos materiais que constituem a rocha, analisada por microscopia óptica em lâminas, se deve à grande variação da composição química do bloco de quartizito,. A referida dispersão está apresentada na Tabela 1.
A Tabela 2 e a Figura 4 apresentam os valores dos resultados encontrados nos ensaios de flexão em CPs colados com resina ortoftálica e não-colados. Nota-se a variação nos resultados em função da composição química do material e da região onde foram retirados os CPs. Alguns CPs (CP2 e CP7) colados sofreram ruptura com cargas maiores em relação à condição não-colada.
As Figuras 5(a-c) e 6(a-d) mostram corpos-de-prova ensaiados sob flexão, sem e com colagem, respectivamente.
Todos os CPs colados, com exceção do CP4 e CP7 (Figura 6), romperam próximo à região central e paralelamente à direção de avanço do esforço aplicado. O plano de ruptura do CP4 ocorreu a aproximadamente 30º em relação ao plano da superfície (Figura 6-b). Já o CP7 rompeu a aproximadamente dois terços de uma das extremidades e fazendo um ângulo em torno de 45º em relação à direção de avanço do cutelo (Figura 6-c e Figura 6-d).
No caso do emprego das resinas poliéster isoftálica e epoxídica os corpos-de-prova romperam-se de maneira semelhante à resina poliéster ortoftálica.
As Tabelas 3 e 4 e a Figura 7 apresentam os valores obtidos nos ensaios de flexão com resinas poliéster isoftálica e epoxídica. Observa-se que o valor médio da tensão de ruptura é significativamente, mais elevado em relação à resina ortoftálica. E ainda, nota-se que os resultados foram mais uniformes. Esse aspecto, provavelmente, é devido ao fato de que os CPs foram extraídos mais internamente na rocha, região mais homogênea, portanto sofreu menor ação do intemperismo. Em decorrência desse fenômeno, a superfície do bloco de rocha sofreu o processo de decomposição. Assim, os grãos de quartzo, no interior do referido bloco, estavam mais coesos do que os da superfície que apresentavam um alto grau de desagregação, soltando, inclusive, com o contato das mãos. De acordo com Ideas Project (1992) uma rocha de quartzito é considerada inalterada, pelo intemperismo, quando, em geral, apresenta uma porosidade total em torno de 5-10% do volume.
Apesar da eficiência do sistema de colagem do quartzito itacolomi, os resultados dos ensaios de resistência à flexão não atingiram o valor mínimo estabelecido pela Norma ASTM C-615/92, de 10MPa, para aplicação de rochas ornamentais, segundo Frazão e Farjallat (2003 e 2005), pois os valores encontrados, nesse trabalho, variaram de 1,22MPa a 5,22MPa.
4. Conclusões
A partir dos ensaios e análises realizadas, concluiu-se que:
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Todos os corpos-de-prova romperam sob esforços de flexão próxima à região onde foram colados com as três resinas utilizadas, indicando um bom desempenho das mesmas em colagem do quartzito itacolomi.
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De modo geral, a ruptura dos corpos-de-prova ocorreu próxima à linha central dos mesmos, região de concentração de carga.
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Em todos os casos, o plano de rompimento dos corpos-de-prova colados ficou relativamente paralelo aos planos de aplicação das resinas.
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As dispersões de resultados ocorreram, provavelmente, porque o quartzito itacolomi apresenta um comportamento heterogêneo, composição química variada e decomposição por intemperismo que não acontece uniformemente.
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Os valores obtidos de resistência à flexão para o quartzito itacolomi foram inferiores aos sugeridos pela literatura para aplicação industrial de uma rocha
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Observou-se maior homogeneidade estrutural na região interna do bloco em decorrência da menor ação de agentes que promovem intemperismo no quartzito.
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As resinas empregadas em recuperações de monumentos históricos apresentam certa eficiência temporiamente. No entanto, é necessário pesquisar outro tipo de resina, o qual possa resistir, por mais tempo aos agentes de intemperismo.
5. Referências bibliográficas
Artigo recebido em 15 de novembro de 2010.
Aprovado em 20 de junho de 2011.
Referências bibliográficas
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
20 Jan 2012 -
Data do Fascículo
Dez 2011
Histórico
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Recebido
15 Nov 2010 -
Aceito
20 Jun 2011