Open-access Alterações menstruais em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico sob uso de imunossupressores

Resumos

INTRODUÇÃO: O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença autoimune que afeta mulheres em idade fértil. Em seu tratamento são utilizados imunossupressores que podem afetar as gônadas. OBJETIVO: Avaliar a frequência de alterações menstruais de pacientes lúpicas tratadas com imunossupressores. MÉTODOS: Foram estudadas 87 pacientes, com idade inferior a 40 anos, com LES em seguimento ambulatorial e verificado o esquema terapêutico utilizado. Excluiu-se do estudo outras causas orgânicas de alteração menstrual. Foi feita correlação de alterações menstruais com o tipo e o tempo de uso dos diferentes imunossupressores. RESULTADOS: A idade variou de 14 a 38 anos, com média de idade 28,01 ± 5,81 anos; a média de idade da menarca foi de 13,12 ± 1,77 anos e o diagnóstico de lúpus 21,40 ± 5,75 anos. O corticoide estava em uso de forma individual por 63,2%, com média de tempo de 6,11 ± 5,14 anos e o uso de outros imunossupressores ocorreu com média de tempo de 5,60 ± 3,59 anos. Alterações menstruais ocorreram em 37,9% e amenorreia em 11,5%. Houve associação das alterações menstruais com o uso dos imunossupressores (IS) (P = 0,034). CONCLUSÃO: A frequência de alterações menstruais foi superior a encontrada na população em geral, semelhante ao observado em outras publicações sobre lúpus em tratamento. A maior frequência de alterações menstruais nessas pacientes foi significativamente associada ao uso de Imunesupressores. O resultado justifica a prudência no uso destes medicamentos, a orientação para pesquisa e uso de técnicas de meios de preservação dos ovários.

falência ovariana prematura; imunossupressores; hemorragia uterina; lúpus eritematoso sistêmico; amenorreia


INTRODUCTION: Systemic lupus erythematosus (SLE) is an autoimmune disease that affects fertile-age women and of which treatment includes immunosuppressive agents that can affect the gonads. OBJECTIVE: To evaluate the frequency of menstrual alterations in lupus patient treated with immunosuppressive agents (ISA). PATIENTS AND METHODS: A totalof 87 patients, aged < 40 years, were studied. The patients were followed by outpatient management and the treatment used was verified. Only organic causes of menstrual alterations were excluded from the study. The menstrual alterationswere correlated with the type and time of use of different ISA. RESULTS: Age varied from 14 to 38 years, with a mean age of 28.01 ± 5.81 years; the mean age at menarche was 13.12 ± 1.77 years and the diagnosis of SLE was at 21.40 ±5.75 years. Corticoids were used as single therapy by 63.2% of them, for a mean time of 6.11 ± 5.14 years and the use of other immunosuppressive agents occurred with a mean time of 5.60 ± 3.59 years. Menstrual alterations occurred in 37.9% and amenorrhea in 11.5%. There was an association between menstrual alterations with the use of ISA (P = 0.034). CONCLUSION: The frequency of menstrual alterations was higher than that found in the general population, similar to what was observed in other publications on lupus treatment. The higher frequency of menstrual alterations in thesepatients was significantly associated with the use of ISA. The results justify caution when prescribing these medications,research indication and the use of techniques for ovarian preservation means.

premature ovarian failure; immunosuppressive agents; uterine hemorrhage; systemic lupus erythematosus; amenorrhea


ARTIGO ORIGINAL

Alterações menstruais em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico sob uso de imunossupressores

Dejan Rodrigues NonatoI; Vitalina Souza BarbosaII; Diogo Lima RodriguesIII; Poliana Cordeiro AmaralIV; Mychelle Resende AssisIV; Nilzio Antonio da SilvaV

IProfessor Auxiliar do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da FM-UFG - Mestre em Ciências de Saúde pela FM-UFG

IIProfessora Assistente do Serviço de Reumatologia do Depto. de Clínica Médica da FM-UFG - Mestre em MedicinaTropical pela Universidade Federal de Goiás

IIIAcadêmico 6º ano FM - Escola Superior de Ciências de Saúde do Distrito Federal

IVAcadêmica do 5º ano - Faculdade de Medicina - UFG

VProfessor Titular de Reumatologia da Faculdade de Medicina - Departamento de Clínica Médica da FM-UFG

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dejan Rodrigues Nonato Avenida 5.a Radial n.o 131, apartamento 1602, Edifício Antônio Poteiro, Setor Pedro Ludovico Goiânia, Goiás, Brasil. CEP: 74823030 E-mail: dejan@pop.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença autoimune que afeta mulheres em idade fértil. Em seu tratamento são utilizados imunossupressores que podem afetar as gônadas.

OBJETIVO: Avaliar a frequência de alterações menstruais de pacientes lúpicas tratadas com imunossupressores.

MÉTODOS: Foram estudadas 87 pacientes, com idade inferior a 40 anos, com LES em seguimento ambulatorial e verificado o esquema terapêutico utilizado. Excluiu-se do estudo outras causas orgânicas de alteração menstrual. Foi feita correlação de alterações menstruais com o tipo e o tempo de uso dos diferentes imunossupressores.

RESULTADOS: A idade variou de 14 a 38 anos, com média de idade 28,01 ± 5,81 anos; a média de idade da menarca foi de 13,12 ± 1,77 anos e o diagnóstico de lúpus 21,40 ± 5,75 anos. O corticoide estava em uso de forma individual por 63,2%, com média de tempo de 6,11 ± 5,14 anos e o uso de outros imunossupressores ocorreu com média de tempo de 5,60 ± 3,59 anos. Alterações menstruais ocorreram em 37,9% e amenorreia em 11,5%. Houve associação das alterações menstruais com o uso dos imunossupressores (IS) (P = 0,034).

CONCLUSÃO: A frequência de alterações menstruais foi superior a encontrada na população em geral, semelhante ao observado em outras publicações sobre lúpus em tratamento. A maior frequência de alterações menstruais nessas pacientes foi significativamente associada ao uso de Imunesupressores. O resultado justifica a prudência no uso destes medicamentos, a orientação para pesquisa e uso de técnicas de meios de preservação dos ovários.

Palavras-chave: falência ovariana prematura, imunossupressores, hemorragia uterina, lúpus eritematoso sistêmico, amenorreia.

INTRODUÇÃO

O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença inflamatória crônica, que afeta múltiplos órgãos, de causa desconhecida e de natureza autoimune, caracterizada pela presença de diversos autoanticorpos. Evolui com manifestações clínicas polimórficas, com períodos de exacerbações e remissões. De etiologia não totalmente esclarecida, o desenvolvimento da doença está ligado à predisposição genética e fatores ambientais.1

O conhecimento de que as doenças reumatológicas têm impacto abrangente em diversos órgãos e sistemas das pacientes, e os estudos orientados para avaliar a função sexual e reprodutiva mostram resultados importantes para condução clínica pela origem multifatorial e pela repercussão negativa na qualidade de vida de pacientes de ambos os gêneros.2

O LES se apresenta predominantemente no sexo feminino, em proporção de 10 para 1 em relação ao sexo masculino. Sua manifestação se faz principalmente no menacme quando o funcionamento ovariano com ciclo menstrual normal e a fertilidade são importantes na saúde da mulher.1 Em pacientes lúpicas em tratamento são frequentes as citações de irregularidades menstruais, amenorreia e falência ovariana prematura. Explicações causais associam-nas tanto à autoimunidade como aos medicamentos utilizados, em especial os imunossupressores.3,4

Diversos estudos e publicações têm procurado avaliar alterações menstruais relacionadas a doenças autoimunes e em especial ao LES.3,4,5 Estudo prospectivo em 36 pacientes com LES, sem a utilização de ciclofosfamida, procurou determinar a prevalência de alteração menstrual e avaliar a possível associação com variáveis clínicas, hormoniais e terapêuticas. Alterações menstruais foram verificadas em 52,7% (19/36), sendo que a função ovariana se manteve preservada em todas elas. O uso corrente de azatioprina não foi associado à alteração menstrual. Foi considerada como principal fator de risco para alteração menstrual a atividade da doença lúpica nas pacientes que não estavam usando alquilantes.5

Os imunossupressores que são largamente utilizados no tratamento do LES têm seu mecanismo de ação pela capacidade de inibir a proliferação celular e produzir apoptose em células de resposta imunológica. Esta ação pode se estender além do sistema imunológico e, dentre outros, a órgãos do aparelho genital feminino. Os corticoides, que também fazem parte deste estudo, têm também ação imunossupressora e outras possíveis consequências como, por exemplo, a retroinibição do eixo hipotalâmico.6

Os ovários apresentam diferentes sensibilidades às substâncias tóxicas. É variável com a idade das pacientes, o tipo e dose do medicamento e o estágio evolutivo do folículo ovariano. No ovário da mulher são mais sensíveis à toxicidade os folículos maiores, antrais e pré-ovulatórios, quando em tratamento com radiações ionizantes e com imunossupressores alquilantes (ciclofosfamida). Estabeleceu-se que a dose total de ciclofosfamida para produzir amenorreia é de 20,4 g em mulheres com idade entre 20 e 29 anos, de 9,3 g entre 30 a 39 anos e de 5,2 g entre 40 a 49 anos.7

No gênero masculino, a avaliação funcional da gônada em pacientes com LES é uma preocupação dos pesquisadores. Em análise funcional, as anormalidades nos espermatozoides e redução do volume testicular são variáveis pesquisadas. O uso de ciclofosfamida endovenosa é considerado como fator de risco para dano permanente de acordo com pesquisa publicada.8

Publicações têm comprovado a relação entre uso de corticoide e alteração menstrual, pela retroinibição cruzada com o eixo hipotalâmico-hipofisário-ovariano. Estudo clínico randomizado realizado em pacientes eumenorreicas procurou verificar as alterações da secreção de gonadotrofinas, hormônio folículo estimulante (FSH) e hormônio luteinizante (LH), de estrogênios e progesterona. Injeções de cortisol e dosagens seriadas na fase folicular inicial mostraram redução da frequência da secreção pulsátil do LH e FSH. O estudo consegue demonstrar que o cortisol altera diretamente a produção das gonadotrofinas por interferir na secreção do fator de liberação de gonadotrofinas (GnRH). Somente o excesso de cortisol parece interferir e definir as causas de alteração menstrual como, por exemplo, em situação de stress.9

A análise da função gonadal, realizada em 25 homens com lúpus, verificou que as seguintes disfunções gonadais: atrofia testicular, níveis elevados de FSH, de LH, e alterações dos espermatozoides, foram estatisticamente maiores nos pacientes com LES do que nos controles. Em sua conclusão considera que uma abordagem multidisciplinar é essencial para oferecer medidas preventivas para esses pacientes.10

Diante do possível efeito gonadotóxico, ou de interferência no eixo hipotálamo-hipófiso-ovariano (H-H-O), é importante verificar se as pacientes submetidas a tratamento com os imunossupressores (IS) apresentam distúrbios no período menstrual. As alterações menstruais com aumento do sangramento prejudicam as atividades sociais, as atividades laborais e podem provocar anemia ferropriva. A perda da fertilidade é uma preocupação para essas pacientes, pois o lúpus ocorre num período em que a maternidade é um anseio para elas. De maior gravidade, a menopausa precoce é uma condição que antecipa alterações de saúde da mulher com maior propensão para doenças crônicas degenerativas, câncer ginecológico e mortalidade precoce.11

Este estudo procurou avaliar possíveis repercussões dos imunossupressores utilizados no tratamento do lúpus sobre a função ovariana, aqui avaliada através das manifestações clínicas das irregularidades menstruais. A importância do nosso estudo é realçada pelas poucas publicações existentes, sendo que este é o primeiro relato de avaliações de pacientes de nossa região com este enfoque. Podemos agora desenvolver estudos comparativos com outros de pacientes do nosso país de dimensão continental, e de diversos fatores que podem modificar a evolução da doença.

PACIENTES E MÉTODOS

O estudo foi feito em corte transversal sobre uma população de pacientes com diagnóstico de lúpus eritematoso sistêmico, tratadas no serviço de reumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Estado de Goiás. Foram incluídas, sequencialmente, as mulheres que compareceram ao serviço entre janeiro de 2007 e novembro de 2008. Para o registro das informações foi utilizado um protocolo no qual foram anotados os dados demográficos das pacientes, os critérios que justificaram o diagnóstico de lúpus, dados ginecológicos e obstétricos e os dados relacionados aos tipos de tratamento.

Foram definidos como critérios para inclusão no estudo: 1) concordar livremente em participar da pesquisa e assinar o termo de consentimento livre e esclarecido; 2) ter diagnóstico comprovado de lúpus de acordo com critérios estabelecidos pelo Colégio Americano de Reumatologia;12,13 3) estar na faixa etária contida entre a menarca e menos de 40 anos; e 4) estar ou não com a doença em atividade.

Foram considerados motivos para exclusão do grupo: 1) recusar-se a participar em qualquer momento do processo de pesquisa; 2) o uso de anticoncepcional; 3) apresentar causas orgânicas de sangramento uterino; 4) ser histerectomizada.

De acordo com a indicação clínica de cada caso, as pacientes foram submetidas a tratamento com imunossupressor em formulação única ou associada (prednisona, ciclofosfamida, azatioprina e metotrexato), com dosagens definidas pelo protocolo do serviço de reumatologia. A prednisona foi usada na dose inicial de 1 mg/kg/dia com dose de manutenção de 5-10 mg/dia via oral, e a ciclofosfamida na dosagem de 0,75 g/m2 até 1 g /m2 endovenosa mensal. Já a azatioprina foi de 2-3 mg/kg/dia via oral e o metotrexato na dose de 10-25 mg oral, intramuscular ou endovenoso, semanal.

O diagnóstico de sangramento uterino alterado obedeceu à classificação sugerida por Machado et al,14 feita de acordo com os seguintes critérios: normalidade, identificada como eumenorreia, caracterizada por sangramento entre 21 e 35 dias e quantidade entre 20 e 80 mL, por 2 a 7 dias. As alterações foram agrupadas conforme se manifestaram por excesso ou diminuição no fluxo, espaçamento ou duração reduzida do sangramento:

• hipermenorreia, com sangramento menstrual por mais de sete dias;

• menorragia, com o volume de sangramento maior que 80 mL do período;

• polimenorreia, em caso de sangramento com intervalo menor que 18 dias;

• hipomenorreia, quando apresentaram menos de 3 dias de menstruação;

• oligomenorreia, se ocorreu intervalo de mais de 45 dias entre as menstruações;

• amenorreia secundária, se houve intervalo de mais de 90 dias entre os sangramentos, após a ocorrência da menarca.14

A normalidade da anatomia uterina e ovariana, para se considerar a hemorragia como disfuncional, também foi avaliada pela ultrassonografia. Como volume uterino normal foi considerado aquele contido entre valores de 30 a 120 cm3, utilizando-se como método de mensuração o produto dos diâmetros longitudinal, ântero-posterior e lateral pela constante 0,5233 (cálculo de volume como o de uma estrutura elipsoide). Aceitaram-se as medidas de 3 a 9cm3 como volume ovariano normal, utilizando-se como método de mensuração o produto dos diâmetros longitudinal, ântero-posterior e lateral pela constante 0,4233 (fórmula de cálculo de volume para estrutura elíptica).15

Foi realizado o estudo comparativo das características menstruais com o tempo de uso de IS, e daquelas com os diferentes grupos de medicamentos usados. Com a presença dessas variáveis contínuas e nominais, por se tratar de amostras com distribuições normais foram submetidas à análise de variância (anova). O teste de Fischer foi utilizado para testar diferenças entre variáveis nominais, de alteração ou não da menstruação com uso de IS em dois grupos, devido ao tamanho da amostra apresentada por categorias se tornar insuficiente para a realização do qui-quadrado. Fixou-se o nível de 95% de confiança, considerando significativo (P < 0,05).

Os dados foram armazenados em banco de dados através de planilha eletrônica no software Excel, do pacote Office 2003, os testes realizados com o programa SPSS 17.0, e os resultados apresentados através de tabelas e análise descritiva e comparativa no software Word.

O projeto de trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição com o Protocolo CEPMHA/HC/UFG/142/06, de 30/11/2006 e conduzido segundo a Resolução n.º 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que gere a realização de pesquisa envolvendo seres humanos.

RESULTADOS

A amostra foi constituída por 87 mulheres, com média de idade 28,01 ± 5,81 anos que foram distribuídas nas seguintes faixas etárias: 14 a 19 anos, 8 pacientes, sendo 9% do total; de 20 a 25 anos, 20 (23%), de 26 a 30 anos, 27 (31%), de 31 a 35 anos, 23 (26,4%), de 36 a 38 anos, 9 (10,4%). Verifica-se na distribuição a presença de 9,2% das pacientes ainda adolescentes. E que 63,2% das pacientes têm menos de 30 anos (Tabela 1).

No grupo estudado a cor da pele predominante de pacientes foi a branca com 55,2%, e na tabela 1 são mostrados dados referentes à idade da ocorrência de algumas variáveis do estudo.

Essas pacientes foram submetidas a tratamento com imunossupressores, em forma individual ou em associação (prednisona, azatioprina, ciclofosfamida e metotrexate), de acordo com as indicações clínicas. Ao longo do tratamento as pacientes fizeram uso de imunossupressores de acordo com as diferentes indicações clínicas (Tabela 2).

Os modos de uso dos medicamentos ao longo do tratamento são diferentes do que se obtém no momento da coleta da pesquisa em estudo transversal, como se verifica na Tabela 2.

As pacientes em uso do corticoide prednisona formaram o grupo predominante, com 63,2% delas. O segundo grupo é formado pelas pacientes que usaram imunossupressores antiproliferativos (azatioprina, metotrexato, ou ciclofosfamida) de forma individual, ou em associação entre si, ou com o corticoide prednisona (Tabela 3).

O tempo de uso de medicamentos é mostrado na Tabela 3 e podemos verificar que a maioria fez uso por tempo superior a um ano, sendo que a média do tempo de uso da prednisona foi de 6,11 ± 5,14 anos e a do uso de outros imunossupressores foi de 5,60 ± 3,59 anos (Tabela 4).

A Tabela 4 mostra a distribuição das mulheres que usaram medicamento imunossupressor, de acordo com o comportamento de seu ciclo menstrual. Percebe-se que 23 mulheres, 37,9% do total examinado, apresentaram alterações em seu ciclo. Dentre as 17 pacientes que apresentaram diminuição do sangramento menstrual, 10 se caracterizaram pela presença de amenorreia, correspondendo a 11,5% do total de mulheres examinadas que usaram imunossupressores.

Quando se compara as pacientes que apresentaram e as que não apresentaram alteração menstrual em relação ao uso de corticoide, nota-se que não existe diferença estatisticamente significativa (P = 0,225). Porém, ao realizar a mesma comparação em relação ao uso de outros IS, observa-se diferença significativa (P = 0,034).

A análise da ocorrência de alteração menstrual e idade das pacientes mostrou a seguinte frequência: em pacientes com menos de 20 anos a alteração foi de 15,2%; de 21 a 25 anos, 18,2%; de 26 a 30 anos, 36,4%; de 31 a 35 anos, 15,2%; e de 36 a 40 anos, 15,2%. E a frequência de pacientes sem alterações menstruais e as faixas etárias, foram: com menos de 20 anos foi de 5,6%; de 21 a 25 anos, 22,2%; de 26 a 30 anos, 24,1%; de 31 a 35 anos, 31,5%; e de 36 a 40 anos, 16,7%. Não houve diferença significativa entre os grupos com P = 0,242 (qui-quadrado) (Tabela 5).

Na Tabela 5 pode-se observar o tempo (média) em anos do uso de imunossupressores (corticoide e outros IS) em relação ao tipo de menstruação das pacientes em estudo.

DISCUSSÃO

O estudo mostrou alterações menstruais e amenorreia com frequência absoluta maior do que o esperado na população geral. Este grupo estudado, mesmo restrito à inclusão de pacientes na faixa após a menarca e antes da menopausa, mostra que a doença privilegia o período fértil das mulheres, com média de idade 28,01 ± 5,81 anos, o que dá relevância à preocupação dos clínicos com a função ovariana.

Alteração menstrual foi observada em 37,9% das pacientes que estavam em uso de medicamentos. Este resultado, em nossa pesquisa, supera dados estatísticos de 15% de alterações menstruais em pacientes que procuram consultas ginecológicas, observados em publicações. A frequência de alteração menstrual na população é variável de acordo com a base de estudo. Os realizados com enquetes populacionais, portanto diferentes dos grupos que voluntariamente buscam os consultórios, apresentam frequência maior. Por ser mais abrangente, a pesquisa por enquete mostra que a frequência de alterações menstruais chega a 21,7%.16

Comparando-se com estudo transversal analisando prevalência e fatores de risco a alteração menstrual foi observada em 49% de 61 pacientes com LES. O grupo teve como características a média de idade de 33,23 ± 10,96 anos, 75% tinham doença lúpica em atividade severa. Foi constituído grupo com 120 mulheres sem doença lúpica em seleção randômica para referência como grupo controle. Das pacientes lúpicas, 65,6% utilizaram corticoide em associação com outro imunossupressor e 34,4% utilizaram apenas corticoide. Entre as pacientes que fizeram uso de imunossupressor na forma combinada, 90% foi com ciclofosfamida, 5% com azatioprina e 5% com a ciclosporina. A maioria das pacientes com alterações menstruais tinha entre 31 e 50 anos de idade. Os autores concluíram que a irregularidade menstrual foi uma dependente variável, e a idade da paciente, a terapia imunossupressiva e a ciclofosfamida foram consideradas como preditivas para esse efeito adverso. O grupo controle apresentou 16,7% de alteração menstrual. Os resultados foram consistentes com estudos prévios que mostram prevalência de alteração menstrual entre pacientes com LES entre 15% e 40%.17 Em nossa pesquisa foi verificada média de idade mais baixa, mas quanto ao modo de uso dos medicamentos, os que utilizaram corticoide formaram o grupo predominante. A prednisona foi usada por 63,2%, 6,9% usaram ciclofosfamida individual e 9,1% em associação com outros imunossupressores.

Sem considerar a doença lúpica, alterações menstruais de causa disfuncional têm etiologia e frequência diferentes de acordo com a idade. A hemorragia uterina disfuncional de causa anovulatória é mais freqüente nos extremos da vida reprodutiva, 20% ocorrendo na adolescência e 50% no climatério, e as de causas ovulatórias 30% delas ocorrem no menacme.14

Em nosso estudo 69,8% das pacientes que apresentaram alterações menstruais tiveram idades limites de 20 a 35 anos. O nosso estudo por não se estender a pacientes acima de 40 anos, idade em que ainda não se estabeleceu a menopausa fisiológica, perde a capacidade de oferecer conclusões nas correlações destas características.

Essas variáveis, no entanto, devem ser levadas em consideração quando se analisa não apenas as alterações menstruais, mas a saúde reprodutiva como um todo, da mulher com lúpus eritematoso sistêmico juvenil (LESJ) ou com LES na idade adulta.

Estudo realizado em 30 pacientes com LESJ em tratamento com ciclofosfamida, apresentando médias de idade de 17,4 ± 3,2 anos e média de idade na menarca de 13,13 ± 1,4 anos, verificou alteração menstrual em 63% das pacientes com lúpus e 23% nas do grupo controle.18

Uma pesquisa brasileira, sobre a função sexual e saúde reprodutiva em mulheres adolescentes com LESJ, verificou que a disfunção sexual com lubrificação vaginal reduzida, desempenho sexual diminuído, orgasmo reduzido e insatisfação com a vida sexual foram significativamente maiores nestas pacientes. O estudo com cinquenta e duas pacientes com LESJ e o mesmo número como controle pareadas por idade, entretanto, não observou diferença com relação a alterações pubertárias, anormalidades do ciclo menstrual e citologia cérvico-vaginal com P > 0,05. Este grupo teve com media de idade 16,7 ± 1,94 anos.19

Os resultados de estudos de citologias cervicais mostram diferenças, quando a amostra se refere às pacientes mais idosas. O estudo da prevalência de alterações em exames colpocitológicas de pacientes lúpicas com média de idade mais elevada tem apresentado diferença em relação a grupo controle. Pesquisa em 76 exames de pacientes lúpicas, com média de idade de 39 ± 9,7 anos verificou maior prevalência de alterações citológicas nestas pacientes em relação ao grupo controle com resultados de 9,2% e 1,2%, com P = 0,03. Estas alterações, no entanto, não foram correlacionadas ao tempo da doença, uso de imunossupressores, presença de anti-Ro, anti-La ou anti-DNA.20

O grupo com alteração menstrual em nossa pesquisa, quando segmentado, mostra que 26,4% dos casos ocorreram em pacientes sob uso de corticoide. Os corticoides em seu mecanismo de ação influenciam diversos órgãos e funções do corpo humano. Atualmente é considerada mais importante para a ação imunossupressora a ação genômica de produção da proteína inibidora do fator de transcrição kappa B. Outra de suas ações se faz no eixo hipotalâmico-hipofisário, inibindo a ação gonadal.6 Esta pode justificar a interferência na produção de gonadotrofinas, que estimulam o desenvolvimento folicular e produção de hormônio, para a proliferação endometrial e posterior descamação regular no tempo e quantidade.

Com o uso individual da prednisona, o nosso estudo apresenta resultado de alterações menstruais superior ao encontrado em pacientes com nefrite lúpica. Embora o nosso trabalho seja limitado, por não especificar essas pacientes, é importante comparar com o estudo randomizado e controlado, do uso da metilprednisolona e ciclofosfamida, individual ou em associação, em pacientes com nefrite lúpica. No referido estudo foram acompanhadas 82 pacientes com nefrite lúpica por um período de até 5 anos, distribuídas em três grupos e submetidas à pulsoterapia. Em um grupo com 27 pacientes, foi utilizada metilprednisolona endovenosa, 1 g/m2 de superfície corporal em infusão rápida por 60 minutos, durante 3 dias consecutivos, seguida de uma infusão mensal durante pelo menos 12 meses. O segundo grupo de 27 pacientes foi tratado com infusão de ciclofosfamida endovenosa com dose de 0,5 a 1 g/m2 de área corporal, sendo uma vez ao mês por 6 meses consecutivos e após, trimestral durante pelo menos 2 anos. O terceiro grupo fez uso combinado dos dois tipos de medicamentos. A análise dos eventos adversos apresentou displasia cervical uterina, necrose avascular, herpes zoster, infecção, e, o mais frequente, amenorreia. Verificou-se amenorreia em 7,4% das pacientes do grupo que usou metilprednisolona, 43% no grupo que usou a combinação de metilprednisolona e ciclofosfamida, 41% no grupo que usou isoladamente ciclofosfamida.21

Os resultados apresentados em nosso estudo, em que o tratamento imunossupressor feito exclusivamente com a prednisona levando a maior frequência de alterações menstruais, merecem algumas considerações. Ao analisarmos o tempo de uso do corticoide, verificamos pelo estudo que o tratamento pode se prolongar por mais de 15 anos. Trata-se de um medicamento de uso contínuo e de manutenção para manter inativa a doença. O uso de corticoide que melhora a doença tem tempo prolongado de ação, para atuar inibindo a produção de gonadotrofinas, ou inibindo proliferação celular no desenvolvimento de folículos ovarianos e até no endométrio.

Entretanto, não se comprovou associação significativa (P = 0,115) entre o uso de corticoide (prednisona) como medicação independente e alterações do ciclo menstrual.

No outro grupo amostral de nosso estudo foram incluídos a ciclofosfamida, a azatioprina e o metotrexato e denominados de outros imunossupressores.

A ciclofosfamida é o tipo de imunossupressor que em maior número encontramos estudos e publicações. Os estudos mostram mais frequentemente a análise da amenorreia com o uso desses imunossupressores. Amenorreia em estudo de revisão das principais publicações analisando o uso de ciclofosfamida e função ovariana em pacientes adultos e pediátricos, registra variações de 11,7 a 37,3%.22 Estudo de coorte de oito anos de seguimento em pacientes eumenorreicas pesquisou variável preditiva no acometimento de amenorreia, quando do uso de ciclofosfamida. A idade das pacientes à época do tratamento foi considerada como variável preditiva para a amenorreia. A idade maior ou igual a 32 anos foi considerada determinante, em estudo com 67 pacientes tratadas com pulso de ciclofosfamida, orientando por isso a se evitar esta modalidade de tratamento em pacientes com mais de 31 anos.23 Neste nosso estudo a amenorreia foi verificada em 11,5% das pacientes. A ciclofosfamida foi usada por 15,1% das pacientes e apresentou 5,7% de alterações menstruais. Doses menores e tempo de uso adequado podem justificar essas diferenças, entre as publicações, além de outros fatores que podem ser considerados.

Em análise estatística relacionando o uso de outros IS e comparando as pacientes que apresentaram alterações com as que não apresentaram alterações menstruais verificou-se que há diferença significativa. Estes resultados são semelhantes à maioria dos trabalhos com esta orientação, em que a utilização de ciclofosfamida como imunossupressor pode ser um fator de risco para toxicidade e disfunção ovariana.

Por sua vez os imunossupressores azatioprina e metotrexato são menos frequentemente relacionados a alterações ovarianas, nas publicações analisadas. As poucas publicações são inconclusivas sobre a toxicidade ovariana destes medicamentos. Estudo de pesquisa em camundongos com azatioprina na dose de 100 mg/kg/dia durante 9 dias inibiu o ganho de peso, aumentou a mortalidade, mas não teve influência no número de ovócitos ou de folículos nos ovários destes animais.24 Estudo com a azotioprina utilizada no grupo controle para avaliação da toxicidade da ciclofosfamida, não se verificou alterações na função ovariana das pacientes do grupo controle.23

Estudo com 46 pacientes, pesquisando anticorpos antilúteos, não encontrou associação entre o referido anticorpo e alterações menstruais ou distúrbios hormonais. O anticorpo para o corpo lúteo não foi específico para LES, nem considerado como marcador para falência ovariana prematura.25 Por outro lado, estudos têm verificado associação entre a atividade da doença e alteração menstrual.

Nossa pesquisa teve como limitador a ausência de análise de aspectos relacionados à atividade da doença seja pelo SLEDAI, ou por outro critério. No entanto, é verificado associação entre a atividade da doença e a alteração menstrual. Dentre 36 pacientes analisadas com esta orientação, verificou-se que alterações menstruais ocorreram em 71% daquelas que apresentaram SLEDAI maior ou igual a 8.5

Estudos futuros que incluam fatores relacionados à atividade da doença e pesquisa de anticorpos, que se encontram alterados nesta doença, podem melhorar a análise dos resultados relacionados às alterações menstruais.

Pesquisa inédita tem demonstrado preocupação com o tratamento do lúpus em pacientes masculinos e a toxicidade para as gônadas. Estudo de análise da função dos túbulos seminíferos em pacientes masculinos lúpicos, com idade entre 15 e 45 anos, foi realizado utilizando a concentração da inibina B como marcador funcional da espermatogênese, considerando-se o feed back negativo da inibina na produção pituitária do FSH e LH. A pesquisa foi realizada com 34 pacientes divididos em dois grupos de acordo com a mensuração da concentração de inibina. Os pacientes fizeram uso de prednisona, azatioprina, ciclofosfamida, metotrexato e do micofenolato de mofetil. No estudo foi observado que a concentração de inibina tem correlação positiva com espermas normais em quantidade e motilidade, e correlação negativa com a concentração de FSH, típica de feed back negativo. Esta pesquisa que pela primeira vez aborda este tema identifica alta frequência de disfunção testicular nas células de Sertoli de pacientes lúpicos masculinos. Conclui pela necessidade de estudos prospectivos para se determinar se a concentração de inibina, e a relação inibina B com FSH, pode ser utilizado como marcador precoce da toxicidade da ciclofosfamida endovenosa nestes pacientes.26

Os resultados do nosso estudo, direcionado a pacientes do gênero feminino também nos orientam para a importância da prudência no uso dos imunossupressores.

Alteração menstrual pode ser o prelúdio de um desfecho mais grave para a função ovariana. É grande a preocupação com a fertilidade de pacientes e o uso de medicamentos com potencial toxicidade ovariana. Principalmente porque, até o momento, não se dispõe de método eficaz na preservação de ovócitos, como se faz para os espermatozoides.27,28

Há necessidade de se estimular os estudos de preservação da fertilidade nestes pacientes e sugerir a atenção de equipe multiprofissional para os mesmos, com o objetivo de conseguir melhorares resultados no tratamento. É fundamental, ainda, o estudo das alterações menstruais, da amenorreia e dos diversos fatores relacionados à doença e tratamento, para reconhecimento e antecipação de conduta adequada à forma mais grave de alteração, a falência ovariana prematura.

Recebido em 28/01/2010.

Aprovado, após revisão, em 25/08/2010.

Declaramos a inexistência de conflitos de interesse.

Comitê de Ética: Protocolo CEPMHA/HC/UFG/142/06, de 30/11/2006.

Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Estado de Goiás, Goiás, Brasil.

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  • Endereço para correspondência:
    Dejan Rodrigues Nonato
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Nov 2010
    • Data do Fascículo
      Out 2010

    Histórico

    • Recebido
      28 Jan 2010
    • Aceito
      25 Ago 2010
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