Resumos
Introdução: Poucos estudos avaliaram o perfil do uso de drogas modificadoras de doença (DMD) em pacientes brasileiros com diagnóstico de espondiloartrite (EpA).
Métodos: Um protocolo comum de investigação foi prospectivamente aplicado em 1505 pacientes classificados como EpA pelos critérios do Grupo Europeu de Estudo das Espondiloartrites (ESSG), acompanhados em 29 centros de referência em Reumatologia no Brasil. Variáveis clínicas e demográficas foram obtidas e avaliadas, analisando-se suas correlações com o uso das DMD metotrexato (MTX) e sulfasalazina (SSZ).
Resultados: Pelo menos uma DMD foi utilizada por 73,6% dos pacientes, sendo MTX por 29,2% e SSZ por 21,7%, enquanto 22,7% utilizaram ambas as drogas. O uso do MTX foi significativamente associado ao acometimento periférico, e a SSZ foi associada ao comprometimento axial, sendo que as duas drogas foram mais utilizadas, isoladas ou combinadas, no comprometimento misto (p < 0,001). O uso de uma DMD esteve significativamente associado à etnia branca (MTX; p = 0,014), lombalgia inflamatória (SSZ; p = 0,002), dor em nádegas (SSZ; p = 0,030), cervicalgia (MTX; p = 0,042), artrite de membros inferiores (MTX; p < 0,001), artrite de membros superiores (MTX; p < 0,001), entesite (p = 0,007), dactilite (MTX; p < 0,001), doença inflamatória intestinal (SSZ; p < 0,001) e acometimento ungueal (MTX; p < 0,001).
Conclusão: O uso de pelo menos uma DMD foi referido por mais de 70% dos pacientes numa grande coorte brasileira de pacientes com EpA, sendo o uso do MTX mais associado ao acometimento periférico e o uso da SSZ mais associado ao acometimento axial.
Espondiloartrites; Tratamento; Drogas modificadoras de doença; Metotrexato; Sulfasalazina
Introduction: Few studies have evaluated the profile of use of disease modifying drugs (DMD) in Brazilian patients with spondyloarthritis (SpA).
Methods: A common research protocol was applied prospectively in 1505 patients classified as SpA by criteria of the European Spondyloarthropathies Study Group (ESSG), followed at 29 referral centers in Rheumatology in Brazil. Demographic and clinical variables were obtained and evaluated, by analyzing their correlation with the use of DMDs methotrexate (MTX) and sulfasalazine (SSZ).
Results: At least one DMD was used by 73.6 % of patients: MTX by 29.2 % and SSZ by 21.7%, while 22.7 % used both drugs. The use of MTX was significantly associated with peripheral involvement, and SSZ was associated with axial involvement, and the two drugs were more administered, separately or in combination, in the mixed involvement (p < 0.001). The use of a DMD was significantly associated with Caucasian ethnicity (MTX , p = 0.014), inflammatory back pain (SSZ, p = 0.002) , buttock pain (SSZ, p = 0.030), neck pain (MTX, p = 0.042), arthritis of the lower limbs (MTX, p < 0.001), arthritis of the upper limbs (MTX, p < 0.001), enthesitis (p = 0.007), dactylitis (MTX, p < 0.001), inflammatory bowel disease (SSZ, p < 0.001) and nail involvement (MTX, p < 0.001).
Conclusion: The use of at least one DMD was reported by more than 70% of patients in a large cohort of Brazilian patients with SpA, with MTX use more associated with peripheral involvement and the use of SSZ more associated with axial involvement.
Sspondyloarthritides; Treatment; Disease modifying drugs; Methotrexate; Sulfasalazine
Introdução
As espondiloartrites constituem um grupo de doenças infla róprio conceito, as EpA foram recentemente classificadas em EpA axial2 e EpA periférica.3 A avaliação de pacientes brasileiros4 e latino-americanos5 com EpA revela que, além do característico acometimento axial, estas costumam apresentar um significativo número de pacientes com acometimento periférico.
Estudos avaliando o tratamento das EpA, principalmente a EA6,7 e a AP,8,9 mostram que a utilização das drogas modificadoras de doença (DMD), como o metotrexato, a sulfasalazina e a leflunomida, está relacionada mais ao acometimento periférico do que ao acometimento axial.
O presente estudo analisa a prescrição de DMD para uma grande coorte de pacientes brasileiros com diagnóstico de EpA.
Pacientes e métodos
Este é um estudo prospectivo, observacional e multicêntrico, realizado com 1505 pacientes de 29 centros de referência participantes do Registro Brasileiro de Espondiloartrites (RBE). Todos os pacientes preenchiam os critérios do Grupo Europeu de Estudos das Espondiloartropatias (ESSG, do inglês European Spondyloarthropathy Study Group).10 Os dados foram coletados de junho de 2006 a dezembro de 2009. O RBE participa do grupo RESPONDIA (Registro Iberoamericano de Espondiloartrites) constituído por nove países latino-americanos (Argentina, Brasil, Costa Rica, Chile, Equador, México, Peru, Uruguai e Venezuela) e os dois países da península Ibérica (Espanha e Portugal).
O protocolo comum de investigação incluiu variáveis demográficas (sexo, raça, história familiar, HLA-B27), clínica osteoarticular (dor lombar inflamatória, dor em nádegas, cervicalgia, dor em quadris, artrite de membros inferiores, artrite de membros superiores, entesite, dactilite) e extra-articular (uveíte, doença inflamatória intestinal (DII), psoríase, uretrite), e laboratorial (velocidade de hemossedimentação - VHS, e proteína C reativa - PCR).
Os pacientes foram avaliados quanto ao seu tratamento com anti-inflamatórios não hormonais (AINH), corticosteroides, DMD e agentes biológicos. Quanto ao uso de DMD, foi avaliado o metotrexato (MTX), a sulfasalazina (SSZ) e a leflunomida (LFN).
Para o diagnóstico de EA foram utilizados os critérios de New York;11 para artrite psoriásica os pacientes tinham de preencher os critérios de Moll e Wright.12 O diagnóstico de artrite reativa foi considerado se estivessem presentes oligoartrite assimétrica de membros inferiores, com entesopatias e/ou dor lombar inflamatória que surgiram após infecção entérica ou urogenital,13 e espondiloartrite/artrite associada à doença inflamatória intestinal, se o paciente apresentasse quadro axial inflamatório e/ou acometimento periférico articular, associado à doença de Crohn ou retocolite ulcerativa confirmada.
Análise estatística. As variáveis categóricas foram comparadas através do χ2 e teste exato de Fisher, e as variáveis contínuas foram comparadas pelo teste ANOVA. Um valor para p<0,05 foi considerado significante, e 0,05 > p > 0,10 foi considerado como tendência estatística.
Resultados
A análise dos dados revelou que pelo menos uma DMD foi utilizada por 73,6% dos pacientes; 51,9% referiram ter utilizado MTX, sendo 29,2% isolado e 22,7% com SSZ, e 44,4% utilizaram SSZ, sendo 21,7% isolada. O uso de leflunomida foi referido por 0,2% dos pacientes, razão pela qual não foi incluída na análise estatística.
Com relação ao acometimento articular, o uso do MTX foi significativamente associado ao acometimento periférico (p < 0.001) e a SSZ foi associada ao comprometimento axial (p < 0.001), sendo que as duas drogas foram mais utilizadas, isoladas ou combinadas, no comprometimento misto (p < 0,001) (tabela 1).
As variáveis demográficas mostraram que o uso do MTX esteve associado à etnia branca (p = 0,014). Gênero, história familiar e HLA-B27 não estiveram associados ao uso de nenhuma DMD (tabela 2).
Com relação ao quadro clínico, o uso do MTX esteve significativamente associado ao acometimento cervical (p = 0,042), à artrite de membros inferiores (p < 0,001), à artrite de membros superiores (p < 0,001), à psoríase cutânea (p < 0,001), à dactilite (p < 0,001) e ao acometimento ungueal (p < 0,001). Já a SSZ esteve associada à lombalgia inflamatória (p = 0,002), à dor em nádegas (p = 0,030) e à doença inflamatória intestinal (p < 0,001), enquanto o uso de ambas as drogas esteve associado às entesites (p = 0,007). A dor em coxofemorais, a uveíte anterior e a uretrite não demonstraram associação ao uso de DMD (tabela 3).
Discussão
Este artigo confirma que o uso de DMD é muito frequente nos pacientes brasileiros. Neste estudo multicêntrico, que incluiu pacientes das cinco macrorregiões brasileiras (Sudeste, Sul, Centro-Oeste, Nordeste e Norte), o uso de pelo menos uma DMD foi referido por cerca de três em cada quatro pacientes com EpA, sendo 51,7% o MTX e 44,4% a SSZ. O uso de pelo menos uma DMD pode estar muito associado ao significativo número de pacientes com acometimento periférico e misto observado na nossa casuística.4 Estudo avaliando 216 pacientes com EA na Turquia revelou que 77,5% receberam SSZ e 15% MTX, e 9% agentes anti-TNF.14
O uso do MTX tem sido estudado na EA nas últimas duas décadas. Como, em geral, seu uso se referiu a pacientes com comprometimento predominantemente axial, a resposta clínica não foi favorável;15-17 os dois únicos estudos que demonstraram uma melhor resposta com o uso do MTX foram latino-americanos, um brasileiro18 e um mexicano.19 Também o uso do MTX por curto período de tempo (16 semanas) pode impedir que a medicação faça o efeito esperado.20 Já na AP, o MTX tem sido utilizado há mais de 50 anos, com bons resultados,21-23 sendo considerado a droga de base de primeira escolha; o MTX foi a DMD mais utilizada na AP nesta casuística.
O presente estudo confirmou esta tendência de uso do MTX nos casos de acometimento periférico, associado ou não ao acometimento axial. Houve associação estatística com artrite de membros inferiores e superiores. A associação com etnia branca parece estar ligada à presença de psoríase e seus acometimentos (dactilite e unha), conforme mostrado na literatura.24,25
A sulfasalazina é a DMD convencional mais utilizada na EA.6 Seu uso na EA vem desde a década de 1980, e sua principal ação seria nos casos de acometimento periférico associado.26,27 O mesmo perfil de ação é observado na AP.28-30 A SSZ também é utilizada nos caso de artrite reativa com etiologia gastrointestinal31 e nas artrites associadas às doenças inflamatórias intestinais.32,33 De maneira oposta ao que é tradicionalmente observado na literatura, o uso da SSZ no presente estudo esteve associado ao acometimento axial, principalmente lombalgia inflamatória e dor nas nádegas, e à artrite enteropática. No entanto, embora significativamente mais utilizada que o MTX nos pacientes com doença inflamatória intestinal, cabe ressaltar que menos de 9% dos pacientes com este tipo de acometimento faziam uso de SSZ. A explicação para este uso nos pacientes com comprometimento axial reside no fato de que muitos serviços de Reumatologia no Brasil utilizam empiricamente pelo menos uma DMD, preferentemente a SSZ, nos pacientes com EA antes de prescrever agentes biológicos, já que temos um número bastante expressivo de pacientes com acometimento articular misto, axial e periférico. Quanto ao acometimento entesítico, bastante frequente na nossa casuística,34 é comum a prescrição tanto do MTX quanto da SSZ, isolados ou combinados, para seu tratamento.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jan-Feb 2014
Histórico
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Recebido
28 Jan 2013 -
Aceito
23 Jun 2013