Resumos
O artigo tem como principal objetivo analisar a atual ascensão da noção de competência e sua influência nas reformas curriculares da educação básica. Busca compreender como estão sendo estruturados e formulados os currículos organizados em função da noção de competência e como estes estão sendo assimilados no discurso docente. Nesse sentido, apresenta o estudo de caso realizado no ensino noturno da Rede Municipal de Betim, que recentemente elaborou um currículo por competências, atualmente em fase de implementação nas escolas. Foram tomados como referência os pontos principais da proposta curricular oficial dessa rede, bem como do discurso de alguns professores no que se refere à incorporação da noção de competência no cotidiano escolar. Os resultados do estudo indicam que a noção de competência é tomada como principal fator de organização curricular, assumindo papel de destaque ante os conteúdos a serem ensinados. No entanto, por ser uma noção plástica e polissêmica, não é compreendida pelos docentes, que acabam por relacioná-la aos mais diversos conceitos.
currículo; competência; docente
The main aim of this paper is to analyse the current ascension of the notion of competence and its influence on curricular reform in elementary education. It seeks to understand how curricula are being structured and formulated on the basis of the notion of competence and how this is being assimilated into teaching discourse. To this end, it discusses a case study carried out in the night school classes of the municipal school network of Betim, which recently elaborated a curriculum by competencies, currently being implemented in local schools. The notion of competence was taken as the principle point of reference for the official curriculum proposal as well as for the discourse of some teachers with regard to the incorporation of the proposal into the daily life of the school. The results of the study suggest that the notion of competence is taken as the principle element for curricular organisation, and assumes an important role with regard to the contents to be taught. However, due to its plastic and polysemic nature, the notion is not understood by the teachers who end up by relating it to the most diverse concepts.
curriculum; competence; teacher
ARTIGOS
A noção de competência enquanto princípio de organização curricular
The notion of competence as a principle for curricular organisation
Thais Almeida Costa
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
RESUMO
O artigo tem como principal objetivo analisar a atual ascensão da noção de competência e sua influência nas reformas curriculares da educação básica. Busca compreender como estão sendo estruturados e formulados os currículos organizados em função da noção de competência e como estes estão sendo assimilados no discurso docente. Nesse sentido, apresenta o estudo de caso realizado no ensino noturno da Rede Municipal de Betim, que recentemente elaborou um currículo por competências, atualmente em fase de implementação nas escolas. Foram tomados como referência os pontos principais da proposta curricular oficial dessa rede, bem como do discurso de alguns professores no que se refere à incorporação da noção de competência no cotidiano escolar. Os resultados do estudo indicam que a noção de competência é tomada como principal fator de organização curricular, assumindo papel de destaque ante os conteúdos a serem ensinados. No entanto, por ser uma noção plástica e polissêmica, não é compreendida pelos docentes, que acabam por relacioná-la aos mais diversos conceitos.
Palavras-chave: currículo; competência; docente
ABSTRACT
The main aim of this paper is to analyse the current ascension of the notion of competence and its influence on curricular reform in elementary education. It seeks to understand how curricula are being structured and formulated on the basis of the notion of competence and how this is being assimilated into teaching discourse. To this end, it discusses a case study carried out in the night school classes of the municipal school network of Betim, which recently elaborated a curriculum by competencies, currently being implemented in local schools. The notion of competence was taken as the principle point of reference for the official curriculum proposal as well as for the discourse of some teachers with regard to the incorporation of the proposal into the daily life of the school. The results of the study suggest that the notion of competence is taken as the principle element for curricular organisation, and assumes an important role with regard to the contents to be taught. However, due to its plastic and polysemic nature, the notion is not understood by the teachers who end up by relating it to the most diverse concepts.
Key words: curriculum; competence; teacher
Introdução
Nos últimos anos no Brasil, como destacam Lopes e Macedo (2002), as discussões sobre currículo vêm assumindo maior importância, principalmente em razão de reformas curriculares que buscam promover alterações nos processos educativos das escolas. Dentre essas reformas, podemos citar aquelas que defendem um currículo voltado para a construção de competências no aluno, com o argumento de que o ensino por competência é a mais nova palavra de ordem na educação brasileira (Gentile & Bencini, 2000).
Nesse sentido, evidencia-se a necessidade de estudos empíricos que busquem, dentro do campo curricular, investigar como a noção de competência vem influenciando a elaboração e implantação dos currículos na educação básica. Dessa forma, as propostas curriculares voltadas para a construção de competências precisam, a meu ver, ser mais bem compreendidas e até mesmo problematizadas. Considero fundamental investigar como se tem estruturado um currículo por competências e como ele é incorporado no discurso docente.
A partir dessa perspectiva, neste trabalho serão apresentadas algumas considerações a respeito de um estudo de caso realizado no ensino noturno da rede municipal de Betim (MG), que recentemente elaborou um currículo por competências que está em fase de implementação nas escolas. Tomarei como referência alguns pontos principais da proposta curricular oficial da rede, bem como o discurso de alguns professores quanto à incorporação da noção de competência no cotidiano escolar.
A ascensão dos "currículos por competências"
É crescente a utilização, nos discursos educacionais, de afirmações que defendem que a escola deve dar prioridade ao desenvolvimento de competências, e não à transmissão de conhecimentos. Essa utilização parece estar atrelada à visão de Perrenoud (1999), ao enfatizar que os currículos voltados para a construção de competências devem promover uma limitação "drástica da quantidade de conhecimentos ensinados e exigidos" (p. 10), dando prioridade a conteúdos que possam ser exercitados, no âmbito escolar, pela mobilização em situações complexas. Ou seja, não se poderia formar competências por meio de um currículo que privilegie apenas a transmissão de conhecimento, sem promover situações em que esse conhecimento seja mobilizado. A primazia das competências sobre os conhecimentos, nessa perspectiva, assume relevância fundamental nas decisões curriculares.
Perrenoud (1999), ao defender um ensino voltado para a construção de competências, questiona se não estaria no momento de substituir a reflexão especulativa e idealista que preside a elaboração dos currículos escolares por uma transposição didática apoiada em uma análise prospectiva e realista das situações da vida. "A escola só pode preparar para a diversidade do mundo trabalhando-a explicitamente, aliando conhecimentos e savoir-faire a propósito de múltiplas situações da vida de todos os dias" (p. 75).
Dessa forma, as propostas curriculares pautadas em tal visão não poderiam se limitar a ensinar conhecimentos inúteis à ação. A construção de competências na escola levaria a uma reavaliação da quantidade e da qualidade dos saberes transmitidos, pois só seriam considerados válidos aqueles que pudessem ser mobilizados em determinadas situações. Os currículos por competências, na visão de Perrenoud (1999), devem construir uma relação com o saber menos pautada em uma hierarquia baseada no saber erudito descontextualizado, visto que os conhecimentos sempre se ancoram, em última análise, na ação.
Assim, no currículo organizado por competências, como aponta Ropé (2002), os conhecimentos passam a ser definidos em termos da identificação com a ação que deve ser realizada pelo aluno. Desse modo, a exigência de que os alunos saibam fazer vem substituir a exigência de que eles saibam, passando de uma lógica do saber àquela do savoir-faire1 (Rey, 2002). Essa lógica do savoir-faire, na visão de Araújo (2001), modifica a forma de pensar os conhecimentos, relacionando-os à capacidade efetiva de desempenhos, definindo um tratamento utilitário aos conteúdos de ensino, instrumental às demandas da sociedade pós-industrial.
Pode-se, então, concluir que a noção de competência, enquanto princípio de organização curricular, insiste na atribuição do "valor de uso" de cada conhecimento. Os conteúdos escolares desvinculados das práticas sociais são tratados como "sem sentido pleno"2 e os currículos não devem mais definir os conhecimentos a serem ensinados, mas sim as competências que devem ser construídas. Em um currículo voltado para a construção de competências, o que importa não é a transmissão do conhecimento acumulado, mas sim a virtualização de uma ação, a capacidade de recorrer ao que se sabe para realizar o que se deseja, o que se projeta (Machado, 2002).
O currículo por competências da rede municipal de Betim: quando a competência se torna princípio de organização curricular3
Essa ênfase nas competências pode ser verificada ao tomarmos como foco de análise o currículo adotado no ensino noturno da rede municipal de Betim, denominado de currículo por competências. Para compreendermos esse texto curricular, uma primeira consideração que se faz necessária diz respeito às demandas que justificaram, no contexto do ensino noturno de Betim, a elaboração de um currículo organizado em função da noção de competência.
Pode-se destacar que a necessidade financeira de incluir os alunos jovens e adultos na verba do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) orientou a criação de dois ciclos, de dois anos cada um deles, denominados de Ciclos de Ensino Aprendizagem do Noturno (CEAN) I e CEAN II,4 equivalentes, respectivamente, ao primeiro e segundo segmentos do ensino fundamental. Mais especificamente, a implantação do CEAN II deu origem à discussão de como seria possível, em um período de dois anos, trabalhar com os mesmos conteúdos do segundo segmento do ensino fundamental, que, originalmente, seriam distribuídos em um período de quatro anos. A partir dessa discussão, constatou-se a necessidade da criação de um currículo que permitisse a flexibilização e limitação dos conteúdos ensinados no segundo segmento do ensino fundamental, já que não seria possível, no período destinado ao ciclo, trabalhar com todos eles.
Sem tempo suficiente para o trabalho com todos os conteúdos, a solução encontrada por aqueles que estavam pensando e elaborando o currículo foi deslocar a questão de "quais conteúdos devemos trabalhar" para "quais competências devemos desenvolver". Observa-se, então, como aponta Ropé (2002), que a noção de competência surge como a ferramenta que passa a orientar a seleção e limitação dos conteúdos, já que estes não são mais definidos a partir de um corpo de conhecimentos disciplinares existentes, mas sim a partir das situações em que podem ser utilizados e mobilizados com o objetivo de se construir as competências consideradas fundamentais para o desenvolvimento e sucesso do aluno.
Dessa forma, o deslocamento da preocupação com os conteúdos para as competências torna-se a tônica do discurso curricular do CEAN II, pois, como foi constatado a partir dos relatos dos responsáveis pela elaboração do currículo, a competência passa a ser ditada como o norte para a prática do professor. Logo, a formação por competências desponta como o principal fator para a organização dos conhecimentos e das ações escolares do ensino noturno, como pode ser observado nos relatos a seguir:
Porque a gente entendia, então, que o caminho era elencar alguns eixos norteadores, algumas competências básicas as quais os alunos ao final do CEAN II têm que ter atingido, e aí, dentro delas, o professor seleciona aquilo que ele pode estar, dentro da sua área de conhecimento, trazendo para poder desenvolver aquela competência. (Nara,5 coordenadora da equipe de educação noturna)
Temos a clareza de que as competências devem ser o norte do trabalho, as ações devem partir das competências, e não o inverso. (Nara, coordenadora da equipe de educação noturna)
A partir dessa concepção, a função do currículo passa a ser a de reorientar a prática pedagógica organizada em torno da transmissão de conteúdos disciplinares para uma prática voltada para a construção de competências. Dessa forma, o currículo por competências de Betim prescreve cinco competências que devem nortear a prática pedagógica de todas as escolas do município que possuam o ensino noturno. Essas competências foram elaboradas com base na seguinte pergunta feita para os professores: quais competências devem ser construídas pelo aluno do ensino noturno ao longo dos dois anos do CEAN II?
De acordo com as diretrizes oficiais, optar por definir essas competências não significa, no entanto, que o currículo por competências deixe de trabalhar com conteúdos. O importante, como pode ser observado no relato a seguir, é que os mesmos sejam definidos com base nas competências, para que estas passem a ser o norte de todo o trabalho:
Qual vai ser o norte? A relação deve ser das competências para os conteúdos. Os conteúdos devem ser trabalhados pautados nas competências. [...] Isso não quer dizer jogar fora os conteúdos, de forma alguma! O tempo todo devo perguntar se a minha aula e o meu conteúdo estão servindo à construção da competência. É a competência que vai nortear o tempo inteiro, seja qual for a área e o conteúdo, e não o contrário. (Carla, coordenadora da equipe de educação noturna)
Dessa forma, passam a ser selecionados para trabalhar na sala de aula aqueles conhecimentos que podem ser mobilizados em uma situação competente. Os conteúdos ensinados subordinam-se à competência que deve ser desenvolvida, para que o aluno deixe de ser um depósito de informações, para tornar-se um efetivo usuário e processador dos conhecimentos adquiridos, fazendo uso desse saber em ações sociais (Betim, 2002, p. 30).
Além de definir as competências a serem desenvolvidas no aluno e determinar que a seleção dos conteúdos deve estar subordinada a elas, observa-se também no currículo por competências de Betim uma preocupação em discutir como se efetivaria a avaliação. Dessa forma, é construído um documento, em que cada competência é subdividida em capacidades, a partir das quais os professores podem melhor avaliar o desenvolvimento do aluno.
Dessa forma, as competências são traduzidas em comportamentos observáveis, o que nos remete aos argumentos de Pacheco (2001) e Macedo (2000, 2002), que questionam em que aspecto as mesmas se diferenciam dos objetivos educacionais formulados na tradição clássica do currículo. Como aponta Rey (2002), a idéia que conduz à reflexão sobre os objetivos pedagógicos é a de induzir os professores ao esclarecimento daquilo que eles devem esperar de cada ação pedagógica. Precisar seu objetivo é poder dizer, antecipadamente, o que os alunos serão capazes de fazer ao finalizar tal curso ou seqüências de cursos (idem), ou seja, quais competências eles deverão desenvolver.
Definir as competências em termos de comportamentos supõe que elas podem ser observadas e identificadas, o que se assemelha à seguinte definição dos objetivos: "para que uma intenção pedagógica tenda a tornar-se operacional, ela deve descrever uma atividade realizada pelo aluno que seja identificável por um comportamento observável" (Rey, 2002, p. 29). Assim, no caso da avaliação, tende-se a estabelecer uma lista de capacidades traduzidas em competências que devem ser operacionalizadas como tarefas, a fim de determinar se os alunos dominam os instrumentos julgados necessários para a adaptação a exigências intelectuais dos ciclos nos quais se encontram (Ropé, 2002).
Fazer a comparação entre as competências e os objetivos educacionais não significa, no entanto, afirmar que no currículo por competências de Betim apenas encontremos elementos relacionados à tradição clássica do currículo. Como veremos a seguir, essa proposta curricular também incorpora discursos como, por exemplo, o da integração curricular, a partir do que Lopes (2002) chama de uma "hibridização6 com discursos produzidos em matrizes teóricas diversas" (p. 147).
Discursos pedagógicos incorporados pelo currículo por competências de Betim
Ao defender um trabalho centrado nas competências, o currículo por competências da rede municipal de Betim recontextualiza discursos relacionados à integração curricular e aqueles vinculados ao discurso de Dewey (1936, 1978) no que se refere à valorização das atividades e experiências dos alunos.
De acordo com os documentos oficiais, a idéia de construção de um currículo integrado baseou-se, principalmente, nos conceitos de Santomé (1998). Na perspectiva desse autor, o currículo integrado enfatiza a necessidade de uma compreensão global do conhecimento e de maiores parcelas de interdisciplinaridade na sua construção. A integração curricular, ainda para Santomé, ressalta a unidade que deve existir entre as diferentes disciplinas e as formas de conhecimento nas instituições escolares, criando as condições necessárias para propiciar a motivação pela aprendizagem.
O significado da integração curricular nos currículos baseados no desenvolvimento de competências é discutido por Perrenoud (1999). Para esse autor, a abordagem por competências não rejeita as disciplinas e nem as renuncia, mas acentua a sua implementação.
Alguns temem que desenvolver competências na escola levaria a renunciar às disciplinas de ensino e apostar tudo em competências transversais e em uma formação pluri, inter ou transdisciplinar. Este temor é infundado: a questão é saber qual concepção das disciplinas escolares adotar. Em toda hipótese, as competências mobilizam conhecimentos, dos quais grande parte é e continuará sendo de ordem disciplinar [...]. (Perrenoud, 1999, p. 40)
Nesse sentido, argumenta-se que uma organização escolar que vise ao desenvolvimento de competências não supõe um abandono da idéia de disciplina. Para Perrenoud (1999), a escola é, e continuará a ser, marcadamente disciplinar; a única diferença é que, no trabalho com as competências, as disciplinas devem servir apenas de meios, de instrumentos, passando a se orientar tacitamente para o desenvolvimento dessas competências.
Fica evidente, a partir dessa afirmação, que, para Perrenoud (1999), o desenvolvimento de competências não é incompatível com a tradicional organização disciplinar. No entanto, em outra passagem dos seus escritos, ele constata que a honestidade está em dizer que, atualmente, não sabemos exatamente qual é a utilidade das disciplinas escolares, além de ler, escrever e contar, na vida diária das pessoas que não seguiram estudos superiores (idem, p. 43).
Tal contradição é analisada por Macedo (2002), que afirma que a posição de Perrenoud, embora se contrapondo à idéia de que a noção de competência está sendo proposta em substituição às disciplinas escolares, como elemento estruturador do currículos, acaba por reforçá-la. "Ao defender a manutenção das disciplinas, Perrenoud propõe que há situações cujo domínio passa por conhecimentos disciplinares e outras que envolvem conhecimentos não-disciplinares" (Macedo, 2002, p. 116).
Na tentativa de esclarecer tal impasse, Macedo (2002) afirma que a análise da articulação entre competências e disciplinas precisa ser considerada por dois pontos de vista. Primeiramente, segundo a autora, se uma competência é entendida como a capacidade de ação ante uma situação específica e concreta, ela fugiria necessariamente ao limite das disciplinas. Dessa forma, "organizar um currículo por competência envolveria criar situações que permitissem a mobilização de esquemas variados e próprios por parte dos sujeitos envolvidos no processo escolar" (idem, p. 123).
Já o segundo ponto de vista traria a marca da descontextualização da noção de competência, não estabelecendo nenhuma incompatibilidade entre um currículo por competências e um currículo disciplinar, como pode ser observado na citação a seguir:
Se existem competências genéricas, tais como gerir uma classe, e se essas competências são demonstradas por desempenhos, não há incompatibilidade entre um currículo por competências e um currículo disciplinar. Haveria algumas competências disciplinares, em geral, mas não necessariamente mais específicas. Haveria competências multidisciplinares, que envolveriam competências mais específicas de diferentes áreas disciplinares. Haveria competências transdisciplinares, ou seja, aquelas mais abstratas, que estariam na base de um conjunto variado de outras competências. (Macedo, 2002, p. 123)
Essa perspectiva é a que parece estar relacionada ao currículo por competências de Betim. Ao utilizar o discurso sobre integração curricular, esse currículo mantém a organização disciplinar, ressaltando, no entanto, que os saberes disciplinares devem ser submetidos às competências, que podem ser desenvolvidas no âmbito de várias disciplinas ou na relação entre as mesmas.
Apesar de manter a organização disciplinar, as diretrizes do currículo em questão deixam claro que o foco do trabalho pedagógico não pode ficar centrado nas disciplinas. Como afirma Lopes (2002), a organização curricular por competência não tem centralidade no conhecimento escolar e nas disciplinas escolares, já que esses são submissos às competências, às habilidades e às tecnologias a serem adquiridas e implementadas pelos alunos.
Dessa forma, constata-se, a partir das análises de Lopes (2002), que no currículo por competências de Betim as competências prescritas, por si sós, passariam a se constituir como princípios de integração curricular, já que mobilizariam saberes e habilidades relacionados às diferentes disciplinas escolares.
Já o discurso de Dewey (1936, 1978) aparece incorporado ao discurso das competências, na medida em que, segundo as diretrizes do currículo analisado, o trabalho com as competências pode favorecer condições para que o aluno, sujeito da aprendizagem, se localize nas circunstâncias em que vive, relacionando os saberes escolares com a realidade na qual está inserido. Assim, a competência também é encarada como elemento capaz de tornar a aprendizagem mais significativa, possibilitando uma (re)significação dos conteúdos curriculares que garanta a instrumentalização dos alunos quanto às suas práticas sociais.
Conclui-se, então, que o discurso veiculado por esse tipo de currículo, no caso específico de Betim, recontextualiza discursos de diferentes matrizes teóricas, constituindo-se como um texto híbrido. Tanto o discurso da integração curricular como o discurso de Dewey (1936, 1978) são incorporados ao discurso das competências, com a finalidade de defender um ensino que tem ênfase não no conhecimento, mas no uso que pode ser feito dele em situações que demandem eficácia.
Como nos aponta Lopes (2002), propostas curriculares oficiais sempre estarão recontextualizando discursos de diferentes matrizes teóricas. "Entretanto, a análise dessa recontextualização permite compreender as finalidades educacionais que estão postas em jogo e os mecanismos de construção da legitimidade dos discursos" (p. 173).
O professor e o conceito de competência7
O currículo desperta no professor significados que determinam a maneira e o modo como irão adotá-lo, sendo então preciso conceber a inovação curricular como um processo dialético entre os significados prévios do professor e os da nova proposta. Diante de uma proposta curricular baseada na noção de competência, nada mais relevante do que investigar como os professores compreendem tal noção. Os significados atribuídos à noção de competência terão efeito marcante no desenvolvimento do currículo em questão, já que as concepções elaboradas pelos docentes terão expressão nas suas práticas pedagógicas.
Muitos estudos, como os de Ropé e Tanguy (2002), apontam a dificuldade encontrada na tentativa de melhor precisar a competência, bem como delimitar os universos e ambientes em que a mesma é utilizada. A partir dessas considerações, observa-se que a incerteza conceitual é a principal característica encontrada no depoimento dos docentes investigados, pois os mesmos afirmam não saber definir com clareza o significado da noção de competência. Essa noção aparece nos discursos de alguns dos professores com um sentido vago e genérico, sendo até mesmo comparada com disciplinas, matérias ou fases que devem ser desenvolvidas no aluno:
Entendo que competências são etapas, fases que são... são etapas mesmo que devem ser desenvolvidas com o aluno. Entendo que são matérias... sei lá, disciplinas. Competências são disciplinas, mas não no sentido assim... Competências são disciplinas? Ah, não sei! (Ana, professora de geografia)
Temos muita dificuldade de entender o que são as competências. Eu estava com muita dificuldade, estudei, fiz cursos, até que um professor me disse que ninguém sabe o que é competência direito, nem os doutores. Então, não é para ficarmos presos, não. (Cláudia, professora representante do Movimento de Organização Curricular8)
A pouca clareza em relação ao significado dessa noção e a dificuldade na sua definição também se tornam bastante evidentes quando os docentes afirmam não conseguir precisar a diferença entre habilidades e competências. Ao tentar definir a diferença entre as duas, os professores, mais uma vez, mostram-se confusos, pois afirmam que se uma pessoa tem habilidades ou competências, significa que ela é capaz de desempenhar uma ação de maneira eficaz:
A questão da competência e de habilidades confunde muito a cabeça da gente, até hoje eu não tenho muita clareza e não sinto muita diferença. Eu não percebo muita diferença entre o que é competência e habilidade, você desenvolver determinadas competências no aluno para mim é a mesma coisa de estar desenvolvendo habilidades. Eu não vejo muita separação no que o pessoal tenta enfiar na cabeça da gente, eu não consigo ver muito bem isso não. (Rita, professora de inglês)
Apesar de não conseguirem definir com clareza a noção de competência, nem mesmo distingui-la do conceito de habilidades, parece ser consenso entre os professores a relação existente entre essas noções e a capacidade de desempenhar bem uma função ou tarefa. A competência implicaria um comportamento eficaz, fazendo com que o indivíduo obtenha sucesso nas suas ações com vistas a um resultado específico:
Uma capacidade de responder a situações que a vida exige da pessoa. Basicamente, é essa a definição de competência que eu tive a oportunidade de ter contato, é a capacidade para responder às exigências do dia-a-dia. (Jorge, professor de português)
Eu acho, por exemplo, se uma reflexão, se um estudo, se uma experiência, uma atividade faz com que a pessoa em determinado assunto adquira uma competência para saber lidar com aquilo, esse lidar pode ser de diversas maneiras, mas é fundamental que ele consiga ter sucesso... (Rui, professor de matemática)
Apesar de não citarem e não terem muita clareza sobre as referências teóricas que definem a noção de competência, ao relacioná-la à noção de eficácia os professores acabam por se aproximar do conceito elaborado por Perrenoud (1999, 2001). Para esse autor, a eficácia é reconhecida como a função definidora da competência, já que essa ressalta um poder virtual da pessoa diante de um certo tipo de problema ou obstáculo, sobre o qual garante um resultado geralmente considerado sinal de uma ação bem sucedida (Perrenoud, 2001). Assim, como pode ser observado nos depoimentos, a capacidade de desempenhar determinadas funções passa a ser o indicador de uma possível competência adquirida:
Então, você trabalhar com competência é você ajudar o aluno a ser capaz de, com as habilidades que ele tem ou que vai precisar adquirir, conseguir chegar a um resultado tal. [...] Você ter competência para alguma coisa é você ser capaz de desempenhar determinadas funções. (Rita, professora de inglês)
Dessa forma, a competência é vista, como afirma Rey (2002), como uma função a partir da qual o comportamento do aluno, para ser compreendido e observado, deve ser abordado com um mínimo de funcionalidade. Logo, o que se leva em conta para definir a competência é a capacidade de realizar uma tarefa de forma satisfatória, ou seja, é a sua função prática que se torna decisiva.
Ao relacionar a competência com uma ação funcional, alguns docentes afirmam que o desenvolvimento da mesma demandaria extrapolar o mundo escolar e acadêmico, fazendo com que os conteúdos interajam com a vida e com as experiências pessoais dos alunos:
Como nosso mundo é muito acadêmico, como a escola é acadêmica demais, então a competência é conseguir que o aluno saia desse mundo acadêmico como um executor. [...] É fazer com que o aluno, ou melhor, construir com o aluno uma metodologia, realizar experiências diversas e fazer com que aquele conteúdo se transforme nessa competência que ele vai exercer na sua vida, no seu trabalho, no estudo, no ato de estudar, de pesquisar e de interpretar o mundo. (Rui, professor de matemática)
A partir desse relato, ganham evidência as análises de Araújo (2001), de que a noção de competência vem ganhando projeção principalmente em razão das capacidades efetivas de um indivíduo desempenhar uma tarefa, não se limitando às capacidades potenciais desenvolvidas em processos formais prévios. Ou seja, o desenvolvimento de competências não poderia ficar restrito ao acúmulo de conhecimentos teóricos, com fim em si mesmos, devendo abranger capacidades de execução e resolução de situações.
Essa concepção de competência não restrita a situações acadêmicas, mas sim atrelada a outras potencialidades do indivíduo ao desempenhar ações, pode ser exemplificada no seguinte depoimento de um dos docentes, ao tentar explicar a sua compreensão:
Vou dar um exemplo de uma palestra que eu ouvi na segunda-feira passada com Frei Beto, para explicar o que eu entendo por competência. Ele falava inúmeras coisas que a gente já até sabe, mas só para tentar exemplificar, ele estava trabalhando lá em Vitória em uma comunidade e chamaram ele porque ele sempre mexeu com comunidades mais simples e carentes, porque os profissionais e os médicos não conseguiam fazer o povo entender o que eles queriam... Aí, ele falou assim: "Bom, a primeira coisa que a gente tem que fazer é observar como é que esses médicos trabalham com esse povo". E observou uma palestra que os médicos estavam dando e concluiu que os médicos falam em uma linguagem muito técnica. Aí ele falou: "Bom, começo meu processo agora". E aí ele pergunta para uma senhora: "Você aprendeu?" E ela fala assim: "Não, eu não entendi quase nada, não entendi o que ele falou". E o Frei pergunta: "Por que a senhora não falou?" E ela falou: "Mas ele é doutor, é médico e é formado". E Frei Beto então questiona: "Mas só por causa disso a senhora é inferior a ele?" Aí ele vira para o doutor e pergunta: "O senhor sabe cozinhar?" E o médico responde: "Não, eu não sei fritar um ovo". Então, Frei Beto vira para a mulher e fala: "A senhora sabe! A senhora sabe fazer galinha ao molho pardo?" E aí a senhora responde: "Eu sei fazer uma galinha...". A mulher foi falando e deu a receita toda. "A senhora sabe matar uma galinha?" "Sei e mato", disse a mulher. Então o Frei diz: "A senhora e o médico vão ficar perdidos no mato, numa floresta, e nessa floresta cada um vai ter que fazer a sua comida. Quem a senhora acha que vai sobreviver?" "Eu, se ele não sabe fazer!", responde a senhora. "Quer dizer, a senhora vai sobreviver, ele é médico, é doutor, é formado e tem uma facilidade naquilo ali porque ele estudou aquilo, mas ele não sabe fazer o que a senhora sabe fazer na cozinha, e nesse ponto que eu falei para a senhora, por exemplo, a senhora sobreviveria e ele, com todo estudo que ele tem, morreria", explicou o Frei. Então a mulher ficou toda contente. [...] Para mim, a questão da competência estaria mais ou menos em cima disso. (Sérgio, professor de história)
O exemplo trazido por esse professor indica que, para um indivíduo ser competente, ele não pode ficar restrito apenas a conhecimentos acadêmicos, mas sim agir de acordo com a demanda apresentada pela situação, utilizando-se de conhecimentos tácitos. Tal concepção corrobora as análises de Stroobants (2002), que afirma ser a competência definida em função do seguinte trio: "saberes", "saber-fazer", "saber-ser".
De acordo com essa autora, a rubrica "saber-fazer" designa as noções adquiridas na prática: as tarefas, as regras, os procedimentos e as informações próprias do andamento da situação em questão. Quanto ao "saber-ser", ele engloba uma série de qualidades pessoais como ordem, método, precisão, rigor, polidez, autonomia, imaginação, iniciativa, adaptabilidade (Stroobants, 2002). Assim, a competência não possuiria homogeneidade, podendo compreender tanto elementos objetivos quanto subjetivos, o que dificulta ainda mais a sua definição.
Dessa forma, a análise das falas dos docentes, atrelada às considerações de Stroobants (2002), possibilita considerar a competência como um grande "guarda-chuva" conceitual, que pode abrigar elementos objetivos e subjetivos das mais diversas ordens e naturezas. Seria um "guarda-chuva" heterogêneo, formado por um repertório de recursos composto por conhecimentos, capacidades cognitivas, capacidades relacionais e afetivas.
Diante de tantos elementos, recursos e habilidades que podem compor a competência, observa-se a imprecisão que permeia o discurso do docente ao tentar definir essa noção. Considerar a competência uma grande categoria que pode abrigar os mais diversos "ingredientes" do comportamento individual pode camuflar uma grande dúvida conceitual, pois, já que não se sabe como defini-la precisamente, a competência acaba por assumir a conotação que parece ser mais conveniente. Reafirmo, então, a constatação feita por Ropé e Tanguy (2002) de que a opacidade semântica dessa noção pode favorecer o seu uso inflacionado; a plasticidade que reveste a sua definição é o principal elemento da sua força social.
A plasticidade que essa noção pode assumir também fica bastante evidente nos seguintes depoimentos:
Competência, para mim, é você trabalhar com o conteúdo mais direcionado para o aluno. (Lúcia, professora de artes)
Para mim, trabalhar com competência é procurar desenvolver e trabalhar no aluno aquelas habilidades que ele já tem, que ele já traz com ele. (Rita, professora de inglês)
Porque quando você fala assim de competência, no geral [...] porque a competência na realidade pega um âmbito muito grande, então a competência, na minha visão, tem um peso muito amplo, ela tem uma visão ampla, bem generalizada de algumas coisas. (Sérgio, professor de história)
A abrangência atribuída à competência denuncia como essa noção pode ser vaga, o que explica a evidente falta de consenso no discurso dos docentes. Questionamos, então, como uma noção tão plástica e volúvel pode assumir o caráter de princípio de organização curricular. Se o professor não sabe definir o que é competência, saberia ele desenvolver um currículo voltado para a construção da mesma?
Deve-se considerar que uma perspectiva crítica sobre a noção de competência e dos usos que ela vem assumindo na atualidade parece ser imprescindível para o professor que se depara com a exigência de se trabalhar em um currículo por competências, até mesmo para concluir que talvez esse conceito não seja o mais adequado para incitar as mudanças necessárias na educação. Como afirma Fullan et al. (2000), dificilmente conseguiremos implementar mudanças curriculares efetivas e consistentes a partir da utilização de noções com significados vagos, obscuros e ambíguos.
Considerações finais
Ante a grande ênfase dada às competências, é essencial questionar se o pensamento curricular pautado em tal noção estaria atrelando o valor do conhecimento apenas à sua aplicabilidade. Observa-se, como aponta Ramos (2001), a legitimação de uma lógica que reduz o sentido do conhecimento ao pragmatismo, já que a sua validade passa a ser julgada pela viabilidade e utilidade de que dispõe.
Essa possibilidade corrobora a hipótese levantada por Lyotard (2002), de que, na atualidade, o saber pode não encontrar mais a sua validade em si mesmo, em um sujeito que se desenvolve atualizando suas potencialidades de conhecimento, mas num sujeito prático preocupado em aumentar a sua eficácia. Assim, o valor do conhecimento, em oposição aos ideais modernos, tende a ser legitimado apenas se tiver um valor de uso para o sujeito que irá utilizá-lo eficazmente, no caso específico desse currículo, se ajudar a construir as competências esperadas.
Essa hipótese leva à indagação de saber se a ênfase nas competências, observada na análise feita pela pesquisa apresentada, não estaria respondendo a uma lógica que redimensiona o papel do currículo ante o conhecimento, que deixa de ter um valor intrínseco e preponderante na formação para estar subjugado às ações em que será utilizado. A partir do momento em que o conhecimento não se justifica mais com um fim em si mesmo, cabe, então, ao currículo definir as competências esperadas ao final de uma etapa de escolarização.
Ao fazer essas considerações, não defendo, no entanto, que o conhecimento deva ser encarado como algo sagrado e inquestionável, mas apenas ponderar, segundo a perspectiva de Garcia e Moreira (2003), que ele não deve ser desconsiderado nas discussões sobre o currículo. Acredito que o foco nas competências não pode liberar o currículo de pensar sobre o conhecimento, sobre a sua transmissão e, principalmente, sobre as relações de poder nele implicadas.
Expresso, então, a preocupação de que colocar o conhecimento em função da competência pode resultar numa lógica reducionista, em que o mesmo é interpretado como um meio de treinamento e execução de tarefas. Ao assumir essa lógica, os sistemas de ensino devem preocupar-se em não relativizar a importância do conhecimento, que, segundo Moore e Young (2001), deve continuar sendo o centro do debate curricular. A reflexão sobre os conhecimentos a serem trabalhados na escola não pode se limitar a estabelecer se os mesmos estarão ou não a serviço de uma competência, o que limitaria sobremaneira a função formadora da educação escolar.
A análise do texto oficial do currículo por competências indica que este incorpora e hibridiza elementos relacionados a outros discursos pedagógicos inovadores, que originalmente não estão associados à lógica das competências. Evidencia-se a plasticidade dessa noção e o perigo que representa, pois, ao ser associada aos mais diversos discursos, acaba por ser aceita sem maiores restrições, como uma opção válida para a transformação do ensino.
Outro ponto que chama bastante atenção é a dificuldade por parte dos professores em definir a noção de competência. Esta aparecia no discurso dos docentes de forma imprecisa e polissêmica, sendo também observada, como já apontavam Ropé e Tanguy (2002), uma grande plasticidade na utilização do conceito.
Ao não conseguirem definir precisamente essa noção, os docentes terminavam por relacioná-la a elementos das mais diversas ordens e naturezas, o que evidenciou uma grande dúvida conceitual. Ou seja, sem uma definição nocional precisa, abre-se a possibilidade para que a competência seja utilizada nos mais variados sentidos.
Dessa forma, assumo o ponto de vista de Apple (1982), de que as categorias abstratas que surgem na vida institucional escolar precisam ser investigadas por uma perspectiva crítica, sendo encaradas como construções sociais e implicadas em relações de poder. É preciso formular questões a respeito das próprias categorias empregadas, para organizar o nosso pensamento e ação em instituições culturais como a escola, indagando sobre quais implicações pedagógicas, e até mesmo ideológicas, a utilização da noção de competência pode favorecer.
Recebido em novembro de 2004
Aprovado em março de 2005
THAIS ALMEIDA COSTA, mestre em educação pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, é professora no curso de psicologia da mesma universidade. Atua também como psicóloga escolar. Publicou recentemente: A incorporação da noção de competência nos discursos curriculares: compreendendo significados construídos (In: II Colóquio luso-brasileiro sobre questões curriculares, Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, ago. 2004, CD-ROM). Pesquisa atual: Práticas curriculares cotidianas e a formação moral: a construção da ética na educação infantil. E-mail: taicosta@yahoo.com.br
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
10 Out 2005 -
Data do Fascículo
Ago 2005
Histórico
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Recebido
Nov 2004 -
Aceito
Mar 2005