Open-access Primeiro Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular

SOARES, Leôncio e FÁVERO, Osmar (Orgs.). Primeiro Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular. Brasília: MEC/UNESCO, 2009. 353p.

No caso brasileiro, o mais denso período histórico da educação popular é aquele que vai aproximadamente de 1958 a 1964. Nele foram criados vários movimentos de educação e cultura popular: Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC da UNE), surgido no Rio de Janeiro e que se desdobrou em vários CPCs estaduais; Movimento de Cultura Popular (MCP), inicialmente implantado no Recife, depois estendido para outras cidades de Pernambuco; Movimento de Educação de Base (MEB), de abrangência nacional, com atuação no meio rural; Campanha de Educação Popular da Paraíba (CEPLAR); Campanha "De pé no chão também se aprende a ler", de Natal (RN); e o Sistema de Alfabetização Paulo Freire, certamente a experiência de maior repercussão. Para alguns estudiosos, a educação popular é um fenômeno estabelecido e datado na história da educação de alguns países da América Latina, tendo o Brasil como foco de origem. Outros, no entanto, atribuem a ela uma história mais longa, mais fecunda, mais polêmica e bastante diversificada, em que os acontecimentos de 1958 a 1964 constituem apenas o seu momento mais notável até então. Seja como for, as duas posturas atribuem aos movimentos de educação e cultura popular do período lugar e importância de destaque; a evidência de que deixam sinais de sua presença que não podem ser ignorados.

Incluída na Coleção Educação para Todos, das edições MEC/UNESCO, a coletânea de documentos referentes ao I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular, realizado em setembro de 1963 no Recife, trata-se de fonte documental de indiscutível importância. Representa o resgate de um momento emblemático da história da educação popular no Brasil e constitui-se como obra de referência para os pesquisadores, em particular os historiadores da educação. O Encontro ocorreu por iniciativa do Ministério da Educação e Cultura, no intuito de reunir representantes dos movimentos de alfabetização e cultura popular que ocorriam ainda dispersos pelo país, e buscar contribuições para conceber uma coordenação nacional para a educação de adultos.

Ele foi importante na história da educação de adultos porque deu visibilidade à vitalidade e à diversidade dos movimentos de educação e cultura popular, e permitiu conhecer e avaliar os caminhos até então percorridos, com a participação de 78 organizações. Ademais, serviu à reflexão sobre as possibilidades de avanço, concorrendo para a constituição da Comissão Nacional de Cultura Popular e das diretrizes para o Plano Nacional de Alfabetização. Gestou-se ali uma coordenação pela qual a força dos movimentos sociais procurava assumir a forma de política educacional de abrangência nacional. Mais do que isso, o I Encontro legitimou uma nova compreensão do conceito e da importância da educação de jovens e adultos, os quais foram compreendidos não como beneficiários tardios de um serviço, mas como protagonistas emergentes de um processo.

Os originais da documentação do I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular foram reunidos e preservados pelo professor Osmar Fávero. Apenas as conclusões haviam sido publicadas em 1963, em um Caderno da UNE, e um ou outro relatório foi divulgado. Depois de décadas guardados, todos os relatórios, os informes, as teses e as resoluções do Encontro estão à disposição do público.

A documentação reunida em livro foi organizada em módulos. Primeiro, os "Antecedentes", documentos preparatórios do I Encontro Nacional. Em seguida, "Relatórios e informes", "Teses" e "Resoluções" do evento. Por último, o módulo "Cadastro das organizações de alfabetização e cultura popular" que participaram do Encontro. Também constam do livro uma "Introdução" de Vicent Defourny, em que o representante da UNESCO no Brasil fala do direito à memória, um "Contexto", contendo breve histórico sobre o I Encontro Nacional escrito por Leôncio Soares, um dos organizadores do livro, e "Anexos", com o discurso de encerramento do colóquio, poesias e reprodução de algumas matérias jornalísticas sobre o evento.

Ainda que vários dos documentos tenham natureza burocrática, seu conteúdo é o registro de um processo de construção de uma pedagogia da participação popular, cujo foco é a conscientização, no sentido da formação de consciência, e a politização, em termos de organização e mobilização das camadas populares. Dos documentos produzidos para e no I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular emergem teorias de educação, práticas educativas, tensões políticas e ideológicas, atividades artístico-culturais, atores sociais engajados em transformar a sociedade brasileira por meio da educação e da cultura. Em outras palavras, evidencia-se o espaço amplo e polissêmico de germinação de ideias e ações dos movimentos de educação e cultura popular atuantes no início dos anos de 1960.

A análise do corpus documental preservado do I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular é um campo aberto para a criação histórica. Possibilita aos pesquisadores, em especial os historiadores, reconstruir toda uma dimensão cultural no trabalho político, assim como uma dimensão política no trabalho pedagógico e, enfim, uma dimensão pedagógica em todo o trabalho cultural desenvolvido pelas organizações de alfabetização e cultura popular participantes do evento. Os documentos reunidos no livro são um convite à pesquisa e um exemplo da necessidade e da relevância de se preservar e tornar públicas fontes de um período importante da história da educação, que foi violentamente interrompido e reprimido pela ditadura militar.

O livro se inscreve na preocupação do professor Osmar Fávero, um dos organizadores, de assegurar a preservação do patrimônio documental relativo à educação brasileira, em especial às campanhas de alfabetização dos anos de 1940-1950 e aos movimentos de educação e cultura popular dos anos de 1960. Nesse sentido, merece destaque a produção de um DVD, em 2008, designado Educação popular (1947-1966), que compreende um acervo documental dos projetos, programas, propostas e materiais didáticos das campanhas de alfabetização e educação popular do período em questão. O conteúdo do referido DVD pode ser acessado no endereço: <www.forumeja.org.br>. O livro Primeiro Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular está sendo distribuído gratuitamente para bibliotecas universitárias e centros de documentação e pesquisa em educação de jovens e adultos. Está disponível também para download em: <http://portal.mec.gov.br/index. php?option=com_content&view=arti cle&id=13529%3Acolecao-educacaopara-todos&catid=194%3Asecad-educacao-continuada&Itemid=913>.

Cabe assinalar que a coletânea ora oferecida ao público representa também uma valiosa contribuição para o campo de pesquisa e reflexão pedagógica da educação de jovens e adultos. Para os muitos sujeitos e instituições envolvidos ou interessados nesta temática, sua atualidade está no diálogo que se pode travar em torno das questões que moveram o I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular, procurando entender até que ponto as propostas atuais significam avanços ou repõem perspectivas e experiências superadas.

Amália Dias

Doutoranda do Programa de

Pós-Graduação em Educação da Universidade

Federal Fluminense (UFF) e

professora substituta da Universidade

Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

E-mail: amaliadias@gmail.com

Marcos César de Oliveira Pinheiro

Doutorando do Programa de Pós-

Graduação em História Comparada da

Universidade Federal do Rio de Janeiro

(UFRJ) e professor de história na rede

municipal de ensino de Rio das Ostras

(RJ). E-mail: mcezarufrj@uol.com.br

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Set 2010
  • Data do Fascículo
    Ago 2010
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