RESUMO
Um grave problema da sociedade contemporânea é a geração exagerada de resíduos. Nos serviços de saúde ocorre a mesma situação, agravada pela presença de resíduos perigosos que necessitam de manejo mais complexo. A falta de informação e despreparo dos profissionais de saúde e gestores, da equipe de limpeza e de pacientes em relação aos resíduos pode gerar acidentes ocupacionais, sobrecarregar o meio ambiente e gerar maior gasto financeiro. Investigou-se neste trabalho o processo de geração de resíduos de serviços de saúde (RSS) em um centro cirúrgico de hospital de grande porte. Foram avaliados pesos e custos, com observação in loco dentro de salas cirúrgicas para investigar como o descarte é feito e identificar pontos falhos no processo. Durante quatro meses foram observados 55 procedimentos cirúrgicos e pesados os resíduos gerados em 1.498 procedimentos, dos quais 92% foram descartados como infectantes. Entre os fatores que favoreceram o descarte incorreto, destacam-se os seguintes: tamanho da sala e disposição de lixeiras para resíduos comuns e infectantes. Ressalta-se a necessidade de educação continuada associada à educação ambiental, à incorporação de valores socioambientais na gestão hospitalar e à promoção da sustentabilidade nos hospitais, avançando-se na sustentabilidade ambiental, econômica e social.
Palavras-chaves: resíduos sólidos; resíduos de serviços de saúde; centro cirúrgico hospitalar; coleta seletiva; saúde ambiental
ABSTRACT
The overproduction of waste in our population is a serious social problem. In the health system, this is even more worrisome as the risks are aggravated by dangerous residues which need complex management. The lack of information and training of health professionals and managers, cleaning staff and patients regarding these residues may even result in occupational health, impact the environment, and result in considerable economical costs. In this work, the generation process of health care waste in an Operation Room (OR) of a large hospital was investigated, analyzing weights and costs, through in-loco observation of the operation row to investigate how the disposal is done and unveil the weak points in the process. During 4 months, 55 surgical procedures were observed and the residues generated in 1,498 procedures were weighted, of which 92% were disposed of as infectious waste. Among the factors that favored incorrect disposal, the following stand out: room size and disposal of trash cans for common and infectious waste. Here we highlight the need for ongoing training and environmental education, and the need to incorporate social-environmental values into the healthcare waste management routine, as well as the promotion of sustainable actions in the hospital leading to environmental, social, and economic sustainability.
Keywords: solid waste; healthcare waste; operation room; recycling collection; environmental health
INTRODUÇÃO
A sociedade atual tem enfrentado cada vez mais problemas associados à degradação ambiental, fruto de práticas pouco sustentáveis e de um consumismo desenfreado. Entre os vários problemas, a produção exacerbada de resíduos sólidos urbanos (RSU) torna-se cada vez mais evidente, configurando-se como um dos principais problemas ambientais nas cidades (MOLINARI, 2015). Nos países desenvolvidos, com maior renda e maior urbanização, a geração de RSU tende a ser até quatro vezes maior em comparação com países mais pobres (KAZA et al., 2018).
No entanto, nos países em desenvolvimento, enfrentam-se problemas quanto ao gerenciamento desses resíduos desde a segregação até a disposição final. No Brasil, de acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (ABRELPE, 2020), 29,5 milhões de toneladas de RSU foram descartados de forma inadequada no meio ambiente no ano de 2020. Segundo o Compromisso Empresarial para Reciclagem (CEMPRE), 78% dos municípios brasileiros não oferecem serviço de coleta seletiva organizado (CEMPRE, 2019).
Diante da pandemia do COVID-19, a produção de RSU aumentou ainda mais em decorrência da utilização de mais embalagens, materiais descartáveis e máscaras, entre outros, visando minimizar os riscos de contaminação (RAHIMI et al., 2021). Cenário pior tem sido observado em relação aos resíduos sólidos de serviços de saúde (RSS).
Com o aumento do uso de equipamentos de proteção individual (EPI), a geração de RSS, a depender do país, variou de 50 a 600% (DAS et al., 2021; LIANG et al., 2021). Segundo ADB (2020), um paciente com COVID-19 pode gerar 3,4 kg de RSS por dia. Em Hubei, os RSS aumentaram 600%, de 40 para 240 toneladas, o que sobrecarregou desde a infraestrutura de transporte até a disposição final (ADB, 2020).
Os RSS representam riscos à saúde e ao meio ambiente se não manejados de forma adequada (HOSSAIN et al., 2013; SILVA et al., 2014b). Segundo a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a cada ano, 5,2 milhões de pessoas morrem de doenças associadas a resíduos médicos não gerenciados adequadamente (STAR, 2020).
Os hospitais brasileiros, particularmente, geram grande quantidade desses RSS, chegando a cerca de 80% da parcela total (NOGUEIRA, 2014). São encontrados dados semelhantes para os Estados Unidos e o Canadá (STAL et al., 2013).
No entanto, embora exista um grande receio em relação aos resíduos produzidos nos hospitais, de 75 a 90% deles podem ser equiparados aos resíduos domiciliares e descartados como resíduos comuns (Grupo D segundo a ANVISA, 2006). De acordo com a Organização Mundial da Saúde - OMS (WHO, 2013), somente 10 a 25% dos RSS são considerados de fato perigosos e apresentam risco à saúde e ao meio ambiente. De acordo com Sinoti (2009), 15% possuem riscos biológicos (Grupo A), em torno de 1% é perfurocortante (Grupo E), 3% são resíduos químicos e farmacêuticos (Grupo B) e 1% refere-se a outros resíduos, tais como radioativos (Grupo C), citostáticos (Grupo B), mercúrio (Grupo B) e baterias.
Foi publicada no Brasil, em 2018, a Resolução RDC 222, que regulamenta as boas práticas de gerenciamento de RSS, visando minimizar os riscos à saúde humana e animal inerentes ao gerenciamento de resíduos no país, bem como promover a proteção ao meio ambiente e aos recursos naturais renováveis.
Observando os diversos setores dentro do ambiente hospitalar, os centros cirúrgicos (CC) são os maiores geradores de RSS. Wyssusek et al. (2016) verificaram que eles produzem de 20 a 33% de todo o resíduo em um hospital e que em torno de 70% dessa parcela é potencialmente reciclável. Todavia, grande parte desses resíduos é incorretamente segregada e disposta como resíduo infectante, o que limita seu potencial para a reciclagem.
Em levantamento realizado por McGain, Story e Hendel (2009) em um hospital de Melbourne, 44% de todo o resíduo da unidade de tratamento intensivo (UTI) era reciclável (papelão, papel e plástico). Situações semelhantes também foram encontradas em hospitais dos Estados Unidos e Austrália, nos quais os gastos foram significativamente reduzidos para unidades hospitalares como resultado da implementação de uma correta rotina de manejo de resíduos e de coleta seletiva (STALL et al., 2013; WORMER et al., 2013; MCGAIN, STORY e HENDEL, 2009).
O correto gerenciamento dos RSS também impacta positivamente a esfera econômica. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) demonstrou que o Brasil poderia economizar até R$ 8 bilhões por ano se fizesse a correta separação de materiais recicláveis (CEMPRE, 2015).
Perante esse grave panorama associado aos resíduos, a presente pesquisa teve como objetivos investigar e analisar como é feito o descarte de RSS no CC de um hospital de grande porte, observando todo o processo de geração e descarte de resíduos nas salas cirúrgicas, identificando os pontos críticos que dificultam a separação dos resíduos comuns dos infectantes, além de quantificar os gastos financeiros associados ao descarte incorreto.
METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa exploratória descritiva, de abordagem quantitativa, na modalidade de estudo de caso.
O projeto foi realizado em um hospital de alta complexidade, com 500 leitos, no interior do Estado de São Paulo. Em suas 13 salas cirúrgicas são feitas cirurgias de baixa, média e alta complexidade, incluindo transplantes.
O trabalho, realizado durante quatro meses do ano de 2017, foi conduzido em três etapas (observação, pesagem e treinamento) e em dois períodos (dois meses antes do treinamento e dois depois). A etapa de observação consistiu na apreciação de como o descarte de RSS era realizado pela equipe de saúde presente ao longo do ato cirúrgico. Como o hospital estudado não dispunha de coleta seletiva dentro do CC, somente os resíduos comuns e infectantes foram investigados.
Foi observado e anotado em caderno de campo como cada resíduo infectante ou comum era descartado pela equipe de saúde durante todo ato cirúrgico, registrando quem o fazia (médico cirurgião, médico anestesista, equipe de enfermagem - enfermeiro, instrumentador, circulante, técnicos ou auxiliares) e em qual lixeira era descartado (lixeira com saco branco leitoso - infectante - ou com saco preto - comum).
Posteriormente, o pesquisador observador classificava cada descarte em correto ou incorreto, de acordo com a classificação de RSS presente na legislação nacional pertinente da Vigilância Sanitária (BRASIL, 2006; Brasil, 2018). Ainda, quando ocorreram descartes incorretos, foi observado e registrado se fatores externos, como tamanho da sala, duração e complexidade da cirurgia e disposição de lixeiras poderiam influenciar no descarte, seguindo um fluxograma de fatores (Figura 1). Quando nenhum fator externo era observado, o descarte incorreto foi atribuído à postura do profissional.
Por este hospital investigado não dispor de coleta seletiva, todo o material descartável foi descartado pela equipe de saúde como resíduo comum (forma correta) ou como infectante (forma incorreta).
A pesagem dos resíduos produzidos em cada procedimento cirúrgico foi realizada pela equipe de limpeza terceirizada do hospital que utilizou, para isso, uma balança FILIZONA modelo Star 15/4. Nos momentos das pesagens, foram anotados os pesos dos resíduos acondicionados nos sanitos preto e leitoso, a sala e o horário de descarte. Esse procedimento foi realizado nos turnos matutino, vespertino e noturno, pré-treinamento (junho e julho) e pós-treinamento (setembro e outubro).
Os dados obtidos - quantidade de resíduos infectantes e comuns gerados e descarte nos respectivos sanitos - foram anotados e tabulados em Excel. De posse da listagem geral de cirurgias realizadas no período, foi possível comparar a porcentagem de procedimentos que tiveram seus resíduos pesados.
O Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos (PGRS) do hospital estudado, os dados sobre a produção de RSS de 2014 a 2017, bem como seu custo e peso associado, foram cedidos pela equipe de higienização do hospital e utilizados neste estudo.
Foram construídas planilhas com o percentual gasto com cada tipo de resíduo e os valores pagos por quilograma. Em seguida, realizaram-se comparações com os dados apresentados na literatura consultada neste projeto, procurando estimar quanto poderia ser economizado pelo hospital se os descartes fossem realizados de maneira correta.
O treinamento foi realizado pelo Núcleo de Hospitais Sustentáveis em agosto de 2017, e a equipe de profissionais em treinamento foi dividida em grupos para que o treinamento ocorresse em diferentes dias e horários. Cada treinamento teve duração de 1 hora por grupo e foi realizado dentro do CC antes de as cirurgias começarem, para facilitar e estimular a participação dos trabalhadores. O mesmo treinamento foi realizado com um grupo de médicos residentes anestesistas.
Durante o treinamento, discutiu-se como fazer a segregação correta de cada grupo de resíduo, sua importância e problemas associados, e, ao fim, foi passado o vídeo produzido pelo grupo de pesquisadores. Ao término do treinamento, os participantes responderam a um questionário de avaliação sobre o assunto tratado.
Todos os preceitos éticos foram seguidos, conforme projeto aprovado no Comitê de Ética Local (nº 14204113.0.0000.5411).
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Durante quatro meses foram observados in loco 55 procedimentos cirúrgicos - do início ao fim do ato cirúrgico - e pesados os RSS de 1.498 procedimentos cirúrgicos no total.
Com as observações detalhadas no caderno de campo, foi possível agrupar os seis principais fatores que mais influenciaram o comportamento dos profissionais de saúde para o descarte incorreto dos RSS durante as cirurgias:
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presença ou não de tampa na lixeira para resíduo comum,
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tamanho da sala,
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disposição das lixeiras,
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tempo de cirurgia,
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complexidade da cirurgia e
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ausência de lixeira para resíduo comum para a equipe de anestesia.
Os fatores limitantes observados frequentemente se interligavam. Quanto mais fatores apareciam juntos em um procedimento cirúrgico, a ocorrência do descarte incorreto era mais frequente. Os fatores 1, 3 e 6 demonstraram ser os mais limitantes para a realização de um descarte correto, como apontado no Quadro 1.
Com base nas observações feitas, alguns pontos poderiam ser facilmente corrigidos. O item 6 foi solucionado com a colocação de lixeiras menores próximo ao campo do anestesista. Nos hospitais que já dispõem de coleta seletiva, o ideal é ter, também, a lixeira de recicláveis, pois os anestesistas trabalham com muitas embalagens.
Outra ação importante é deixar as lixeiras de resíduo comum (ou recicláveis) sem tampa e mais próximo ao campo cirúrgico no período pré-cirúrgico e, após o início da cirurgia, aproximar a lixeira de infectantes e tampar a de resíduos comuns (ou recicláveis). Essa ação já ajudaria a resolver os problemas identificados nos pontos 1, 3 e 4. Quanto aos aspectos tempo e complexidade da cirurgia, a capacitação da equipe de profissionais pode sanar as falhas.
Durante o período de realização do trabalho, foram pesados os RSS gerados em 1.498 procedimentos cirúrgicos. Destes, 749 aconteceram antes do treinamento e somaram 2.778 kg produzidos entre os meses de junho e julho, dos quais 90,18% foram descartados como infectantes e 9,81% como comuns. Os outros 749 procedimentos cirúrgicos aconteceram pós-treinamento, totalizando 2.718 kg produzidos entre os meses de setembro e outubro. Dos resíduos gerados nesse período, 87% foram descartados como infectantes e 13% como comuns (Gráfico 1).
Quantidade de resíduo infectante pesado durante o experimento e respectivo custo financeiro no centro cirúrgico, 2017.
No Brasil existem poucos estudos sobre RSS gerados em CC - apenas uma tese com abordagem similar a esta pesquisa foi encontrada e alguns relatos ou estudos de casos apresentados em eventos e não publicados. Nogueira (2014) realizou investigação detalhada em uma amostra de 1.120 cirurgias e identificou que os resíduos do CC investigado correspondiam a 6,38% dos RSS desse hospital, sendo 50,62% classificados como resíduo infectante com perfurocortante, 28,50% como comum, 19,26% como reciclável e 1,64% como químico.
Analisando os registros de resíduos gerados no hospital no período de 2014 a 2017, classificados conforme determina a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e a legislação vigente no país (Grupo A - Resíduo infectante; Grupo A3 - Resíduo de peças anatômicas; Grupo B - resíduos químicos; Grupo D - Resíduo comum e reciclável; Grupo E - Resíduo perfurocortante), construiu-se a Tabela 1.
Como se pode observar, o grupo D representou o maior percentual anual médio no período, com 57,5% (em torno de 60 mil kg/mês), incluindo os materiais recicláveis (9,6%). Em seguida, aparecem os resíduos infectantes com 38% (34 mil kg/mês), o grupo E com 2% (1.900 kg/mês), o grupo B com 1% e, finalmente, as peças anatômicas representando somente 0,8%.
De acordo com a literatura, no entanto, estima-se que os resíduos pertencentes ao grupo D representem de 75 a 90% do total, quando implementado um manejo de resíduos consciente e correto (WHO, 2013, 2005). Já para a proporção dos demais grupos, os dados variam significativamente de acordo com a unidade hospitalar observada, o tamanho e a classificação utilizada (LANDO et al., 2018; MAINA, 2018).
Ao se investigar dentro das salas cirúrgicas como eram descartados os RSS nas diferentes especialidades observadas neste estudo, foi possível criar quatro categorias de tipo de descartes, conforme indicado na Tabela 2.
Nota-se que os resíduos, na maioria dos procedimentos, foram descartados de forma correta (mais de 50% dos descartes), com exceção de cirurgia vascular (61,76% incorretos); ginecologia (74,47% incorretos) e urologia (55,45% incorretos). Dos descartes considerados corretos, o maior percentual foi de resíduo comum na lixeira adequada, com exceção da cirurgia ginecológica (74,47% de resíduo comum descartado no infectante - CNI); da neurocirurgia (41,27% de CNI); da otorrinolaringologia (44,44% de CNI); da urologia (53,64% de CNI) e da cirurgia vascular (61,76% de CNI).
Os erros cometidos nos descartes de RSS colocam a equipe de limpeza interna e externa ao hospital em risco por conta de maiores riscos de acidentes biológicos com materiais infectantes descartados incorretamente no resíduo comum. Além disso, o descarte incorreto gera um custo financeiro desnecessário ao hospital, por ele ter que pagar o tratamento dos resíduos comuns como infectantes.
Em relação aos custos para o tratamento dos resíduos infectantes do CC, considerando-se que foram pesados 4.871 kg nos procedimentos observados no período de quatro meses e que o valor pago na ocasião pelo hospital para a empresa terceirizada era de R$ 2,82/kg, estima-se que o CC teve custo aproximado de R$ 14.000,00 (US$ 2.550,00).
No entanto, esse valor pode ser considerado subestimado em razão da não uniformidade da pesagem dos RSS realizada pela equipe terceirizada. Vale destacar que esta sofreu constantes trocas de funcionários e não possuía obrigatoriedade contratual de realizar as pesagens, sendo “um favor” a sua realização para a pesquisa.
Ao conferir o número de cirurgias realizadas no registro oficial do hospital, descobriu-se que não foram pesados os resíduos de todas as cirurgias de fato realizadas no período e que as pesagens anotadas para esta pesquisa correspondiam a apenas 39% do total de cirurgias registradas no período - 3.517, o que caracteriza uma limitação do estudo.
Considerando-se o total de cirurgias realizadas, estima-se que tenham sido gerados de fato 12.490 kg de resíduos infectantes nos quatro meses acompanhados. Assim, o gasto corrigido para o tratamento desses resíduos chega a R$ 35.000,00 (US$ 6.400,00) e média de 3,55 kg resíduo/cirurgia, com custo de R$ 10,00/cirurgia para os resíduos infectantes.
Esses dados são difíceis de comparar com os de outros estudos, uma vez que pesquisas semelhantes a esta foram realizadas em outros países, com realidades socioeconômicas muito díspares. No Brasil, somente uma tese com metodologia similar foi encontrada, na qual a autora destaca a inexistência de trabalhos brasileiros sobre o comportamento e a composição dos custos dos RSS (NOGUEIRA, 2014). Nesse estudo, a média de resíduos gerados por cirurgia foi de 3,72 kg, com custo médio por cirurgia de R$ 8,64, valores semelhantes aos encontrados na investigação atual.
Usando as referências da OMS, que afirma que 75 a 90% dos resíduos produzidos em um hospital poderiam ser equiparados aos resíduos comuns, no hospital estudado se projeta uma economia mensal dentre R$ 30.000,00 e R$ 70.000,00, podendo chegar anualmente a R$ 400.000,00 a R$ 900.000,00. Esse valor é extremamente significativo quando se observa o subfinanciamento da saúde no sistema público do Brasil, que leva os hospitais a enfrentar até a falta de insumos essenciais (PEDROSA et al., 2011).
Já em relação ao treinamento realizado no mês de agosto de 2017, somente a equipe de enfermagem e os circulantes estiveram presentes no treinamento, totalizando 22 pessoas (58% dos funcionários totais do CC). O mesmo treinamento foi realizado com nove médicos residentes anestesistas (45% do número total de residentes anestesistas atuantes no CC). No entanto, apesar de os profissionais que participaram do treinamento o terem avaliado como necessário e importante, notou-se pouca ou nenhuma alteração significativa em seu comportamento após o treinamento, em relação ao descarte correto dos RSS dentro do CC investigado.
Depois do treinamento, houve redução de apenas 3,2% no descarte de resíduos infectantes quando comparado ao volume descartado anteriormente. Em estudo realizado por Wyssusek et al. (2016), observou-se diminuição de 67% de resíduo infectante após a capacitação e a campanha que foi feita em seu hospital. No hospital aqui investigado, a melhoria notada foi pontual, como em cirurgias menos complexas, mais rápidas e em salas maiores, correspondendo exatamente aos fatores limitantes identificados nesta pesquisa (Quadro 1). Entretanto, em casos de maior complexidade, que envolviam cirurgias mais longas e com grande produção de resíduos, a postura dos funcionários não mostrou grande alteração.
Esses dados sugerem que há urgente necessidade de intervenções e treinamentos mais frequentes, em vez de pontuais - principalmente com a equipe de circulantes, uma vez que eles são os que mais descartam os RSS dentro do CC, seguidos dos médicos instrumentadores e depois dos médicos cirurgiões e anestesistas.
A adoção desses hábitos de correta segregação e descarte de RSS pode encontrar muitas vezes resistência por parte da equipe, que precisa se adequar a novas regras, mudar a logística dentro da sala cirúrgica e criar a consciência de sempre descartar resíduos na lixeira correta, sem comprometer a dinâmica de assistência médica durante um ato cirúrgico (SILVA et al., 2014a).
Além disso, ainda é preciso rediscutir e desconstruir certas falsas concepções de que todos os resíduos produzidos em área hospitalar serão sempre infectantes e perigosos (SINOTI, 2009). A falta de informação ou conscientização por parte dos envolvidos pode levar ao descarte de todos os resíduos hospitalares como infectantes por eles terem preocupação exagerada de cumprir as normas impostas na legislação, ou até por ser mais cômodo e rápido descartar em uma única lixeira, algo a que chama a atenção Nogueira (2014).
Esse mesmo autor ainda comenta que o medo constante de uma possível fiscalização sugere que os funcionários ainda estejam mais preocupados com as normas impostas do que conscientes da importância do manejo correto desses RSS. De outro lado, parece fundamental que o gestor/chefe local também desempenhe esse papel de vigilância constante, não de forma punitiva ou fiscalizatória, mas educativa, mostrando onde houve descarte incorreto e procurando refletir com a equipe sobre o porquê de isso ter acontecido, a fim de corrigir pontos frágeis que promovam esses descartes incorretos.
Outra grande consequência do descarte incorreto dos RSS é impacto o ambiental associado, tendo em vista que o tratamento usual para resíduos infectantes é o processo de incineração (35%), considerado por muitos autores como uma prática não sustentável (CAMPONOGARA; RAMOS; KIRCHHOF, 2009; JACOBI; BESEN, 2011). Na ausência de filtros adequados no incinerador, há também a emissão de partículas tóxicas como dioxinas entre outras, além da emissão de gases de efeito estufa, que colaboram para o aquecimento global e para as mudanças climáticas, consideradas o principal problema de saúde pública da humanidade no século XXI (COSTELLO et al., 2009; ASHWORTH, ELLIOTT; TOLEDANO, 2014).
Outro ponto associado à questão ambiental é a não reciclagem de materiais provenientes dos RSS. Como destacado por outros autores, até 70% dos RSS dos CC têm potencial para serem reciclados (WYSSUSEK et al., 2016), sendo a grande maioria embalagens e invólucros plásticos não contaminados. No entanto, diante da segregação incorreta encontrada no CC investigado, não é possível ainda destinar o material para a cooperativa local de catadores, uma vez que isso representaria um risco a tais trabalhadores, que poderiam receber muitos materiais infectantes em meio aos recicláveis, assim como comuns.
Dessa forma, quando analisado o risco de saúde pública em conjunto com o ambiental, torna-se evidente que há necessidade urgente de direcionar esforços para excluir o resíduo infectante da grande parcela de resíduos recicláveis, em vez de se tentar reduzir a fração de resíduos recicláveis presente nos resíduos infectantes, assim como sugere McGain, Story e Hendel (2009). Esse é um ponto crucial deste trabalho, uma vez que a intenção posterior à realização da atual investigação será implantar a coleta seletiva no CC e destinar os resíduos potencialmente recicláveis à cooperativa local de catadores.
CONCLUSÕES
Por meio deste trabalho, puderam-se identificar pontos falhos no processo de descarte de RSS dentro de um CC de hospital de grande porte. Foi observada a necessidade de implantação de ações simples, como a disposição de lixeiras em quantidade adequada nos diferentes momentos do ato cirúrgico, além de capacitação da equipe, para que esteja atenta e consciente da importância da correta segregação e descarte.
Os hospitais devem ter um adequado e efetivo plano de gerenciamento de resíduos sólidos e não cuidar somente dos resíduos perigosos ou infectantes, mas também do comum e dos recicláveis. Torna-se imperativo que hospitais implantem um adequado serviço de coleta seletiva dentro dos serviços de saúde, como uma necessidade emergente diante dos desequilíbrios ambientais e as mudanças climáticas que a humanidade enfrenta.
A pesagem do RSS de forma setorizada e com seus respectivos custos operacionais auxilia no mapeamento, diagnóstico e identificação dos problemas, apontando as adequadas intervenções necessárias. Recomenda-se que serviços de saúde e hospitais, juntamente com seus gestores, incorporem em suas agendas de trabalho o tripé da sustentabilidade: ações que sejam ambientalmente sustentáveis, socialmente justas e economicamente viáveis, aplicando-as aos RSS.
A consciência ambiental e sustentável precisa estar presente nos hospitais até mesmo durante o ato cirúrgico, para que os profissionais de saúde também possam identificar e mitigar os efeitos danosos que um hospital pode trazer ao meio ambiente e à saúde planetária.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
06 Jun 2022 -
Data do Fascículo
May-Jun 2022
Histórico
-
Recebido
27 Ago 2020 -
Aceito
01 Out 2021