Open-access Correlação entre saneamento básico e vulnerabilidade à pandemia de covid-19 no Brasil

Correlation between basic sanitation and vulnerability to the covid-19 pandemic in Brazil

RESUMO

A pandemia de covid-19 trouxe à tona diversas questões econômicas e socioambientais, dentre elas a fragilidade da população brasileira diante da atual condição sanitária do país. Assim sendo, este estudo se propôs a conhecer a relação de vulnerabilidade relacionada à falta/ineficiência do saneamento e a disseminação de covid-19, considerando as 27 Unidades Federativas do Brasil. Para isso, foram utilizadas variáveis de saúde, saneamento básico e sociodemográficas e aplicada a metodologia de Análise Fatorial para calcular o Índice de Vulnerabilidade Sanitária à Covid-19. A análise apontou correlação inversa entre variáveis de saúde e saneamento, atestando que quanto maior a proporção da população com acesso aos serviços de saneamento, menor a taxa de incidência de covid-19. Os resultados mostraram ainda que os estados das Regiões Norte e Nordeste possuem maior vulnerabilidade à covid-19 quando comparados aos demais, ocasionada pelo baixo alcance dos serviços de saneamento, com destaque para o estado do Pará, que ocupou o primeiro lugar no ranking nacional de vulnerabilidade.

Palavras-chave: coronavírus; saúde e meio ambiente; Índice de Vulnerabilidade Sanitária

ABSTRACT

The covid-19 pandemic brought up several economic and socio-environmental issues, including the fragility of the Brazilian population given the current sanitary condition of the country. Understanding how this has been behaving has become fundamental for the basis of public policies aimed at controlling the pandemic. Therefore, this study aimed to know the relationship of vulnerability related to the lack/inefficiency of sanitation and the spread of covid-19, considering the 27 Federative Units of Brazil. For this, health, basic sanitation, and sociodemographic variables were used, and Factor Analysis was applied to calculate the Covid-19 Health Vulnerability Index. The analysis showed an inverse correlation between health and sanitation variables, attesting that the higher the proportion of the population with access to sanitation services, the lower the incidence rate of covid-19. The results showed that the states of the North and Northeast regions have greater vulnerability to covid-19 when compared to the others, derived from the low reach of sanitation services, especially in the state of Pará, which ranked first in the national vulnerability ranking.

Keywords: coronavirus; health and environment; Health Vulnerability Index

INTRODUÇÃO

O crescimento populacional dos estados brasileiros vem trazendo à tona vários problemas econômicos e socioambientais no tocante à infraestrutura urbana das cidades. Sem a devida preocupação e investimentos por parte do poder público, a população acaba por se instalar em locais inadequados de moradia, formando favelas e cortiços e habitando em casas precárias na periferia (ALMEIDA; COTA; RODRIGUES, 2020).

A infraestrutura necessária ao desenvolvimento adequado dos centros urbanos está ligada, entre outros aspectos, ao saneamento básico — que envolve os serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, coleta e tratamento dos resíduos sólidos e drenagem urbana —, bem como às condições econômicas e de moradia. Segundo Santos, Berticelli e Fritsch (2018), os serviços de saneamento refletem sobre a qualidade de vida da população através da relação direta com a saúde. Em vista disso, a inexistência e/ou ineficiência desses serviços resultam na exposição da população às doenças relacionadas ao saneamento ambiental inadequado (DRSAI).

A fragilidade social tornou-se mais acentuada com o surgimento do novo coronavírus, visto que algumas recomendações sanitárias encontram várias barreiras, como falta ou ineficiência do acesso à quantidade e à qualidade de água potável; insuficiência do sistema de esgoto sanitário e má gestão de resíduos sólidos; assim como a ineficácia de sistemas de drenagem, o que evidencia a importância do investimento no saneamento básico pelo Poder Público para consequente preservação da vida.

Atentando-se para o estado pandêmico do país, iniciado em março de 2020 e controlado atualmente pela cobertura vacinal, a população de baixa renda tem se mostrado ainda mais suscetível ao contágio pelo coronavírus e, consequentemente, tem sido atingida de forma severa devido a fatores determinantes da relação entre meio ambiente e saúde (PIRES; CARVALHO; XAVIER, 2020).

Assim, torna-se notória a necessidade de se aumentar o espectro de estudos voltados a mensurar a fragilidade da população brasileira diante da pandemia de covid-19, não somente para reconhecer situações agravantes relacionadas à pandemia atual, mas para prospectar consequências futuras e a busca por soluções.

Dessa forma, este estudo objetivou conhecer a relação entre a vulnerabilidade populacional proveniente do sistema de saneamento e a disseminação do novo coronavírus (covid-19) no Brasil e desenvolver um índice de vulnerabilidade para os estados estudados, a fim de direcionar a priorização de políticas públicas.

METODOLOGIA

Área de estudo

Sendo o maior país da América do Sul, o Brasil passou por muitas mudanças na sua divisão regional para obter a atual configuração geográfica que possui. O país conta com um território de 8.515.767,049 km2 de área, dividido em cinco grandes regiões geográficas que são: Norte, Nordeste, Centro-oeste, Sudeste e Sul; estas, por sua vez, são formadas por estados ou Unidades Federativas (UF). Nesse contexto, o Brasil conta com 26 estados mais o Distrito Federal (IBGE, 2010), e são essas 27 UF, cujas distribuições territoriais estão na Figura 1, que foram objeto deste estudo.

Figura 1
Mapa de distribuição territorial das Unidades Federativas brasileiras.

Método da pesquisa

O presente estudo é classificado como pesquisa exploratória-descritiva, de acordo com Gil (1999), pois busca proporcionar maior familiaridade com o problema em questão a fim de torná-lo explícito, além de proporcionar a descrição dos aspectos de uma determinada população ou de um fenômeno e descobrir a existência de associações entre variáveis.

Coleta de dados

Os dados coletados para a realização do estudo são secundários, provenientes de plataformas oficiais do governo e de Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). Esses dados foram utilizados para a construção do Índice de Vulnerabilidade Sanitária à Covid-19 (IVS-C19), sendo agrupados em três nichos diferentes: Variáveis de Saúde (VS), Variáveis Sociodemográficas (VSD) e Variáveis de Saneamento Básico (VSB).

Os dados referentes às VS foram obtidos através de uma das plataformas oficiais do Ministério da Saúde denominada “Painel Coronavírus” (BRASIL, 2021), a qual disponibiliza dados sobre casos novos e acumulados de covid-19. Vale ressaltar que a plataforma é atualizada diariamente e permite a possibilidade de coletar dados por dia de notificação.

As VS utilizadas foram as ocorrências de casos (VS1) e de óbitos (VS2) por covid-19 acumulados no espaço de tempo de um ano de disseminação da doença no país, mais especificamente do dia 27 de março de 2020 (quando foi registrado o primeiro caso confirmado no Brasil) ao dia 27 de março de 2021, no sítio eletrônico do Ministério da Saúde. Após a coleta, para uma melhor análise dos dados, foi calculada a taxa para VS, considerando o número de casos/óbitos em relação à população total de sua referida UF, conforme apresentado na Equação 1.

(1) T a x a ( % ) = C a c u m P T .100

Em que:

Cacum = número de casos ou óbitos acumulados;

PT = população total da UF.

Por sua vez, as VSD foram apuradas através dos indicadores: taxa de analfabetismo (VSD1); pessoas por domicílio (VSD2); domicílios com abastecimento de água (VSD3); domicílios com esgotamento sanitário (VSD4); moradores em domicílios com abastecimento de água (VSD5); moradores em domicílios com esgotamento sanitário (VSD6); e população idosa (VSD7). Os indicadores foram coletados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2018), e, para a seleção destes, foi considerado o estudo de Guimarães, Eleutério e Monteiro-da-Silva (2020), os quais desenvolveram um estudo a fim de analisar a disseminação e gravidade da covid-19 no Brasil.

As VSB foram coletadas do Ranking do Saneamento 2021 do Instituto Trata Brasil (2021), sendo elas: abastecimento total de água (VSB1); abastecimento urbano de água (VSB2); esgotamento sanitário total (VSB3); esgotamento sanitário urbano (VSB4); razão entre esgoto e água (VSB5); perdas de distribuição (VSB6); e perdas de faturamento (VSB7). Vale destacar que as informações de cada variável considerada para a elaboração do ranking são provenientes do relatório do ano de 2019 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS, 2019).

Construção do Índice de Vulnerabilidade Sanitária à Covid-19

A construção do índice seguiu a metodologia proposta por Malta, Costa e Magrini (2017), que aplica a Análise Fatorial (AF) como método estatístico, o qual sintetiza os dados dos indicadores utilizados e agrupados por sua natureza, em etapas consecutivas, até chegar a suas cargas fatoriais e, finalmente, calcular o índice. Ao se trabalhar com variáveis, é importante averiguar a confiabilidade destas para evitar a ocorrência de erros na interpretação dos resultados. No presente caso, foi aplicado o coeficiente Alfa de Cronbach (α), considerando o valor confiável de α maior ou igual a 0,7 (KOCAK et al., 2014).

Com isso, foi verificada a exequibilidade da AF através da matriz de correlação, admitindo a correlação mínima de 0,3 para a maioria das variáveis. Com os dados validados, seguiu-se para a aplicação de testes t (teste de hipóteses), sendo realizados o Teste de Esfericidade de Bartlett (TEB), assumindo significância ao nível de 0,001% (MINGOTI, 2005), e o Teste de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO), para testar as correlações parciais entre os pares de variáveis sem o efeito das demais, considerando o valor de 0,50 como critério mínimo para execução da AF (KAISER; RICE, 1974).

Em seguida, para identificar variáveis que poderiam prejudicar a análise, utilizou-se da Matriz Anti-Imagem (Measure of Sampling Adequacy — MSA), admitindo as variáveis que alcançaram o grau de explicação igual ou superior a 0,5. Assim, foi aplicado o Critério da Raiz Latente (autovalor maior que 1) e o Critério da Percentagem da Variância Explicada (soma da variância explicada de 0,70). Posteriormente, através do método matemático das Componentes Principais via Rotação Ortogonal do tipo Varimax, foi determinado um fator comum para um grupo de variáveis, permitindo a identificação de quais variáveis são mais e menos influentes para cada fator.

Por fim, para a construção do IVS-C19, foram obtidos os escores fatoriais (EF) para cada UF através do método de regressão, seguido do cálculo da carga fatorial padronizada (CFP), conforme a Equação 2, permitindo a hierarquização das UF. Além disso, foi realizado o cálculo da proporção equivalente da variância explicada por cada fator através da soma total da variância explicada pelo conjunto de fatores comuns.

(2) C F P = ( E F i E F m í n E F m á x E F m í n )

Em que:

EFi = escore fatorial da UF;

EFmáx = escore fatorial máximo entre todas as UF;

EFmín = escore fatorial mínimo entre todas as UF.

Dessa forma, o IVS-C19 foi definido por um menos o somatório da combinação linear da proporção equivalente da variância e da carga fatorial padronizada para cada UF, como mostra a Equação 3.

(3) I V S C 19 = 1 j = 1 q ( λ j j λ j ) C F P i j

Em que:

λ = variância explicada por cada fator;

Σ λ = soma total da variância explicada pelo conjunto de fatores comuns;

CFPij = carga fatorial padronizada para cada UF.

Com o IVS-C19 calculado, foi realizada a elaboração do ranking de vulnerabilidade sanitária ao coronavírus por meio da organização das UF em ordem decrescente de vulnerabilidade, considerando a escala de 0 (menor vulnerabilidade) a 1 (maior vulnerabilidade). De forma simultânea, foi aplicado a coloração para vulnerabilidade, cujos resultados foram classificados em muito baixa, baixa, média, alta e muito alta, por meio de adaptação da proposta desenvolvida por Malta, Costa e Magrini (2017), representada na Tabela 1.

Tabela 1
Classificação de vulnerabilidade para o Índice de Vulnerabilidade Sanitária à Covid-19.

Com a finalidade de auxiliar na interpretação dos resultados, foi elaborado um mapa de níveis de vulnerabilidade à covid-19 no Brasil utilizando o software QGIS versão 3.10, assim como todos os métodos estatísticos acima mencionados foram realizados através dos softwares IBM SPSS Statistics® e Microsoft Excel®.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Com a coleta e organização de todas as variáveis propostas na metodologia, seguiu-se a determinação do α para análise da consistência interna dos dados; dela obteve-se o valor de aproximadamente 0,753, garantindo a confiabilidade para continuação do estudo. Posteriormente, foi gerada a matriz de correlação (Figura 2) para atestar a viabilidade da AF, na qual aproximadamente 60% das variáveis atingiram correlação maior que 0,30, ou seja, correlações significantes ao nível de 1% (GORSUCH, 1983).

Figura 2
Matriz de correlação das variáveis.

A partir da Figura 2, é importante frisar que VS1 (casos) apresentou correlação inversa para VSB (indicadores de saneamento básico) e VSD (indicadores sociodemográficos). O estudo realizado por Aquino (2020) constata que quanto maior a proporção da população com acesso aos serviços de saneamento, menor a taxa de incidência de covid-19, fornecendo uma base adequada para seguir para a próxima etapa.

Na etapa seguinte, foi verificada a significância geral da matriz de correlação por meio do TEB, o qual atingiu valor de significância ao nível de 0,001%, e do Teste de KMO, com valor aceitável de 0,703 sendo classificado como “bom” (KAISER; RICE, 1974). Por fim, como última medida de segurança, os valores de MSA obtidos demonstram-se satisfatórios para a realização da AF, ressaltando-se que apenas o indicador de óbitos por covid-19 não alcançou o valor mínimo de 0,5, com grau de explicação relativamente baixo. No entanto, considerando a elevada correlação entre os casos e os óbitos por covid-19 — estes últimos podendo explicar um fator isolado (FÁVERO et al., 2009) —, optou-se por mantê-la no estudo.

Dessa forma, a AF foi realizada seguindo o cálculo da variância total explicada. Considerando o Critério da Raiz Latente com autovalor maior que 1, bem como o Critério da Percentagem da Variância Explicada mínima de 70%, verificou-se que um modelo estatístico com apenas três fatores se mostrou suficiente para representar a estrutura de covariância inicial — tais fatores agrupam os indicadores que mais influenciam na covid-19. Houve uma influência de 76,50% da relação entre as condições de saneamento e a covid-19, sendo que os indicadores pertencentes ao primeiro fator explicam 42,43%, o segundo grupo de indicadores explica 17,58% e o terceiro, 16,49%, conforme apresenta a Tabela 2.

Tabela 2
Matriz de cargas fatoriais, comunalidades, autovalores e percentual de variância explicada.

Procurou-se então conhecer quais eram os indicadores que pertenciam ao grupo que mais influenciou na relação entre o saneamento e a morbimortalidade por covid-19. A Figura 3 especifica aqueles indicadores de saneamento básico e sociodemográficos que mais influenciam na covid-19 e nos estados estudados. A maior carga fatorial (maior influência) está relacionada ao indicador VSB3 (esgotamento sanitário total), seguido de VSB4 (esgotamento sanitário urbano), VSD6 (moradores em domicílios com esgotamento sanitário), VSD4 (domicílios com esgotamento sanitário), VSB5 (razão entre esgoto e água), VSB1 (abastecimento total de água) e VSB2 (abastecimento urbano de água).

Figura 3
Indicadores que mais influenciam a morbimortalidade da covid-19.

Destaca-se ainda o protagonismo dos indicadores relacionados à falta/ineficiência do esgotamento sanitário na vulnerabilidade quanto à morbimortalidade da covid-19. O estudo de Wu et al. (2020) também levanta essa hipótese, constatando a presença de RNA do novo coronavírus nas fezes de indivíduos infectados e, por conseguinte, em amostras de esgotos sanitários; isso explicita a possibilidade, ainda que embrionária, de se considerar a contaminação por meio do esgotamento sanitário, especialmente onde o índice desse serviço é baixo. Apesar da influência estatística, não se tem ainda evidenciada a carga viral necessária para contaminação humana por esta via, conforme pondera Aquino (2020), que também encontrou relação entre a oferta de saneamento e a incidência da doença estudada.

Observa-se ainda, na Figura 3, que as variáveis VSD1 e VSD2, respectivamente, pessoas por domicílio e taxa de analfabetismo, representam relação inversa. Consoante a isso, Matos e Rodrigues (2019) afirmam que cargas fatoriais negativas provocam um sentido de variação oposto ao do construto, resultando no aumento da vulnerabilidade calculada.

Destacam-se ainda os seguintes indicadores que influenciam na morbimortalidade por covid-19: VSB6 (perdas distribuição), VS1 (casos), VS2 (óbitos), VSD7 (população idosa), VSB7 (perdas faturamento), VSD5 (moradores em domicílios com abastecimento de água) e VSD3 (domicílios com abastecimento de água). Nesse novo grupo, explica-se cerca de 17% do fenômeno (morbimortalidade por covid-19) despertando a atenção para o fato de que proporcionar o aumento das taxas de acesso à água é o segundo fator mais determinante para evitar ou retardar a contaminação por covid-19, uma vez que a higienização de mãos, alimentos e objetos compartilhados depende da disponibilidade de água (FRANÇA, 2020).

A partir das cargas fatoriais de cada indicador e para cada estado, chegou-se ao ranking das UF associado à classificação de cores por nível de vulnerabilidade. Isto posto, a Tabela 3 apresenta o ranking de vulnerabilidade sanitária à covid-19 no Brasil, no qual as UF aparecem em ordem decrescente de vulnerabilidade considerando o valor de IVS-C19.

Tabela 3
Ranking de vulnerabilidade sanitária à covid-19.

O Pará se destaca no ranking, ocupando a primeira posição; com índice de 0,903, o estado registrou uma taxa de 4,78% para casos acumulados de covid-19 no primeiro ano de pandemia no Brasil. Entre as características pertinentes que levaram este a ocupar tal posição, duas são apresentadas em estudo realizado por França (2020), segundo o qual o estado, em consonância com a região Norte, ocupa as menores taxas de atendimento total por água e as maiores taxas nas perdas por distribuição (VSB1 e VSB10, respectivamente).

França (2020) afirma ainda que é necessária a garantia de qualidade e segurança no fornecimento dos serviços relacionados ao provimento de água, desde a fonte, seja ela superficial, seja subterrânea, até o armazenamento adequado nas residências. Nesse sentido, o índice de 40,5% de perdas durante o processo de distribuição de água no estado do Pará reverbera o aumento do IVS-C19, salientando a necessidade de atenção com as redes de distribuição por parte dos prestadores desse serviço.

O Distrito Federal se mostrou a UF menos vulnerável à disseminação do novo coronavírus, com IVS-C19 de 0,277, seguido do estado de São Paulo, com índice chegando a 0,366. Com a base de dados utilizada para compor o IVS-C19, são notórios os altos índices para os serviços de saneamento no que diz respeito a água e esgoto; tais atributos acabam por garantir maior qualidade e segurança sanitária para a saúde da população, refletindo, de forma equivalente, para menores vulnerabilidades, a contaminação pela doença.

É válido mencionar que o Amazonas apresentou vulnerabilidade média para a covid-19, ocupando a 15ª posição no ranking. Contudo, Manaus, a capital do estado, registrou altas taxas de incidência e mortalidade pela covid-19, com a notificação de 2.195 óbitos apenas em janeiro de 2021, conforme dados do Ministério da Saúde. Em estudo realizado por Barreto et al. (2021), verificou-se que, no fim de 2020, a população amazonense permaneceu mais tempo na rua do que em casa, devido ao típico movimento de fim de ano. Em vista disso, considera-se que outros fatores, como a falta de isolamento social, podem ter influenciado na taxa de contaminação pelo coronavírus nesse estado, o que pode ser aprofundado por outros estudos.

Projetando-se um panorama da fragilidade do país, por meio do ranking de vulnerabilidade, foi gerado o mapa de níveis de vulnerabilidade à covid-19 no Brasil, mostrado na Figura 4, que permite uma análise mais concisa da situação pandêmica.

Figura 4
Mapa de níveis de vulnerabilidade à covid-19 no Brasil.

Através do mapa apresentado na Figura 4, é possível afirmar que, dos dez estados mais vulneráveis observados no ranking, quatro pertencem à Região Norte, quatro, à Região Nordeste e dois, à Região Sul, o que proporciona uma representação da situação do país, salientando que nenhum estado das Regiões Centro-Oeste e Sudeste aparecem entre esses dez. Coincidentemente, Soares et al. (2020) constatam que a Região Sudeste possui um percentual superior a 80%, enquanto a Região Norte, apenas 16% para esgotamento sanitário, fator que se mostrou essencial na determinação do IVS-C19. Ressalta-se que, até a 20ª posição, o IVS-C19 ainda se encontra acima de 0,5, o que se vincula à necessidade de preocupação do país como um todo no enfretamento ao coronavírus.

O IVS-C19 coloca quatro dos sete estados da Região Norte acima de 0,7 (Figura 2), com vulnerabilidade alta e muito alta, retratando um cenário de exposição da população à contaminação pela doença. Costa e Pinheiro (2018) afirmam que, apesar da abundância de recurso hídricos, dada as características da região, o Norte enfrenta dificuldades no fornecimento de água potável; esse aspecto é fundamental para a realização das recomendações de frequente lavagem de mãos com água e sabão, “[…] uma das medidas mais emblemáticas de combate à covid-19 preconizadas pela Organização Mundial da Saúde […]” (VIEIRA, 2020, p. 4).

As características construtivas do IVS-C19 demonstraram a íntima relação do saneamento na promoção de saúde da população, especificamente para o covid-19. Nesse sentido, Almeida et al. (2019) reiteram que a ótica de saneamento é primordial na tomada de decisões de ações de saúde e pesquisa epidemiológica, devendo ser considerada na composição de fatores estudados para execução de políticas públicas, acrescidos da cooperação da sociedade civil organizada e, consequentemente, da comunidade científica e das pesquisas desenvolvidas por esta.

CONCLUSÕES

Os resultados estatísticos mostram que, para a composição do índice, as variáveis intervenientes à vulnerabilidade sanitária à covid-19 que demonstraram ser mais importantes foram aquelas relacionadas aos serviços de saneamento básico, destacando-se as variáveis de moradores e domicílios com abastecimento de água; esgotamentos sanitários total e urbano; moradores e domicílios com esgotamento sanitário; razão entre esgoto e água; e abastecimentos total e urbano de água — atestando, assim, a relevância da relação saneamento e saúde, além de evidenciar a necessidade de atenção primária a estas.

Vale ressaltar que a condição de vulnerabilidade não é permanente, de forma que compete aos gestores desenvolver e aplicar medidas de enfrentamento a esse desequilíbrio socioambiental. Dessa forma, a alocação efetiva dos recursos voltados ao setor de saneamento básico deve partir de uma fundamentação constatada: diante da pandemia do novo coronavírus, a utilização o IVS-C19 se mostrou um excelente instrumento para tal função. Espera-se que os gestores públicos possam aplicar ferramentas como esta no intuito de preservar a saúde da população, além de suprimir a desigualdade sanitária do país, almejando a universalização desse serviço, conforme prevê o novo marco legal do saneamento.

  • Financiamento: nenhum.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    10 Jun 2022
  • Aceito
    26 Jan 2023
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