APRESENTAÇÃO DOS ARTIGOS TEMÁTICOS
Com o lançamento deste número da Revista Psicologia em Estudo queremos divulgar análises que percorreram o II Colóquio Internacional Michel Foucault: a judicialização da vida, ocorrido na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, entre os dias 3 e 5 de julho de 2013, organizado por três programas de Pós-Graduação: Políticas Públicas e Formação Humana (UERJ), Psicologia (UFF) e Filosofia (UFRJ). Os debates aconteceram a partir de narrativas de experiências acadêmicas articuladoras dos campos conceitual e empírico, apresentadas por pesquisadores brasileiros, franceses e argentinos, possibilitando, desse modo, trocas entre diferentes grupos de pesquisa e a participação assídua da grande audiência que acompanhou os três dias de trabalho, composta por estudantes, profissionais e pesquisadores. Os vídeos das conferências e dos debates podem ser acessados em: www.foucaultjudicializacao.com.br.
Tal evento teve um caráter de continuidade das inquietações e propostas presente desde a sua primeira edição, no I Colóquio Internacional Michel Foucault: a judicialização da vida, realizado em 2011 pelos mesmos organizadores. Assim sendo, nos dedicamos a retomar as discussões empreendidas naquela ocasião, aprofundar as articulações já cultivadas, construir outras e ampliar as redes de pesquisa em torno da temática da judicialização. Com este propósito os textos aqui apresentados são assinados por conferencistas e debatedores do II Colóquio.
A temática em questão, longe de esgotar-se, tem visto crescer a sua atualidade, com a sofisticação dos instrumentos próprios ao Estado de direito, sustentados na prática jurídica e na lógica penal. A demanda por punição e o espírito de vingança ampliam-se a cada vivência definida como conflito. A própria vida passa a ser contada como uma sucessão de conflitos a enfrentar ou a evitar. A normalização como racionalidade se essencializa, tornando estranhos, e sobretudo condenáveis, os movimentos disruptivos. Os campos de relações de trabalho, práticas pedagógicas, assistência social, resistência, biomedicina, movimentos urbanos, construção de arquivos nos estabelecimento prestadores de serviços e na chamada área de garantia de direitos são domínios abordados pelos textos aqui reunidos. Em conjunto, nos permitem colocar em análise o modo como a organização do pensamento político instituído se sustenta no binômio culpado-vítima.
Com Foucault aprendemos que desde o século XIX o ... controle penal punitivo dos indivíduos ao nível de suas virtualidades não pode ser efetuado pela própria justiça, mas por uma série de outros poderes laterais... (Foucault, 1973/2008, p. 86), como, por exemplo, aqueles que a universidade tem se dedicado a preparar. Nada melhor do que pensar a judicialização da vida no espaço acadêmico! A intensificação da fragmentação disciplinar, a excelência das especializações e subespecializações, em um movimento infinito, têm redundado na sofisticação dos graus de controle, demandados por uma lógica judicializante que acredita ser a prova do crime não só o melhor, mas o único meio para mudar as relações tanto em sua dimensão estrutural, quanto em sua expressão interpessoal. Em uníssono os trabalhos mostram uma preocupação coletiva com o distanciamento e a desconfiança que a lógica penal imprime às relações. O medo toma o lugar do afeto; a busca individual para escapar das ações jurídicas ultrapassa a confiança no coletivo. A judicialização é mais uma mecânica de individualização das relações, malgrado os discursos de participação e de solidariedade tão em voga. A lógica judicializante opera contra alguém e não com alguém.
Os colóquios que temos realizado constituem um grito pelo coletivo: a sua organização se dá entre professores de diversas universidades que articulam as suas propostas, as suas equipes e os seus recursos; o modo como funcionamos durante o colóquio se apóia no grupo, já que não há controle de entrada; a organização se dá de acordo com os recursos públicos disponíveis, sem custos para os participantes, o que significa contar com a colaboração de alguns dos presentes; o compartilhamento do colóquio em rede e agora a publicação de alguns dos trabalhos são também apostas no alargamento do diálogo e na construção de laços de afeto na produção acadêmica. No compasso de um convite permanente para pensarmos juntos na provocação que nos deixa Foucault sobre o que fazemos de nós mesmos, mais uma porta se abre com esta edição. Sejam bem-vindos!
Maria Lívia do Nascimento
E-mail: mlivianascimento@gmail.com
Estela Scheinvar
E-mail: estelascheinvar@gmail.com
Referências bibliográficas
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
26 Nov 2014 -
Data do Fascículo
Set 2014