Open-access OS SENTIDOS PRODUZIDOS POR CUIDADORAS ESCOLARES DE CRIANÇAS COM SCZV

LOS SENTIDOS PRODUCIDOS POR CUIDADORES ESCOLARES DE NIÑOS CON SCVZ

RESUMO.

Este estudo, fundamentado na perspectiva da psicologia cultural-histórica sobre a pessoa com deficiência, teve por objetivo apreender a dimensão subjetiva da realidade (ou as mediações) das crianças com a Síndrome Congênita do Zika Vírus (SCZV) no contexto escolar de desenvolvimento e aprendizagem a partir dos sentidos produzidos por cuidadoras escolares. Para tal, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com três cuidadoras escolares que trabalham em três creches pertencentes ao sistema de educação de ensino de Campina Grande/PB. Para análise dos dados, foi realizado o procedimento dos Núcleos de Significação, que visa à apreensão das contradições que constituem as produções de significação discursiva dos sujeitos participantes. Os resultados indicaram que as cuidadoras escolares priorizam a mediação pedagógica na relação estabelecida com as crianças com SCZV, embora não desconsiderem a instância do cuidado em termos das necessidades especiais relacionadas à integridade psicomotora que essas crianças apresentam. Ademais, foi evidenciado que as participantes salientam as potencialidades das crianças em detrimento da falta ou lesão gerada pela deficiência.

Palavras-chave: Creches; cuidadores; educação inclusiva

RESUMEN.

Este estudio, basado en la perspectiva de la psicología cultural-histórica sobre las personas con discapacidad, tenía como objetivo apreciar la dimensión subjetiva de la realidad de los niños con Síndrome Congénito del Virus del Zika (SCVZ). en el contexto escolar del desarrollo y el aprendizaje de los significados producidos por los cuidadores escolares. Para ello, se realizaron entrevistas semiestructuradas con tres cuidadores escolares de guarderías diferentes que pertenecen al sistema educativo de Campina Grande/PB. Para el análisis de datos, se realizó el procedimiento de los núcleos de significación, cuyo objetivo es aprehender las contradicciones que constituyen las producciones de significado discursiva de los participantes. Los resultados indicaron que los cuidadores de la escuela dan prioridad a la mediación pedagógica en la relación establecida con los niños con SCVZ, aunque no descuidan la instancia de cuidado en cuanto a las necesidades especiales relacionadas con la integridad psicomotora que tienen estos niños. Además, se destacó que los participantes ponen de relieve el potencial de los niños en detrimento de la falta o lesión generada por la discapacidad.

Palabras clave: Jardines infantiles; cuidadores; educación inclusiva

ABSTRACT

This study is based by the perspective of the cultural-historical psychology on people with disabilities, aimed to apprehend the subjective dimension of the reality (or mediations) of children with Congenital Zika Virus Syndrome (CZVS) on the school context development and learning from the senses produced by school children caregivers. For this reason, semi-structured interviews were conducted with three caregivers working in three daycare centers belonging to the teaching system of education in Campina Grande/PB. For data analysis, was performed the meaning core, which aims to apprehend the contradictions that constitute the productions of discursive meaning in the participating subjects. The results indicated that school caregivers prioritize the mediation in the relationship established with children CZVS, though not disregard the instance of care in terms of the special needs related to psychomotor integrity that these children have. Furthermore, it was evidenced that the participants emphasize the children's potentialities to the detriment of the lack or injury generated by the disability.

Keywords: Child day care; caregivers; inclusive education

Introdução

No Brasil, em 2015, foi registrado pelo Ministério da Saúde um número significativo de casos de nascimento de bebês com microcefalia sob suspeita de terem sido acometidos pelo vírus Zika durante a vida intrauterina, desenvolvendo o que parte da literatura produzida no campo da saúde nomeou de Síndrome Congênita do Zika Vírus - SCZV, que se configurou como um quadro alarmante e emergencial de saúde pública (Brasil, 2015; Lopes, 2018; Santos, Reis, & Souza, 2018).

Em 2019, a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde registrou 2.865 casos confirmados de recém-nascidos e crianças vivas brasileiras com alterações no crescimento e desenvolvimento, possivelmente, relacionadas à infecção pelo vírus Zika (Brasil, 2019). Com base no monitoramento epidemiológico tanto em 2015 como em 2019, o Nordeste foi a região brasileira que mais teve ocorrências de bebês e crianças vivas com a SCZV, sobretudo nos Estados da Bahia e de Pernambuco.

A SCZV, além de provocar a microcefalia (perímetro encefálico abaixo dos padrões da idade e do sexo) e alterações no sistema nervoso central (déficit no funcionamento cerebral), afeta sobremaneira o desenvolvimento global, gerando um quadro de deficiência múltipla por comprometer o campo motor, o campo sensorial, a cognição e a deglutição, configurando-se como grau de severidade elevado (Eickmann et al., 2016; Folha, Mariani, Nunes, & Barba, 2018)

Dada a ocorrência inusitada da SCZV, a urgência em mapear o quadro clínico para intervenção multiprofissional em saúde e a complexidade das consequências na qualidade de vida dessas crianças, é possível encontrar um registro considerável de estudos brasileiros no âmbito da saúde sob múltiplos enfoques (Lopes, Nozawa, & Linhares, 2014). Nesse contexto, estudos na área educacional e áreas afins, embora em escala menor, começam a surgir uma vez que todo cidadão brasileiro, conforme o art. 206 da Constituição da República Federativa do Brasil de1988, tem direito à escolarização ao longo da vida (Batista & Moutinho, 2019; Farias & Vilachan-Lyra, 2018; Floriani, 2017; Gonçalves & Fernandes, 2019; Fernandes, Santos, & Queiroz, 2019).

No cenário educacional brasileiro, existe um conjunto de dispositivos legais e políticas educacionais voltados para assegurar o direito à escolarização da pessoa com deficiência. Entre a legislação que trata da educação inclusiva, destaca-se a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) - Lei 13.146, de 06 de julho de 2015, sendo, portanto, o dispositivo legal mais recente.

Na LBI, no art. 28, é assegurado à pessoa com deficiência o direito ao acesso e à permanência no sistema educacional com vistas ao desenvolvimento de suas capacidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, de acordo com suas particularidades e possibilidades de aprendizagem. Esse dispositivo legal responsabiliza o poder público com uma série de medidas que devem ser cumpridas, endereçada à oferta de uma educação inclusiva de qualidade e equânime (Lei 13.146, 2015).

A LBI garante à criança com deficiência a singularidade no atendimento pedagógico nas escolas para que se ampliem as capacidades de desenvolvimento dentro das suas possibilidades de aprendizagem. Para tal, essa lei recomenda às instituições de ensino a produção de um plano de ensino especializado que vislumbre todos os recursos didáticos, metodológicos e tecnológicos necessários ao percurso de aprendizagem das crianças com desenvolvimento atípico.

Outro ponto relevante é garantir a participação, na equipe pedagógica, de profissionais de apoio escolar para o atendimento especializado e individualizado às necessidades inerentes à deficiência de cada criança, embora na referida lei não esteja claro que haverá um profissional de apoio escolar para cada criança com deficiência. No caso da criança com Síndrome Congênita do Zika Vírus, em função do grau de comprometimento, é fundamental que, na escola, haja um profissional de apoio escolar designado para trabalhar apenas com essa criança, como no caso daquelas com espectro autista (Lei 12.764, 2012).

Diante do quadro epidemiológico alarmante de nascimento de crianças com a SCZV, da LBI, que determina e assegura as diretrizes gerais para o atendimento educacional especializado às crianças com deficiência, bem como por estarmos situados na região mais afetada com o fenômeno Zika e em consonância com o Plano Estratégico de Desenvolvimento da Paraíba 2040 (Lei 10.632, 2016), foi desenhado um projeto de pesquisa maior direcionado à problemática psicossocial e educacional de inserção da criança com microcefalia pelo Zika vírus na rede municipal de ensino de Campina Grande/PB6.

A lente teórica e metodológica, de abordagem compreensiva, que orientou essa investigação foi a perspectiva cultural-histórica de desenvolvimento humano na interface entre a psicologia e a educação. Além disso, a epistemologia assumida se apoia nas contribuições da psicologia russa que postulam a relação indissociável entre as práticas sociais e históricas constituídas nos contextos culturais que o homem vivencia, favorecendo a constituição da dimensão subjetiva nos processos de aprendizagem escolar.

Mediante o posicionamento pela abordagem cultural-histórica, ressaltam-se as contribuições vigotskianas e de colaboradores contemporâneos para a compreensão da criança com deficiência, porque valorizam a pessoa e não a deficiência. Assim, é necessário compreendê-la em sua totalidade, sobretudo nas potencialidades da criança com deficiência, para que a partir desse reconhecimento de suas condições reais possam ser “[...] estruturadas estratégias educacionais que contribuam para promover sua aprendizagem e seu desenvolvimento” (Martínez & Rey, 2017a, p. 124).

Ademais, um aspecto relevante na abordagem vigotskiana de desenvolvimento da criança com deficiência destacado aqui é o conceito de compensação. De acordo com o autor, a compensação, “[...] como reação da personalidade ao defeito, dá início a novos processos indiretos de desenvolvimento, [e] substitui, superestrutura, nivela as funções psicológicas” (Vygotski, 1997, p. 17).

Por sua vez, Martínez e Rey (2017b) ressaltam a necessidade de considerar que as crianças com deficiência têm processos de aprendizagem essencialmente distintos daquelas sem deficiência e que, para a realização do trabalho pedagógico com elas, é fundamental a presença de um profissional como o cuidador escolar que possa atuar em conjunto com o professor a fim de criar mediações pedagógicas apropriadas às necessidades educacionais individualizadas que favoreçam o desenvolvimento das crianças com deficiência em sala de aula.

Para esses autores, a escola e a sala de aula são concebidas como espaços sociais que podem favorecer novas produções de sentidos subjetivos, com a promoção de um clima interacional entre as crianças com e sem deficiência, por permitir a expressão da criança com deficiência no nível possível para ela, almejando sempre o seu avanço a um estado superior e superando os preconceitos da subjetividade social dominante em relação à deficiência (Martínez & Rey, 2017b; Vigotski, 1989).

Ao focalizar a escola como espaço de construção de subjetividades relacionadas à aprendizagem das crianças com deficiência e aos caminhos indiretos de desenvolvimento humano na perspectiva vigotskiana de educação inclusiva, volta-se a atenção, neste estudo, para os profissionais que compõem a equipe pedagógica, em particular, a figura do cuidador escolar, por conta do intenso trabalho de estimulação pedagógica individualizada e dos cuidados com a locomoção, a higiene e a alimentação, realizados junto à população estudantil com necessidades específicas.

O Conselho Municipal de Educação - CME de Campina Grande/PB, por meio da Resolução nº 02/2019, por exemplo, enfatiza no art. 17 a oferta da superação de barreiras administrativas, do preconceito, da discriminação e de qualquer forma de exclusão às unidades educacionais do sistema municipal de ensino de Campina Grande. E como uma das medidas para o enfrentamento dessas barreiras administrativas frente à condição da criança com SCZV, estabelece-se, no parágrafo 4º dessa Resolução, que “[...] deve se considerar no serviço de educação precoce a realidade do bebê e crianças com a Síndrome Congênita do Zika Vírus (Microcefalia) e o acompanhamento familiar” (Resolução nº 02, 2019, p. 09).

Embora seja um ato administrativo realizado em uma esfera pública municipal de educação, a Resolução nº 02/2019 considera o direito constitucional à escolarização da criança com a SCZV e reforça a necessidade de um profissional de apoio que auxilie essa criança no processo de inclusão educacional e, sobretudo, na sua permanência na escola e no seu desenvolvimento.

Com efeito, dada a amplitude da dimensão subjetiva da realidade acerca da educação inclusiva, este estudo centra atenção sobre os sentidos produzidos por cuidadores escolares relacionados ao desenvolvimento e à aprendizagem de crianças com SCZV matriculadas em três creches da rede municipal de ensino de Campina Grande/PB. Como afirmam Bock e Aguiar (2016, p. 49), “[...] a dimensão subjetiva é uma dimensão da realidade e não dos sujeitos, mas é exatamente a dimensão da realidade que afirma a presença e a contribuição dos sujeitos na construção dela”.

Frente ao exposto, questionamos: como os cuidadores escolares têm construído significações no tocante ao processo de desenvolvimento e aprendizagem em relação às crianças com a SCZV com as quais trabalham? E na sequência, buscou-se como objetivo apreender a dimensão subjetiva da realidade (ou as mediações) das crianças com a SCZV no contexto escolar de desenvolvimento e aprendizagem a partir dos sentidos produzidos por cuidadoras escolares.

Em última instância, pretendemos contribuir para reflexões no âmbito da mediação pedagógica no campo da educação especial na perspectiva inclusiva, com um enfoque interdisciplinar e intersetorial, a partir das reflexões e concepções daqueles que atuam na dimensão da realidade escolar no processo de ensino e aprendizagem de crianças com SCZV.

Método

Por se tratar de um estudo genuinamente realizado com seres humanos, o projeto foi submetido à Plataforma Brasil e obteve parecer favorável (Parecer nº 3.074.687) do Comitê de Ética designado pela referida plataforma e identificado pelo Certificado de Apresentação de Apreciação Ética - CAAE 0131.2018.6.0000.5175.

Foi assumido o delineamento de estudo de casos múltiplos por permitir a investigação de um fenômeno contemporâneo dentro do contexto de vida real (Yin, 2001). Além disso, reiteramos que este estudo é de natureza qualitativa e que toma como base o método histórico-dialético que busca a superação de dicotomias para o entendimento de uma totalidade dos elementos objetivos e subjetivos e suas contradições que expressam o movimento da realidade (Aguiar, Soares, & Machado, 2015).

Participaram deste estudo por meio de entrevistas semiestruturadas individuais três cuidadoras escolares que trabalham em três creches pertencentes ao sistema de educação de ensino de Campina Grande/PB. As referidas participantes estão identificadas aqui por nomes fictícios, como orienta a Res. 466/2012 sobre os cuidados éticos da pesquisa brasileira com seres humanos (Resolução nº 466, 2012).

Para análise das entrevistas foi realizado o procedimento analítico-interpretativo chamado de Núcleos de Significação (NS), que permite o movimento de análise que vai do empírico às abstrações, composto por três etapas que se iniciam com o levantamento dos pré-indicadores, seguindo para a sistematização de indicadores e culminando com a construção dos núcleos (Aguiar & Ozella, 2013).

Resultados e Discussão

Anahí é pedagoga com especialização em Psicopedagogia. À época da pesquisa, possuía dois anos de experiência como cuidadora escolar com uma criança com SCZV na mesma creche. Bartira, a outra cuidadora escolar, é pedagoga, tem experiência como professora, contava à época quatro anos e seis meses de atuação profissional nessa função, sendo que atendeu a três crianças com deficiências distintas (uma criança cega, outra com baixa visão e uma terceira com paralisia cerebral) nos primeiros quatros anos; e, estava trabalhando nos últimos seis meses com uma criança com SCZV. Tuane, a terceira participante, é pedagoga, com especialização em Psicopedagogia, tem dois anos como cuidadora escolar, sendo que, na ocasião, contava um ano trabalhando com uma criança com a SCZV. Ressalta-se que as três participantes possuem vínculo empregatício com contrato de trabalho temporário nas creches municipais onde foi desenvolvido o estudo.

O movimento de nuclearização das entrevistas

Diante da nuclearização disposta no Quadro 1, iniciamos com a análise intranúcleo e internúcleo constituída pelas formulações verbais de cada participante no exercício de interpretar a dimensão subjetiva da realidade pedagógica das três cuidadoras escolares de crianças com a SCZV, para, depois, realizarmos um movimento interpretativo internúcleo das significações sistematizadas nas três entrevistas

Quadro 1
Núcleos de significação (NS) das cuidadoras escolares.

No que se refere ao NS1 sistematizado a partir das falas da cuidadora escolar Anahí, esta declarou que nunca havia tido a experiência de cuidar de uma criança com SCZV, pois, nas palavras dela: “[...] eu nunca tinha lidado com uma pessoa com microcefalia e qual o nível de comprometimento que ela teria [...]”; e adiante complementa afirmando que: “[...] quando eu cheguei e iniciei, não tinha muito conhecimento, sabia o que era a microcefalia congênita do zika vírus, a maneira na qual foi adquirida e tal, mas não sabia exatamente como iria atuar”.

O conhecimento sobre os cuidados necessários à criança com a SCZV foi enfatizado por Anahí como um período de observação do comportamento da criança para se efetivar o trabalho do cuidador escolar, quando afirma: “Olhe, é um trabalho muito grande de observação [...]”. Outro ponto de destaque nesse núcleo se constitui no processo de adaptação mútua entre a criança e Anahí, pois, “[...] para ela se adaptar a mim, ela chorou bastante, tinha convulsão e espasmos, principalmente a ocular. Com o tratamento que a mãe sempre faz, foi diminuindo [...] E os espasmos também nos membros, que eles apresentam”. Por outro lado, Anahí declarou que: “[...] eu fui me adequando ao que ela já tinha, se era comum, qual a frequência que era comum [...] foi assim no dia a dia e com as pesquisas que fui fazendo e estudando [...] para lidar com ela”. Essa cuidadora escolar ressaltou também a grande relevância da linguagem corporal para a criança com a SCZV com quem ela trabalha, já que não há comunicação verbal por parte da criança. Assim, Anahí enfatiza que “[...] a gente tem que ‘tá’ muito atento aos detalhes [...] ao que o conjunto dela vai te dar como informação sobre o que ‘tá’ sentindo”. Assim, identificamos que o NS1 se constituiu por meio dos desafios enfrentados pela cuidadora Anahí, relacionados ao saber lidar com a condição de especificidade dessa criança, precisando investir na observação de como essa síndrome se expressa nela fisicamente, assim como percorrer um processo de adaptação mútua.

Em relação ao NS2, a ênfase recai na rotina pedagógica que a creche mantém com as turmas. No caso específico da criança com a SCZV, a cuidadora Anahí afirmou não ser igual como as outras crianças da turma, pois a rotina pedagógica do turno da manhã é preenchida por atividades que exigem o despertamento das crianças para realizá-las. Assim, todas as crianças tomam café ao chegarem à creche e, em seguida, iniciam as atividades de ensino-aprendizagem com a professora em sala de aula. No caso da criança com a SCZV, embora faça a primeira refeição, já chega sonolenta por conta da medicação anticonvulsivante, que, dito por Anahí, “[...] não a deixa muito esperta [...]”, precisando dormir. A cuidadora acentuou que as atividades de ensino-aprendizagem são realizadas com essa criança no turno da tarde, porque, em geral, é o turno em que ela fica mais ativa. Conforme destaca Anahí, “[...] é o tempo dela, a gente não pode ter uma criança que está medicada e fazê-la participar de uma coisa que ela não vai dar rendimento”. Assim, a rotina pedagógica vivenciada por essa criança com a SCZV acontece na sequência inversa das demais crianças, em função dos cuidados e controles com a saúde dela, dos quais ela necessita para continuar estabilizada do ponto de vista neurológico, por conta do quadro convulsivo que apresenta.

Já no NS3, a interação e a inclusão em sala de aula foram os temas que receberam destaque. Nesse sentido, a inclusão em sala de aula já se efetivou, pois, segundo Anahí, “[...] eles [os colegas da turma] não têm receio nem a gente tem receio de colocar ela no meio, sentada, para as crianças tocarem nela e ela sentir as outras crianças, sentir o som, o barulho, o cheiro, tocar [...]”. Sobre a interação, Anahí esclarece que “[...] todo mundo conversa com ela, fala com ela e ela faz aquela devolutiva com o sorriso, com o olhar, então ela corresponde”. Com isso, reconhecemos que, na turma, há inclusão e há interação entre a criança com a SCZV e as demais crianças, bem como com todos os profissionais que trabalham na escola. Assim, consideramos que a inclusão e a interação transcorrem de maneira satisfatória por meio de atitudes afetivas e trocas comunicativas com demonstração de cuidado, carinho e atenção.

Mediante os avanços no desenvolvimento da criança com SCZV, evidenciamos no NS4 que a cuidadora escolar Anahí identifica que a alimentação dessa criança melhorou bastante, pois “[...] hoje ela come bem melhor do que antes, ela era bem magrinha, ela se alimenta bem melhor [...]”. Outro aspecto destacado por Anahí, em termos dos avanços conquistados por essa criança é a percepção visual e a sonora ao afirmar que “[...] se foi um som, se foi uma pessoa que chegou, se foi algo que caiu, ela vai se movendo nesse sentido, é uma das evoluções grandes dela [...]”; e complementa a sua avaliação sobre o desenvolvimento dessa criança enfatizando que “[...] são coisas que ela não fazia antes, então, ela já está me dando mais respostas. Parece uma evolução pequena, mas é um avanço muito grande para o nível de comprometimento que ela tem [...]”.

O último ponto relevante abordado por Anahí acerca das intervenções pedagógicas que realiza junto à criança com SCZV foi a estimulação sensorial, que culminou no NS5, no qual essa cuidadora explicita as atividades que realiza com essa finalidade. No entanto, Anahí comentou que as estimulações foram mais intensas no primeiro ano da criança na creche, visto que, “[...] no primeiro ano de vida, era essencial que se fizesse com bastante frequência, aí como ela faz muitas outras terapias, às vezes, a hiperestimulação faz com que ela convulsione. Então, tem que ter um certo cuidado, um equilíbrio”. Por outro lado, essa cuidadora menciona que “[...] a gente faz muita atividade de som, visual, tato, bota ela ‘pra’ tocar em texturas [...]” e complementa falando do entrosamento entre ela e a professora de sala em relação ao cuidado de pensarem juntas atividades que estejam dentro das possibilidades da criança com SCZV: “[...] a gente ajusta algumas atividades que dá ‘pra’ fazer com ela [...] então, sempre ela faz alguma atividade dentro do que ela pode realizar”.

Após a análise intranúcleo, seguimos para a análise internúcleo das declarações de Anahí acerca do atendimento e das intervenções que realiza com essa criança com SCZV. Um elemento relevante é o fato de Anahí trabalhar a dois anos com a mesma criança, o que se configura como um grande benefício para o desenvolvimento desta, com um trabalho pedagógico que favorece a potencialização nas situações de aprendizagem, a partir das possibilidades de que a criança dispõe, promovidas pelo convívio com as outras crianças e com os outros profissionais que trabalham na escola. Assim, percebemos que a conduta profissional de Anahí, como cuidadora escolar, está em consonância com as proposições defendidas pela psicologia cultural-histórica de desenvolvimento humano, com a concepção vigotskiana de compensação social e com as diretrizes pedagógicas relacionadas aos cuidados especializados, assegurados pelas legislações correlatas aos direitos educacionais da pessoa com deficiência (Lei nº 13.146, 2015; Martínez & Rey, 2017b; Vygotski, 1997; Resolução nº 02, 2019).

Bartira, a segunda cuidadora escolar, trouxe no NS1 a questão da pouca segurança quando recebeu a proposta da gestão da escola em assumir os cuidados de uma criança com SCZV. Nas palavras de Bartira, “[...] não ‘tô’ com muita segurança, não, mas vamos ver, já que você está me propondo [...]”. Para além da insegurança inicial, essa cuidadora escolar revelou também os desafios relacionados ao início do trabalho com a criança, pois o choro constante e a alimentação se apresentaram de maneira acentuada para ela: “Ele chorava o tempo todo [...]”; e complementou que, nesse início, teve muito medo, sobretudo, nos momentos destinados à alimentação: “Eu tinha medo porque tinha a questão da alimentação dele, era muito com a colher, tudo era na base da colher, a água era numa seringa [...]”.

Por outro lado, concernente ao NS2, o processo de adaptação à nova incumbência pela cuidadora escolar Bartira foi consolidado com êxito, pois ela expõe a postura com a qual direcionou seu trabalho para com a criança: “Porque eu cuido de Girassol. Eu não cuido do menino com deficiência, eu acho que esse olhar a gente tem que ter [...]”. Assim, ela centra sua atenção na criança e não na deficiência, nas potencialidades e não nas limitações impostas aos bebês que são acometidos por essa síndrome. Num movimento de similaridade a essa concepção que investe no potencial da criança com a SCZV, Bartira reitera afirmando que “[...] é uma pessoa que você ‘tá’ com ela, não é o menino com microcefalia. Mas o que é que ele pode além daquilo que se diz que é possível para ele, e ele foi além [...]”; e complementa ao afirmar que “[...] ele dá passos, eu coloquei ele muito aqui na areia, coloquei ele no balanço. Eu procurei coisas que as pessoas achavam que não era possível, porque ele não tem nenhuma sustentação do corpo e eu fui tentando [...]”.

No tocante ao NS3, a ênfase discursiva dessa cuidadora escolar recai sobre a relevância de um trabalho cotidiano de aprendizagem com a criança, pois em sua fala destacam-se elementos que estão atrelados a uma concepção de desenvolvimento humano integral, quando verbaliza sobre as intervenções e estimulações realizadas no campo da motricidade e da comunicação verbal e gestual junto à criança com SCZV sob seus cuidados. Assim, ela comenta: “Botei ele ‘pra’ caminhar em cima dos meus pés [...] procurei sentar ele em cadeiras de várias formas”. Ademais, complementa mencionando as recomendações da médica que acompanha essa criança acerca da necessidade da estimulação motora continuada, “[...] porque uma das coisas que a médica dele estava querendo é que ele tivesse mais mobilidade nos braços, que estava muito travado, muito rígido”. No entanto, Bartira respeita os momentos da criança e suas reações adversas às ações motoras que ela lhe proporciona: “Tem momento que ponho ele em contato direto com o chão, momentos que não fica, não quer, então já vou e tiro”.

Contudo, no campo da comunicação verbal, a estimulação acontece por diversas vias que favorecem o estabelecimento das trocas comunicativas não verbais entre a cuidadora e a criança, como ressalta a participante: “Uma coisa que percebi muito importante, o nome dele, então eu soletro. Então, isso dava uma satisfação, uma expressão no rosto dele [...]”, e complementa com a informação de que, “[...] quando eu canto as vogais ‘pra’ ele, eu sonorizo musicalmente essas vogais ‘pra’ ele e ele compreende [...] ele expressa através do rosto dele, num sorriso [...] ele expressa o abrir a boca dele como se ele quisesse pronunciar aquilo”. Assim, essa correspondência comunicativa entre eles se estabelece pelo enlace verbal e não verbal simultâneo, o que corrobora a perspectiva das potencialidades de que cada um dispõe para manter a interação comunicativa entre eles.

A cuidadora faz uma retomada da estimulação motora que realiza com a criança ao fazer referência a sua formação em teatro, por conta do trabalho com a musculatura em razão das atividades corporais exigidas nas performances cênicas e, deste modo, afirma: “[...] eu trabalhei com teatro e, no teatro, a gente trabalha muito o corpo, fiz muita oficina de corpo e, através dessas oficinas de corpo, eu tive vários conhecimentos”. Por último, conclui o tópico ao avaliar que: “Isso foi muito bom ‘pra’ mim, experiências outras só somam, ela nunca é só ‘pra’ isso. Hoje, eu vejo que isso está me ajudando aqui [...]”. Esse percurso de conquistas trilhado entre Bartira e a criança sob seus cuidados demonstra um avanço notável no desenvolvimento da motricidade e do tônus muscular dessa criança a partir das intervenções realizadas pela cuidadora escolar.

Com relação ao NS4, Bartira ressalta o perfil profissional exigido pela Secretaria de Educação de Campina Grande para o cargo de cuidador escolar, que engloba a formação em Pedagogia, além dos conhecimentos relacionados aos cuidados básicos com saúde, segurança, locomoção, higiene e alimentação: “Na rede, para o cargo de cuidador, a secretaria pede que seja pedagogo. Isso é importante, não é só o olhar, não é só o cuidar, ‘tá’ ali com a criança, tem o lado pedagógico”. Essa cuidadora também reflete sobre o trabalho que realiza com a criança sob o ponto de vista pedagógico: “Acredito que o pouco que faço com Girassol é pedagógico [...]” como os demais cuidados atribuídos a esse profissional no contexto escolar: “Eu fico o tempo todo com ele, observando qual o movimento que ele ‘tá’”.

Ademais, afirmou participar de treinamentos da área de saúde para saber lidar com a criança com a SCZV: “Fiquei sabendo que pequenos tremores que eles têm podem ser pequenas convulsões que eles têm, isso, segundo a médica que veio para dar esse treinamento para gente”. Complementa essa dupla atuação profissional do cuidador escolar informando que “[...] ele tem muito esses pequenos tremores, então ele ‘tá’ bem e de repente [...] como se fosse um susto”. Em seguida, conclui esse tópico da atuação do cuidador escolar refletindo sobre as necessidades específicas de uma criança com SCZV: “A atuação nesses momentos é bem específica, não tem muito a parte pedagógica, é o cuidado mesmo, porque ele ‘tava’ dormindo e eu tinha que ‘tá’ com ele ali, observando, cuidando dele mesmo”.

Em especial, o NS5 retrata a interação e a inclusão das crianças com SCZV na turma e nos demais espaços de convivência da escola. Bartira revela que o processo de inclusão em sala de aula, em linhas gerais, ainda é um grande desafio: “Não vou falar de Girassol, vou falar no geral. O processo de inclusão, eu acho que deixa muito a desejar na sala de aula”. Por outro lado, em relação à realidade escolar em que trabalha, afirma que “[...] ele é bem aceito pelos professores, pela gestão, pela creche principalmente, que acolhe muito bem essas crianças [...]” e complementa mencionando algumas atitudes da professora perante as crianças da turma para favorecer o processo de interação em sala de aula entre elas e a criança com a SCZV. Dessa maneira, a cuidadora afirma: “Quando as outras crianças estão voltando do soninho, a professora sempre diz: ‘vamos dar boa tarde a Girassol?’ [...] elas dão boa tarde, pegam a mão dele, alisam o cabelo dele, fazem pergunta do porquê dele ‘tá’ chorando [...]”. Além disso, Bartira enfatiza “[...] nesse contexto dele, ele aprendeu muito [...]”; e complementa refletindo que, “Eu fico me perguntando o que é que passa na cabecinha deles [...]”. E finaliza ao dizer “Acho que ele sente, na verdade, ele sente isso, ele sente carinho, ele sente a presença, com certeza ele sente”.

Ao avançar na análise internúcleo do material discursivo de Bartira, entre os cinco núcleos aqui demarcados foi possível apreender como o reconhecimento da dimensão pedagógica do seu trabalho é substancial para o desenvolvimento e a aprendizagem da criança com SCZV. Bartira, ao se posicionar como agente de mediação desse processo, consolida seu papel de educadora ao ofertar oportunidades de interação da criança com a cultura por meio da linguagem verbal e da não verbal, e, quanto a esta última, há a ênfase na linguagem emocional, que tem o corpo como a base de sua expressão, portanto, do seu movimento.

No que se refere à entrevista com Tuane, outra cuidadora participante deste estudo, foi identificado no material verbal produzido durante a entrevista, mediante o NS1, o desafio vivenciado por ela nas primeiras aproximações para a realização das atribuições profissionais pertinentes aos cuidados com a criança. Ela destaca: “[...] eu acho que, ‘pra’ mim, foi a alimentação dela que foi mais difícil [...]”; e complementa: “[...] porque, assim, ela se engasga, a tosse dela com engasgo é muito assustadora, sabe? [...] eu tenho medo [...]”. Essa dificuldade da criança se configura como uma justificativa para os desafios de ordem alimentar que a cuidadora enfrenta concernentes ao estado de deglutição por parte da criança com a SCZV sob sua responsabilidade.

Para enfrentar esse desafio da alimentação, Tuane enfatiza a aproximação dela com a equipe da creche “Eu tentei da minha maneira assim entender, ‘né’, porque toda hora as meninas não estão dispostas a ‘tá’ me ajudando e o desafio é meu [...]”, apesar de entender a importância de uma colaboração mútua entre a equipe, Tuane também ressalta a falta de preparo prévio para exercer sua atividade evidenciando que “[...] seria bom [que] a gente tivesse um curso. Eu acho que a avó dela até perguntou ‘vocês já tiveram um curso assim?’ e eu digo ‘não, a gente teve direito a isso não’”.

A questão acerca da falta de uma formação prévia sobre sua atividade fica ainda mais evidente no decorrer da entrevista, quando desabafa: “[...] porque de repente ela faz assim, liga, aí faz Tuane, você vai ‘pra’ tal escola no bairro tal. Você chega lá e não sabe de nada”. Desse modo, o NS1 é representado por meio dos desafios relacionados à falta de formação anterior ao começo de sua atuação junto à criança com SCZV, como também as atividades de vida diária, como a alimentação. Tais adversidades são contornadas no cotidiano por meio da colaboração de colegas de trabalho e de atitudes como a paciência e o cuidado redobrado frente às situações que se apresentam.

No que se refere a NS2, temos uma atenção para as atividades nas quais a criança com SCZV participa na creche. Evidencia-se que, apesar de a criança não ter exatamente os mesmos horários dos seus colegas de turma por conta de idas ao médico e períodos mais longos destinados à alimentação, ela é encorajada a participar das atividades de ensino-aprendizagem em sala de aula: “Quando tem atividade em sala, ela faz também, quando tem pintura. Assim, essas coisas, ela faz também. O dia que ela vem, eu gosto muito que ela participe”. A cuidadora também discorre sobre os momentos de que a criança não participa, mostrando que é preciso que haja, sobretudo, uma atenção aos instrumentos necessários para o trabalho inclusivo “[...] tem coisa que ela não participa, se ela tivesse a cadeira adaptada ‘pra’ ela, ela teria participado dessa ciranda, mas como ela não tem, eu não gosto de ‘tá’ segurando, eu tiro ela e coloco no meu colo”.

Por meio do NS3, evidenciamos a questão da interação da criança com SCZV com os outros alunos da creche. Tuane destaca que esse processo tem muitos aspectos positivos, visto que “[...] ela não se incomoda [...] eles ficam fazendo um monte de perguntas, mas tem hora que eles pegam assim na mãozinha dela, na bochecha e ela não se incomoda, ela fica sorrindo [...]”, enfatizando que as reações acontecem muito por meio de sorrisos. “É, ela dá um sorriso [...] tem hora que ela dá cada sorriso, cada grito [...]”. Desse modo, identificamos a importância do entendimento de que a comunicação está para além e é mais abrangente que a comunicação verbal e, no que concerne ao trabalho junto à criança com SCZV, estar atento à comunicação não verbal é essencial, tanto nas atividades da vida diária como no processo de ensino-aprendizagem.

A respeito do NS4, Tuane traz sua percepção acerca dos avanços da criança com SCZV no tempo de um ano de seu exercício junto a ela “[...] eu ‘tava’ lendo o relatório dela lá da caderneta e eu acho que, ‘pra’ mim, eu acho que é a mesma coisa. Eu andei lendo, sabe? Eu acho que não mudou não”. E complementa essa avaliação dando ênfase também à quantidade de faltas que a criança apresenta “Como eu te falei, Rosa assim falta muito, ela não vem assim todos os dias”. Também ressalta o tempo de trabalho junto à criança “[...] não tem como eu dizer se Rosa mudou principalmente porque é o meu primeiro ano com ela [...]”. Esse déficit da presença em sala de aula representa um grande impasse para o processo de inclusão, na medida em que interfere no progresso das interações sociais, bem como no processo de ensino-aprendizagem, como demonstrado também pela cuidadora: “Eu não fui [para formação] por um simples problema, eu teria que levar todas atividades que eu fiz com ela durante o mês, como Rosa tinha faltado muito, eu ia levar o quê? Não tinha como eu levar [...]”. Posto isso, entendemos que são diversos os fatores que se entrecruzam quando o assunto é a inclusão escolar e que vão, juntos, influenciar os caminhos do desenvolvimento e que precisam de atenção para que haja um andamento efetivo do processo de inclusão.

Ao prosseguirmos para a análise internúcleo das reflexões de Tuane, foi proporcionado o entendimento de que, apesar de um ano de trabalho como cuidadora escolar junto à Rosa, sua atuação ainda é atravessada por grandes desafios que englobam as inseguranças do trabalho, as faltas frequentes da aluna e o déficit do aparato técnico para realização de algumas atividades. As dificuldades relatadas mostram, apesar dos esforços voltados para as políticas educacionais para a pessoa com deficiência (Lei nº 12.764, 2012; Lei nº 13.146, 2015), os pormenores dessa inclusão ainda são frágeis e merecem atenção constante. Assim, faz-se necessário a busca por profissionais que estão em contato com essa realidade, para que com eles se construam as bases do processo de ensino-aprendizagem da criança com deficiência. Logo, a atuação de Tuane reflete uma educação inclusiva que não estimula o processo de compensação social, resultando em perda no processo de subjetivação singular, que se mostra essencial para o desenvolvimento da pessoa com deficiência (Martínez & Rey, 2017b; Vigotski, 1989).

Movimento interpretativo internúcleo: síntese das significações das entrevistas

No processo de análise dos Núcleos de Significação, foi possível perceber, nos sentidos produzidos pelas participantes, a existência de uma resposta da Secretaria de Educação de Campina Grande à demanda de garantia de inclusão das crianças com deficiência, no tocante ao favorecimento do acesso dessa população à educação e sua permanência nela, segundo o que é determinado pela Lei Brasileira de Inclusão (LBI) - Lei nº 13.146 (2015); bem como pela Resolução nº 02 (2019), publicada pelo Conselho Municipal de Educação de Campina Grande, notadamente, como é o foco deste estudo, no que diz respeito à ‘oferta de profissionais de apoio escolar’ e à educação precoce das crianças com a SCZV.

Nesse aspecto, evidenciamos a pertinência da equipe de Gestão em Educação do município no que se refere à construção do perfil do profissional para atuar junto a essa população, ou seja, a formação inicial em curso de Pedagogia, o que indica a preocupação com a relação entre o cuidar e o educar, em especial, na modalidade de Educação Infantil. Por outro lado, verificamos uma contradição quanto ao tipo de vínculo empregatício desses profissionais, que, embora com formação inicial em curso de formação de professores para atuar nessa modalidade e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, vivenciam condições de trabalho precárias, materializadas, sobretudo, pelo contrato temporário, que dificulta uma continuidade da atividade de intervenção educacional com as crianças com deficiência, a qual é essencial nesse tipo de relação interpessoal, porque se estabelece aos poucos e devagar no processo de construção de confiança mútua.

Também constatamos que a contratação de profissionais com formação em Pedagogia garante uma mediação pedagógica pautada nas especificidades e subjetividades das crianças com a SCZV, sugerindo a construção de caminhos culturais indiretos de desenvolvimento (Vigotski, 1989), como é o caso da atenção à comunicação através da linguagem não verbal, pautada no corpo e na emoção; bem como a construção de estratégias que visem à superação da subjetividade social da deficiência enquanto falha para assumi-la como diferença (Martínez & Rey, 2017a).

Por outro lado, evidenciamos outra contradição por dentro dessa atuação das profissionais, as quais enfatizam o desenvolvimento das capacidades afetivo-emocionais das crianças com a SCZV, quando a LBI, preconiza que sejam garantidos ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico das pessoas com deficiência. Desse modo, percebemos que, no processo de estimulação precoce, há prejuízo da aprendizagem humana integral, que inclui também o desenvolvimento cognitivo e, consequentemente, as aprendizagens dos conteúdos escolares como possibilitadores de ampliação da ação dessas pessoas no mundo, por vias alternativas, como defende a psicologia histórico-cultural de Vigotski.

Considerações finais

Tendo em vista o objetivo pretendido com este estudo, verificamos que as cuidadoras escolares produzem significações que colocam o processo de mediação pedagógica no centro do processo de desenvolvimento e aprendizagem das crianças com a SCZV, embora não abandonem a instância do cuidado em termos das necessidades especiais relacionadas à integridade psicomotora que essas crianças apresentam. Nesse processo, buscam a articulação com outros profissionais da educação e da saúde, bem como com a família. De acordo com as diferentes significações das cuidadoras, a participação da família em parceria com a escola é fundamental para garantir a assiduidade e, portanto, as estimulações e intervenções necessárias à criança para que se obtenham avanços no seu desenvolvimento integral.

Também percebemos que as cuidadoras participantes deste estudo significam positivamente sobre a necessidade de considerar as especificidades da criança com a SCZV para possibilitar outros caminhos culturais de desenvolvimento, da mesma maneira que não entendem a deficiência como uma fraqueza, mas como uma força (Vigotski, 1989; Vygotski, 1997). Dessa maneira, investem na potencialidade das crianças e as percebem como pessoas, assumindo, assim, uma perspectiva prospectiva de desenvolvimento e de aprendizagem.

Por outro lado, as suas significações apontam para as dificuldades ainda existentes no campo da educação inclusiva de pessoas com deficiência e apostam em uma formação profissional fundamentada nas relações entre teoria e prática, bem como nos conhecimentos prévios do profissional da educação, para que haja a superação das adversidades que ainda limitam a inclusão escolar e o desenvolvimento integral desses sujeitos; e para que, portanto, favoreçam a materialização das leis atualmente vigentes no contexto educacional brasileiro. Nessa direção, concebem que a relação do cuidador escolar com a criança com deficiência precisa se estabelecer ao longo do tempo e processualmente, fundamentada na confiança e no conhecimento sobre a personalidade e o comportamento do estudante em acompanhamento pedagógico, denunciando, portanto, a ineficiência de contratos temporários de profissionais que atuam nessa função.

Assim, em termos da atuação na construção da dimensão subjetiva da realidade escolar (Bock & Aguiar, 2016) pelas cuidadoras escolares, no que se refere à mediação no processo de desenvolvimento e aprendizagem das crianças com a SCZV, as participantes da pesquisa apostam na observação como ferramenta pedagógica principal, bem como no planejamento conjunto com outros profissionais da escola para criar as adaptações necessárias e superar os sentimentos de insegurança e medo provocados pela inexperiência no trato das crianças com a SCZV, em especial, quanto às exigências e aos cuidados ligados à saúde dessa população escolar.

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  • 6
    A referida pesquisa contou com financiamento do Programa de Incentivo à Pós-Graduação e Pesquisa (PROPESQ) da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e com uma bolsa de iniciação científica (PIBIC/CNPq/UEPB).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    27 Maio 2020
  • Aceito
    17 Ago 2020
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