Open-access CONHECIMENTO DE PROFISSIONAIS DE CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL SOBRE SEGURANÇA DO PACIENTE

CONOCIMIENTO DE PROFESIONALES DE CENTROS DE ATENCIÓN PSICOSOCIAL SOBRE SEGURIDAD DEL PACIENTE

RESUMO.

O objetivo deste estudo foi compreender os significados atribuídos pelos profissionais dos Centros de Atenção Psicossocial acerca das terminologias da Classificação Internacional para Segurança do Paciente (CISP). Estudo de abordagem qualitativa, conduzido com 31 profissionais de CAPS III de um município da região Centro-Oeste do Brasil. A coleta de dados foi realizada por técnica de grupo, guiada pelo Ciclo de Aprendizagem Vivencial. Os dados foram submetidos à análise de conteúdo, com auxílio do software Atlas.ti. Os resultados possibilitaram ir além do diagnóstico situacional sobre o conhecimento prévio da CISP pelos profissionais; promoveram a sensibilização para o reconhecimento de incidentes nas unidades; e constituíram estratégia inicial de desenvolvimento de consciência quanto à necessidade do planejamento do cuidado seguro na atenção psicossocial. Destacou-se a necessidade de desenvolver formação para segurança do paciente nos CAPS, a fim de promover uma assistência mais segura, em consonância com os objetivos das organizações internacionais e nacionais de saúde e necessidades de construção da cultura de segurança nos serviços de saúde mental.

Palavras-chave: Centro de Atenção Psicossocial; conhecimento; segurança

RESUMEN.

El objetivo de este estudio fue comprender los significados atribuidos por los profesionales de los Centros de Atención Psicosocial sobre las terminologías de la Clasificación Internacional para la Seguridad del Paciente (CISP). Estudio de abordaje cualitativo, realizado con 31 profesionales CAPS III de un municipio de la región central de Brasil. La recolección de datos se realizó mediante una técnica grupal, guiada por el ciclo de aprendizaje experiencial. Los datos se sometieron a análisis de contenido con la ayuda del software Atlas.ti. Los resultados permitieron ir más allá del diagnóstico situacional sobre el conocimiento previo de CISP por parte de los profesionales; promovió la conciencia para el reconocimiento de incidencias en las unidades; y constituyó la una estrategia inicial para desarrollar la conciencia de la necesidad de una planificación de la atención segura en la atención psicosocial. Se destacó la necesidad de desarrollar la formación en seguridad del paciente en CAPS, con el fin de promover una atención más segura, en consonancia a los objetivos de los organismos de salud internacionales y nacionales y la necesidad de construir una cultura de seguridad en los servicios de salud mental.

Palabras clave: Centro de atención psicosocial; conocimiento; seguridad

ABSTRACT.

The objective of this study was to understand the meanings attributed by the professionals of the Psychosocial Care Centers about the terminologies of the International Classification for Patient Safety (ICPS). A qualitative study was conducted with 31 PSCC III professionals from a city in the Midwest region of Brazil. Data collection was performed by group technique, guided by the Experiential Learning Cycle. The data were submitted to content analysis using the Atlas.ti software. The results made it possible to go beyond situational diagnosis of prior knowledge of ICPS by professionals; promoted awareness of incident recognition in units; and constituted an initial strategy for developing awareness of the need for safe care planning in psychosocial care. It was highlighted the need to develop training for patient safety in PSCC, in order to promote safer care, in line with the objectives of international and national health organizations and needs to build safety culture in mental health services.

Keywords: Psychosocial care center; knowledge; security

Introdução

Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são serviços de atenção à saúde mental, proposta resultante do movimento da Reforma Psiquiátrica que preconiza práticas seguras na abordagem às pessoas em sofrimento psíquico, focado no sujeito, seu sofrimento e projetos de vida, para o desenvolvimento de habilidade para cogestão do cuidado. Esses serviços funcionam por meio do trabalho em equipe de profissionais de saúde, de diversas áreas do conhecimento, com livre acesso aos usuários, familiares e sociedade, acolhendo todos, seja de forma espontânea ou referenciada (Silva, Amboni, Silva, Kern, & Ferraz, 2019).

Na atualidade, as temáticas da segurança do paciente e da qualidade em serviços de saúde têm se destacado e mobilizado parcerias entre os serviços de saúde, profissionais e usuários para a construção de tecnologias que promovam uma assistência à saúde segura e de qualidade, levando em consideração a realidade de cada serviço (Sousa Neto, Lima Júnior, & Souza, 2018). Essa preocupação se estende aos cenários da saúde mental que têm buscado a promoção da segurança do paciente em sofrimento mental (Vantil et al., 2020; Souza et al., 2018).

Os riscos de ocorrência de falhas são uma realidade no contexto dos diversos serviços de saúde mental e o conhecimento dos profissionais sobre essa realidade se torna uma vantagem competitiva para melhorias dos processos assistenciais dos próprios profissionais e que envolvem a população (Oliveira et al., 2016). Nessa perspectiva, uma atenção psicossocial segura é dependente de uma equipe de saúde instrumentalizada para ofertar um cuidado seguro.

O Ministério da Saúde, por meio da Portaria nº 529 (2013), lançou o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP), que tem como objetivo apoiar a implementação de iniciativas voltadas à segurança do paciente; produzir, sistematizar e difundir conhecimentos sobre segurança do paciente; fomentar a inclusão do tema nos processos educativos na área da saúde; e, assim, contribuir para a qualificação do cuidado em saúde em todos os estabelecimentos de saúde do território nacional (Portaria nº 529, 2013).

A avaliação do conhecimento relacionado à segurança do paciente, portanto, torna-se oportuna. A compreensão dos conceitos básicos da Classificação Internacional para a Segurança do Paciente (CISP) - segurança do paciente, incidente, evento adverso, dano, near miss e circunstância notificável -, na prática dos serviços e cuidado orienta a análise do contexto da segurança do paciente e possibilita comparações entre instituições, regiões e as diversas especialidades de serviços de atenção em saúde (World Health Organization [WHO], 2009).

Uma instituição de saúde pode ofertar uma assistência plenamente segura quando os profissionais que a compõem estão conscientes e refletem sobre as falhas que permeiam os processos assistenciais (Oliveira et al., 2016).

Considerando que a literatura sobre segurança do paciente no contexto do CAPS é escassa (Souza, Bezerra, Pinho, Nunes, & Caixeta , 2017) e no intuito de contribuir para o fortalecimento do atendimento qualificado e seguro nesse ambiente de atenção, questiona-se: qual o conhecimento dos profissionais acerca da segurança dos pacientes atendidos nos Centros de Atenção Psicossocial?

Para responder à questão apresentada, o objetivo deste estudo foi compreender os significados atribuídos pelos profissionais dos Centros de Atenção Psicossocial em relação às terminologias da Classificação Internacional para Segurança do Paciente (CISP).

Metodologia

Estudo descritivo-exploratório com abordagem qualitativa para permitir conhecer as percepções e reflexões dos participantes, no que se refere a determinado tema, ideal para compreender o significado e a intencionalidade das falas, valores, necessidades e atitudes, que focalizam a realidade de forma contextualizada (Minayo, 2014).

A pesquisa foi realizada em dois CAPS do tipo III, adulto, um para atenção a pessoas com transtorno mental e outro destinado a assistir indivíduos com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas. Ambos gerenciados pela Secretaria Municipal de Saúde de um município pertencente à região metropolitana de Goiânia, Goiás, Brasil.

Participaram do estudo 31 profissionais, entre coordenadores e equipe técnica dos serviços formadas por enfermeiros, técnicos de enfermagem, psicólogos e assistentes sociais, entre outros, divididas em dois grupos, um grupo em cada CAPS. Adotou-se como critérios de inclusão: compor a equipe multiprofissional do CAPS, possuir no mínimo três meses de atuação e estar em exercício profissional na ocasião da coleta de dados. Não participaram aqueles que estavam em afastamento oficial do serviço e os profissionais que não tinham disponibilidade de participar dos encontros.

A coleta de dados ocorreu em abril de 2017, utilizando técnica de grupo guiada pelo Ciclo de Aprendizagem Vivencial (CAV), caracterizado por uma operacionalização positiva. Essa técnica traz um cerne metodológico que visa mudanças a partir de aprendizagens baseadas em experiências diretas ou vivências. É desenvolvido mediante participação dos profissionais em atividades relacionadas ao cotidiano e do empenho na resolução de problemas e exercícios decorrentes da aprendizagem. Esse processo possibilita o desenvolvimento de reflexão, diálogo e a consolidação de informações que podem ser convertidas em práticas (Moscovici, 2008).

Foram realizados 16 encontros grupais com os profissionais, sendo oito em cada CAPS. Os grupos foram fechados, ou seja, sempre com os mesmos participantes, mediados por duas pesquisadoras com qualificação e experiência em tecnologia de grupo. A qualificação se deu por meio da realização do curso de Coordenação e Dinâmica de Grupos, no Instituto Brasileiro de Psicanálise, Dinâmica de Grupo e Psicodrama. Além disso, possuíam mais de cinco anos de experiência na condução de grupos (grupos terapêuticos e de educação em saúde com usuários do serviço e de Educação Permanente em Saúde com a equipe) em CAPS.

No primeiro momento foi solicitada à Coordenação Municipal de Saúde Mental a autorização para o início do estudo e a inserção das pesquisadoras nos cenários, através de visita aos CAPS. Após autorização foram agendadas reuniões de equipe em cada unidade, quando foi realizado o convite verbal a todos profissionais, ademais de apresentada e esclarecida a proposta do estudo, ressaltado o caráter de participação voluntária, a garantia da confidencialidade e anonimato, sendo também respeitado o direito de não participação. Em seguida, foram sanadas as dúvidas e entregue aos profissionais das unidades o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o qual foi devolvido espontaneamente ao final da reunião.

Os profissionais, neste encontro, definiram que os grupos ocorreriam nos respectivos CAPS, local de trabalho dos profissionais, em horário de reunião da equipe, onde se encontrava o maior número de profissionais, além de não interferir na rotina de atendimento.

Inicialmente, foi realizado o contrato de convivência coletiva e entregue um instrumento semiestruturado contendo dados referentes às características pessoais dos participantes. Em seguida, foi questionado aos profissionais da equipe de saúde sobre o significado de cada terminologia da CISP, quais sejam: segurança do paciente, incidentes e seus tipos, graus de dano, quase erro, evento adverso e circunstância notificável. Solicitou-se também a descrição de situações, ocorridas no ambiente de trabalho dos CAPS, que representassem cada tipo de incidente, para contextualizar o significado atribuído; e, por fim, realizada análise do conhecimento prévio sobre segurança do paciente em paralelo ao descrito na CISP da Organização Mundial da Saúde [WHO] (2009).

Os dados foram registrados por gravadores de voz, feita a transcrição dos áudios e diários de campo. A caracterização dos participantes foi analisada descritivamente. Os relatos foram codificados, categorizados com auxílio do software Atlas.ti 6.2 e submetidos à análise de conteúdo. As falas foram identificadas de acordo com o tipo de CAPS.

O estudo foi aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (CEP/HC/UFG), via Plataforma Brasil, e seguiu as normas da resolução CNS 466/2012, parecer favorável protocolo nº 1.413.964, CAAE nº 52437315.6.0000.5078. Todos os participantes, devidamente informados, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Resultados e Discussão

Dos 31 participantes, 21 (67,75%) eram do sexo feminino, com idade entre 23 a 65 anos, com predominância entre 23 a 30 anos (41,2%). Quanto à escolaridade, 29 (93,55%) possuíam curso superior completo, dois (6,45%) possuíam curso técnico em enfermagem, mas ambos cursavam graduação, um em enfermagem e o outro em gestão hospitalar; seis (20,69%) eram psicólogos, seis (20,69%) assistentes sociais, quatro (13,80%) enfermeiros, três (10,35%) pedagogos, dois (6,90) terapeutas ocupacionais, dois (6,90) farmacêuticos, dois (6,90) musicoterapeutas, dois (6,90) educadores físicos, um (3,45%) fisioterapeuta e um graduado em ciências econômicas (3,45%). Quanto ao tempo de atuação em saúde mental, três (9,7%) profissionais possuíam menos de dois anos; 19 (61,3%) de dois a quatro anos; sete (22,6%) de cinco a nove anos; e dois (6,4%) de 10 a 15 anos. A carga horária foi de 30 a 40 horas por semana, sendo que 20 (64,52%) profissionais referiram trabalhar 30 horas semanais e 11 (35,48%), 40 horas semanais. A maioria 75% (n=21) dos profissionais possuía mais de um vínculo empregatício.

A análise permitiu o surgimento de núcleos de sentidos que revelaram categorias temáticas: Concepções sobre segurança do paciente em atenção psicossocial; Compreensão e reconhecimento dos incidentes de segurança em atenção psicossocial e Reflexões sobre conhecimento dos profissionais em segurança do paciente na atenção psicossocial.

Concepções sobre segurança do paciente em atenção psicossocial

Essa categoria temática foi constituída de modo a revelar a concepção de segurança do paciente para os profissionais do CAPS é abrangente.

Na subcategoria, Humanização do ambiente e da assistência, os relatos mostraram que a segurança do paciente é entendida como a promoção de um ambiente acolhedor, que assiste o paciente em suas necessidades, o que o torna seguro especialmente entre aqueles em situação de rua: “Estar assistido pela equipe na unidade. Principalmente aquele usuário em situação de rua, o portão é segurança para ele não ser agredido” (CAPS AD III).

Na percepção dos profissionais, todo esse processo convergente à humanização da assistência e adesão da terapêutica, trazendo maior relevância à segurança do cuidado.

Segurança do paciente é um olhar ao paciente e estar mais junto, quanto mais acolher, o ambiente vai se tornar mais seguro para essa pessoa. Às vezes, a casa dele não é um ambiente seguro, mas quando ele vem aqui se sente a salvo, se sente amparado (CAPS III).

Um indicativo importante da assistência segura na atenção psicossocial é ser pautada e orientada pelo Projeto Terapêutico Singular (PTS), por ser uma ferramenta ordenadora das ações de cuidado nos CAPS. O PTS é descrito por Rodrigues e Deschamps (2016) como o plano de condutas terapêuticas articuladas na lógica interdisciplinar e intersetorial, por meio de uma construção coletiva entre os envolvidos.

A adequada adesão ao PTS é alcançada na medida em que o atendimento ao paciente na unidade ou fora dela, seja individualizado e que durante a sua permanência diária no serviço seja orientada segundo suas necessidades e motivações, considerando as vivências extras CAPS. A não adesão pode se dar pela ideia ilusória de que apenas os medicamentos ocasionam a reabilitação; as condições socioeconômicas que influenciam no ambiente social; a falta de capacitação dos profissionais para o acolhimento e promoção do vínculo; além da influência familiar, relacionada ao apoio e à participação de familiares no tratamento e mudança de estilo de vida (Ferreira, Borba, Capistrano, Czarnobay, & Maftum, 2015). Para se alcançar o cuidado completo e seguro, deve-se considerar pontos multidimensionais como moradia, lazer, família, troca de experiências populares e sociais.

Na subcategoria, Avaliação dos riscos assistenciais, foi levantada a relação da segurança com a avaliação e percepção de riscos nos serviços, o que permite a adoção de medidas preventivas: “Medidas profiláticas na rotina do serviço. Quando se consegue avaliar e perceber os possíveis riscos no serviço” (CAPS AD III).

Vale salientar que o CAPS surgiu para romper com a assistência danosa, centrada nos fármacos e em medidas invasivas. Os profissionais atribuem a segurança do paciente ao acolhimento e vínculo do usuário com a unidade. Estas concepções estão em consonância com a Política Nacional de Saúde Mental (PNSM), que estabelece a assistência nos CAPS ademais do modo biomédico, centrado na doença, medicações, complicações e tratamentos (Lei federal nº 10.216, 2001).

A subcategoria Participação da família mostrou que a concepção da segurança do paciente pelos profissionais foi além do cuidado direto ao paciente, com destaque para o envolvimento da família no processo de assistência e continuidade do cuidado: “Tem que ver com a família para não ir embora sozinho, muitas famílias não podem buscar” (CAPS AD III).

A baixa participação familiar no tratamento é fator de risco para a segurança do paciente, pois o ambiente familiar é fundamental no tratamento. O princípio da segurança do paciente propõe repensar os processos assistenciais com o intuito de identificar a ocorrência de falhas antes que causem danos aos pacientes (WHO, 2009). “Temos a dificuldade do vínculo com a família, aí o usuário pode abandonar o tratamento” (CAPS AD III).

Resgatando a elaboração do PTS, a inserção da família é prioridade em todos os momentos e não apenas em sofrimento psíquico. O profissional de saúde ao planejar a assistência deve incluir a família na produção do cuidado, dando visibilidade e orientando as diferentes posições que ela pode assumir no decorrer dos processos de cuidar, e por meio de relações saudáveis, construir um sistema em redes mais sólido e participativo (Ferreira, Sampaio, Oliveira, & Gomes, 2019).

As unidades que prestam assistência em áreas caracterizadas pelo uso de substâncias ilícitas e violência, apresentam mais riscos em saúde relacionados ao abandono familiar, desproteção social, com ausência de moradia convencional e mais casos de violência (Brickell et al., 2009). Neste contexto, há necessidade de articular com serviços intersetoriais que respondam às necessidades psicossociais do paciente para garantir o tratamento seguro.

O Ministério da Saúde prevê a existência de Unidade de Acolhimento Adulto (UAA), destinada a oferecer ambiente residencial e cuidados contínuos de saúde para pessoas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, de ambos os sexos que apresentem acentuada vulnerabilidade social e/ou familiar e demandem acompanhamento terapêutico e protetivo de caráter transitório, sendo o tempo de permanência de até seis meses (Portaria nº 121, 2012), período possível de se investir na reinserção familiar ou empreender possibilidades de autonomia e/ou abrigo permanente. No município, campo deste estudo, não existem unidades de acolhimento para pessoas em situação de rua, o que inviabiliza o cuidado seguro e de qualidade aos usuários e profissionais.

A última subcategoria, Segurança dos profissionais de saúde, revelou que a segurança do paciente também foi relacionada à segurança dos profissionais de saúde, a qual influencia o processo assistencial: “Para ficar mais seguro aqui [...] nos ‘sentir’ amparados e o medo é relacionado a essa segurança. Segurança do paciente é oposto a essa situação” (CAPS AD III).

A promoção da segurança do paciente foi associada à segurança dos profissionais pela vulnerabilidade para a ocorrência de acidentes. Pela convivência com usuários de drogas ilícitas e alcoolismo, foi percebido constante temor dos profissionais do CAPS AD, visto que alguns usuários do serviço têm em seu histórico episódios de agressões e/ou possuem questões judiciais. Nessas situações o esperado é que os profissionais priorizem o cuidado psicossocial, não empreendendo juízos de valores às questões judiciárias.

Embora a maioria dos usuários dos serviços de saúde mental não apresentem risco de danos às pessoas e profissionais, existe associação entre a doença mental e o risco de violência. A Reforma Psiquiátrica (lei 10.216/01), ao garantir a reinserção social da pessoa com transtorno mental, almeja a superação da presunção da periculosidade (Lei federal nº 10.216, 2001).

Em ambiente cujo acolhimento seja permeado pela comunicação clara entre usuários e profissionais pode-se promover confiança e empatia para o alcance da segurança do paciente e segurança do trabalhador. Defende-se que segurança do paciente é um conjunto de estratégias que assegura a redução dos riscos de incidentes ao paciente e garanta o bem-estar dos usuários e da equipe multiprofissional (Costa, Ramos, Gabriel, & Bernardes, 2018).

O conceito clássico de segurança do paciente traz a necessidade de redução a um mínimo aceitável, do risco de dano desnecessário associado ao cuidado de saúde (WHO, 2009; Portaria nº 529, 2013). Diante dessa definição, é inegável a relação que o conteúdo levantado pelos relatos dos profissionais de saúde traz com a redução de danos, considerando toda a sistemática implicada ao atendimento à saúde mental, gerando maiores benefícios para os resultados assistenciais e, ainda, satisfação ao paciente. Estudo semelhante realizado na Atenção Primária em Saúde revelou que os profissionais compreendem o termo segurança do paciente como atitudes e ações que minimizam riscos de danos, favorecendo a satisfação dos usuários (Silva et al., 2019).

Compreensão e reconhecimento dos incidentes de segurança na atenção psicossocial

A subcategoria, Compreensão do incidente de segurança, revelou que o significado de incidentes na atenção psicossocial para os profissionais de saúde está associado a algo negativo, não esperado e que pode ou não interferir nos resultados: “Situação inesperada, imprevisível, tem potencial negativo, mas não precisa de fato concretizar, essa negatividade. Um acontecimento inesperado” (CAPS III).

Também explicaram o significado de incidente com exemplo de situações associadas aos danos contra a estrutura física da unidade: “Algo que acontece na unidade que foge da rotina, onde a segurança no serviço é colocada em risco. O usuário adentra na unidade em crise e danifica o patrimônio público” (CAPS III).

Entende-se que incidentes são circunstâncias ou eventos não esperados, decorrentes do cuidado prestado e não associado à doença de base, que pode resultar ou resulta em dano desnecessário ao paciente. Os incidentes são multifatoriais e têm, obrigatoriamente, influência negativa sobre os cuidados em saúde (WHO, 2009; Portaria nº 529, 2013). Os profissionais ao exemplificarem situações ocorridas nos CAPS relacionam os fatores causais aos usuários, afastando a responsabilidade profissional. Atribuem às situações de crises psicossociais como incidentes, mas, em se tratando de serviços especializados em saúde mental, momentos de crises são esperados. Estabelecer medidas preventivas para não ocorrer situações desencadeantes de crises é competência desses profissionais. Ao perceber a manifestação de sinais de crise pelo usuário, deve-se agir sobre eles, impedindo a sua evolução a fim de reduzir os danos pessoais ao mínimo possível (Martins, 2017).

É importante a capacitação das equipes dos CAPS para atender situações de crise, por meio de cuidados pautados na atenção psicossocial, nas tecnologias leves, no cuidado em liberdade, produzindo serviços e redes que efetivamente respondam às necessidades das pessoas em seus contextos reais de vida, que garantam liberdade, direitos e propiciem novas possibilidades para a vida, superando a ação do silenciamento dos sintomas e do isolamento do sujeito, afastando o mito da periculosidade em sofrimento psíquico (Zeferino, Cartana, Fialho, Huber, & Bertoncello, 2016), que por décadas gerou um tratamento maléfico e danoso por meio da institucionalização dos pacientes.

Vale ressaltar que o risco de incidentes pode advir do manejo inadequado de uma situação de crise ou ausência de medidas preventivas que pode exacerbar o quadro clínico do paciente com reações agressivas, danos ao profissional, ao próprio paciente e até mesmo ao patrimônio público.

Outro aspecto importante associado ao incidente foi a descontinuidade do cuidado pelo paciente, correspondendo a uma atitude inadequada: “Um usuário que sai de casa, para chegar aqui sóbrio, fuma um cigarro de maconha, por exemplo, ele sabe que está errado, que não devia ter feito, mas ele fez” (CAPS AD III). É importante que o profissional acolha esse usuário, ofereça local seguro, confortável e estimule ingesta hídrica para se reestabelecer. E então, posteriormente, proceda um atendimento individual para compreensão do fenômeno do uso e, assim, tentar abrandar a situação e prevenir repetições. Ressalta-se a importância de não adotar práticas rígidas e punitivas (como suspensão do tratamento), com respostas padronizadas frente ao comportamento de risco dos usuários, pois o que se espera do modelo psicossocial é centrar o cuidado na pessoa e acolhê-lo em suas demandas.

Sabe-se que a notificação deste fato junto à equipe multiprofissional e familiares/acompanhantes subsidiam o diagnóstico situacional e causal de incidentes, o que fortalece o modelo de cuidado centrado no paciente. Os incidentes precisam ser socializados de forma ética também junto à gestão da unidade de saúde para que ações de cuidado coletivo sejam implementadas (Capucho, Arnas, & Cassiani, 2013).

As práticas seguras dependem de mudança de cultura que leve à transformação comportamental, com vistas à responsabilização dos profissionais, visto que são as suas ações que influenciam diretamente na forma de organização e gestão no ambiente do trabalho (Tobias, Bezerra, Moreira, Paranaguá, & Silva, 2016).

Ressignificar a compreensão de que a ocorrência de incidentes está relacionada a falhas no sistema de saúde e admitir que as pessoas sejam passíveis de erros, estimula nos profissionais o pensamento de que ações para tornar o cuidado seguro devem ser voltadas às mudanças no sistema de trabalho e que poderá resultar em menos eventos adversos (EA) (Vantil et al., 2020).

A subcategoria Ocorrência de incidentes no CAPS revelou a compreensão dos tipos de incidentes pelos profissionais de saúde e constatou a ocorrência de eventos adversos, near misses e circunstâncias notificáveis. Apesar de não descreverem os tipos de incidentes conceitualmente, a categoria revela que os profissionais de saúde conseguem identificar a ocorrência de incidente em ambiente de atenção psicossocial.

Os profissionais pesquisados referem-se a evento adverso como: “Situação que ocorre no serviço que pode comprometer a estabilidade do usuário e da equipe. Exemplo: crise sem presença de médico, tentativa de suicídio, agressão, abuso sexual na unidade, falecimento de usuário” (CAPS III).

Determinado instrumento que vai levar a uma crise de abstinência na hora, como já aconteceu. Eu sabendo disso, eu não vou levar aquele instrumento, ou aquela música, vou trabalhar com outra possibilidade. Eu tenho como trabalhar preventivamente aqui (CAPS AD III).

O evento adverso ocorre, obrigatoriamente, quando resulta em dano ao paciente, podendo ser leve, moderado, grave ou o óbito (WHO, 2009). Estudo que investigou o conhecimento e percepção de enfermeiros sobre os eventos adversos demonstrou que os participantes tinham pouca clareza do seu significado, o que levava à baixa notificação (Araújo et al., 2016). Processos de educação continuada das equipes multiprofissionais dos CAPS podem auxiliar na mudança dessa realidade.

A segurança dos pacientes necessita ser tratada nos diversos tipos de instituições de saúde, como uma prioridade, de modo a prevenir a ocorrência de eventos adversos, principalmente, diante da constatação de sua característica evitável. Os relatos mostraram que os profissionais de saúde reconhecem os eventos adversos e suas consequências, chamando atenção à possibilidade de prevenção.

Estudo mexicano, realizado em um hospital de ensino, identificou 34 eventos adversos graves, 82,35% classificados como evitáveis (Gutiérrez-Mendoza, Torres-Montes, Soria-Orozco, Padrón-Salas, & Ramírez-Hernández, 2015). A prevenção dos eventos adversos pode ser reforçada diante de um trabalho de gestão voltado para a utilização de instrumentos de monitorização e avaliação das causas desses eventos, com perspectivas de se desenvolver, institucionalmente, a cultura de segurança do paciente (Tobias et al., 2016).

Apesar de estar claro para alguns, ainda está presente a associação de evento adverso ao efeito adverso de medicamento: “O evento adverso é algo que você espera que vai acontecer. Tem um efeito adverso de um medicamento, é aquilo que você espera que aconteça, nem sempre se aplica, mas você sabe que pode vir a acontecer” (CAPS III).

O efeito adverso é ocorrência não intencional por reação a um produto farmacêutico, que pode ocorrer em doses normalmente utilizadas por um paciente, relacionadas às suas propriedades farmacológicas. Já o evento adverso é qualquer ocorrência médica desfavorável, que pode ocorrer durante o tratamento com um medicamento, mas que não possui, necessariamente, relação causal com esse tratamento (WHO, 2009).

Reconhecer os EA favorece a mitigação dos danos aos pacientes e essa coerência ainda precisa ser trabalhada entre os profissionais de saúde do CAPS. Sobre o assunto, revelou-se que os profissionais compreendem dano como algo inevitável que envolve o usuário, o profissional ou o sistema que assiste o paciente: “Dano é quando há perda física, nas relações, no patrimônio ou no tratamento” (CAPS III).

Quando o usuário deixa de frequentar o CAPS, a equipe deve realizar busca ativa, investigando o motivo. Se for agravamento do quadro, promover reintegração ao tratamento; se for por melhora, orientar a frequentar unidades no território que oferecem continuidade de cuidados, reduzindo riscos de danos à saúde.

Dano se refere aos agravamentos decorrentes da estrutura ou função do corpo, podendo ser físico, social ou psicológico ou ainda de planos/ações realizadas durante o cuidado (WHO, 2009). Ao conhecer o processo de trabalho, os profissionais relacionam o distanciamento do usuário à unidade como situação potencial para dano, sendo uma situação frequente na rotina dos CAPS.

Nesse tocante, a inclusão da atenção básica na busca ativa e domiciliar torna-se importante, visto que os profissionais das UBS devem ter conhecimento dos usuários ligados aos CAPS para prover uma atenção integral, conforme a realidade familiar e da comunidade onde ele está inserido.

No entanto, a busca ativa fica fragilizada por coexistir a insuficiência de quadro de pessoal, falta de transporte e a sobrecarga da demanda no próprio serviço (Lima, Gussi, & Furegato, 2018), prejudicando o cuidado e diagnóstico local, potente ferramenta de reintegração do usuário no tratamento e para inclusão familiar, ao compreender melhor o contexto do abandono.

Estudo que abordou os fatores que levam usuários ao abandono do tratamento da dependência de drogas identificou diversas questões como a falta de adaptação às regras da instituição, entender desnecessário realizar o tratamento, estar à procura de emprego, divórcio, mudança de cidade e recaída (Fernandes, Marcos, Kaszubowski, & Goulart, 2017).

A não adesão ao tratamento é responsável por diversos prejuízos na vida do indivíduo e de seus familiares, os quais se relacionam ao agravamento do transtorno, desgaste familiar, internações evitáveis e aumento no custo dos cuidados de saúde. Os serviços e profissionais devem ampliar a compreensão da complexidade envolvida na atitude de abandonar o tratamento, que deve estar presente nos processos de educação em saúde dos pacientes e familiares (Ferreira et al., 2015).

A ocorrência de incidentes tem em sua natureza a característica de evitabilidade. Ao conhecer a estrutura e processos de trabalho, os profissionais que compõem a equipe de saúde conseguem reconhecer situações de risco, caracterizado como o primeiro passo para subsidiar a tomada de decisões para promover a resolutividade dos problemas para a concretização da segurança do paciente (Oliveira et al., 2016).

Nessa perspectiva, realizar avaliação sistêmica e cuidadosa do PTS pode auxiliar no levantamento de fatores que levam ao afastamento do usuário, permitindo uma ação preventiva dessa situação. A Política Nacional de Saúde Mental orienta um modelo de atenção psicossocial dos CAPS configurado em porta aberta e define que o usuário tem o direito de deixar a unidade voluntariamente a qualquer momento (Lei federal nº 10.216, 2001). Entretanto, o afastamento abrupto, rompendo com o PTS deve ser investigado sistematicamente e trabalhado junto ao usuário, protagonista do cuidado.

Relatos que retratam a ocorrência de near miss foram revelados e mostraram a importância da atenção do profissional para poder interceptar um possível incidente, inclusive em situações que o próprio paciente pode ser um gerador de agravo/dano: “É uma situação de erro iminente que pode ser corrigida em tempo hábil, ou seja, o erro ele está ali engatilhado, só que antes de acontecer, houve uma intervenção e esse erro foi anulado” (CAPS AD III).

O near miss consiste em um incidente que, por algum motivo, foi interceptado antes de atingir o paciente e poderia ou não causar danos (WHO, 2009). Rastrear esse tipo de incidente favorece o reconhecimento de nós críticos do processo de trabalho que devem ser revisados. De modo geral, os profissionais de saúde conseguem identificar um near miss. Porém, ainda foram revelados conceitos equivocados sobre o tema: “Fazer algo, mesmo estando inseguro, assumindo o risco de cometer um erro” (CAPS AD III).

É fato que fazer algo, estando inseguro, é caracterizado como imprudência. O profissional sabe o grau de risco envolvido na atividade, e acredita que é possível a realização sem prejuízo para ninguém, extrapolando os limites da inteligência e do bom senso. Se a insegurança for pela falta de habilidade, configura-se como imperícia (Gomes, 2017).

Nesse contexto, importante discutir o conceito de cultura justa, que incentiva análise do processo de trabalho, permitindo diferenciar o comportamento de profissionais de saúde que agem de forma competente daqueles que assumem postura arriscada, sem justificativa. Além de analisar o perfil profissional, a cultura justa assume que os incidentes estão associados a falhas sistêmicas e não somente individuais (Costa et al., 2018).

Os profissionais relatam falhas que podem causar incidentes: “Existe coisa que implica em dano [...], se a gente não ficar atento a isso, algo pior pode acontecer. Por exemplo, o carro da unidade quebrado ou indisponível impede de fazer visita domiciliar” (CAPS III).

Os relatos mostram incidentes do tipo circunstância notificável, situação em que existe potencial significativo de dano, mas o incidente não acontece (Portaria nº 529, 2013). Tais situações remetem à segurança do paciente e trabalhador. A ausência de protocolos, sistema de notificação ou rotina sistematizada que inclua a comunicação de incidentes, associado ao desconhecimento sobre segurança do paciente por parte dos profissionais, dificulta a implementação de mudanças institucionais e/ou adoção de ações preventivas de incidentes de qualquer natureza (Tobias et al., 2016).

Assim, destaca-se a necessidade de programar e aprimorar estratégias de cuidado que primem pela segurança do trabalhador da saúde e pela segurança do paciente, visto que diversas situações colocam em risco a saúde e segurança desses autores (Souza et al., 2021).

Reflexões sobre o conhecimento dos profissionais em segurança do paciente em atenção psicossocial

Essa categoria foi formada pela subcategoria Limitações do processo de formação, que revelou que, além de não terem uma formação específica em segurança do paciente, os profissionais de saúde também não tiveram acesso ao tema durante o seu processo de formação técnica e/ou acadêmica.

Diante dos registros realizados sobre o conhecimento e/ou compreensão da CISP da Organização Mundial de Saúde (WHO, 2009) e mediado pelo CAV, os profissionais perceberam e afirmaram limitação conceitual quanto aos termos e princípios da segurança do paciente. Assim, os conceitos foram descritos a partir da semântica da palavra: “A gente foi pela lógica da palavra, mas a teoria mesmo a respeito da portaria a gente não sabia” (CAPS III).

Também relataram não conhecer a legislação vigente no Brasil, destacando lacunas de conhecimento associadas ao processo de formação.

Estuda muita coisa da medicina, psicologia, mas não estuda o cuidado em si, o que a gente pode fazer para prevenir um dano. As formações hoje em dia no Brasil não ensinam a ter o contato com o humano (CAPS III).

Foi possível evidenciar que os participantes possuem conhecimento limitado, do ponto de vista conceitual, sobre a CISP, embora após oito anos da implementação do PNSP. Esse plano, instituído pela Portaria nº 529 (2013), objetiva difundir conhecimentos sobre segurança do paciente em todos os estabelecimentos de saúde do território nacional e, assim, contribuir para a qualificação do cuidado em saúde.

As reflexões no decorrer do estudo foram mais presentes no âmbito psicológico, o que pode ser justificado pelo quadro de participantes ser composto por equipe multiprofissional, sendo sua maioria com graduação em ciências sociais, humanas e pedagógicas.

É válido destacar que o medo e a insegurança dos profissionais frente a alguns usuários de serviços de atenção psicossocial foi referenciado em vários momentos, o que pode ser uma barreira para a implementação de uma cultura de segurança, que só será alcançada quando o paciente for incorporado ao serviço de forma integral, acolhido junto a seu histórico de vida, tendo espaço para ressignificar a sua situação de saúde, sem temores preexistentes. A cultura de segurança para ser exitosa deve envolver o paciente na sua própria segurança, posto que eles são os principais atores de seus próprios processos de recuperação em saúde e de cidadania; o medo pode levar a concepção equivocada do profissional por considerá-los como problemas a serem abordados por outros serviços (Eiroa-Orosa & Rowe, 2017).

Na atenção psicossocial é urgente desenvolver processos educativos para empreender práticas seguras, considerando as características das unidades prestadoras de cuidados, garantindo que a teoria seja apreendida e possível de ser aplicada nesse contexto específico e altamente relevante (Cuadros, Padilha, Toffoletto, Henriquez-Roldán, & Canales, 2017).

Cabe ao profissional e ao estado garantir qualificação para o trabalho que foi designado. No entanto, os profissionais de CAPS ao procurarem qualificação, em sua maioria, optam por programas de ensino específico em saúde mental, que ainda não contemplam o tema Segurança do Paciente. O PNSP também prevê fomentar a inclusão do tema segurança do paciente no ensino técnico e de graduação e pós-graduação na área da saúde (Portaria nº 529, 2013).

Em ambiente de trabalho seguro, não punitivo, o profissional assumirá postura de responsabilidade social e notificará a instituição, fomentando a reparação do dano e adoção de medidas que impeçam novas ocorrências (Romero, González, Calvo, & Fachado, 2018).

Em serviços em que ainda predominam uma cultura punitiva e coercitiva, que culpabilizam os profissionais pelos erros, não é raro e é compreensível que derive no sigilo, na vergonha, na ocultação e nas práticas defensivas (Costa et al., 2018; Romero et al., 2018).

A cultura de segurança sem culpa não significa sem responsabilidade. Negar a responsabilidade individual e atribuí-la unicamente à instituição ou ao paciente supõe admitir uma falsa imunidade moral dos profissionais. Atitude individual de responsabilização é um requisito ético do profissional e um meio para modificar os próprios sistemas inseguros. O exercício legítimo e eficaz desta capacidade depende de uma infraestrutura institucional previsível, justa e eficaz, com consequências proporcionais e alinhamento dos valores e processos de responsabilização (Romero et al., 2018).

Considerações finais

O desenvolvimento deste estudo possibilitou identificar que, apesar das limitações conceituais, as equipes dos CAPS apresentaram percepção abrangente quanto à segurança do paciente, reconheceram situações de risco e descreveram a ocorrência de incidentes de segurança do paciente, bem como identificaram lacunas relacionadas ao processo de formação.

Desse modo, os profissionais participantes do estudo afirmaram a necessidade de serem capacitados sobre o tema, considerando o cotidiano de trabalho para repensar as práticas vigentes nos serviços, adaptando-as para promover um cuidado mais seguro.

O ato de investigar e discutir a compreensão dos profissionais dos CAPS, vivencialmente, sobre a taxonomia da Classificação Internacional para Segurança do Paciente, possibilitou ir além do diagnóstico situacional sobre o conhecimento prévio da equipe. Promoveu sensibilização para o reconhecimento de incidentes nas unidades e se caracterizou como uma estratégia inicial de desenvolvimento de consciência quanto à necessidade do planejamento do cuidado seguro na atenção psicossocial.

No contexto da saúde mental, foi percebido como necessidade latente realizar processos educativos que abarquem o reconhecimento da responsabilização do profissional nas ocorrências dos diversos tipos de incidentes para haver mudança comportamental na promoção da segurança do paciente, superando o ato de justificar a ocorrência de incidentes nas condutas ou no perfil do usuário, alcançando, então, a capacidade de realizar análises sistêmicas do serviço e de seus processos de trabalho.

Esperamos que com os resultados deste trabalho as organizações de saúde reconheçam a importância da formação do profissional da saúde mental para o desenvolvimento do cuidado seguro. Nesse tocante, vislumbramos que a gestão dos serviços incentive e proponha processos de educação permanente nas unidades de saúde mental, visando resultados do cuidado com qualidade a uma população que por anos foi excluída e necessita de atenção à saúde resolutiva, segura e humanizada.

Os resultados reforçam a necessidade de avaliação contínua nos diversos serviços de cuidados em prol do cuidado seguro, fortalecimento da gestão do conhecimento dos profissionais, com foco na Política Nacional de Saúde Mental e na Segurança do Paciente, diminuindo as lacunas do conhecimento, assim como, (re)formulação de estratégias preventivas, subsidiadas por políticas educativas que fortaleçam a cultura de segurança e de qualidade nos serviços de saúde mental.

Referências

  • Araújo, J. S., Nascimento, H. M., Farre, A. G. M. C., Brito, R. O., Santos, J. P. A., &Vasconcelos, T. T. S. (2016). Conhecimento dos enfermeiros sobre evento adverso e os desafios para a sua notificação. Cogitare Enfermagem, 21(4), 01-08. doi: 10.5380/ce.v21i4.45404
    » https://doi.org/10.5380/ce.v21i4.45404
  • Brickell, T. A., Nicholls, T. L., Procyshyn, R. M., McLean, C., Dempster, R. J., Lavoie, J. A. A., ... Wang, E. (2009). Patient safety in mental health Edmonton, Alberta, CA: Canadian Patient Safety Instituteand Ontario Hospital Association. Recuperado de: https://www.patientsafetyinstitute.ca/en/toolsResources/Research/commissionedResearch/mentalHealthAndPatientSafety/Documents/Mental%20Health%20Paper.pdf
    » https://www.patientsafetyinstitute.ca/en/toolsResources/Research/commissionedResearch/mentalHealthAndPatientSafety/Documents/Mental%20Health%20Paper.pdf
  • Capucho, H. C., Arnas, E. R., & Cassiani, S. H. B. (2013). Segurança do paciente: comparação entre notificações voluntárias manuscritas e informatizadas sobre incidentes em saúde. Revista Gaúcha de Enfermagem, 34(1), 164-172. doi: 10.1590/S198314472013000100 021
    » https://doi.org/10.1590/S198314472013000100 021
  • Costa, D. B., Ramos, D., Gabriel, C. S., & Bernardes, A. (2018). Cultura de segurança do paciente: avaliação pelos profissionais de enfermagem. Texto & Contexto Enfermagem, 27(3), e2670016. doi: 10.1590/0104-070720180002670016
    » https://doi.org/10.1590/0104-070720180002670016
  • Cuadros, K. C., Padilha, K. G., Toffoletto, M. C., Henriquez-Roldán, C., & Canales, M. A. J. (2017). Ocorrência de incidentes de segurança do paciente e carga de trabalho em enfermagem. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 25(e2841), 1-8.doi: 10.1590/ 1518-8345.1280.2841
    » https://doi.org/10.1590/ 1518-8345.1280.2841
  • Eiroa-Orosa, F. J., & Rowe, M. (2017). Taking the concept of citizenship in mental health across countries: Reflections on transferring principles and practice to different sociocultural contexts. Frontiers in Psychology, 8(1020), 1-11. doi: 10.3389/fpsyg. 2017.01020
    » https://doi.org/10.3389/fpsyg. 2017.01020
  • Fernandes, S. S., Marcos, C. B., Kaszubowsk, E., & Goulart, L. S. (2017). Evasão do tratamento da dependência de drogas: prevalência e fatores associados identificados a partir de um trabalho de busca ativa. Cadernos de Saúde Coletiva, 25(2), 131-137.doi: 10.1590/1414462 x201700020268.
    » https://doi.org/10.1590/1414462 x201700020268
  • Ferreira, A. C. Z., Borba, L. O., Capistrano, F. C., Czarnobay. J., & Maftum, M. A. (2015). Fatores que interferem na adesão ao tratamento de dependência química: percepção de profissionais de saúde. Revista Mineira de Enfermagem , 19(2), 150-56.doi: 10.5935/1415-2762.20150032
    » https://doi.org/10.5935/1415-2762.20150032
  • Ferreira, T. P. S., Sampaio, J., Oliveira, I. L., & Gomes, L. B. (2019). A família no cuidado em saúde mental: desafios para a produção de vidas.Saúde Debate , 43(121), 441-449.doi: 10.1590/0103-1104201912112
    » https://doi.org/10.1590/0103-1104201912112
  • Gomes, T. R. (2017). Análise Idiossincrática dos discursos proferidos nas decisões judiciais sobre erro médico no TJDFT: um estudo qualitativo. Cadernos Ibero-Americanos de Direito Sanitário, 6(4), 55-69. doi: 10.17566/ciads.v6i4.416
    » https://doi.org/10.17566/ciads.v6i4.416
  • Gutiérrez-Mendoza, L. M., Torres-Montes, A., Soria-Orozco, M., Padrón-Salas, A., & Ramírez-Hernández, M. E. (2015). Costs of Serious Adverse Events in a Community Teaching Hospital, in Mexico.Cirugía y Cirujanos, 83(3), 211-216. doi:10.1016/ j.circen.2015.09.021
    » https://doi.org/10.1016/ j.circen.2015.09.021
  • Lei federal nº 10.216, de 06 de abril de 2001 (2001). Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Brasília, DF: Ministério da Saúde. Recuperado de: https://hpm.org.br/wp-content/uploads/2014/09/lei-no-10.216-de-6-de-abril-de2001. pdf
    » https://hpm.org.br/wp-content/uploads/2014/09/lei-no-10.216-de-6-de-abril-de2001. pdf
  • Lima, M. G., Gussi, M. A., Furegato, A. R. F. (2018). Centro de atenção psicossocial, o cuidado em saúde mental no Distrito Federal. Tempus - Actas De Saúde Coletiva,11(4), 197-220. doi: 10.18569/tempus.v11i4.2487
    » https://doi.org/10.18569/tempus.v11i4.2487
  • Martins, A. G. (2017). A noção de crise no campo da saúde mental: saberes e práticas em um centro de atenção psicossocial. Mental, 11(20), 226-242. Recuperado de: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/mental/v11n20/v11n20a12.pdf
    » http://pepsic.bvsalud.org/pdf/mental/v11n20/v11n20a12.pdf
  • Minayo, M. C. (2014). Apresentação. In R. Gomes. Pesquisa qualitativa em saúde (p. 5-7). São Paulo, SP: Instituto Sírio Libanês.
  • Moscovici, F. (2008). Desenvolvimento Interpessoal: treinamento em grupo Rio de Janeiro, RJ: José Olympio.
  • Oliveira, R. M., Bandeira, E. S., Silva, C. R., Soares, A. M. L., Fonteles, D. B., & Barboza, F. B. M. (2016). Tomada de decisão de enfermeiros frente a incidentes relacionados à segurança do paciente. Cogitare Enfermagem, 21(3), 01-10. doi: 10.5380/ce.v21i3.45683
    » https://doi.org/10.5380/ce.v21i3.45683
  • Portaria nº 121, de 25 de janeiro de 2012 (2012). Institui a Unidade de Acolhimento para pessoas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas (Unidade de Acolhimento), no componente de atenção residencial de caráter transitório da Rede de Atenção Psicossocial. Diário Oficial da República Federativa do Brasil Recuperado de: http://bvsms.saude.gov.br/ bvs/saudelegis/gm/2012/prt0121_25_01_2012.html
    » http://bvsms.saude.gov.br/ bvs/saudelegis/gm/2012/prt0121_25_01_2012.html
  • Portaria nº 529, de 1º de abril de 2013 (2013). Institui o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP) Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Ministério da Saúde. Recuperado de: http://bvsms.saude.gov.br/ bvs/saudelegis/gm/2013/prt0529_01_04_2013.html
    » http://bvsms.saude.gov.br/ bvs/saudelegis/gm/2013/prt0529_01_04_2013.html
  • Rodrigues, J., & Deschamps, A. L. P. (2016). Política de saúde mental e projeto terapêutico singular. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, 8(17), 78-92. Recuperado de: https:// periodicos.ufsc.br/index.php/cbsm/article/view/68966
    » https:// periodicos.ufsc.br/index.php/cbsm/article/view/68966
  • Romero, M. P., González, R. B., Calvo, M. S. R., & Fachado, A. A. (2018). A segurança do paciente, qualidade do atendimento e ética dos sistemas de saúde. Revista Bioética, 26(3), 333-342. doi: 10.1590/1983-80422018263252
    » https://doi.org/10.1590/1983-80422018263252
  • Silva, M. L., Amboni, G., Silva, D. M., Kern, C. A. R., & Ferraz, F. (2019). Escuta psicanalítica no acolhimento em um Centro de Atenção Psicossocial. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, 11(29), 63-83. Recuperado de: https://periodicos.ufsc.br/index.php/cbsm/article/ view/69781/42017
    » https://periodicos.ufsc.br/index.php/cbsm/article/ view/69781/42017
  • Sousa Neto, A. L., Lima Júnior, A. J., & Souza, R. C. (2018). A segurança do paciente no ensino profissionalizante: relato de uma campanha. Revista ELO - Diálogos em Extensão, 07(02), 44-48. doi: 10.21284/elo.v7i2.1268
    » https://doi.org/10.21284/elo.v7i2.1268
  • Souza, A. C. S., Bezerra, A. Q., Caixeta, C. C., Pinho, E. S., Paranaguá, T. T. B., & Teixeira, C. C. (2018). Percepção dos profissionais sobre segurança dos pacientes na atenção psicossocial. Revista Brasileira de Enfermagem, 73 (Suppl 1), e20180831. doi: 10.1590/0034-7167-2018-0831
    » https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0831
  • Souza, A. C. S., Bezerra, A. L. Q., Pinho, E. S., Nunes, F. C., & Caixeta, C. C. (2017). Segurança do paciente nos serviços comunitários de saúde mental: estudo bibliométrico. Revista de Enfermagem UFPE on line, 11(Supl. 11), 4671-7. doi: 10.5205/reuol.11138-99362-1-SM.1111sup201717
    » https://doi.org/10.5205/reuol.11138-99362-1-SM.1111sup201717
  • Souza, A. C. S., Pinho, E. S., Limongi, A. M. S., Teixeira, C. C., Bezerra, A. Q., & Paranaguá, T. T. B. (2021). Medidas de segurança durante a pandemia de infecções por coronavírus. Revista de Enfermagem UFPE on line, 15, e246701. doi: 10.5205/1981-8963.2021.246701
    » https://doi.org/10.5205/1981-8963.2021.246701
  • Tobias, G. C., Bezerra, A. L. Q., Moreira, I. A., Paranaguá, T. T. B., & Silva, A. E. B. C. (2016). Conhecimento dos enfermeiros sobre a cultura de segurança do paciente em hospital universitário. Revista de Enfermagem UFPE on line, 10(3), 1071-1079. doi: 10.5205/ reuol.8702-76273-4-SM.1003201617
    » https://doi.org/10.5205/ reuol.8702-76273-4-SM.1003201617
  • Vantil, F. C. S., Lima, E. F. A., Figueiredo, K. C., Massaroni, L., Sousa, A. I., & Primo, C. C. (2020). Segurança do paciente com transtorno mental: construção coletiva de estratégias. Revista Brasileira de Enfermagem, 73(1), e20170905. doi: 10.1590/0034-7167-2017-0905
    » https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0905
  • World Health Organization [WHO]. (2009). World Alliance For Patient Safety Taxonomy. The conceptual framework for the international classification for patient safety: Final technical report Genève, CHE. Recuperado de: https://www.who.int/patientsafety/taxonomy/icps_full_ report.pdf?ua=1
    » https://www.who.int/patientsafety/taxonomy/icps_full_ report.pdf?ua=1
  • Zeferino, M. T., Cartana, M. H. F., Fialho, M. B., Huber, M. Z., & Bertoncello, K. C. G. (2016). Percepção dos trabalhadores da saúde sobre o cuidado às crises na Rede de Atenção Psicossocial. Escola Anna Nery Revista de Enfermagem, 20(3), e20160059. doi: 10.5935/ 1414-8145.20160059
    » https://doi.org/10.5935/ 1414-8145.20160059

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    31 Ago 2020
  • Aceito
    07 Fev 2022
location_on
Universidade Estadual de Maringá Avenida Colombo, 5790, CEP: 87020-900, Maringá, PR - Brasil., Tel.: 55 (44) 3011-4502; 55 (44) 3224-9202 - Maringá - PR - Brazil
E-mail: revpsi@uem.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro