Open-access Hip-hop, disputas de representação e afirmação de periferia como agrupamento social

Hip hop, representation disputes and the affirmation of periphery as social grouping

Resumo:

A categoria de “periferia” passou a ser mobilizada por rappers brasileiros associados ao hip-hop a partir dos anos 1990, crescendo significativamente na segunda metade da década. Este artigo aborda as condições de sua afirmação, buscando investigar a intervenção dos rappers nas disputas de representação das divisões sociais urbanas. Desenvolve-se a hipótese da agência rapper, articulando a interlocução entre diferentes quebradas, na construção de um agrupamento social, em meio ao confronto com outras representações e à violência contra territórios populares e majoritariamente negros. Por meio do cotejo entre suas elaborações e discursos outros que circulavam sobre periferia, busca-se abordar as operações simbólicas em tensão e antagonismo que parecem contribuir para a afirmação de novos recortes sociais no Brasil contemporâneo.

Palavras-chave: Hip-hop; Periferia; Disputas de representação

Abstract:

The category of periphery began to be mobilized by Brazilian rappers associated with hip-hop in the 1990s, growing significantly in the second half of the decade. This article examines the conditions of its affirmation, seeking to investigate the rappers’ intervention in the representation disputes of urban division. The hypothesis is developed about the rapper agency, articulating the dialogue between different peripheral neighborhoods, in the construction of a social grouping, within the confrontation with other representations and the violence against popular and predominantly black territories. By comparing their elaborations and other discourses about periphery, this study aims to address the symbolic operations in tension and antagonism that appears to contribute to the assertion of new social boundaries in contemporary Brazil.

Keywords: Hip-hop; Periphery; Representation disputes

Presente anteriormente em outros meios, como a academia e a imprensa, a categoria de periferia passou a ser mobilizada no hip-hop de forma crescente ao longo dos anos 1990. Como elemento de identificação, lugar de potências e de sobrevivência em meio a desigualdades, violência e segregação racial, a condição periférica seria construída como um solo comum por diferentes agentes, com destaque para os rappers. Mais do que trabalhá-la como uma categoria prévia apropriada, a intenção aqui é investigar sua construção em meio a disputas que a cercam.

As nomeações de periferia e centro nas cidades têm uma história própria de mais de cinco décadas. Contudo, parte importante de seu agenciamento polissêmico ocorreu a partir nos anos 1990, quando ganharam operacionalidade em meio ao enfraquecimento de outros referenciais, como os de classe, e a emergência de novos agentes. Não são aqui compreendidas com um sentido ontológico, anterior à maneira como sujeitos identificam seu pertencimento a um ou outro grupo, atribuem-lhes características e se reconhecem ou se diferenciam.

Naqueles anos, sua veiculação em outros espaços estava muitas vezes associada a carências, precariedades ou violência e ameaça. Seus deslocamentos no âmbito do hip-hop ocorrem em meio a confrontos simbólicos na constituição de uma categoria social. Como será possível verificar, ao se considerar discos de rap destacados, o termo periferia, como coletividade translocal, é gradualmente crescente em trabalhos de GOG, Racionais MC’s, RZO e Sabotage.

A violência, percebida como crescente, constitui uma arena fundamental para essas disputas e comporta formas distintas de ser relacionada a “centro” e “periferia”. Vista como ameaça associada à periferia ou como armadilha e extermínio contra os periféricos, ela é um terreno de experiências e disputas de representação que reelaboram fronteiras, com sentidos conflitantes.

No âmbito do hip-hop, na intersecção entre aspectos socioeconômicos, raciais e de território, periferia deixaria de ser compreendida apenas como território de moradia e vida de um grupo social - a classe trabalhadora - para se tornar ela mesma um recorte social, que também se opõe ao “centro”, ou à “playboyzada”, com consequências específicas para a compreensão das dinâmicas sociais urbanas contemporâneas, especialmente as relacionadas à segregação e à violência.

Ao pensar pertencimento social e disputas de representação, a investigação proposta se sustenta na concepção de uma história “ao mesmo tempo e indissociavelmente, social e cultural” (Prost, 1998, p. 137), pela qual se compreende que as designações dos grupos dependem da maneira como indivíduos se reconhecem e se diferenciam, atribuindo a si e aos outros o pertencimento a diferentes grupos. Contudo, a percepção de que as categorias sociais só adquirem força operacional a partir de suas expressões ou representações no âmbito da linguagem (Bonnel, Hunt, 1999) não implica compreendê-las como derivadas apenas de construção subjetiva, independente das experiências chamadas materiais.

Conforme Bourdieu (1998), as condições materiais e simbólicas, as diferentes formas de capital (econômico, simbólico, cultural, político) definem a posição relativa dos agentes ou grupos de agentes, de acordo com a composição e a quantidade das diferentes espécies de capital que possuem. Importa abordar “a contribuição que eles dão para a construção da visão desse mundo, por meio do trabalho de representação (em todos os sentidos do termo) que continuamente realizam para imporem sua visão do mundo, ou a visão de sua própria posição nesse mundo, a visão de sua identidade social” (Bourdieu, 1998, p. 139).

Roger Chartier (2002) propõe rearticular, através do conceito de representação coletiva, a construção cultural do mundo social, ao mesmo tempo em que se afasta da visão de cultura como um todo homogêneo e excessivamente coerente, em detrimento dos conflitos. Representações formam e articulam interesses de diferentes grupos que, por sua vez, elaboram representações. A noção de representação coletiva permitiria voltar-se ao social, por meio da sua atenção sobre as estratégias que determinam posições e relações dos diferentes grupos e fazem parte da constituição de suas identidades.

A abordagem de disputas de representações divergentes pode ser combinada com a noção de dialogismo (Bakhtin, 1988), permitindo a atenção sobre interferências entre elas, que podem se dar em termos de oposição, combinação ou convergência. Representações podem ser trabalhadas em uma relação dialógica com outras que buscam negar, afirmar ou modificar. Significa, por exemplo, que a emergência de uma categoria de representação como “periferia” nas mobilizações de um grupo não está dissociada da sua mobilização por outros. Falar aqui em relação centro-periferia significa lidar com categorias cujo investimento de sentido estava em franca disputa, que pode ser conferida na mídia, nos movimentos sociais e entre aqueles que passam a se identificar como periféricos. Entre estes, destacaram-se os rappers vinculados ao movimento hip-hop. Suas elaborações não estão dissociadas do contexto linguístico, no qual travam contato e confronto com outras imagens e discursos sobre periferia e centro.

Ao falar de rap vinculado ao hip-hop, trata-se de delimitar uma vertente, uma expressão musical associada a um movimento cultural que se difundiu a partir do Bronx, em Nova York, para diferentes partes do mundo. É influente a concepção do músico e ativista Afrika Bambaataa, que entende o hip-hop como articulação de break dance, grafite, DJing e MCing, enquanto elementos artísticos de um movimento cultural comprometido, desenvolvidos pela juventude negra. Estes seriam aglutinados pelo chamado “quinto elemento”, o “conhecimento”, que apontaria para uma espécie de compromisso ou engajamento transformador (Moassab, 2008; Teperman, 2015).

Emergência e afirmação de periferia no hip-hop

Antes do desenvolvimento do hip-hop no Brasil, as noções de “centro” e “periferia” no espaço urbano foram mobilizadas com variadas acepções desde a emergência de seu uso entre sociólogos e urbanistas, em particular em relação à região metropolitana de São Paulo. Num primeiro momento, sua difusão tratava de determinados territórios, em que periferia se referia a áreas afastadas do centro, caracterizada como “o espaço ocupado por moradias das classes populares”, como locais que “apresentavam pouca infraestrutura urbanística e ausência de serviços públicos básicos” (Torres, Oliveira, 2001, p. 64). Explicada como parte da dinâmica urbana que expulsa a população de baixa renda de áreas mais valorizadas, “periferia” emergiu como conceito que articulava classe social e espaços urbanos. Os sentidos de centro e periferia não equivaliam ao de grupos sociais, mas sim a territórios associados a grupos definidos em termos de classe (Tanaka, 2006).

Nos anos 1980 e 1990, o uso de centro e periferia já seria recorrente para além dos meios acadêmicos, circulando na imprensa e em movimentos sociais. Mas será sobretudo a partir de meados dos anos 1990 que se poderá evidenciar no rap uma dimensão de agrupamento social periférico, em que periferia transcende nominação territorial e o grupo vai além dos marcadores de classe.

Nas primeiras coletâneas de rap gravadas no Brasil, ainda no final dos anos 1980,1 não encontramos nenhuma ocorrência de “periferia” ou “periférico”. As referências a grupos da sociedade referem-se mais a negros e pobres, enquanto os espaços destacados falam mais da rua, como ocorre em Hip-hop cultura de rua (1988), O som das ruas (1988) e Consciência Black (1989). Como veremos, ao longo da década seguinte, a recorrência de periferia se faria cada vez maior, tornando-se incontornável, como se pode verificar nos discos Dia a dia da periferia (GOG, 1994), Sobrevivendo no inferno (Racionais MC’s, 1997), Todos são manos (RZO, 1999), Rap é compromisso (Sabotage, 2000).

Vale assinalar, contudo, que desde suas origens no exterior o rap e o movimento hip-hop desenvolveram-se vinculados a territorialidades subalternizadas, o que não deixava de ser tematizado nas letras. Desde os ghettos do South Bronx, nos anos 1970, raça, condição social e território têm sido tematizados por rappers em diferentes partes do mundo.2

Nada disso se refere a transplante ou importação, ainda que haja correlação entre diferentes experiências. Por seu desenvolvimento e suas relações, o hip-hop pode ser pensado como uma expressão cultural e política recente, mas vinculada a essa formação transnacional que Paul Gilroy (2012) chamou de “Atlântico Negro” e na qual as expressões musicais têm uma função destacada. É enquanto uma expressão elaborada em contextos de resistências contra a opressão racial, compartilhadas em diferentes partes do Atlântico, que o hip-hop se difundiu e se desenvolveu principalmente entre jovens negros de distintos lugares do mundo. A música e a oralidade como meio para reflexão e expressão de uma intelectualidade segregada em espaços formais de educação e as diferentes experiências aproximadas pelo passado escravista, pela segregação, pelo racismo e pela resistência são indissociáveis do contexto de desenvolvimento do hip-hop em São Paulo e no Brasil. Contudo, importam as matrizes e experiências locais, num trabalho de construção criativa e diferenciação. Ademais, a mobilização da categoria territorial e a construção do rap como “voz periférica” não foram imediatas às suas primeiras manifestações no país.

Ao se considerar a tematização da “periferia” no rap, tomá-la como algo que já estava dado impede o olhar histórico para sua construção como categoria social. Deve-se atentar para esse processo sem perder de vista a importância assumida pelas disputas simbólicas e as novas maneiras de se relacionar condição socioeconômica, raça e território, desenvolvidas no âmbito do rap.

Embora periferia não fosse mobilizada na coletânea Consciência Black (1989), em uma de suas faixas, “Pânico na Zona Sul”, Mano Brown e Ice Blue traziam denúncias sobre a violência de grupos de extermínio que atuavam em uma região particular: “Então quando o dia escurece/só quem é de lá sabe o que acontece”. Era aqui uma territorialidade que, referida de maneira mais específica, ainda não trazia a mesma carga semântica translocal que envolve o termo periferia. Como nos primeiros raps dos Racionais MC’s, já eram temáticas privilegiadas a questão racial (“Racistas otários”, “Voz ativa”), a violência policial (“Pânico na Zona Sul”), desigualdade e pobreza (“Tempos difíceis” e “Beco sem saída”). Mas sua associação com as adversidades de uma coletividade entendida como periférica se fortaleceria mais tarde.

É notável que, no léxico usado para se referir aos conflitos sociais em “Beco sem saída”, a dinâmica da oposição é entre burguesia ou ricos e negros pobres: “Burguesia, conhecida como classe nobre/Tem nojo e odeia a todos nós, negros pobres/Por outro lado, adoram nossa pobreza/Porque é dela que é feita sua maldita riqueza”.3

José Carlos Gomes da Silva (1998, p. 31) identificou a afirmação da categoria de periferia no discurso rapper a partir de 1993, assinalando sua abrangência mais ampla: “A periferia não aparece apenas como uma referência geográfica. Pertencer à periferia, nessa instância, é ser jovem pobre, preto, branco ou pardo, ou seja, socialmente excluído”.

Tiaraju Pablo D’Andrea (2013), ao trabalhar com a ideia de construção do sujeito periférico a partir da afirmação de sua potência nas letras dos Racionais, propõe uma periodização nos processos de semantização do termo periferia, tomando também 1993 como um ano de corte importante. Situa até 2002 um momento de protagonismo do hip-hop e de coletivos artísticos na elaboração da condição periférica, fornecendo referências para populações de seus bairros.

O ano de 1993 é certamente um recorte importante pelo lançamento e reverberação de Raio X Brasil,4 terceiro disco dos Racionais. Era a primeira vez que o grupo fazia uso da categoria de periferia, por duas vezes, em duas das oito faixas do disco: “Fim de semana no parque” e “Homem na estrada”. Mas a emergência da periferia enquanto categoria coletiva, agrupando diferentes territórios, ganharia maior extensão a partir da segunda metade da década.

Uma maneira de observar esse processo a partir da obra dos rappers é verificar a intensificação de termos como periferia, mas também quebrada, favela ou morro, operando não como referente a uma localidade específica, mas como coletivo singular. Periferia, quebrada, morro e favela, embora não sejam sinônimos, adquirem uma função de articular territorialidade e divisões sociais. O sentido de periferia, por sua vez, retém uma marcação territorial, mas não designa mais necessariamente somente áreas afastadas fisicamente do centro da cidade. Em sua maior abrangência, contém as demais designações socioterritoriais.

Diferentemente de favela e quebrada, periferia quase sempre transcende a condição da localidade particular do emissor. Se se pode dizer “Estou a uma hora da minha quebrada”5 para um lugar específico, ao se falar em “periferia”, articula-se o conjunto das quebradas. Morro, favela e quebrada, dependendo do emprego, também podem funcionar como singular coletivo: “se diz que me diz que não se revela/parágrafo primeiro da lei da favela”.6 Ao se considerar o conjunto de empregos dos diferentes termos de origem territorial operando como singular coletivo, seu crescimento é significativo. Nos Racionais, das três ocorrências no disco de 1993, sendo duas com periferia e uma com favela (“Na madrugada da favela não existem leis”7), escutamos 14 ocorrências em Sobrevivendo no inferno, de 1997, em todas as dez faixas com letras de autoria do grupo, sem considerar versos repetidos. Como coletivo de um determinado conjunto descontínuo, percorreria o álbum como um todo.

Para além de dados quantitativos, importa sua centralidade nas músicas, como sugere o título de “Periferia é periferia em qualquer lugar”. “Aqui a visão já não é tão bela/periferia é periferia”, refrão repetido dezenas de vezes, é cantado pelo rapper brasiliense GOG e junta trechos de sua música “Brasília periferia”.8 A interlocução é indicativa da articulação paralela que ocorria entre os rappers de diferentes partes do Brasil e a afirmação da periferia como coletivo singular.

GOG já nomeava diversas localidades vinculadas pelo que poderia se compreender como condição periférica. A prática se tornaria cada vez mais presente nos rappers ao buscar mencionar nomes de bairros e favelas em diferentes partes de uma cidade ou do Brasil, assim como a participação e citações mútuas de rappers de diferentes procedências.

A intensificação da afirmação pode ser ainda verificada ao olharmos para outros grupos com uma reverberação importante. É o caso do RZO, que, no disco de 1993,9 não menciona o termo. Seis anos mais tarde, periferia surge em 25 versos diferentes de Todos são manos.10 A espacialização social através de outras figurações territoriais também cresce. Nesse sentido, os parâmetros usados nas músicas para se criticar aspectos da sociedade modificam-se em direção a formulações cada vez mais “socioterritoriais” e, ao mesmo tempo, translocais. No disco de 1993, o RZO usara como referências a coletividades as noções de “povo” e “pobre”, além de “raça negra”, em oposição ao “governo” e a “ricos”.11 Já em Todos são manos (1999), “periferia” passa a ser contemplada por diversos ângulos: experiência - “Somente negros da periferia como nós para saber o que é aquilo, certo?”;12 empoderamento - “curte rap, a casa agradece, periferia cresce”;13 cultura própria, em especial na música e na rádio comunitária - “Bom som periferia/som da periferia é lógico”.14 Alegrias, perigos e violência policial: “Se é periferia todo dia/e ficar no sangue bom, é só alegria/mas fique esperto com patifaria e polícia”.15

No álbum de Sabotage, gravado em 2000,16 todas as faixas trazem figurações territoriais que transitam entre referências particulares e a “periferia toda”. As referências particulares, como “Na Zona Sul” e “No Brooklin”, por exemplo, são elaboradas em ponte para a vinculação translocal. Como diria o rapper, “Nasci na favela do Canão, onde hoje tem as Espraiadas. Mas defendo a tese da periferia toda. A fome e a pobreza falam a mesma língua” (apud C., 2013, p. 161). Periferia e outras categorias territoriais como singular coletivo - quebrada, morro - aparecem 27 vezes e estão presentes nas 11 faixas do disco.

O que se pode constatar é que, se já existiam mobilizações da categoria por volta de 1993 e 1994, há um pronunciado adensamento durante a segunda metade da década. Trata-se de um processo por meio do qual o uso das categorias territoriais operava um movimento de transcender localidades particulares. O elemento territorial cruzava-se com raça e condição socioeconômica, na constituição dessa coletividade no discurso daqueles que se identificavam com ela, operando cada vez mais como uma categoria social.

Importa compreender as condições pelas quais um coletivo singular que carrega uma marca territorial e a transcende ganhava proeminência na articulação da leitura das divisões sociais. D’Andrea (2013) destaca o enfraquecimento de movimentos sociais dos anos 1980 nos bairros populares, que não mobilizavam de forma difundida o termo periferia. Este espaço teria sido ocupado por coletivos juvenis e pelo hip-hop que assumiriam mais efetivamente a “reinvenção do discurso crítico sobre a cidade e especificamente sobre a condição periférica” (D’Andrea, 2013, p. 43).

É importante acrescentar a reavaliação das categorias de apreensão do mundo social que ocorria em meio ao relativo enfraquecimento da identificação em termos de classe. Numa duração mais longa e numa escala transnacional, a emergência destacada por Jameson (1992, p. 86), a partir dos anos 1960, de novas identidades coletivas - apreendidas por novas categorias sociais, como colonizado, raça, gênero, minoria, marginalidade - relaciona-se “a algo como uma crise daquela categoria mais uniforme que até então parecia subsumir todas as variedades de resistência social, qual seja, a concepção clássica de classe social”. Como exemplificam o vigor e a atração da mobilização operária em São Paulo, entre 1978 e 1982,17 não se trata de um processo linear e internacionalmente homogêneo. Na situação que nos ocupa, contudo, referenciais de classe já haviam perdido a força que tiveram como impulsos unificadores, cedendo maior espaço a outros recortes sociais. Categorias que relacionam desigualdades a territórios adquiriram relevância e isso se relaciona com a emergência de novos sujeitos, de posse de novos meios expressivos, erguendo sua voz, articulando outro tipo de agrupamento social. Mas persiste a pergunta: por que periferia?

Para tentar avançar, é importante considerar o contexto da mobilização de periferia pelo hip-hop, que inclui conflitos em torno da construção de representações das divisões sociais. Significa considerar o entorno, a circulação de discursos outros que, no âmbito dos processos da linguagem, também elaboravam divisões de centro e periferia. É importante a difusão da categoria na mídia impressa e no telejornalismo, por exemplo, em que a imagem da periferia como “barbárie” ganhava força, como veremos adiante. A violência será um marcador fundamental que opera nesses meios associada à estigmatização da periferia e do periférico. Por isso, é válido indagar sobre a dimensão das disputas que cercam a mobilização da categoria que circulava anteriormente em outros espaços. Convém cotejar falas outras sobre periferia e violência com as elaborações dos rappers que se identificam como vozes periféricas. Nesse sentido, a apropriação e a mobilização da categoria também podem operar crítica dialógica, atenta ao seu uso em meios com os quais antagonizava.

Transformações urbanas, violência e muros físicos e simbólicos

Em trabalho importante sobre a cidade de São Paulo, Teresa Pires do Rio Caldeira (2000) relaciona transformações nos padrões de ocupação urbana, a difusão do medo do crime e da violência e novas formas de segregação na cidade. As divisões entre áreas centrais, habitadas por classes mais abastadas, e as áreas afastadas, habitadas pelos mais pobres, que corresponderiam à linguagem geométrica centro-periferia, teriam se desenvolvido entre os anos 1940 e a década de 1980. A partir de então, transformações que não são exclusivas da metrópole paulistana têm engendrado outro padrão de ocupação. Neste, diferentes grupos sociais estão mais frequentemente próximos fisicamente, mas são separados por muros, tecnologias de segurança privada, conjuntos de espaços restritos, que a autora chamou de “enclaves fortificados”.

Juntamente aos muros físicos, erguem-se também muros simbólicos, aqueles que Caldeira identifica em entrevistas no que chama de “fala do crime”. Esta estaria presente em diferentes situações, como conversas cotidianas, relatos e lembranças que teriam o crime e o medo dele como tema. Seria caracterizada por incorporar referências negativas e discriminatórias em relação a grupos sociais, étnicos e raciais subalternizados. De forma dicotômica, a “fala do crime” tenderia a naturalizar preconceitos e a percepção de certos grupos como perigosos.

Além disso, na medida em que a ordem categorial articulada na fala do crime é a ordem dominante de uma sociedade extremamente desigual, ela tampouco incorpora experiências dos grupos dominados (os pobres, os nordestinos, as mulheres etc.); ao contrário, ela normalmente os discrimina e criminaliza (Caldeira, 2000, p. 43).

Enquanto discurso sobre o crime, interessa como essa “fala do crime” também pode participar da estigmatização sobre territórios subalternizados e suas populações, de certas formas de categorização que dividem “centro” e “periferia”, num esforço simbólico de demarcá-los com fronteiras as mais rígidas e definidas possíveis.

Para além das falas cotidianas, é possível identificar muros simbólicos na mídia impressa e televisiva, que teve um papel considerável na veiculação de discursos sobre o crime e a violência, pesando sobre a representação da periferia. Gizlene Neder (2005) constata o crescimento, a partir dos anos 1980, do destaque aos atos violentos descritos de formas detalhadas em jornais como O Dia, no Rio de Janeiro, ou Notícias Populares, em São Paulo. Em sua análise, as imagens de terror na imprensa, centradas na criminalidade violenta, passavam a cumprir uma função de controle social e intimidação de moradores de morros e periferias das grandes cidades, além de justificar o reforço de padrões de policiamento violento.

No telejornalismo, em programas como Aqui Agora (SBT), no ar desde 1991, a reportagem policial dava destaque a crimes violentos, enquanto os apresentadores emitiam julgamentos sobre as pessoas envolvidas e clamavam por maior repressão policial. A grande audiência do programa do SBT abriu uma janela para abordagens semelhantes em outras emissoras, que colocariam no ar seus similares: Cidade Alerta (TV Record), em 1995; Brasil Urgente (TV Bandeirantes), em 1997 (Pereira, 2017). Os cenários e os agentes dos crimes privilegiados nas reportagens eram também periféricos.

O foco sobre a periferia quando se trata de criminalidade e violência também seria recorrente em outras vertentes da imprensa. Violência, quase sempre reduzida a formas de crimes urbanos, constituiu um grande eixo de notícias e reportagens de jornais que não costumam ser classificados como “sensacionalistas”. Ao analisar as páginas de O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo, O Globo e Jornal do Brasil, Sylvia Moretzsohn (2003) destaca a delimitação do espaço onde a criminalidade violenta se torna naturalizável em periferias e favelas. Fora delas, nas áreas nobres de Rio de Janeiro ou São Paulo, há disseminação do medo da violência, que frequentemente seria semelhante ao de uma invasão ou transbordamento do morro, da favela ou da periferia sobre os territórios da classe média.

A recorrência de delimitação da periferia como lócus da ameaça e do outro perigoso se mantém ao longo da década e se encontra de forma condensada em uma matéria de capa da revista Veja, de 24 janeiro de 2001. Com um título em grandes letras “O cerco da periferia”, a capa é ilustrada pela imagem do “centro” espremido pela “periferia”: prédios abastados, coloridos, iluminados, com um verde bem cuidado, são cercados pelo cinza de barracos apertados. A legenda completava a associação entre periferia e ameaça externa: “os bairros de classe média estão sendo espremidos por um cinturão de pobreza e criminalidade que cresce seis vezes mais que a região central das metrópoles brasileiras” (O cerco..., 2001, capa). No início do texto, o endereçamento do discurso para quem faz parte da “região central” ficava evidente: “Atenção, se você acha que as metrópoles brasileiras já são lugares quase irrespiráveis, de tanto crime, bagunça no trânsito, horas perdidas e também feiura arquitetônica, prepare-se para coisa muito pior, se nada for feito para reverter a situação” (O cerco..., 2001, p. 86). Crime, bagunça, feiura arquitetônica são associados em primeiro plano à periferia e insinuam-se também como elementos de aversão e temor do leitor de “classe média”/“da região central”. A matéria de capa da revista de maior circulação no país é um índice da força desse tipo de elaboração de diferenças em termos de centro-periferia.

Mas havia o contraponto de vozes que ao tratar sobre violência e divisões sociais assumiam outras perspectivas. O crescimento das mortes violentas também seria parte da experiência daqueles que se identificavam a partir da periferia, mas era reelaborado em outras direções. Mais do que um produto periférico, relacionava-se ao sentido de urgência na contraposição ao que era percebido como um extermínio em curso.

Como observa Julita Lemgruber (2004), se as mortes violentas mais que dobraram no Brasil entre 1980 e 2001, elas tiveram uma concentração expressiva entre negros e pobres, sobretudo entre os mais jovens, na faixa de 14 a 24 anos. Era justamente entre aqueles que constituíam parte expressiva dos rappers e seu público que a mortalidade subia de maneira exponencial, ao ponto de ser percebida por eles, antes de outros, como uma forma de extermínio da juventude negra e periférica. A intensificação da “repressão às fronteiras”, com endurecimento das ações policiais, a multiplicação dos “suspeitos”, provocando mortes violentas e a explosão dos encarceramentos nos anos 1990 é outro constituinte da conjuntura (Feltran, 2010, p. 209).

A morte e o encarceramento presentes às vezes entre amigos e familiares se torna violência cotidiana, experiência que pesa sobre vizinhanças e informa a incisividade com que rappers tratam de denunciar o que é percebido como contra os seus. A violência policial e o matar-se uns aos outros seriam trabalhados nas letras dos rappers como produtos perversos, que violentam seus territórios populares e majoritariamente negros. Isso favorecia a articulação de agrupamentos que cruzavam territórios, condição socioeconômica e racial, na construção de narrativas próprias voltadas para as adversidades que enfrentavam. Essa forma de recorte social permitia construir uma coletividade que enfrentava uma opressão violenta.

Em suma, transformações de diferentes ordens contribuíram para uma conjuntura de intensa “reavaliação simbólica das categorias”18 de apreensão das divisões sociais: enfraquecimento de outras categorias, novos padrões de segregação urbana, discursos de criminalização da periferia e experiência de violência contra territórios populares majoritariamente negros. Nesse processo, agentes desigualmente situados operavam diferentes trabalhos de representação.

Rearticulando periferia e rompendo os muros simbólicos

As articulações de periferia pelos rappers não seriam isoladas dos aspectos mencionados. Seus diagnósticos da segregação e da violência, confrontando discursos alheios, apontariam para a elaboração de leituras sistêmicas das relações centro-periferia, crime e violência.

A crítica da segregação urbana já estava presente nas primeiras mobilizações pelos Racionais MC’s da categoria de periferia. Ao longo dos anos 1990, ela ganha espessura juntamente com as elaborações de outros raps, confrontando discursos de circunscrição pelo estigma. Na condição de sobreviventes e alvos, na demarcação de responsabilidades dos seus outros pela violência e pela desigualdade, a relação centro-periferia é estabelecida com novos sentidos para as divisões sociais.

Em “Fim de semana no parque”, a ênfase em articulações territoriais, raciais e socioeconômicas, que se inserem de formas distintas nas dinâmicas de segregação urbana, demarcam relações entre centro e periferia, a partir da alternância entre cenas cotidianas de diferentes espaços da cidade. Afirmando estar “a uma hora da minha quebrada”, observando “feliz e agitada toda playbozada”, Mano Brown descreve cenas urbanas na circulação e tensão entre espaços:

Olha só aquele clube que da hora/olha aquela quadra, olha aquele campo, olha/Olha quanta gente/Tem sorveteria, cinema, piscina quente/ Olha quanto boy, olha quanta mina/Afoga essa vaca dentro da piscina/[...] Olha só aquele clube que da hora/E o pretinho vendo tudo do lado de fora/Nem lembra do dinheiro que tem que levar/Do seu pai bem louco gritando dentro do bar/Nem lembra de ontem, de hoje e do futuro/ele apenas sonha através do muro.19

A periferia, onde “moram meus irmãos” e onde “a maioria por aqui se parece comigo”, é afirmada em suas condições adversas, no enfrentamento do perigo, da violência policial e da pobreza, e, simultaneamente, na dignidade e orgulho, onde tem “mais calor humano”, em contraste com a ostentação e o desperdício do centro.

O crime, por sua vez, já não podia ser explicado como geração espontânea da pobreza periférica. Ele surge de formas diversas, nem sempre com fronteiras bem definidas e contrariando a matriz dos sujeitos criminalizáveis. Uma primeira e recorrente forma de articulação é o contexto de exclusão do consumo e de desigualdades, inserido na relação centro-periferia:

No último natal Papai Noel escondeu um brinquedo/Prateado, brilhava no meio do mato/Um menininho de 10 anos achou o presente/Era de ferro com 12 balas no pente/E o fim de ano foi melhor pra muita gente/Eles também gostariam de ter bicicleta/De ver seu pai fazendo cooper tipo atleta/Gostam de ir ao parque e se divertir/E que alguém os ensinasse a dirigir/Mas eles só querem paz e mesmo assim é um sonho.

Mais do que contrastar as diferenças socioespaciais, os Racionais enfatizariam relações e circulações, em que periferia e centro não são compreendidos isoladamente. Ao confrontar o estigma do crime e da violência, chamam atenção para dinâmicas e outras agências. No mesmo disco, outra letra de ressonância, que mobilizava periferia, abordava outro aspecto silenciado da violência:

Abastecendo a playboyzada de farinha/Ficou famoso, virou notícia, rendeu dinheiro aos jornais/Há! Cartaz à polícia/vinte anos de idade, alcançou os primeiros lugares/Superestar do Notícias Populares/Uma semana depois chegou o crack/Gente rica por trás, diretoria/Aqui, periferia, miséria de sobra.20

A narrativa de “Homem na estrada” já vinha informada pela recorrência de discursos outros, que apontavam para a negação e a criminalização das populações das periferias, que constam em jornais quando o assunto é criminalidade. Ao mesmo tempo atentava para a dinâmica do crime, que envolvia gente rica, apontando responsabilidades de fora. Enquanto se faz dinheiro, na periferia haveria “miséria de sobra”. Essa relação dialógica que se dá como antagonismo em relação a outras falas faz com que a apropriação de periferia como categoria de identificação ocorra paralelamente a um enfrentamento para fornecer novos sentidos para um agrupamento social em construção.

Não seria um traço apenas das letras dos Racionais nem restrito a São Paulo. Um ano depois, GOG versava sobre as adversidades, enquanto criticava a cobertura da imprensa. Em “Brasília periferia”, violência, crime, drogas e prostituição compõem o cotidiano: “Estupros, assaltos, fatos corriqueiros/Desempregados se embriagam o dia inteiro/A boca mais famosa é um puteiro”. Mas não reduzia a eles os aspectos periféricos, como no discurso de outros que sempre ocultaria o que teriam de potência: “Na Gama, a fama é o drama sensacionalista/Jornais, revistas, segunda sai a próxima lista/Pânico na população/Mas esqueceram a escolinha de futebol do Bezerrão/do samba no salão que já é tradição/e de repente, nem tudo anda tão mal/Cursos de alfabetização no lixão da estrutural”.

Ao mencionar inúmeras quebradas do Distrito Federal sob uma condição periférica que as unia, GOG traçava descrições de enfrentamentos cotidianos com opressões, enquanto assinalava a necessidade de outras visões sobre um agrupamento formado em territórios descontínuos. Mais tarde e cada vez mais, seriam diferentes quebradas do país que se fariam presentes nas letras, enquanto os rappers de diferentes procedências também se articulavam em colaborações.

A articulação entre rappers de diferentes partes do Brasil é um capítulo importante do redimensionamento em curso e da potencialização da periferia a partir da referência a condições adversas compartilhadas. Em sua participação no disco do grupo paulistano RZO, GOG enfatizaria seu sentido transcendendo o local e articulando quebradas distantes:

todos irmãos de periferia, Brasília/Pirituba, dias de chuva tudo igual, caos total/lamaçal exclusivo/Descaso lá e cá, o explosivo/Pano no chão, vassoura, rodo, lodo, não dá/Lá sem cá, aqui sem lá, entenda o jogo/O Brasil é o todo, é, você não vê?/Então me diz porque os barracos da Estrutural/persistem em parecer com os da Marginal Tietê.21

As aproximações também seriam evidentes nas trocas com os Racionais. No rap “Dia a dia da periferia”, de GOG, os enfrentamentos cotidianos ganhavam contornos da condição do periférico como sobrevivente e a busca por emancipação através da consciência: “Mas fazer o que? Se a lei aqui é sobreviver/todo dia é mais um dia D/Será que um dia isso vai se inverter/Só se alguém se envolver - Deus nos ajude!”

Aqui, o papel do rap, como som periférico, é indicado para a percepção das desigualdades e de seus efeitos no cotidiano. “Considerado pela elite um som marginal”, o rap é posto por GOG como uma das próprias potências que emergem da sobrevivência: “Quanto mais nos matam, mais nossa raça procria/E todo esse mal, a gente assimila, transforma em poesia/Dia a dia da periferia”.

O próprio rap é compreendido como um esforço relacionado à “sobrevivência no inferno”.

Viajando na ideia do bom som nacional/Que aponta um ideal e nos qualifica/A entrar na ativa por uma paz coletiva/Descobrir a resposta para uma pá de perguntas/A princípio até absurdas/Como porque sobreviver num verdadeiro inferno/enquanto outros vivem em verdadeiros presépios (destaque meu).22

As ressonâncias do disco de GOG indicam as articulações translocais com que o hip-hop opera a construção de novos sentidos de periferia. Os Racionais MC’s fariam da ideia de sobreviver no inferno um componente da condição periférica, dando título a seu álbum seguinte e desdobrando-a. Constroem novas abordagens da violência e da criminalidade, revidando os discursos que colocam a periferia na condição de seus agentes. Além de contrapor, pela ênfase do periférico como sobrevivente e alvo, contra-ataca diretamente as responsabilidades que vêm de fora, do centro, da mídia e da playbozada. Retomando a frase de GOG no título do rap “Periferia é periferia em qualquer lugar”, reforçam:

Periferia é tudo igual/Todo mundo sente medo de sair de madrugada e tal/[...] É complicado, o vício tem dois lados/Depende disso ou daquilo, ou não, tá tudo errado/Eu não vou ficar do lado de ninguém porque:/Quem vende a droga pra quem/Vem pra cá de avião ou pelo porto, cais/Não conheço pobre dono de Aeroporto, mais/Fico triste por saber e ver/Que quem morre no dia a dia é igual a eu e a você.23

O crime não tem uma fronteira definida. A oposição não ocorre entre crime e lei, mas entre “quem morre todo dia” e “dono de aeroporto” e avião. Se o crime e a violência fazem parte do cotidiano periférico não é porque eles são engendrados pela periferia, mas porque é nela que se vivencia seus efeitos mais brutais, como a morte e a prisão que fazem parte de um dia a dia em que se busca sobreviver.

Sobrevivendo no inferno foi o disco de maior reverberação do rap no Brasil na década. Assume do início ao fim a articulação periférica, como potência e como urgência com que se busca denunciar o extermínio. A proximidade da morte, da prisão e do luto materno são parte da condição periférica. Dialogando com o texto bíblico, o disco traz seu “Gênesis”: “Deus fez o mar, as árvore, as criança, o amor/O homem me deu a favela, o crack, as arma, as bebida, as puta”. Na sequência, “Capítulo 4, versículo 3” iniciava com uma fala de abertura: “60% dos jovens de periferia sem antecedentes criminais já sofreram violência policial. A cada quatro pessoas mortas pela polícia, três são negras [...] A cada quatro horas, um jovem negro morre violentamente em São Paulo”.

Seja pela violência direta de agentes do Estado, sejam pelas condições impostas, sobreviver na periferia, sendo negro e pobre, como a maioria, é um eixo temático central que percorre o disco como um todo. A morte e o luto, sobretudo materno, são presenças carregadas, reiterando diversas vezes a ideia de que “quem morre todo dia é igual a eu e a você”. “Sem antecedentes criminais” ou com: “Olhe ao redor e me diga/o que melhorou? Da função quem sobrou?/Sei lá, muito velório rolou de lá pra cá/Qual a próxima mãe que vai chorar?”

São aspectos que sugerem a urgência de se encontrar uma “Fórmula mágica da paz”, título da música que antecede o “Salve” final do disco: “Eu parei em frente ao São Luiz do outro lado/E durante meia hora olhei um por um/E o que todas as senhoras tinham em comum/a roupa humilde, a pele escura/o rosto abatido pela vida dura/Colocando flores sobre a sepultura”.

Nessa proximidade com a morte, a luta pela sobrevivência não é a única maneira pela qual se caracteriza a experiência periférica, mas ela é a via de entrada para se pensar a presença do crime e da violência. Se estes são temas incontornáveis nas disputas de representação sobre a periferia, os sentidos de sua associação, recorrentes em outros meios, são invertidos em pelo menos duas direções: de um lado, como apontado, pela condição de sobrevivente. De outro, também porque as responsabilidades são redistribuídas, associadas aos seus outros e à relação centro-periferia, em condições em que as fronteiras entre o crime e a lei são turvas e tampouco correspondem às clivagens sociais.

Isso ocorre não apenas porque “gente rica por trás” e “donos de aeroporto” são lembrados, mas também porque suas causas são sistêmicas, produzidas nos fluxos centro-periferia, na tensão entre a pressão do mercado e do consumo e as barreiras impostas pela desigualdade e pela segregação.

Em “Capítulo 4, versículo 3”, de um lado, “o demônio fode tudo ao seu redor/Pela rádio, jornal, revista e outdoor/te oferece dinheiro, conversa com calma/contamina seu caráter, rouba sua alma/Depois te joga na merda sozinho”. De outro: “é foda assistir a propaganda e ver/não dá pra ter aquilo pra você”. A interpelação direcionada ao “centro”, chamando-o a responsabilidade, que pode ser verificada em diferentes letras, vem mais à frente de forma incisiva e direta:

Se eu fosse aquele moleque de toca/que pega e enfia o cano dentro da sua boca/[...] de quebrada sem roupa/você e sua mina/Um, dois, nem me viu/já sumi na neblina/Mas não, permaneço vivo, prossigo a mística/Vinte e sete anos contrariando a estatística/Seu comercial de TV não me engana/Eu não preciso de status nem fama/Seu carro e sua grana já não me seduz/E nem a sua puta de olhos azuis.

Ainda que não seja a única explicação para a criminalidade violenta em condições opressivas, a interpelação opera apontando o sentido relacional entre centro e periferia. Essa interpelação do outro e as tensões da desigualdade no consumo estariam presentes também no disco posterior do grupo. Em Nada como o dia após o outro dia (2002), onde o crime é tematizado em grande parte das faixas, o interlocutor de fora é com frequência convocado e, de forma mais explícita, apontado em sua agência: “Hei senhor de engenho, eu sei bem quem você é [...]/Cê disse o que era bom e as favela ouviu/Lá também tem uísque, Red Bull, tênis Nike e fuzil”.24

O universo do consumo tem suas dinâmicas excludentes, mas seus limites são forçados e já não podem mais ser exclusivos do centro. As suas exclusões não são os únicos explicadores das trajetórias criminais, mas também a constituem:

Hey, Doutor, seu Titanic afundou/quem ontem era a caça, hoje - pá! - é o predador/Que cansou de ser ingênuo, humilde e pacato/encapuchou, virou bandido e agora não deixa barato [...]/Quer jantar com cristal e talheres de prata/Comprar 20 pares de sapato e gravata/Possuir igual você, tem um Fokker 100/Tem também na garagem dois Mercedes-Benz/Voar de helicóptero à beira-mar/Armani e Hugo Boss no guarda-roupa pra variar/Presentear a mulher com brilhantes/Dar gargantilha 18 pra amante/Como agravante a ostentação/o que ele sonha até então, tá na tua mão/de desempregado a homem de negócio/pulou o muro, já era, agora é o novo sócio25

Novo sócio, o crime periférico já não pode ser compreendido como geração espontânea da periferia, dissociado dos fluxos com o centro e do mundo dos negócios. A violência e o crime, temáticas emergentes nos debates públicos, possuem uma leitura cada vez mais sistêmica. Demarcam pelas diferenças de seus efeitos e formas desiguais de associação com centro e periferia, parte importante, mas não exclusiva, do terreno dos conflitos simbólicos.

A interpretação do crime e da violência na periferia não é homogênea nos diferentes rappers. Mas sua dimensão sistêmica, que não pode ser compreendida por fatores autocentrados e circunscritos à periferia, é solo comum, parte de um confronto de representações que envolve a categoria e está longe de se esgotar nos Racionais.

O rapper Sabotage deu o seguinte depoimento:

Ou seja, a gente nasce do lado de uma Chácara Flora, de um Campo Belo, de um Brooklin, aí a gente passa necessidade, a gente vai vendo ao nosso redor as Limosine passando na avenida, os BMW, os Corola, cê tá entendendo? Aí você vai começando a fazer a mente, aí quando vai e pá... até se você não for um cara meio cabuloso, você acaba se perdendo no mundo do tráfico, da droga e do crime.26

Essa perspectiva parece informar uma de suas músicas mais conhecidas, ao tratar das motivações de uma trajetória tortuosa, que tenta se desvencilhar das armadilhas, mas recai nelas:

tumultuada está até demais a minha quebrada/tem um mano que vai levando, se criando sem falha [...] Mano cavernoso, um catador eficaz/com dezesseis já foi manchete de jornal, rapaz/respeitado lá no Brooklin de ponta a ponta/De várias broncas, mas de lucro, só leva fama/Hoje de Golf, amanhã Passat metálico/de Kawasaki Ninja, às vezes Sete Galo27

Ganho de respeito e aquisição de bens cada vez mais caros são buscas por encarar a invisibilidade, a segregação do consumo, as restrições impostas e as necessidades de sobrevivência, são partes da trajetória do catador eficaz. Ocorrem nos fluxos das desigualdades, em que periferia e centro se relacionam, mas em condições opostas.

O sentido de uma armadilha do sistema está também presente no primeiro álbum do rapper carioca MV Bill, naqueles anos o mais destacado dos vinculados ao hip-hop no Rio de Janeiro: “O inimigo usa terno e gravata/mas ao contrário a gente aqui é que se mata [...] Fazendo exatamente o que o sistema quer/saindo para roubar para botar Nike no pé!”.28 Em outra faixa conhecida, trata das motivações do eu-lírico: “Qualquer roupa agora eu posso comprar/[...] Um pelo poder, dois pela grana/tem muito cara que entrou pela fama”.29

Considerações finais

Sem considerar aqui as diferenças entre os rappers, a percepção de uma armadilha sistêmica ceifando vidas periféricas, com morte ou encarceramento, é parte constitutiva de um contradiscurso sobre a periferia violenta. São elementos de uma disputa de sentidos em torno de periferia e de sua inserção nas relações desiguais em uma sociedade marcada pelo signo da violência. Ao construir a demarcação de um recorte social, não o fazem isolando o periférico em fronteiras abissais, mas por sua inserção desigual nas relações, em que se vive um “cotidiano difícil”. Tomaram a categoria que já circulava em outros meios, alteraram seus significados e suas relações com o centro e a constituíram como uma coletividade com potencial de identificação.

A segregação socioespacial, os fluxos centro-periferia, a violência contra territórios majoritariamente negros e pobres e as disputas de representação aquecidas na situação conjuntural são aspectos fundamentais para se compreender as condições de emergência de afirmação da categoria. A sua condição de coletividade singular é reforçada pela interlocução entre rappers de diferentes quebradas, evidenciada pelos diálogos de suas próprias composições. Ao fazer esse trabalho, os rappers contribuíram para redimensionar periferia como mais do que um conjunto de territórios empobrecidos e separados do centro mais rico. Transformaram-na em um agrupamento social, matriz de leitura das divisões, tensões e conflitos da sociedade.

Os periféricos - que vivem em territórios majoritariamente negros e pobres - formam um agrupamento abrangente, plural, presente em lugares que têm suas singularidades e não podem ser vistos de forma homogênea. Mas ao se construir um agrupamento a partir de aspectos em comum que marcam os enfrentamentos cotidianos e sua inserção subalternizada nas dinâmicas urbanas, potencializou-se uma identificação coletiva e sua própria agência. Fornecendo novas referências, alterando os termos do discurso, os rappers intervieram no debate público sobre crime, violência, centro e periferia. Ao tomar parte nessa disputa, participam simultaneamente da construção de agrupamentos sociais fundamentais para se abordar os conflitos no Brasil nos anos finais do século XX e no início do século XXI.

Na condição de negros e pobres que compartilham territorialidades em comum, emerge um grupo social periférico, que em suas singularidades se bate com as exclusões de bens, a segregação racial urbana, sua estigmatização simbólica, a violência estatal e o extermínio sistêmico, afirmando uma potência da sobrevivência. Periferia já não era apenas um tipo de território marcado pela precariedade e pobreza. Tornava-se um grupo social, com subjetividades e experiências compartilhadas, passíveis de identificação por parte de parcelas da população.

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  • 1
    São as coletâneas Ousadia do rap (São Paulo, Kaskata’s Discos, 1987), O som das ruas (São Paulo, Epic, 1988), Hip-hop cultura de rua (São Paulo, El Dourado, 1988), Consciência Black, v. 1 (São Paulo, Boogie Naipe, 1989).
  • 2
    Na França, por exemplo, país europeu onde o hip-hop adquiriu mais força, banlieu seria um elemento importante de articulação (Cf. Hammou, 2012).
  • 3
    Racionais MC’s. EP Holocausto urbano (São Paulo, Zimbabwe 1990).
  • 4
    Racionais MC’s LP Raio X Brasil (São Paulo, Zimbabwe 1993).
  • 5
    Racionais MC’s. “Fim de semana no parque”. LP Raio X Brasil (São Paulo, Zimbabwe 1993).
  • 6
    Racionais MC’s. “Fórmula mágica da paz”. CD Sobrevivendo no inferno (São Paulo, Cosa Nostra, 1997).
  • 7
    Racionais MC’s. “Homem na estrada”. LP Raio X Brasil (São Paulo, Zimbabwe 1993).
  • 8
    GOG. LP Dia a dia da periferia (Brasília, Só Balanço, 1994).
  • 9
    RZO. LP Vida brasileira (São Paulo, MA Records, 1993).
  • 10
    RZO. CD Todos são manos (São Paulo, Cosa Nostra, 1999).
  • 11
    Por exemplo, nos versos de “Ria se puder”, sucedendo a introdução do disco Vida brasileira (1993) “Os ricos são felizes/nem vou dizer que são felizes/o pobre não é ninguém viu nem ouviu nenhum/em nenhum lugar viu nenhum/[...] Não dá pé ser pobre aqui no Brasil”.
  • 12
    RZO. “Um poder a mais”. CD Todos são manos (São Paulo, Cosa Nostra, 1999).
  • 13
    Música que dá nome ao álbum, RZO. CD Todos são manos (São Paulo, 1999).
  • 14
    A canção aborda a temática das rádios comunitárias e defende a valorização das músicas e da cultura próprias “da periferia”, RZO. “Rádio”. CD Todos são manos (São Paulo, Cosa Nostra, 1999).
  • 15
    RZO. “Real periferia”. CD Todos são manos (São Paulo, 1999).
  • 16
    SABOTAGE. CD Rap é compromisso (São Paulo, Cosa Nostra, 2000).
  • 17
    A esse respeito, Lúcio Kowarick (2009, p. 34) é assertivo: “no contexto da Grande São Paulo daquela época, os movimentos operário-sindicais e aqueles que se processaram em torno do acesso à terra, moradia e bens de consumo coletivo foram os que demonstraram maior vigor nas suas iniciativas”.
  • 18
    A noção é de Marshall Sahlins (1990), que acentua as transformações das categorias culturais, que são colocadas em risco na prática, tanto em relação aos eventos quanto pelos usos diferenciais dos agentes e grupos.
  • 19
    Racionais MC’s. “Fim de semana no parque”. LP Raio X Brasil (São Paulo, Zimbabwe 1993).
  • 20
    Racionais MC’s. “Homem na estrada”. LP Raio X Brasil (São Paulo, Zimbabwe, 1993).
  • 21
    RZO. “Assim que se fala”. CD Todos são manos (São Paulo, 1999).
  • 22
    GOG. “Dia a dia da periferia”. LP Dia a dia da periferia (Brasília, Só Balanço, 1994).
  • 23
    Racionais MC’s. CD Sobrevivendo no inferno (São Paulo Cosa Nostra, 1997).
  • 24
    Racionais MC’s. “Negro drama”. CD Nada como um dia após o outro dia (São Paulo, Cosa Nostra, 2002).
  • 25
    Racionais MC’s. “Otus 500”. CD Nada como um dia após o outro dia (São Paulo, Cosa Nostra, 2002).
  • 26
    Trecho do arquivo MTV Brasil, presente no documentário Sabotage - nós (Guilherme Xavier Ribeiro, 2013). 16 min. 17 s. - 17min. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=7c_r6L1ro5M&feature=emb_logo>. Acesso em: 7 nov. 2020.
  • 27
    SABOTAGE. “Rap é compromisso”. CD Rap é compromisso (São Paulo, Cosa Nostra, 2000).
  • 28
    MV BILL. “Traficando informações”. CD Traficando informações (Rio de Janeiro, Natasha, 1999).
  • 29
    MV BILL. “Soldado do morro”. CD Traficando informações (Rio de Janeiro, Natasha, 1999).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    27 Jul 2023
  • Aceito
    04 Set 2023
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