Open-access Concepções da equipe multiprofissional sobre a implementação dos cuidados paliativos na unidade de terapia intensiva

Perceptions of the multi-professional team on the implementation of palliative care in intensive care units

Resumos

Este estudo objetivou analisar as concepções da equipe multiprofissional sobre a implementação de cuidados paliativos em uma unidade de terapia intensiva adulto. Trata-se de uma pesquisa exploratório-descritiva, com abordagem qualitativa, realizada com 14 profissionais de saúde de um hospital público de ensino. Os dados foram coletados entre fevereiro e abril de 2012, através de entrevista semiestruturada e observação não participante e interpretados pela análise de conteúdo. Foram identificadas três categorias temáticas: Assistir o paciente terminal em UTI promovendo o conforto físico; Despreparo da equipe em lidar com o paciente terminal; e Desafios na prática dos cuidados paliativos no ambiente da terapia intensiva. Os entrevistados referiram conhecer parcialmente a proposta dos cuidados paliativos e na prática assistencial observam-se divergências nas condutas terapêuticas da equipe, demonstrando falta de interação e de comunicação entre os profissionais. Faz-se necessário a elaboração de uma política nacional que respalde o cuidado ao paciente crítico terminal, a educação permanente/continuada dos profissionais e a criação de protocolos assistenciais para promoção do conforto do paciente durante a fase final da vida e de sua família.

Cuidados paliativos; Doente terminal; Unidades de Terapia Intensiva; Equipe de assistência ao paciente


The scope of this paper was to analyze the perceptions of the multi-professional team on the implementation of palliative care in an adult intensive care unit. An exploratory-descriptive study using a qualitative approach was conducted with 14 health professionals from a public teaching hospital. The information was collected between February and April 2012, by means of semi-structured interviews and non-participatory observation interpreted using content analysis. Three thematic categories were identified: Care for terminal patients in an ICU fostering physical comfort; Lack of preparation of the team in dealing with terminal patients; and Challenges of palliative care practices in the intensive care environment. The interviewed parties reported having some knowledge of the proposal for palliative care though divergences were observed in the therapeutic conduct of the team in the care provided, demonstrating a lack of interaction and communication among the professionals. The drafting of a national policy to promote care for terminally ill patients is necessary, as well as ongoing training of professionals and the creation of care protocols for promoting the comfort of the patients and their families during the end of life phase.

Palliative care; Terminally ill patients; Intensive Care Units; Patient care team


ARTIGO ARTICLE

Concepções da equipe multiprofissional sobre a implementação dos cuidados paliativos na unidade de terapia intensiva

Perceptions of the multi-professional team on the implementation of palliative care in intensive care units

Ceci Figueredo da SilvaI; Dalila Melo SouzaI; Larissa Chaves PedreiraI; Manuela Ribeiro dos SantosI; Tássia Nery FaustinoII

IHospital da Cidade, Instituto Sócrates Guanaes. R. Saldanha Marinho 88, Caixa D'Água. 40.323-010 Salvador BA. ceciitaporan@yahoo.com.br

IIUniversidade do Estado da Bahia

RESUMO

Este estudo objetivou analisar as concepções da equipe multiprofissional sobre a implementação de cuidados paliativos em uma unidade de terapia intensiva adulto. Trata-se de uma pesquisa exploratório-descritiva, com abordagem qualitativa, realizada com 14 profissionais de saúde de um hospital público de ensino. Os dados foram coletados entre fevereiro e abril de 2012, através de entrevista semiestruturada e observação não participante e interpretados pela análise de conteúdo. Foram identificadas três categorias temáticas: Assistir o paciente terminal em UTI promovendo o conforto físico; Despreparo da equipe em lidar com o paciente terminal; e Desafios na prática dos cuidados paliativos no ambiente da terapia intensiva. Os entrevistados referiram conhecer parcialmente a proposta dos cuidados paliativos e na prática assistencial observam-se divergências nas condutas terapêuticas da equipe, demonstrando falta de interação e de comunicação entre os profissionais. Faz-se necessário a elaboração de uma política nacional que respalde o cuidado ao paciente crítico terminal, a educação permanente/continuada dos profissionais e a criação de protocolos assistenciais para promoção do conforto do paciente durante a fase final da vida e de sua família.

Palavras-chave: Cuidados paliativos, Doente terminal, Unidades de Terapia Intensiva, Equipe de assistência ao paciente

ABSTRACT

The scope of this paper was to analyze the perceptions of the multi-professional team on the implementation of palliative care in an adult intensive care unit. An exploratory-descriptive study using a qualitative approach was conducted with 14 health professionals from a public teaching hospital. The information was collected between February and April 2012, by means of semi-structured interviews and non-participatory observation interpreted using content analysis. Three thematic categories were identified: Care for terminal patients in an ICU fostering physical comfort; Lack of preparation of the team in dealing with terminal patients; and Challenges of palliative care practices in the intensive care environment. The interviewed parties reported having some knowledge of the proposal for palliative care though divergences were observed in the therapeutic conduct of the team in the care provided, demonstrating a lack of interaction and communication among the professionals. The drafting of a national policy to promote care for terminally ill patients is necessary, as well as ongoing training of professionals and the creation of care protocols for promoting the comfort of the patients and their families during the end of life phase

Key words: Palliative care, Terminally ill patients, Intensive Care Units, Patient care team

Introdução

O Cuidado Paliativo (CP) ou Paliativismo tem como finalidade prevenir e aliviar o sofrimento de pacientes com doença progressiva e irreversível, promovendo a qualidade de vida do indivíduo e de sua família1. Trata-se de uma abordagem terapêutica que envolve a equipe multidisciplinar adequadamente treinada, objetivando identificar e reduzir problemas nas esferas física, psicológica, espiritual e/ou social2.

A unidade de terapia intensiva (UTI) é um local em que a tecnologia é utilizada para salvar a vida ou melhorar o estado funcional do paciente3, consequentemente aumentando o controle sobre a morte e prolongando a existência do enfermo. Entretanto, quando se trata de pacientes terminais, há a imperiosa necessidade de se estabelecer limites entre a melhor qualidade possível de vida e o alongamento desta.

Associado a tal constatação, a UTI também é uma unidade onde a morte é comum. Estima-se que aproximadamente 20% dos pacientes, nos Estados Unidos, falecem nesse local3. Por conseguinte, se torna imprescindível proporcionar uma atenção específica e contínua ao enfermo e à sua família, evitando uma morte caótica e com grande sofrimento1-4.

Verifica-se então que é fundamental a consolidação do CP como uma filosofia de cuidado também no ambiente da UTI, justificada por ser um direito do indivíduo e dever da equipe de saúde oferecê-los. Em complementação, torna-se indispensável a implementação de um atendimento qualificado pela equipe multiprofissional1,2,4, através dos seus múltiplos olhares, objetivando assistir o paciente terminal em todas as dimensões, garantindo o seu bem estar e respeitando a sua dignidade.

Contudo, há uma escassez de publicações que avaliem o Paliativismo sob a ótica dos diferentes profissionais de saúde que assistem ao enfermo grave em fase final da vida. Grande parte dos estudos estão direcionados à divulgação da Filosofia do CP ou se restringem a trabalhos envolvendo uma classe profissional específica, se distanciando, por conseguinte, da proposta da integralidade no cuidado a esse perfil de paciente.

Face às considerações realizadas, este estudo teve como objetivo analisar as concepções da equipe multiprofissional sobre a implementação de cuidados paliativos em uma unidade de terapia intensiva adulto.

Metodologia

Trata-se de um estudo de campo, exploratório-descritivo, com abordagem qualitativa, realizado na unidade de terapia intensiva geral de um hospital de ensino de grande porte, da rede pública de saúde, situado em Salvador (BA). O locus da pesquisa dispõe de 22 leitos, atendendo a pacientes clínicos e cirúrgicos adultos.

Os participantes do estudo foram quatorze profissionais de saúde envolvidos diretamente no cuidado diário dos pacientes na terapia intensiva: seis enfermeiros (E), quatro fisioterapeutas (F), três médicos (M) e um nutricionista (N). Foram determinados como critérios de inclusão na investigação: atuar na assistência direta ao paciente; ser profissional do quadro fixo de funcionários da UTI ou ser residente em atividade de estágio/trabalho na unidade durante o período da coleta de dados. Excluíram-se da pesquisa: médicos assistentes dos pacientes internados na UTI e profissionais em período de férias ou em afastamento na fase em que os dados foram coletados.

A coleta ocorreu entre fevereiro e abril de 2012, através de entrevista semiestruturada e da técnica de observação não participante. As entrevistas foram gravadas em meio digital e guiadas por roteiro que incluiu a caracterização profissional da amostra e cinco questões relacionadas ao conhecimento e prática do CP. A técnica da observação não participante também seguiu roteiro pré-definido baseado na prática do Paliativismo e os dados foram sistematicamente registrados em diário de campo.

O processo de análise dos dados foi orientado pela análise de conteúdo5, através de três etapas: pré-análise; exploração do material; e tratamento dos resultados por inferência e interpretação.

Foram respeitados, em todas as fases da investigação, os aspectos éticos em pesquisa com seres humanos recomendados pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde6. O projeto foi submetido à avaliação de um Comitê de Ética em Pesquisa, sendo aprovado. Todos os sujeitos do estudo leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados e discussão

Partindo-se das ideias centrais da equipe multiprofissional sobre a implementação de cuidados paliativos na unidade de terapia intensiva, emergiram três categorias temáticas: Assistir o paciente terminal em UTI promovendo o conforto físico; Despreparo da equipe multiprofissional em lidar com o paciente crítico terminal; e Desafios na prática dos cuidados paliativos no ambiente da terapia intensiva.

Assistir o paciente terminal em UTI promovendo o conforto físico

O cuidado paliativo se apoia na visão da ortotanásia que se caracteriza pela morte em seu tempo natural, garantindo a dignidade do indivíduo e promovendo o seu bem estar, com a finalidade de produzir uma "boa morte"7. Por conseguinte, o investimento extenuante em esforços da equipe multiprofissional para salvar vidas e todo o aparato tecnológico envolvido no cuidado no ambiente da terapia intensiva são um paradoxo à abordagem paliativa, uma vez que esta traz a proposta de promover conforto ao enfermo, não necessitando de grandes recursos tecnológicos8.

A equipe entrevistada concorda que deverá existir um limite para a terapêutica plena, ou seja, haverá um momento em que não se convém mais um tratamento que objetive a cura.

[...] Eu acho que quando você define que já foi investido tudo, já fez uso de todos os antibióticos, já entrou em falência múltipla, já fez hemodiálise, porque às vezes já foi investido tudo naquele paciente, então eu acho que você chega naquela barreira do limite. Eu acho que deve ser respeitado, eu acho que realmente deve se parar aquele investimento, é uma opinião minha. (E06)

Na assistência ao paciente terminal, a importância de priorizar o conforto foi destacada pelos entrevistados, que enfatizaram o controle da dor.

Priorizar o conforto, mantendo o mais confortável possível, porque ele está em fase terminal. (F04)

Promover conforto do paciente até onde a equipe consegue ir, seja na parte de alívio de dor, sedação. (E14)

Manter os cuidados como os de conforto, tratamento da dor, cuidados com a família também. (N15)

Promover o alívio da dor e de outros sintomas desagradáveis é um dos princípios do Paliativismo1,9. A dor é o principal sintoma encontrado e o mais dramático. Contudo, os profissionais de saúde devem estar atentos aos outros sintomas, muitas vezes frequentes, que podem interferir na qualidade de vida do paciente crítico terminal e que passam despercebidos pela equipe, como a sede, dispneia, tosse, náuseas, vômito, obstipação, diarreia, fadiga, sudorese, prurido, delirium, ansiedade e depressão9,10. Escalas para avaliação de sintomas emocionais e físicos no paciente em fase final da vida já vêm sendo utilizadas na UTI10.

Observa-se, adicionalmente, que o cuidado aos familiares do paciente terminal foi pontualmente citado por apenas um sujeito entrevistado, não sendo ressaltado pela equipe como integrante da proposta dos cuidados paliativos, o que permite supor que a assistência multiprofissional não é estendida ao núcleo familiar. Sabe-se que a família é a célula de identidade do ser humano9, conhecendo, melhor do que a equipe, as necessidades, vontades e angústias, muitas vezes não verbalizados pelo enfermo.

Na abordagem paliativa, o foco do cuidado dos profissionais não é apenas o paciente e sua doença, mas se amplia para a sua família, que deverá ser assistida durante todo o processo de doença do indivíduo e no período de luto, construindo um novo enfrentamento da morte9,11.

Associado a tal constatação, ao serem questionados sobre as medidas de promoção do conforto implementadas ao paciente terminal, ficou explícito na fala dos entrevistados a mecanização da assistência e a ênfase nos cuidados higiênicos e estéticos, em detrimento da assistência psicológica, espiritual e social ao binômio indivíduo/família.

Realizar curativos, mudanças de decúbito, administração de medicações para analgesia, sedação se for necessário, e basicamente são esses cuidados mesmo, pra diminuir o sofrimento. (E01)

[...] deve ser assistido principalmente na parte estética da coisa, cuidados higiênicos, curativos [...] porém não em termos terapêuticos em investimentos de drogas, terapias dialíticas. (E13)

Ser dispensados cuidados de enfermagem como higiene, manter o indivíduo limpo com sua dignidade preservada. Pela equipe médica, evitar procedimentos que não tenha impacto sobre a qualidade da doença do indivíduo e sim priorizar sedação. (M12)

Em relação às definições de conforto presentes na literatura, percebe-se que o bem estar aparece como elemento comum e que este constructo apresenta variadas esferas, de natureza física, social, psicológica, espiritual e ambiental, adquirindo o significado de um estado e de um sentimento12. Apreende-se então que a multidimensionalidade do conforto apresenta consonância com a filosofia dos cuidados paliativos, que objetiva eliminar o sofrimento do paciente e família, promovendo o bem estar e uma morte tranquila.

Contudo, os entrevistados direcionaram a concepção de conforto exclusivamente à esfera física do indivíduo, o que pode ser atribuído à medicalização, à segmentação do corpo e o não entendimento do ser humano em seus meandros e integralidade13.

A enfermidade que ameaça a continuidade da vida costuma ocasionar perdas, com as quais o indivíduo acometido e sua família são obrigados a conviver, muitas vezes sem estarem preparados. Diante de tal situação, a equipe multiprofissional deve integrar os aspectos físicos, psicológicos, espirituais e sociais no cuidado ao paciente crítico terminal9-11,13,14.

Despreparo da equipe multiprofissional em lidar com o paciente crítico terminal

O grande obstáculo para o desenvolvimento dos cuidados paliativos na unidade de terapia intensiva é o despreparo da equipe multiprofissional em indicar a abordagem paliativa.

[...] existe sempre a discussão: é cuidados paliativos ou não? Tem um que pensa que sim, outro que chega e muda as medidas. A dificuldade é o próprio conhecimento da equipe nessa área. A dificuldade é a definição, chegar à conclusão de que o paciente é para cuidados paliativos. (E13)

[...] as equipes de terapia intensiva ainda não estão muito bem preparadas para vivenciar esse momento de quando vai investir pleno ou principalmente quando é que você deve parar de investir. Você pode ter dois membros bem preparados, mas tem sempre um ou outro que não concorda. Até saber o que é um suporte básico e o que é um investimento pleno. Então, eu acho que ainda falta um pouquinho mais de conhecimento das pessoas, de saber quem é aquele paciente que deve ter o suporte básico. Entender porque o suporte básico. (F08)

Na unidade do estudo, mesmo com a realização de discussões dos casos clínicos entre a equipe multidisciplinar, mediada pelo médico diarista, observou-se dificuldade em se atingir um consenso em relação à instituição dos cuidados paliativos.

Qualquer indivíduo, independente da idade, com diagnóstico de afecção em que a cura ou o restabelecimento torna-se impossível ou com enfermidade ameaçadora à vida é candidato ao paliativismo1-4,7. Por conseguinte, a irreversibilidade da doença deverá ser definida de forma consensual pela equipe médica, a partir de discussões com os demais profissionais de saúde que assistem o paciente, baseada em dados objetivos e subjetivos14.

O déficit de conhecimento da equipe médica e multiprofissional sobre o CP, a relutância dos profissionais em aceitar que não podem mais atuar em direção à cura, a impotência diante da inevitabilidade da morte e dilemas ético-legais envolvendo a temática são questões que influenciam a decisão dos profissionais em instituir a abordagem paliativa na unidade de terapia intensiva9.

Em relação às questões ético-legais, o Conselho Federal de Medicina Brasileiro, através da resolução 1805/200615, em vigor desde 2010, estabelece a possibilidade de o médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis, respeitando a vontade do paciente e do seu representante legal, respaldando, por conseguinte, a decisão médica na escolha pela filosofia de cuidado Paliativista.

Dentro desse contexto, a determinação pela implementação do CP deverá ser compartilhada pela equipe multiprofissional em consonância com o enfermo (se consciente), sua família ou seu representante legal, respeitando a autonomia do indivíduo e o princípio da não maleficência. Após consenso, os cuidados paliativos deverão ser registrados no prontuário do paciente7,14.

Em complementação às falas acima citadas, verificou-se, através da observação não participante, que mesmo nos casos em que a decisão pelo CP é consenso entre os envolvidos no processo, a ausência de registros em prontuário gera, a cada turno, uma nova conduta, de acordo com o médico plantonista do período. Dessa forma, a equipe que atende o paciente permanece sem saber exatamente como conduzir a sua assistência e, consequentemente, os cuidados que objetivam aliviar o sofrimento, não são executados, sendo substituídos pela obstinação terapêutica.

Face ao exposto, a adequada comunicação entre profissionais de saúde, paciente e família deverá ser priorizada, pois a má comunicação é uma das principais barreiras geradoras de conflitos na assistência ao paciente crítico terminal3,14.

Outra questão apreendida após análise dos discursos foi a dificuldade dos entrevistados em compreender a necessidade de suspender tratamentos fúteis. A equipe assistencial da UTI necessita ter um objetivo em seu trabalho: a garantia da manutenção da vida. Quando percebe-se que este resultado não será obtido, o profissional tende a afastar-se do paciente e da família16.

[...] o profissional intensivista ele tem o objetivo de estar sempre tentando salvar a vida do paciente, então ele não está preparado para lidar com o paciente em fase terminal, ele entende que está na UTI para tentar salvar a vida do paciente, para ele aquele paciente em cuidados paliativos é meio frustante, ele sempre acaba querendo fazer algo por aquele paciente. (E14)

[...] acho que é um paciente mais difícil de trabalhar. Como fisioterapeuta você quer trabalhar, quer reabilitar ele para a sociedade então até pra você se motivar e tratar ele já é diferente. Vai tratar pra quê? Mobilizar pra quê? Só visando esse conforto mesmo, mas o grande objetivo nosso que é melhorar, reabilitar para a sociedade, ter uma melhor qualidade de vida, ele não é alcançado. A gente foge do objetivo. (F04)

Na prática paliativa, ocorre uma alteração da priorização do controle da doença para a promoção da dignidade e do conforto na fase final da vida, contradizendo os cuidados tradicionais oferecidos no ambiente da terapia intensiva, utilizando recursos tecnológicos sofisticados para a manutenção das funções vitais7.

Em contraponto, a importância do cuidar sobrepondo ao curar, proposto pelo paliativismo, foi observado em algumas falas:

[...] acho que importante não é só salvar, não é um problema só salvar a vida, é o cuidar. O médico está aqui pra cuidar, se vai curar ou não, ninguém sabe. Então isso é que tem que estar na cabeça das pessoas, que a equipe está ali pra cuidar do paciente. Porque o curar não depende só do investimento, depende de você e do organismo do paciente. Então trabalhar na cabeça das pessoas que se precisa de uma equipe especializada, de palestras, de outros profissionais na equipe como presença constante do psicólogo que às vezes não tem, então tem algumas dificuldades. E assim, realmente mudar a visão dos profissionais. De que a gente está aqui não para curar, mas para cuidar. (M05)

O acolhimento da família, a proximidade do paciente com a equipe e o suporte bio-psico-sócio-espiritual constituem a base de atuação da equipe paliativista, sendo a comunicação uma ferramenta poderosa para o sucesso dos cuidados oferecidos. Neste modo de atuação, o sentido não está em salvar a vida biológica e sim salvar uma existência inteira em todas as suas dimensões, buscando sua plenitude como ser humano, mesmo que no final da vida16.

Observou-se também, em algumas falas, a ideia de que não há mais nada a se fazer pelo paciente sem possibilidades de cura.

[...] você tem que continuar fazendo tudo como você fazia antes. As pessoas sempre distorcem. Cuidado paliativo ok! Oh, aquele paciente não precisa fazer mais nada. Eu dou um banho, mas não troco o curativo, eu não faço nada. Se eu puder não trocar uma fixação, aliás, se eu puder não chegar perto, eu não chego. E não é assim, entendeu! (E10)

Em complementação ao referido discurso, durante a observação do atendimento prestado aos pacientes em situação de terminalidade na unidade crítica, foi evidenciado que esses indivíduos eram sempre os últimos a serem atendidos pelos profissionais. Fato que pode ser atribuído à priorização da assistência levando-se em consideração a gravidade e as possibilidades de cura dos outros pacientes.

Contudo, enquanto há vida existe a necessidade do cuidado. Sendo assim, a atuação da equipe multiprofissional é essencial e indispensável para proporcionar o máximo de bem estar ao paciente terminal, ajudando-o a vivenciar o processo da morte, para que utilize da melhor forma possível o tempo que lhe resta. Esta terapêutica não deve ser negada ao cliente4.

Desafios na prática dos cuidados paliativos no ambiente da terapia intensiva

Na UTI são frequentes os pacientes que já fizeram uso de inúmeras terapias, entretanto não evoluem com melhora, estando "fora de possibilidade terapêutica de cura" e, em decorrência, são prescritos os cuidados paliativos.

Reconhecer o momento em que um tratamento deve ser configurado como fútil, ou seja, saber quando aquela intervenção não atende ou não é coerente com os objetivos estabelecidos na terapêutica de um determinado doente, é uma complexa questão. Por conseguinte, definir que cuidados deverão ser mantidos e quais deverão ser suspensos na abordagem paliativista ainda é um desafio na UTI. A ausência de protocolos assistenciais dificulta a determinação dos cuidados a serem implementados.

[...] acho que primeiro deveria se estabelecer um protocolo de cuidados paliativos já que muitas pessoas se confundem de quais cuidados devem ser prestados para aquele paciente. Com relação a exames laboratoriais, alguns médicos solicitam [...] o que pode implicar em condutas médicas que não seria mais o caso daquele paciente. (E14)

Corroborando com a fala acima, durante a observação não participante, constatou-se que os profissionais de saúde possuem muitas dúvidas em relação à terapêutica a ser mantida nos pacientes em que os CP foram instituídos, tais como: desliga a droga vasoativa ou mantém não aumentando a vazão? Mantém a dieta ou não? Aumenta o fornecimento de oxigênio no ventilador caso haja queda de saturação? Confirmando então a importância da criação de protocolos específicos, inexistentes na unidade do estudo.

Durante o tratamento de um paciente terminal, a utilização do suporte artificial de vida (SAV) pode configurar tratamento fútil, tais como: terapia renal substitutiva, administração de aminas vasoativas, nutrição parenteral ou enteral, ventilação mecânica invasiva e reanimação cardiopulmonar. A limitação ou a retirada do SAV deve ser considerada nos casos em que tal suporte não acarreta benefícios para o enfermo, apenas prolongando o seu sofrimento na fase final da vida. Assim como na indicação dos cuidados paliativos, a identificação das medidas fúteis deverá ser determinada após consenso entre equipe, paciente e familiares7,14.

A implantação de protocolos de cuidados paliativos nos ambientes de terapia intensiva tem se tornado uma necessidade para a redução do sofrimento e para a melhora da qualidade do atendimento oferecido ao enfermo terminal, servindo de guia para a equipe multidisciplinar7,14.

Devido à natureza complexa, multidimensional e dinâmica da doença, o Paliativismo é uma abordagem terapêutica que requer, necessariamente, uma equipe multidisciplinar, incluindo várias especialidades médicas, enfermeiros, técnicos de enfermagem, fisioterapeutas, psicólogos, fonoaudiólogos, farmacêuticos, nutricionistas, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais e assistentes espirituais2,3,9,13,14.

Todos esses profissionais são importantes já que essa filosofia de cuidado objetiva eliminar ou reduzir os problemas associados à enfermidade, valorizando a multidimensionalidade do ser humano. Nesse contexto, é imprescindível a interatividade entre todos os envolvidos (paciente, família e equipe multiprofissional), através da escuta ativa e de uma adequada comunicação2,3.

Contudo, foi possível observar que os profissionais de saúde entrevistados compreendem a importância da família durante o processo de implementação da abordagem paliativa, entretanto deixam lacunas no acolhimento. A comunicação do quadro do paciente crítico terminal é prioritariamente realizada pelo médico e/ou psicólogo em horários específicos e breves através do "boletim diário". Devido a essa rotina, os demais profissionais, na maioria dos casos, evitam o diálogo com os familiares, entendendo que o esclarecimento de dúvidas deve ser realizado por apenas esses dois profissionais, até mesmo para evitar a duplicidade de informações.

A família, consequentemente, permanece muitas vezes sem entender o porquê de não investir em seu familiar e acaba optando pelo investimento pleno, mesmo quando não indicado. Quando opta pelo CP, fica muitas vezes sem a assistência necessária que deveria ser realizada por todos os profissionais da equipe.

O atendimento na Medicina Paliativa é centrado no binômio paciente/família, em que os cuidados dispensados ao núcleo familiar são parte da assistência prestada ao enfermo crítico terminal. Os referidos cuidados devem basear-se nos valores, objetivos e necessidades do paciente e de seus familiares, incluindo o entendimento sobre a doença, o prognóstico e as opções de tratamento, buscando compreender as suas expectativas e identificar as suas preferências para o tratamento17. Estudos têm evidenciado que as famílias mostram-se satisfeitas quando sentem-se acolhidas pela equipe e que a morbidade psicológica dos familiares tem reduzido significamente quando os profissionais de saúde disponibilizam tempo para escuta e apoiam as suas emoções, durante o processo de morrer do seu ente querido na UTI18.

Na presente investigação, observou-se também que a articulação entre os profissionais de saúde envolvidos na assistência ainda é muito frágil. Estes resultados convergem aos que foram encontrados por Peduzzi19 que observou a predominância da abordagem estritamente técnica na relação entre os profissionais de saúde. A atividade de cada área profissional é apreendida como conjunto de atribuições, tarefas ou atividades no qual a associação dos trabalhos especializados não é problematizada. Essa prática segmentada que aparece no processo de trabalho interprofissional das equipes vem colidir com a possibilidade da integralidade na proposta do CP20.

Considerações finais

Pudemos evidenciar, nas concepções dos profissionais de saúde, que os CP estão direcionados à promoção do conforto físico do enfermo crítico terminal e que a assistência ao núcleo familiar, como proposta do Paliativismo, não tem sido efetuada pela equipe. Alguns dos entrevistados referiram não ter motivação quando cuidam do indivíduo na fase final da vida, tendo em vista que foram formados necessariamente para tratar, reabilitar e curar. Esse é um grande impasse que necessita ser reconhecido pelas instituições formadoras e empregadoras, de forma a alterar o foco da assistência ao cuidado multidimensional.

A falta de adequada comunicação entre a equipe, com ausência de registros em prontuário e opiniões divergentes em relação à paliação, foi visualizada como um obstáculo no desenvolvimento dos CP na UTI.

Devido à ausência de protocolos, escassez de conhecimento sobre a temática e sobre os aspectos ético-legais envolvidos, a equipe encontra dificuldade em indicar a abordagem Paliativista e determinar os cuidados a serem efetuados.

Face aos resultados da pesquisa, torna-se imperiosa a necessidade de elaboração de uma política nacional que respalde o cuidado ao paciente crítico em CP, com a ampliação das discussões sobre a temática no cenário da medicina intensiva, envolvendo o paciente/família/equipe e a promoção da educação continuada/permanente dos profissionais intensivistas sobre integralidade, comunicação e terminalidade. A criação de protocolos assistenciais contribuirá para direcionar os cuidados a serem executados, buscando dirimir o sofrimento do paciente em fase terminal e de sua família, promovendo uma morte digna e tranquila.

Colaboradores

CF Silva, DM Souza, LC Pedreira, MR Santos e TN Faustino participaram igualmente de todas as etapas de elaboração do artigo.

Artigo apresentado em 30/04/2013

Aprovado em 22/05/2013

Versão final apresentada em 22/05/2013

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    Set 2013

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2013
  • Aceito
    22 Maio 2013
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