Resumo
Faz-se uma reflexão sobre a experiência de 17 anos de produção de periódico científico de natureza interdisciplinar, a revista “Interface: Comunicação, Saúde, Educação,” que tem como escopo os campos da Saúde Coletiva, da Educação e da Comunicação. Examina-se, também, retrospectivamente os temas publicados pelo periódico, buscando-se reconhecê-los nas diferentes seções desta publicação. Por fim, analisa-se o periódico em sua evolução.
Palavras-chave Saúde coletiva; Comunicação científica; Ciências sociais e humanas em saúde; Formação de profissionais de saúde
Abstract
This is a reflection upon 17 years of experience in the production of an interdisciplinary scientific journal, the publication “Interface: Communication, Health, Education,” whose scope is in the fields of Collective (Public) Health, Education and Communication. It also examines retrospectively the themes published by the journal, seeking to identify them in different sections of this publication. Finally, the evolution of the journal is analyzed.
Key words Public Health; Scientific communication; Social and human sciences in health; Health professional education
Um pouco de história
[…] No atual momento de transição e crise, em que o pensamento científico liberta-se das certezas, Interface nasce comprometida com o diálogo, propondo um espaço plural que assegure a comunicação entre o que é diverso sem perder a perspectiva de um projeto de organização, construção e difusão do conhecimento. Surge como um objeto-fronteira, socializando estudos, debates e experiências concretas de diferentes perspectivas, motivada pela preocupação de contribuir para a problematização e compreensão dos processos pedagógicos e comunicacionais que envolvem o campo da Saúde e constituem, de modo mais amplo, o cotidiano da universidade e dos serviços de saúde1.
O presente texto traz uma reflexão sobre a experiência de criação e produção da Interface – Comunicação, Saúde, Educação, periódico científico gestado em caráter preparatório desde 1996, um ano antes de circular pela primeira vez, em agosto de 1997. Neste manuscrito fazemos também uma breve consideração sobre o que publicamos ao longo destes 17 anos de circulação regular, como mídia impressa e eletrônica. Como escrevemos à época, na apresentação do segundo fascículo: “uma publicação é sempre uma certa proposta de intervenção no ‘espaço público’: gera e regenera esse ‘espaço’, a sua permanente e constitutiva mobilidade”2. Assim, no olhar retrospectivo que aqui empreendemos ao examinarmos as questões e temas tratados, o que vemos são as “imagens” do movimento das questões e do pensamento nos campos de seu escopo: a Saúde Coletiva em sua articulação com a Filosofia, as Ciências Sociais e Humanas, a Educação, a Comunicação e as Artes nas práticas de saúde e de formação de profissionais de saúde.
Interface foi concebida por um grupo interdisciplinar de estudos do tema da Educação e da Comunicação no campo da Saúde, no interior do Projeto UNI, financiado pela Fundação Kellogg, que selecionou Botucatu como um dos locais para desenvolvimento deste programa na América Latina, a partir de parceria da Faculdade de Medicina de Botucatu (Unesp), Prefeitura Municipal de Botucatu e de organizações comunitárias locais. Assim, Interface foi fruto daquele momento de intensa criação e experimentação em torno de projetos de integração entre a universidade, a comunidade e os serviços de saúde, na formação na graduação médica, mas também na pós-graduação em Saúde, envolvendo outras profissões desta área3.
No debate mais ampliado, que se deu no âmbito do Projeto Uni, considerou-se importante a produção de um periódico com as características que a revista Interface assumiu, dado não haver periódico científico nacional e latino-americano que trabalhasse com a temática referida, desde que um dos periódicos de destaque, à época, a revista da Organização Pan-Americana de Saúde Educación Médica y Salud deixou de circular. Assim, após um ano de intenso trabalho, algumas oficinas e muita discussão, o primeiro fascículo de Interface foi lançado no V Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, em agosto de 1997, com boa recepção do campo.
A revista inovou ao introduzir outras linguagens em uma de suas seções – Criação –, abrindo espaço para a publicação de “textos de reflexão com maior liberdade formal, com ênfase em linguagem iconográfica, poética, literária etc.”4. Ao mesmo tempo, as artes (especialmente as artes plásticas) fizeram parte do projeto da revista desde o primeiro número, enquanto um esforço permanente de diálogo gráfico-textual com sua interdisciplinaridade: Comunicação, Saúde, Educação. A seleção de expressões artísticas, ademais, também buscou dialogar com o conteúdo dos próprios textos, na concepção editorial de cada fascículo de Interface. Considerava-se que só a linguagem científica não seria suficiente para reconhecer a complexidade das questões postas neste projeto editorial, que deveria se orientar também pelo modo de produção de conhecimento baseado na sensibilidade própria às Artes, pois como escreveu Fernando Pessoa, “toda a arte se baseia na sensibilidade, e essencialmente na sensibilidade”5.
A presença, na equipe que concebeu a revista Interface, de Maria Lúcia Torrales Pereira – arte -educadora e pesquisadora das artes –, e Ricardo Rodrigues Teixeira – médico sanitarista estudioso das interfaces entre saúde coletiva, comunicação e filosofia –, foi decisiva para a proposta desta Seção, que de 2009 a 2014 teve como editora Mariângela Quarentei – terapeuta ocupacional e artista, dedicada às questões dos atravessamentos entre processos de criação e a produção de saúde.
É importante ressaltar que desde o início a equipe editorial da revista assumiu o permanente desafio de buscar novas interfaces, procurando implicações entre diferentes discursos, trazendo relações entre texto e texto, texto e imagem, imagem e imagem, numa concepção de conhecimento não linear, hipertextual, levando em conta os avanços tecnológicos. Nesse sentido, o projeto da revista contou, desde as primeiras edições, com uma versão eletrônica.
Quando da publicação do primeiro fascículo da revista, o projeto Uni já havia se transformado em Fundação UNI e a revista foi lançada como uma publicação desta Fundação. A partir do segundo fascículo, a equipe envolvida ficou melhor caracterizada como uma parceria entre a Coordenadoria de Comunicação da Fundação UNI e as disciplinas pedagógicas de Pós-Graduação da Faculdade de Medicina de Botucatu, Unesp.
Embora esta configuração formal de sua institucionalidade tenha se modificado ao longo desses 17 anos, a revista teve pequena alteração de seus editores e equipe, de natureza interdisciplinar e interinstitucional, o que foi importante para o progressivo amadurecimento da equipe e fortalecimento do periódico.
Seu escopo passou a ser detalhado em seu expediente, em 2002, a partir do décimo fascículo, orientada à “articulação das Ciências da Saúde com as Humanidades, especialmente com a comunicação, a Educação e a formação universitária”.
Em 2004, a revista estrutura-se numa parceria entre a Unesp (por meio do Laboratório de Educação e Comunicação em Saúde, Departamento de Saúde Pública, Faculdade de Medicina de Botucatu e Departamento de Educação, Instituto de Biociências de Botucatu) e a Fundação UNI.
Em 2005, ao completar seu oitavo ano de circulação, Interface foi selecionada para integrar a Biblioteca SciELO Brasil, o que representou um enorme impacto no volume de submissões (Figura 1) e exigiu uma progressiva reorganização interna da revista, para fazer frente aos novos desafios. A evolução das submissões nos anos seguintes, com um crescimento de cerca de 500% em apenas três anos, fez de Interface um bom exemplo da relevância do acesso aberto no “aumente[o] da visibilidade” e no “uso e impacto dos periódicos indexados,” um dos objetivos iniciais do SciELO6.
Este crescimento das submissões e, consequentemente, de artigos aprovados, demandou uma ampliação da periodicidade da revista para quadrimestral, em 2007, e trimestral, em 2008. Neste ano, Interface passou a utilizar-se de sistema de submissão e gerenciamento editorial online (SciELO Submission), que agilizou o fluxo e os procedimentos de julgamento de mérito e de edição de cada processo, com redução de custos de gestão. Na recente mudança para outro sistema de gestão editorial (ScholarOne Manuscripts) buscou-se funcionalidades, dentre outras, que permitissem melhorar a busca e avaliação dos revisores ad hoc7, um dos maiores desafios dos periódicos científicos brasileiros atualmente: receber um parecer de qualidade e em tempo hábil8.
Em 2009, em função de reorientação das finalidades da Fundação UNI, a revista passou a ser uma publicação apenas da Unesp, por meio do já citado Laboratório de Educação e Comunicação em Saúde.
Com base em análise da temática das submissões recebidas e dos artigos aprovados e da necessidade de mais bem definir o escopo do periódico para uma melhor visibilidade e delimitação de seu público leitor e colaborador, a partir de 2010, a revista passou a ser caracterizada como: “dirigida para a Educação e a Comunicação nas práticas de saúde, a formação de profissionais de saúde (universitária e continuada) e a Saúde Coletiva em sua articulação com a Filosofia, as Ciências Sociais e Humanas.” Assim, seu campo deixou de cobrir as Ciências da Saúde e passou a delimitarse à Saúde Coletiva, destacando-se a preferência por pesquisas de natureza qualitativa.
Com vistas a aprimorar o processo de gestão editorial e melhorar a qualidade da avaliação do mérito científico, em 2011, introduziu-se uma etapa de pré-avaliação, realizada pelos editores e editores de área, tendo como critérios de julgamento do manuscrito: a sua adequação ao escopo da revista e aos requisitos mínimos de um artigo científico, a relevância e originalidade de sua temática e abordagem teórico-metodológica adotada. Esta também permitiu reduzir o volume de artigos em avaliação por pares e o tempo entre submissão e publicação dos artigos, imprimindo uma maior velocidade ao julgamento de mérito científico; e, ainda, assegurar uma rápida resposta aos autores de artigos rejeitados, que representam, nesta etapa, mais de 50% dos artigos submetidos.
Com a mesma finalidade de reduzir o tempo entre a submissão e a publicação dos artigos, foi introduzida, em 2011, a pré-publicação (ahead of print) dos manuscritos já aprovados na biblioteca SciELO, possibilitando uma rápida difusão dos trabalhos junto à comunidade científica, já com a atribuição de um número doi, permitindo, assim, o imediato e correto registro das citações recebidas.
Até final de 2012, Interface manteve a publicação impressa e eletrônica de seus fascículos, quando decidimos encerrar a publicação em sua versão impressa em papel, a partir do fascículo n° 44 (janeiro-março, 2013), disponibilizando apenas a versão em formato digital. Esta deliberação foi fruto do reconhecimento da tendência atual dos periódicos científicos pela adoção de versão eletrônica, assim como da premente necessidade de reduzir custos. Mas, também se reconheceu que o prejuízo aos leitores seria pequeno, em função das nítidas mudanças no modo como a comunidade científica atualmente se relaciona com os periódicos científicos: mais diretamente na pesquisa de artigos, por meio dos mecanismos de busca e das bases de dados, em detrimento das visitas regulares à biblioteca, para consulta aos periódicos da semana, como se fazia no passado não tão distante. Contudo, para uma revista que nasceu sob o signo do diálogo gráfico-textual, na qual as artes plásticas permanecem ocupando um lugar proeminente no seu projeto, não se pode dizer que essa mudança tenha sido sem algum prejuízo, por mais que esse cuidado continue presente na versão em formato digital.
Interface: um projeto em movimento
Na verdade, nenhum pensador, como nenhum cientista, elaborou seu pensamento ou sistematizou seu saber científico sem ter sido problematizado, desafiado. Embora isto não signifique que todo homem desafiado se torne filósofo ou cientista, significa que o desafio é fundamental à construção do saber9.
Em agosto de 1997, Interface – comunicação, Saúde, Educação trazia as palavras de Paulo Freire, reproduzidas acima, para apresentar seu primeiro fascículo. Nessa citação, a marca da problematização e do desafio que nos acompanham desde a criação da revista.
Revendo aquela primeira apresentação e, ao mesmo tempo, fazendo uma autocrítica do processo de evolução pelo qual o periódico passou desde a sua criação, é possível afirmar que Interface consolidou a ideia inicial de um projeto em movimento, inspirado em Pierre Lévy e Ítalo Calvino. “O primeiro, trazendo-nos a metáfora do hipertexto, do conhecimento como construção de relações e apreensão de significados, numa rede heterogênea, acêntrica e em permanente metamorfose. Calvino, propondo-nos a leveza, a rapidez, a exatidão, a visibilidade, a multiplicidade e a consistência, como valores universais a desafiar as formas de comunicação do próximo milênio, ao mesmo tempo em que reforça a ideia de rede e do conhecimento como enciclopédia aberta e acena para a necessidade de uma outra forma de conhecimento, esta marcada por uma racionalidade mais plural, por um discurso mais literário e, sobretudo, pela certeza de que não estamos pessoalmente separados daquilo que estudamos”1.
Mantendo o foco temático na problemática da educação e da comunicação nas práticas de saúde e nas questões da formação e do ensino na universidade, a revista vem sempre buscando novas articulações discursivas. Os trabalhos que integram os diferentes fascículos de Interface expressam essas articulações.
Focalizando especificamente o caráter interdisciplinar de Interface, é importante analisar comparativamente o periódico segundo seus diferentes campos de interesse.
O Brasil desenvolveu entre os campos da Saúde Coletiva e da Educação uma área interdisciplinar que pode ser chamada de Educação na Saúde. A Interface é um periódico com tal interdisciplinaridade em seu escopo e um dos poucos periódicos dedicados ao tema da educação dos profissionais de saúde sem filiação a profissões ou disciplinas do conhecimento, o que tem uma importância considerável já que diversas profissões da saúde não possuem um veículo de difusão da reflexão sobre a docência e a aprendizagem na sua área. Neste sentido, e dado o volume expressivo de submissões, Interface tem priorizado para publicação os manuscritos com tal perfil de interdisciplinaridade.
Além da temática da formação em saúde, Interface destaca-se hoje como um periódico do campo da Saúde Coletiva e é referência em uma das áreas que compõem este campo interdisciplinar: as Ciências Sociais e Humanas em Saúde, tendo incluído também a articulação da Saúde Coletiva com a Filosofia.
O projeto da revista conta, como já referido, desde as primeiras edições, com uma versão eletrônica, disponível inicialmente em sua própria página na internet <www.interface.org.br>, e, desde 2004, também na base SciELO Brasil. Em 2012, o website da Interface <www.interface.org.br> foi totalmente reformulado, ganhando novo design e funcionalidades, permitindo acesso online nas três línguas nas quais Interface aceita submissões: português, inglês e espanhol. Ao mesmo tempo, passou a incluir a versão fac-símile à impressa de cada fascículo publicado, permitindo a leitura diretamente na tela ou mediante download e uso em diferentes mídias, além de preservar o sentido do cuidado com o projeto gráfico-textual da revista.
Embora a coleção completa da revista já estivesse presente no seu website e na base SciELO, com o seu conteúdo em html ou pdf, esta não permitia ao leitor o acesso às capas, às redes semânticas (presentes em todos os fascículos e que incluem os temas abordados em cada fascículo) e imagens, presentes apenas na versão impressa. Além deste conteúdo, é possível navegar em algumas seções da revista – Dossiê, Debates, Entrevistas e Criação – explorando o que foi publicado ao longo de toda a coleção. Com este novo website, Interface integra em sua página na internet o acesso às mídias sociais (Facebook, Twitter e seu blog), reconhecendo a relevância dessas mídias na difusão do conhecimento científico10.
Nas últimas décadas, em função das constantes e rápidas mudanças nas tecnologias de informação e comunicação, um dos desafios crescentes aos periódicos científicos, é o de atualizar-se no campo da comunicação científica, setor dominado por grandes corporações e publishers internacionais. Essa necessária atualização teve impactos sobre o projeto editorial: se levou a avanços numa perspectiva científica mais convencional, garantido à Interface sua permanência, e com boa avaliação de desempenho, nesse contexto marcado pelo estímulo à produtividade e à internacionalização, também produziu perdas em termos da ousadia original na interdisciplinaridade e nas linguagens pretendidas, sobretudo em termos do diálogo das Ciências com as Artes. No entanto, se durante um bom tempo a seção Criação se fazia mediante busca ativa de colaboradores e produções, atualmente vem recebendo contribuições por meio de submissões espontâneas, as outras seções têm acolhido cada vez mais manuscritos que trabalham a articulação Arte- Saúde.
Este processo de migração do “papel” para o “digital” tem requerido um grande esforço de atualização também da equipe editorial, e repõe um desafio que não é novo, o da profissionalização desta equipe, mediante a incorporação de diferentes profissionais, dentre os quais destacam-se aqueles com expertise no jornalismo científico, para que as mídias sociais tenham a devida efetividade. Alcançar a profissionalização dos periódicos científicos, e deste em particular, tem mostrado os limites do financiamento público no Brasil para a difusão do conhecimento produzido pela comunidade científica.
Saúde coletiva, educação e comunicação: um olhar sobre a interface
Em seus 17 anos de existência, Interface publicou 757 artigos, que se distribuem nos três campos principais de seu escopo interdisciplinar - Comunicação, Saúde (Coletiva) e Educação -, respectivamente, com cerca de 9,5%, 48,3% e 42,2% do total, com expressiva articulação entre eles.
Na esfera da Comunicação, os temas mais frequentes, identificados pelas palavras-chaves, representando 4,2% do total, são: comunicação e seus meios; relação médico-paciente; tecnologia de informação e comunicação; redes; internet; mídias; narrativas e arte.
A Saúde Coletiva apresentou como temas mais relevantes, compondo 20,3% do total: Saú-de da mulher, saúde do homem, saúde da criança, saúde do idoso e envelhecimento; Saúde da Família; promoção de saúde; saúde mental; Sistema Único de Saúde; Humanização da atenção; Cuidado; Atenção primária à saúde; Saúde Pública; Serviços de saúde; Gestão em saúde; Trabalho em saúde; Práticas profissionais; Educação popular em saúde; Gênero; Violência, incluindo violência doméstica, da mulher, sexual; Integralidade e políticas públicas.
No campo da Educação, destacam-se os seguintes temas: Educação e seus modelos teóricos; Educação em saúde; Educação das profissões da área da saúde e, em particular, a educação médica; Educação à distância; Educação permanente e continuada; Formação em saúde; Currículo; Avaliação; Aprendizagem, incluindo problematização, aprendizagem baseada em problemas e aprendizagem significativa; Competências; Docência; Capacitação docente; Ensino superior e universidade, que apresentaram 15,24% das palavraschave dos manuscritos.
As Seções
Debates
A revista Interface, tal como outros periódicos científicos, mantem uma seção Debates, desde seu início, com o objetivo de apresentar temas controversos e que suscitam discussões no campo. A seção passou de um formato inicial com diferentes autores tratando de um mesmo tema para o atual, no qual um texto principal é comentado por três outros pesquisadores, seguindo-se uma réplica do autor que abriu o debate. Essa seção contou com a participação de jovens pesquisadores em áreas específicas do conhecimento, mas também de autores consagrados e de larga experiência no campo, identificados como os próprios construtores da Saúde Coletiva no país. Em seu conjunto os colaboradores dessa seção são pesquisadores das diferentes subáreas da Saúde Coletiva, como a Política, o Planejamento e a Gestão, ou a Epidemiologia e as Ciências Sociais e Humanas em Saúde, e ainda importantes autores internacionais, estes, sobretudo, ligados à temática da Educação e Saúde, seja como questão do ensino universitário, seja como formação de recursos humanos para os sistemas de saúde.
Além disso, pode-se observar que a revista deu voz a atores de distintas instituições, apresentando-se os oriundos das Escolas de Saúde Pública, de Medicina, de Enfermagem, da Odontologia, da Psicologia, da Comunicação, da Educação e das Ciências Sociais. Autores estrangeiros, ainda que em número bem mais restrito, estão representados pelos originários da Argentina, Canadá, Chile, Espanha, Itália, Venezuela.
Quanto aos temas abordados, um exame, ainda que breve, indica-nos de imediato a preocupação interdisciplinar, já dada pela formulação da revista ao constituir-se como uma interface entre três campos distintos do conhecimento – a Educação, a Saúde e a Comunicação. No interior desses campos, a revista mostrou preocupação em trazer a público tanto temas recém instaurados como polêmicos, incluindo debates mais conjunturais, quanto temas clássicos, sobretudo nos casos da Saúde Coletiva e da Educação. Assim, vemos conviver o debate sobre a Estratégia Saúde da Família, ou questões sobre o trabalho do agente comunitário, com o debate acerca da Educação Popular ou da inter/transdisciplinaridade, temas de raiz.
É possível observar ainda que a revista amplia-se para as reflexões de caráter filosófico, igualmente nesses temas. Essa é uma questão interessante de se destacar, pois o próprio campo da Saúde Coletiva, e mais tradicionalmente ainda o campo da Educação, já apresentam uma reflexão crítica do ponto de vista filosófico acerca de suas questões internas, seja na pesquisa, seja na prática profissional. Nesse sentido, ter aberto espaço para essa reflexão mostrou-se produtivo, pois embora a vertente filosófica na Saúde Coletiva tenha algum acúmulo, em contraste com sua presença já tradicional na Educação, poucos são os espaços de publicação que buscam estimular mais ativamente esse tipo de produção. Em temas como Violência, Cuidado, Humanização, vemos uma perspectiva filosófica que se entrecruza com as vertentes mais tradicionais do conhecimento humanístico, representadas pela forte presença bem mais estruturada no campo das Ciências Sociais, em temas ora mais voltados ao cultural, ora à organização social das práticas em Saúde.
Por fim, cabe ainda destacar o fato de que, pela própria interface em que o periódico se colocou, há em sua produção o debate entre questões da Saúde Coletiva e questões da Medicina, o que não se restringe, tal como à primeira vista se poderia pensar, ao âmbito das questões educacionais. Nelas, é claro, inscreve-se a inserção da própria formação de médicos em conteúdos da Saú-de Coletiva, em particular os de Ciências Sociais e de Políticas de Saúde ou Planejamento, Gestão ou Avaliação. Esses conteúdos lhes são, via de regra, estranhos ou, no mínimo, inesperados. O debate acerca das Humanidades no ensino médico faculta essa inscrição. Não obstante, a discussão entre os distintos olhares que compõem a Medicina e a Saúde Coletiva não se esgota na questão educacional. Ela é trazida para o interior das práticas assistenciais, pelo tema da Humanização e dos debates em torno à prática do médico, em especial, na relação com o paciente. Assim, se ao leitor pode ter parecido ousado um debate sobre a Medicina Baseada em Evidências, já em 2002, certamente essa estranheza foi melhor compreendida pela extensa pauta dos anos mais recentes em torno às questões da Humanização.
Espaço Aberto
Se ao menos três explícitos princípios marcaram a linha editorial e a construção da revista desde seu início - a interdisciplinaridade, a valorização da pesquisa qualitativa e a preocupação em oferecer espaço próprio às experiências da pesquisa ou das práticas profissionais - este último aspecto é o que define a seção Espaço Aberto. Nas palavras oficiais da revista, esse espaço abriga “notas preliminares de pesquisa, textos polêmicos atuais, relatos de experiência ou informações relevantes veiculadas em meio eletrônico”.
Assim, a revista, sem perder de vista seu necessário caráter de periódico científico, pretendeu inovar e articular os relatos de experiências, de um lado, com as publicações de artigos em linguagem científica, e, de outro, com as publicações mais livres em sua forma e mais aberta às artes em geral, com a seção de Criação. Espaço aberto transita entre esses polos.
Os autores aqui estão filiados sobretudo a instituições acadêmicas, e em sua quase totalidade são brasileiros.
Entre os temas tratados, nota-se o claro predomínio da Saúde Coletiva, cabendo ao campo da Educação 25% da produção registrada, e cerca de 10% à Comunicação. Note-se que na própria Saúde Coletiva há temas que dizem respeito a questões educacionais, mas neste caso inscritas nas práticas assistenciais em saúde.
No interior da Saúde Coletiva, porém, há grande diversidade temática, desde as reflexões acerca da metodologia qualitativa de pesquisa aos ensaios sobre a relação entre a literatura e a saúde, ou a arte fotográfica e a saúde. Chama a atenção o fato de que cerca de 10% da produção volte-se em particular para os temas da humanização.
No conjunto da produção, seja pela linguagem, seja pelos temas tratados, Espaço Aberto cumpriu seus objetivos e vem representando uma importante modalidade articuladora entre a experiência e o conhecimento científico.
Criação
Desde o primeiro número da Interface, a seção de Criação vem abrindo espaço para publicações que exploram as fronteiras dos textos acadêmicos, experimentando outras linguagens, sem perder a qualidade e a profundidade da reflexão.
Esta seção está articulada ao projeto gráfico da revista, realizado de forma cuidadosa e em diálogo com as artes, o que inclui a concepção da capa, a produção imagética e textual de uma rede de conceitos que se moldam às temáticas trabalhadas a cada número e interferências gráficas nos textos, além das pranchas de imagens que se intercalavam entre os artigos publicados, na versão impressa em papel, e atualmente na sua fac-símile eletrônica.
O entusiasmo e o investimento dos idealizadores da Revista com a seção de Criação estiveram, desde a sua concepção, relacionados à marca interdisciplinar deste projeto editorial e à compreensão de que a complexidade das questões nele envolvidas muitas vezes demandavam outras formas de expressão e de produção de conhecimento.
Além de publicar textos inovadores e, às vezes surpreendentes, a existência mesma da seção na revista desafiou sempre a equipe de editores a definir seu escopo e o tipo de artigo que ali se publicaria. O processo de criação tornou-se inerente à própria seção que, ao buscar abrir espaço para outras formas de expressão, acabou funcionando de modo flexível, ganhando corpo e uma melhor definição à medida que chegavam as contribuições dos autores.
Ao longo dos últimos 17 anos foram publicados nesta seção poesias, textos literários e textos teatrais, ensaios críticos sobre cinema, artes plásticas e teatro, ensaios fotográficos, desenhos, pinturas em tela e pinturas corporais, xilogravuras, colagens, costuras e bordados, mosaicos, autorretratos, exposições e mostras, registros de expedições urbanas, projetos de arquitetura, imagens de espetáculos de dança e performances, entre outros. Através dessas diferentes composições imagéticas e textuais foram tratadas as mais variadas temáticas: crise da ciência e crise da representação, relações entre ciência e arte, humanização em saúde, loucura e criação, olhares sobre a cidade e sobre o cotidiano, vulnerabilidades, corpo e corporalidade, oficinas artísticas, formação e educação em saúde, comunicação em saúde, modos de vida contemporâneos, amor, solidão, processos de criação, produtivismo na academia e reflexões sobre o próprio processo escritural. A existência da seção possibilitou também espaço para a publicação de textos que abordam a temática da interface arte e saúde, temática esta que vem se fortalecendo e ocupando espaço em outras seções da Revista.
A partir de 2009, a equipe da criação é ampliada e assume a proposta de conceber o projeto gráfico da revista em consonância com o texto publicado na seção. A modificação ocorrida em 2013, quando a revista torna-se uma publicação exclusivamente eletrônica, foi recebida com pesar pela equipe de criação que via no fascículo impresso, além de um número de um periódico acadêmico, um objeto de arte. No entanto, a equipe logo percebeu que o formato digital traria novos desafios e novas possibilidades; a seção ampliou a experimentação na produção gráfica dos textos, no uso das cores e imagens, passando a poder incluir também vídeos e conteúdos sonoros nas suas publicações.
Por sua dimensão de inovação e de resistência também no campo editorial e científico, a seção de Criação desempenha um papel fundamental na Interface, e se mantém como um diferencial e marca singular desta Revista.
Entrevista e Dossiê
Entrevista e Dossiê são seções cujas temáticas se articulam, desde o primeiro fascículo de Interface: Dossiê (até 2002 denominada Ensaios) envolve a publicação de textos ensaísticos ou analíticos temáticos, a convite dos editores, resultantes de estudos e pesquisas; Entrevistas publica depoimentos de pessoas cujas histórias de vida ou realizações profissionais sejam relevantes para as áreas de abrangência da revista.
Fazendo uma retrospectiva das temáticas publicadas nessas seções ao longo desses 17 anos, é possível observar a evolução do escopo da revista, ao mesmo tempo em que se confirma a identidade de seu projeto inicial.
Gerada num contexto de crise e transição do final do século, em que o ensino universitário e, em especial, as escolas de Ciências da Saúde começam a questionar seus processos de formação, Interface busca participar desse momento construindo um novo espaço de discussão e reflexão sobre os problemas da formação das profissões e das práticas que envolvem o campo da Saúde, possibilitando a produção de conhecimento no encontro de áreas tradicionalmente concebidas dentro de epistemologias e campos semânticos distintos.
Nos primeiros anos da revista, os trabalhos publicados em Dossiê e Entrevistas expressam predominantemente as preocupações que permeavam o ensino das profissões da Saúde, em particular o curso médico, num contexto de transição para o novo milênio, de reflexão sobre novos paradigmas para a formação e as práticas de saúde, de discussão sobre ética e direitos humanos, reforma curricular, formação docente, epistemologia, educação continuada, inovação, uso de tecnologias, autonomia. Tais temáticas ainda comparecem nos números mais recentes, estimuladas pelas políticas indutoras e ampliando-se o campo da formação para outras profissões da saúde.
À medida que o escopo da revista se consolida como uma publicação da Saúde Coletiva, priorizando trabalhos envolvendo pesquisa qualitativa, os temas das seções Dossiê e Entrevistas acompanham essa evolução do projeto editorial e passam a ser publicados temas relacionados a SUS, Saúde da Família, violência, Atenção Básica em Saúde, a questão público x privado no Estado, redes sociais, cuidado, pesquisa qualitativa.
Considerações finais: uma perspectiva avaliativa
Após um período grande de existência, tal como nossos 17 anos, certo balanço dos avanços e das dificuldades, se faz necessário. Também foram anos de mudanças importantes no próprio campo da Saúde Coletiva: crescimento grande dos programas de pós-graduação; proposição de cursos de graduação; maior autonomia de suas áreas internas (a Epidemiologia, as Ciências Sociais e Humanas em Saúde e a Política, Planejamento e Gestão), inclusive com independência de congressos e eventos particulares; surgimento de políticas de Ciência e Tecnologia com intenso fomento de financiamento a pesquisas ligadas ao SUS; proposição de muitas políticas assistenciais para o SUS, sobretudo voltadas à atenção primária, com rápida substituição e obsolescência das propostas, o que produz impactos importantes na produção do conhecimento; crescimento acelerado do volume de profissionais e pesquisadores participantes do campo, tendo como indicador o elevadíssimo número de pessoas que frequentam e se apresentam nos congressos etc. Tudo isso leva tanto ao reconhecimento da Saúde Coletiva como campo científico, quanto seu progressivo enquadre nos referenciais desse estatuto, do mesmo modo que, dialeticamente, a Saúde Coletiva tensiona esse enquadre, por sua proposta interdisciplinar e crítica à cultura científica mais tradicional.
Nesse contexto de rápidas transformações históricas do campo, Interface se vê igualmente, ainda que de modo próprio, partícipe desse movimento. Assim, de um lado, Interface conquistou uma boa visibilidade nacional, se considerarmos o crescimento das submissões (Figura 1) nos últimos dez anos. Esta evolução das submissões deve-se a diversos fatores, tais como a influência das indexações, a expansão da pesquisa qualitativa no campo e o crescimento, já mencionado, do número de programas de pós-graduação em Saúde Coletiva, formando cada vez mais pesquisadores. Com o aumento do volume de submissões houve uma contínua redução relativa dos artigos aceitos para publicação: de 24%, em 2007, para 7,5%, em 2013.
A referida expansão do campo pode ser verificada pela produção brasileira na subárea Ciências Sociais (em Saúde), considerando os artigos citáveis publicados na base Scopus que passou da 18a para a 5a posição, entre 2003 e 2013, enquanto a Saúde Pública (que inclui Saúde Ocupacional e Saúde Ambiental) foi da 12a para a 6a posição. Nesse mesmo período, dentro dos mesmos critérios, a ciência brasileira como um todo passou da 17ª para 13ª posição.
A revista Interface é atualmente, segundo o Google Scholar Metrics, a décima segunda principal revista científica publicada em português, com base no índice h5, relativo aos artigos publicados nos últimos cinco anos11. Com base também no índice h5, Interface está bem posicionada entre os periódicos de Saúde Coletiva.
Ainda na perspectiva bem sucedida de peri-ódico científico, considerando o caráter interdisciplinar da revista Interface, é importante apontar seu reconhecimento em distintos campos de seu escopo. Para isto, podemos tomar o QualisPerió dicos, da Capes, enquanto uma referência ao valor atribuído em cada área ao periódico, no qual A1 é o valor máximo. Conferiu-se o Qualis A2 nas áreas de Artes/Música, Interdisciplinar, Educação e Ensino, e B1 na Saúde Coletiva, Ciências Sociais Aplicadas I (que inclui comunicação), Antropologia/Arqueologia e Sociologia.
A referida interdisciplinaridade de Interface pode também ser analisada comparativamente, segundo seus diferentes campos de interesse, com base no seu desempenho na base Scopus. Na área da Educação (embora, seu escopo esteja voltado apenas a Educação Superior: formação de profissionais da saúde), a revista destaca-se entre os periódicos latino-americanos deste campo. Nesta base, dentre os 29 periódicos latino-americanos de Educação, Interface é um dos com maior impacto segundo diferentes indicadores (SJR, índice h, taxa de citação etc.). O mesmo se dá na área de Comunicação, na qual, dentre as seis publicações latino-americanas presentes na base Scopus, Interface é a com melhor desempenho nos indicadores acima citados.
Efetivamente, ao lado dos bons indicadores científicos, a perda da publicação impressa, tanto pelo aumento dos custos na proposta original, quanto em razão do novo modo como leitores e pesquisadores se relacionam com as revistas, centrado na comunicação digital, exigiu mudanças de raiz. Mesmo assim, a revista buscou manter o máximo do projeto original e, como já comentamos, no que diz respeito a articulação Arte-Saúde, se por um lado houveram perdas, por outro, esta perspectiva interdisciplinar com as Artes deixou, ao longo do tempo, de requerer dos editores a busca ativa de colaboradores e, cada vez mais recebe contribuições espontâneas, trabalhando com recursos iconográficos, imagéticos e literários.
Referências
- 1Apresentação dos editores. Interface (Botucatu) 1997; 1(1):5-5.
- 2Apresentação dos editores. Interface (Botucatu) 1998; 2(2):5-5.
- 3Cyrino APC, Cyrino EG. Integrando comunicação, saúde e educação: experiência do UNI-Botucatu. Interface (Botucatu) 1997; 1(1):157-168.
- 4Normas de publicação. Interface (Botucatu) 1997; 1(1):5.
-
5Pessoa F. Arte e Sensibilidade. In: Carta a Miguel Torga, 1930.
[acessado 2015 jan 10)]. Disponível em:
http://www.citador.pt/textos/arte-e-sensibilidade-fernando
-pessoa
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jul 2015
Histórico
-
Recebido
13 Abr 2015 -
Revisado
04 Abr 2015 -
Aceito
16 Abr 2015