Resumo
Este trabalho discute a relação entre hipertensão, diabetes, ansiedade, depressão e apoio social no contexto da atenção primária. O objetivo desta pesquisa foi detectar, na amostra pesquisada, a associação entre: adoecimento físico, adoecimento psíquico, rede de apoio e apoio social percebido. Este estudo é um corte transversal inserido numa pesquisa maior financiada pela Organização Panamericana da Saúde e realizada no município de Petrópolis (RJ) em 2002. A amostra foi constituída de 714 pacientes com idade entre 18 e 65 anos. Os resultados demonstraram associação entre variáveis da rede de apoio tanto com a presença de hipertensão ou diabetes, como de transtornos mentais comuns, porém com padrões distintos. Enquanto nos pacientes portadores de hipertensão e diabetes, as associações com o apoio percebido foram positivas, naqueles portadores de Transtorno Mental Comum elas foram negativas, associadas de forma invertida ao grau de adoecimento psíquico.
Hipertensão; Diabetes; Apoio social; Saúde mental
Abstract
This work discusses the relationship between hypertension, diabetes, anxiety, depression, and social support in primary health care. This research aimed to identify the association between physical disease, mental disease, support network and perceived social support in the research sample. This is a cross-sectional study inserted in a larger research project funded by the Pan American Health Organization and carried out in 2002 in Petrópolis, RJ. The sample consisted of 714 patients with ages ranging from 18 to 65 years old. Results showed association between variables from support network either with evidence of hypertension or diabetes, or with the existence of common mental disorders, but with different patterns. Associations with the perceived support were positive in patients with hypertension and diabetes; Common Mental Disorder patients showed negative associations, inversely associated to the level of mental disease.
Hypertension; Diabetes; Social support; Mental health
Introdução
Doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) são altamente prevalentes, têm alto custo social e grande impacto na morbimortalidade da população brasileira e mundial1, ocasionando em longo prazo complicações irreversíveis e doenças como: neuropatia, nefropatia, retinopatia, infarto do miocárdio, acidentes vasculares cerebrais e infecções2-5. A hipertensão e o diabetes estão entre os principais fatores de risco para doenças cardiovasculares, sendo esta, a primeira causa de morbimortalidade na população brasileira6.
No Brasil as principais causas de internações no Sistema Único de Saúde entre adultos são: insuficiência cardíaca, derrame, isquemia cerebral, doenças respiratórias, diabetes e hipertensão3,4,6. No cenário mundial, um estudo de coorte na Finlândia5 detectou a associação entre a hipertensão e o diabetes, isoladamente, com o risco aumentado de incidência e mortalidade por acidente vascular cerebral (AVC). As ações essencialmente curativas voltadas para o atendimento de agravos, têm pouco impacto modificador do padrão e ocorrência das doenças crônicas, pois não afetam seus determinantes7.
Parcela significativa dos usuários dos serviços de atenção primária, serviço de referencia para acompanhamento dos pacientes com DCNT no SUS, se encontra em estado de vulnerabilidade social, com péssimas condições de moradia, desemprego, alimentação, pratica de atividade física e lazer8. São grupos ou indivíduos fragilizados na promoção, proteção ou garantia de seus direitos fundamentais de cidadania9,10. Essa carência tem relevância na determinação do processo de adoecimento da população11.
A saúde da população e sua condição de vida são elementos indissociáveis. O art. 3° da Lei 8.08012 define que: “A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o trabalho, a renda, o transporte, a educação, e lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais”.
A saúde, portanto, sofre influência dos fatores psicológicos, sociais, ambientais e físicos11,13. Pesquisas desenvolvidas no Brasil6,14,15 apontaram importantes fatores associados ao desenvolvimento da hipertensão e do diabetes, tais como índice de massa corporal, sedentarismo, alimentação, consumo de sal, açúcares, gorduras e álcool, tabagismo, estresse intenso, nível de escolaridade entre outros.
A relevância dos aspectos psicológicos para o processo de saúde-doença tem sido tema de pesquisas no âmbito da investigação dos fatores associados às DCNT. Uma análise da associação entre o diagnóstico de diabetes e os fatores emocionais16 identificou a depressão como uma das reações perante o diagnóstico. Outra pesquisa realizada no México17 identificou fatores preponderantes para o desenvolvimento do diabetes e entre as variáveis psicológicas e sociais esteve o baixo apoio social e o Transtorno Mental Comum (TMC).
No tocante à associação dos TMC com a hipertensão e o diabetes18, pesquisas brasileiras têm analisado este fenômeno19,20. Achado bastante significativo desta associação foi detectado por Helena et al.18 ao verificar que pessoas com ansiedade têm chances no mínimo 3,6 vezes maiores de desenvolver hipertensão quando comparadas àquelas sem. Nesse mesmo estudo a depressão grave esteve associada ao alto risco de hipertensão entre mulheres. Outro estudo20 apresentou correlações positiva e significativa entre sintomas de ansiedade e depressão de intensidade grave com a síndrome metabólica.
O estudo de Costa e Ludemir21, realizado em Pernambuco, investigou a prevalência dos TMC e sua associação com o apoio social. A prevalência geral de TMC nessa população foi de 36%. Um estudo multicêntrico realizado em quatro grandes capitais brasileiras, representando diferentes regiões do país, identificou as seguintes prevalências: Rio de Janeiro 51,9%, São Paulo 53,3%, Fortaleza 64,3% e Porto Alegre 57,7%22. De modo geral, a prevalência do TMC entre usuários dos serviços de atenção primária descrita pela literatura variou entre 46% e 64%. Sendo os principais: transtornos de ansiedade generalizada, episódio depressivo e transtorno de somatização8,22,23.
A questão do apoio social se baseia em constatações que apontam para o papel deste na manutenção da saúde, na prevenção contra doença e como agente facilitador à convalescença24. Há enfoques que analisam as relações entre a saúde das populações, as desigualdades nas condições de vida e o grau de desenvolvimento dos vínculos e associações entre indivíduos e grupos11,21.
O apoio social refere-se ao suporte emocional ou prático prestado pela família, amigos ou profissionais de saúde, que reduz a susceptibilidade individual para enfermidades17,20. Pesquisadores têm apresentado a seguinte estrutura teórica dos componentes neste campo relacionados à saúde ou ao estresse. São eles: os relacionamentos sociais (existência, quantidade, tipo), apoio social (tipo, fonte, quantidade e qualidade) e rede social (tamanho, densidade, reciprocidade e intensidade)25,26.
Na literatura o apoio social é descrito como um importante indicador da saúde e do bem-estar, desde a infância até a senilidade, por prover e completar os recursos que os sujeitos possuem para enfrentar situações de vida que podem levar ao adoecimento físico26. A rede social protege o indivíduo em seus aspectos físico, mental e psico-afetivo27. A investigação de suas características, tais como o número de amigos, a frequência e a intensidade dos contatos, as redes de apoio, a existência ou não de pessoas íntimas, poderá possibilitar o incentivo à práticas sociais saudáveis que proporcionem melhor qualidade de vida e de saúde para a população26.
A influência positiva do apoio social para pacientes hipertensos ocorre devido à condição limitante imposta pela enfermidade frente às relações deste com o trabalho, a família, amigos e parceiros19. Pode até abalar sua identidade, fragilizar sua capacidade de resolver os problemas e alterar o sentido que era atribuído à vida antes do adoecer19. A rede social do hipertenso pode ser utilizada como estratégia para a melhoria da qualidade de vida do sujeito, tanto no domínio físico, quanto no psicológico28.
O baixo apoio social foi considerado fator agravante para o desenvolvimento do diabetes. Pessoas com baixa percepção de apoio social apresentaram controle glicêmico expressivamente inferior, quando submetidos a situações estressantes17,29,30. A percepção do apoio, ou seja, ter a sensação de ser amado e ter amigos íntimos apresenta-se como um fator de influência sobre os diferentes comportamentos dos indivíduos31,32 e diminui a probabilidade de ocorrência de comportamentos disfuncionais no cotidiano ou durante tratamentos33.
A presença de apoio social eleva a autoestima, melhorando a adaptação dos indivíduos a condições adversas, promovendo a resiliência, ao habilitar o indivíduo a mobilizar seus recursos psicológicos e controlar seus problemas emocionais, permitindo que as pessoas contornem a possibilidade de adoecer como resultado de determinados eventos da vida33.
No tocante à associação entre a rede de apoio social e os transtornos mentais34, o primeiro tem a capacidade de proteger as pessoas de crises advindas do campo de estados patológicos, entre eles, a tendência suicida, o alcoolismo, a sociofobia, contribuindo para a redução da quantidade de medicamentos requerida, por apressar a recuperação, além de permitir a aceitação de regimes médicos prescritos.
Em pesquisa realizada em Pernambuco21, nordeste do Brasil, estabeleceram-se alguns indicadores de funcionamento social como: sentir-se amado e ter amigos íntimos. Esses dois indicadores estiveram relacionado a: baixos níveis de ansiedade, depressão, somatização e menores efeitos dos eventos vitais produtores de estresse. Esses pesquisadores desenvolveram duas teorias que explicam a relação entre a saúde mental e o apoio social. Uma delas explicando que o suporte social afeta diretamente a saúde mental, e a segunda indicando que o construto funciona como mediador do estresse, modificando seu efeito. De acordo com a segunda teoria, o indivíduo que conta com alto nível de apoio social enfrenta com maior positividade as situações estressantes se comparado a outros que não dispõem deste recurso.
Este artigo irá discutir a relação entre adoecimento físico (hipertensão e diabetes), transtorno mental comum (ansiedade e depressão) e apoio social, no contexto da atenção primária à saúde com o objetivo de detectar e analisar a associação entre estes na amostra pesquisada. Mediante a escassez de artigos quantitativos que apresentem um panorama mais amplo sobre o apoio social no contexto brasileiro, este artigo irá trazer contribuições para esse campo de pesquisa.
Embora outros resultados sobre transtornos mentais, formas de apresentação e perfil nosológico tenham sido publicados da pesquisa-fonte que originou este artigo35, o mesmo não ocorreu com os resultados sobre apoio social e rede de apoio. Portanto, buscou-se neste artigo analisar e discutir os resultados relacionados a esse construto apresentando as associações encontradas por essa pesquisa.
Método
Este estudo teve origem em pesquisa intitulada “Somatização na Atenção Primária: estudo de fatores associados à forma de apresentação de patologias mentais em unidades do Programa de Saúde da Família no município de Petrópolis”. Situada na região serrana do Estado do Rio de Janeiro a 68 km da capital, composta por população de cerca de 300.000 habitantes, no período de aplicação dos questionários, ano de 2002, Petrópolis contava com 25 unidades da ESF.
O delineamento deste estudo configura um corte transversal. Utilizou-se como fonte de informações para análises o banco de dados da referida pesquisa. A amostra populacional foi composta por 714 pacientes (de primeira vez ou subsequentes), atendidos em 5 unidades de saúde da família, com idades entre 18 e 65 anos. Durante a coleta de dados os pacientes foram entrevistados pelos aplicadores da pesquisa enquanto aguardavam atendimento. As entrevistas aconteceram entre agosto e dezembro de 2002.
A análise dos dados foi desenvolvida por meio do programa estatístico SPSS, foram feitas análises bivariadas seguidas de regressão linear. O critério para inclusão na regressão foi o valor de p obtido na análise bivariada, incluindo-se as variáveis com p < 0,25. Foram calculadas as razões de prevalência, os odds ratios (OR) brutos e os respectivos intervalos de confiança (IC) a 95%.
O protocolo de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro em 5 de dezembro de 2001. Para assegurar o caráter voluntário da participação, antes de iniciar a entrevista, todas as informações pertinentes ao estudo foram explanadas pelo aplicador e os pacientes que aceitaram participar da pesquisa leram e assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, garantindo o anonimato e a privacidade dos resultados individuais obtidos.
Instrumentos
Foram utilizados três instrumentos para coleta de dados, o Questionário Geral, o General Health Questionnaire (GHQ12)36 e o Medical Outcomes Study (MOS)37. O Questionário Geral coletou dados sociodemográficos e econômicos (renda, escolaridade, religião, etc.) e identificou os pacientes como portadores ou não de doença física, descrevendo-a, o que foi utilizado como indicador da presença de hipertensão ou diabetes. Complementando-se por um bloco de perguntas que avaliaram a rede de apoio social através do número de amigos e parentes íntimos, a participação em atividades de grupo religiosas, sociais, política, em organizações não governamentais, e a prática de atividades esportivas e artísticas.
No General Health Questionnaire (GHQ12)36, instrumento de rastreamento de transtornos mentais comuns e que tem sua versão brasileira já validada, são considerados como “casos” aqueles que foram positivos para 3 itens do GHQ12, descritos como GHQ3. O período considerado de referência do GHQ relativo à manifestação dos sintomas compreendeu os quinze dias anteriores ao preenchimento do questionário.
O Medical Outcomes Study37 é um instrumento utilizado para avaliar o apoio percebido, desenvolvido para a avaliação em pacientes com doenças crônicas38, foi validado no Brasil em um estudo de coorte de trabalhadores de uma universidade pública no Rio de Janeiro – Estudo Pró-Saúde39. Neste, os itens relativos a apoio social agrupando-se em cinco dimensões de apoio: emocional, de informação, material, afetiva e de interação positiva. A dimensão material mede o apoio prático na vida tal como conduzir o entrevistado ao médico estando doente e ajuda material nas tarefas diárias. A dimensão afetiva avalia a existência de pessoas que demonstrem afeto e o fazem sentir-se querido. A dimensão emocional avalia ter alguém que possa ouvi o paciente, em quem ele possa confiar para falar sobre seus problemas e compartilhar preocupações. A dimensão informação avalia ter pessoa que possa dar sugestões de como lidar com problemas, bons conselhos e compreendê-lo. E a interação positiva mensura se o sujeito tinha com quem fazer coisas agradáveis, distrair-se, relaxar e entreter.
Resultados
A amostra se constituiu de 714 pacientes, maioria de mulheres (74,1%) e de casados (60,8%); com 39,5% deles entre 50 e 65 anos, em que a maioria (52,1%) referiu ser branco e católica (57,6%). O grau de instrução foi baixo, com 8,7% sem nunca terem frequentado a escola, 45,2% estudaram até a quarta série, 23% da quinta à sétima, e 9,1% completaram o Ensino Fundamental, englobando 86% da amostra; A renda familiar per capita mensal média de R$ 189,00 foi considerada baixa.
Referente à associação entre a presença de hipertensão e variáveis da rede social, a Tabela 1 mostra que ter hipertensão não esteve associada às variáveis: rede de familiares íntimos maior que 4, rede de amigos maior que 4; nem a frequência na atividade esportivo-artística. Houve associação estatisticamente significativa e positiva com a variável frequentar regularmente a religião (OR = 1,56; IC 95% 1,14 - 2,14).
Razão de chances (OR) bruto e intervalos de confiança a 95% (IC 95%) da associação entre variáveis da rede de apoio, apoio percebido, ajustadas entre si, para ser portador de hipertensão, ser portador de diabetes e ser portador de TCM. Hipertensão, diabetes, apoio social e saúde mental na atenção primária. 2014
Sobre a associação entre a hipertensão e o apoio social percebido, verificou-se que foi positiva entre ter hipertensão e as quatro dimensões (material, emocional, de informação e de interação social positiva). Esses pacientes sentiram-se recebendo apoio em todas as dimensões, porém, no apoio afetivo (OR = 1,10; IC 95% 0,93 - 1,30), esta associação foi apenas limítrofe em sua significância estatística.
No caso dos pacientes portadores de diabetes, a associação com a rede de apoio foi significativa apenas com a variável rede de familiares íntimos maior que 4 (OR = 2,13; IC 95% 1,27 - 3,58). Essa foi uma associação positiva, o que sugere que os familiares se aproximam mais dos pacientes mais adoecidos.
Em relação à percepção do apoio social nestes pacientes foram encontradas associações positivas com as várias dimensões, novamente, em que apenas o apoio afetivo apresentou significância estatística limítrofe (OR = 1,56; IC 95% 0,97 - 2,51). Na analise das associações entre rede de apoio e TMC (Tabela 1) constata-se um padrão distinto de associação, sendo a presença de TMC invertidamente associada e com todas as variáveis da rede de apoio: rede de familiares íntimos (OR = 0,48; IC 95% 0,30-0,75), rede de amigos (OR = 0,51; IC 95% 0,30 - 0,90), frequentar regularmente a religião (OR = 0,66; IC 95% 0,48 - 0,92) e participação em atividades esportivas ou artísticas (OR = 0,38; IC 95% 0,24-0,61), de forma significativa.
No tocante a associação entre o TMC e a percepção do apoio social, foram detectadas associações invertidas com todas as dimensões: material (OR = 0,57; IC 95% 0,47-0,69), emocional (OR = 0,52; IC 95% 0,42-0,64), de informação (OR = 0,47; IC 95% 0,38-0,59), sentimental (OR = 0,45; IC 95% 0,37-0,55) e de interação social positiva (OR = 0,49; IC 95% 0,39-0,59). Esse resultado segue o mesmo padrão de associação verificado entre o TMC e a rede de apoio, porém diverge das associações positivas verificadas entre o apoio percebido e as doenças físicas.
Os resultados sinalizam que com o adoecimento físico o individuo se percebe recebendo apoio. Mas no caso dos transtornos mentais as associações são invertidas, ou seja, na presença de doença mental o sujeito sente receber menos apoio social.
Discussão
Nossos resultados estão de acordo com a revisão da literatura8,18,22,35 em relação às prevalências de TMC e sua associação com baixa renda, escolaridade, gênero feminino.
Os resultados demonstraram associação direta entre rede de apoio e o apoio percebido e a presença de doenças físicas (hipertensão, diabetes). Estes pacientes sentiram-se amparados pela rede de apoio. Em especial, os resultados demonstraram que a família se aproxima do portador de diabetes, o que pode ser utilizado como importante recurso para o enfrentamento desta doença. O que confirma os achados da literatura13,15,30. No caso da hipertensão houve uma maior frequência de atividades religiosas, onde a Igreja se confirma como espaço de apoio. Esta relação entre a percepção do apoio social e as doenças físicas crônicas confirmam os dados da literatura, ratificando o apoio social como relevante ferramenta para enfrentamento do adoecimento físico17,21,30. Porém, como a associação para a dimensão afetiva foi limítrofe nestes casos, apenas, fica a dúvida se isto é consequência do tamanho amostral ou se esta dimensão é menos afetada pelo adoecimento físico.
As associações invertidas entre as variáveis da rede de apoio e o TMC sinalizam uma outra realidade. Identificou-se uma inversão entre a necessidade e a obtenção de apoio social por esses pacientes, pois as associações foram todas negativas. A literatura aponta que o portador de transtorno mental é colocado em posição de isolamento social22,23. Mas, dado ser este um estudo transversal, este fenômeno pode estar acontecendo em ambas as direções: o paciente se isola e concomitantemente pode estar sendo isolado. Porém, como analisamos apoio percebido, verificamos que a percepção destes pacientes é de que eles sentem receber menor apoio. Estes resultados apontam a problemática do padrão relacional dos portadores de TMC com sua rede de apoio. Se o apoio social auxilia positivamente a adaptação dos indivíduos às condições adversas, promovendo a resiliência, habilitando o indivíduo a mobilizar os recursos psicológicos e controlar os problemas emocionais29,32-34, é importante que se busque promover a inserção social destes pacientes, com maior aceitação do seu grupo social de referencia. A principal contribuição destes é demonstrar a relação do apoio social com o estado de saúde das pessoas, o que pode oferecer alternativas de cuidado ao se lidar com estas situações de crise. A aplicação deste estudo para a clínica se concentra na valorização do apoio social recebidos pelos pacientes e no favorecimento e mobilização da rede social destes, que pode ser realizada pelos profissionais de saúde para melhorar o enfrentamento das DCNT e dos TMC.
Porém, o desenho da pesquisa é sua principal limitação, em especial em relação à determinação de causalidade nas associações entre as variáveis. Portanto, estimula-se que outros pesquisadores aprofundem seus estudos corroborando com esse campo que sugere muitos desdobramentos e possibilidades.
Considerações Finais
A análise conclusiva dos achados aponta que o portador de doença física percebeu-se recebendo apoio social, e aquele com transtorno mental sentiu-se desamparado. Uma hipótese é de que haja modificação no comportamento da rede social vinculada ao tipo de doença que acomete o paciente, tendo em vista que os tipos de apoio oscilam também de acordo com o tipo de doença física, apresentando diferentes resultados no comportamento da rede social para a hipertensão e a diabetes.
A atenção primária necessita de recursos legítimos para garantir a promoção da saúde em suas ações16. As tendências apontadas nesta pesquisa alargam o conhecimento da associação da rede social e o enfrentamento de doenças físicas e/ou psíquicas por parte dos sujeitos. Prosseguir as pesquisas neste campo poderá assegurar um poderoso recurso às ações em promoção da saúde e prevenção de doenças no domínio da APS. Sendo assim, as abordagens que fortaleçam o apoio social, que possibilitem integrar a família e componentes da rede social à assistência são recursos que podem ser apreciados e utilizados, por agregar qualidade a saúde dos sujeitos.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jul 2017
Histórico
-
Recebido
05 Mar 2015 -
Aceito
10 Fev 2016 -
Revisado
12 Fev 2016