Resumo
Este artigo aborda as dificuldades e os desafios da Vigilância em Saúde Mental Relacionada ao Trabalho (SMRT) no Brasil, com base em levantamento de produção bibliográfica. Busca-se, a partir da compilação da produção identificada, fomentar reflexões sobre o panorama atual em que se encontram as ações em Vigilância nesse campo, seus principais entraves e possibilidades de avanços. Efetuou-se levantamento de publicações nacionais nas bases do Scielo, Lilacs e PubMed, de 2002 a 2017. A sistematização dos dados permitiu a sua estruturação nas seguintes temáticas: Epidemiologia da SMRT no Brasil; Políticas para a SMRT e a VISAT; Organização do Trabalho e Saúde Mental; e, Ações e Intervenções em VISAT e SMRT. As ações para Vigilância encontram-se, ainda, em estado incipiente, porém há esforços para o fortalecimento da RENAST, materializado na construção de protocolos e na promoção de encontros nacionais que visam à reflexão e à construção de um novo modelo de Vigilância em Saúde do Trabalhador. Registra-se a busca por novos modelos e concepções de adoecimento mental, de redefinição do foco de atenção, de modos de intervenção com destaque para o papel ativo dos trabalhadores, protagonistas imprescindíveis ao enfrentamento dos desafios nesse campo.
Saúde do trabalhador; Saúde mental; Vigilância em saúde; Vigilância em saúde do trabalhador
Abstract
This paper addresses the challenges and difficulties in Work-related Mental Health (WMH) Surveillance in Brazil, based on a review of the bibliographic literature. From the compilation of identified academic research, it seeks to foster reflections about the current landscape of surveillance actions, its main obstacles, and possibilities for improvement. A survey of national publications was carried out using Scielo, Lilacs and PUBMED databases from 2002 until 2017. Systematizing the results allows us to group the following themes: Epidemiology of WMH in Brazil; Policies for WMH and VISAT; Work Environment for Mental Health; and, Actions and Interventions in the VISAT and WMH. The surveillance actions are still in the early stages; however, there is an effort to strengthen the RENAST, materialized in the creation of protocols and the promotion of national meetings which reflect the construction of a new surveillance model for worker health. We noted a search for new conceptual models of mental illness, a redefinition of the focus of care, and of intervention approaches highlighting the active role of workers, who are essential players in facing the challenges in this area.
Occupational health; Mental health; Health Surveillance; Worker’s Surveillance
Introdução
O mundo do trabalho tem-se tornando cada vez mais complexo e multifacetado. Nos últimos anos, profundas transformações ocorreram em decorrência da adoção de um novo modelo de acumulação capitalista. Este modelo, baseia-se no capitalismo flexível e na precarização social do trabalho1. Trata-se de um modelo ancorado na ideia de flexibilidade, no qual tudo passa a ser descartável, substituível, efêmero, incluindo não apenas as mercadorias produzidas, mas também aqueles que produzem. Opera na dissociação entre o capital e as formas materiais de riqueza (valores de uso), patrocinando a financeirização da economia (que absolutiza o caráter abstrato do trabalho) e promove a globalização sem precedentes dos processos de produção1.
A precarização social do trabalho produz processos complexos e intrincados que se materializam em condições de trabalho e de emprego precárias, de permanente insegurança e vulnerabilidade frente, sobretudo, à possibilidade de desemprego. É engendrada, entre outros aspectos, por vulnerabilidade das formas de inserção e desigualdades sociais, intensificação do trabalho, terceirização, insegurança e múltiplas exposições ocupacionais1, longas jornadas, ausência de poder de decisão na realização das tarefas, repetitividade e monotonia2. Assim, por sua vez, essas novas-velhas formas de dominação e exploração do trabalho inauguram ou agudizam diversos tipos de impactos sobre a vida e a saúde dos trabalhadores.
No processo de trabalho, entram em cena redes dinâmicas de relações do homem com a natureza, do homem com os outros homens e do homem consigo mesmo. É também por meio do trabalho que os indivíduos realizam sua inserção concreta na realidade, recortando possibilidades objetivas de alimentar-se, morar, crescer, realizar-se, adoecer e também morrer. A característica ilusionista do trabalho decorre de seu duplo caráter: o trabalho é, de um lado, concreto (valor de uso) e, de outro, abstrato (valor de troca). Enquanto valor de uso aparece como dimensão conformadora de identidade, como valor de troca aparece como capacidade de produzir valor material socialmente reconhecido aqui prevalece a universalização do trabalho, a equivalência entre todos eles, expressa em unidade de tempo e esforço embutido na mercadoria3.
O processo de trabalho engloba elementos objetivos e subjetivos. O elemento subjetivo compreende a forma de trabalho e o gasto produtivo das energias vitais para a criação de valores de uso destinados à satisfação das necessidades3. Os elementos objetivos do trabalho constituem-se dos objetos (matéria-prima) e dos meios. O trabalho comparece como mediador entre ordem individual e social: não vale apenas pelo que representa enquanto garantia de sobrevivência, mas também por ser capaz de assegurar ao indivíduo as especificidades que o identificam e o distinguem dos outros – o que o sujeito sente, interpreta e enuncia como sendo eu, por oposição àquilo que vivencia como não eu4. O trabalho, portanto, comporta relações de identificação, na medida em que inscreve marcas na imagem de si e do mundo, que são internalizadas como pertencentes àquele sujeito.
O trabalho, por meio de seu duplo caráter, realiza também um movimento duplo no processo de construção social de identidade do sujeito: conforma um campo objetivo de condições de produção-reprodução e permite o jogo simbólico, a inscrição de significado humano ao mundo. Ao mesmo tempo que o trabalho é estruturador, sendo via de construção de identidade, satisfação e prazer, pode, sob determinadas condições, constituir-se em elemento patogênico5.
Portanto, aspectos relacionados ao ambiente e ao conteúdo do trabalho, condições organizacionais, necessidades e competências do trabalhador, associados aos aspectos do contexto cultural e social no qual os indivíduos estão inseridos e características pessoais são fatores que podem interferir na saúde do trabalhador, repercutindo negativamente em seu equilíbrio psíquico6.
O monitoramento das características do trabalho é fundamental para a estruturação de condições capazes de fortalecer o polo do trabalho como via de construção identitária e prazerosa. Ações de Vigilância em Saúde, mais especificamente neste caso de Vigilância em Saúde do Trabalhador, constituem o pilar sobre o qual se pode edificar essa possibilidade.
A Vigilância em Saúde do Trabalhador (VISAT) é um dos componentes do Sistema Nacional de Vigilância em Saúde, responsável por um conjunto articulado de ações de promoção da saúde e de redução da morbimortalidade da população trabalhadora. Em 2002, como principal estratégia do Sistema Único de Saúde (SUS) para garantir a integralidade da promoção e atenção à saúde do trabalhador, foi criada a Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador – RENAST. A RENAST integra a rede de serviços do SUS por meio de Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST)7.
Em 2004, os Transtornos Mentais Relacionados ao Trabalho (TMRT), em conjunto com mais dez agravos relacionados ao trabalho (ART), foram definidos como agravo de notificação compulsória, passando a ser registrado no Sistema Nacional de Agravo e Notificações (SINAN)8. Este fato constitui importante marco regulatório nas políticas de Vigilância à Saúde do Trabalhador, ainda que limitado apenas às unidades de saúde de uma Rede Sentinela. A portaria, no entanto, foi implementada somente em 2006, com as primeiras notificações de ART em âmbito nacional.
A RENAST tem papel central na identificação, encaminhamento e notificação dos TMRT bem como dos fatores determinantes ou contribuintes para sua ocorrência. No caso da saúde mental, há lacunas importantes tanto no que se refere ao dimensionamento do problema (a subnotificação é característica marcante no seu monitoramento), quanto na identificação e atuação sobre os fatores que produzem esses eventos (exposição).
Os dados sobre TMRT, ainda que não permitam obter um quadro mais fidedigno de sua magnitude, evidenciam sua relevância na questão de adoecimento entre os trabalhadores. Segundo a OMS, uma em cada quatro pessoas que visitam um serviço de saúde tem pelo menos um tipo de transtorno mental, mas a maioria não é diagnosticada e nem tratada9.
No Brasil, os TMRT estão entre as principais causas de perdas de dias no trabalho, representando a terceira causa de concessão de auxílio-doença por incapacidade laborativa. Em estudo das concessões no período 2008-2011 observou-se aumento médio anual de concessões de 2,9%10. De 2008 para 2009, o número de afastamentos do trabalho notificados na Previdência Social subiu de 12.818 para 13.478, chegando, em 2012, a 16.978 casos11.
No atual cenário brasileiro, há propostas de reformulações dos direitos trabalhistas que apontam na direção de uma maior vulnerabilização das relações de trabalho com impactos diretos e indiretos sobre a saúde psíquica dos trabalhadores. O Legislativo aprovou a terceirização irrestrita para as atividades laborais, o que terá reflexos nas condições de trabalho. Além disso, há proposta de reforma previdenciária que implica ampliação do período de contribuição e de trabalho para a aposentadoria. Essas medidas contextualizam-se num momento de crise econômica e fragilidade social, na qual se observa a diluição da linha de separação entre incluídos e excluídos, com claro rebaixamento dos padrões gerais de vida. Segundo o IBGE12, o desemprego bateu recorde, atingindo 13,5 milhões de pessoas. Essa situação, como já mencionado, atende ao modelo de flexibilidade e precarização social do trabalho, com crescimento de condições precárias de trabalho às quais as pessoas aceitam submeter-se, pressionadas pela possibilidade do desemprego. Tais condições incrementam substantivamente os riscos à saúde dos trabalhadores, especialmente a saúde mental, em função de atuar na fragilização dos trabalhadores, operada pelos modelos de gestão e desregulação das relações de trabalho2.
Portanto, o papel da Vigilância em Saúde nesses contextos, centrado em práticas de monitoramento dos fatores nocivos à saúde, ganha enorme relevância. Este artigo tem por finalidade discutir aspectos relacionados à vigilância em saúde mental e trabalho no Brasil, com base em revisão de literatura da produção registrada entre os anos de 2002 a 2017. Objetiva-se, fomentar as reflexões sobre saúde mental e trabalho no Brasil, para um melhor entendimento do panorama atual da VISAT em Saúde Mental, de modo a fortalecer os programas e as ações da vigilância, no que se refere às ações de monitoramento dos agravos e às iniciativas de identificação e de intervenção efetiva sobre os fatores que os produzem.
Métodos
Foi realizada revisão de literatura de publicações nacionais, atendendo ao objetivo de verificar as produções brasileiras e fomentar reflexões sobre a temática de Visat em Saúde Mental. Foram consultadas as bases de dados virtuais: Google Scholar, SciELO, Lilacs e PubMed, utilizando os seguintes descritores: saúde do trabalhador, saúde mental, trabalhadores, saúde mental e trabalho e Vigilância em Saúde, indexados na base de dados Descritores em Ciências da Saúde (DeCS). A busca ocorreu no período de abril a maio de 2017.
Como a RENAST foi instituída em setembro de 2002 (Portaria nº 1.679), este ano foi definido como o ponto inicial para a busca bibliográfica, sendo este o primeiro critério de busca. A retenção dos artigos pautou-se na inclusão daqueles que abordavam os temas: Vigilância em Saúde do Trabalhador e Saúde Mental. Para essa etapa, foi realizada a leitura do título e resumo de cada obra. Ao final, considerando os critérios estabelecidos, a revisão identificou 16 documentos: dez artigos, duas dissertações, duas teses e dois protocolos de atenção à saúde mental e trabalho.
Feita a seleção do material, foram coletadas informações sobre: título da obra, descritores, bases consultadas, periódico científico onde foi veiculado, métodos empregados, objetivos e resultados. Os resultados foram categorizados de acordo com o conhecimento prévio sobre o tema e suas lacunas e por repetição no conteúdo dos mesmos.
Nesse processo, emergiram como norteadoras para a apresentação de resultados e discussão as seguintes temáticas: Epidemiologia da Saúde Mental Relacionada ao Trabalho no Brasil (SMRT); Políticas para a SMRT e a VISAT; Organização do Trabalho e Saúde Mental e Ações e Intervenções em VISAT e SMRT.
Resultados e discussão
Caracterização do material de estudo
O material identificado incluiu produções com abordagens em Saúde Coletiva, Ciências Sociais e Políticas. Destacaram-se publicações em: Saúde Pública/Coletiva (n = 5), Saúde Ocupacional (n = 2), Psicologia (n = 1), Epidemiologia (n = 2); duas dissertações e duas teses que analisaram o perfil dos TMRT, as ações da VISAT e aspectos para subsídios de ação/intervenção da Vigilância em Saúde do Trabalhador/saúde mental. Identificaram-se também dois protocolos de ações para a VISAT na Bahia e em São Paulo.
A produção concentrou-se no período 2011-2017 (n = 12), alcançando maior visibilidade em 2014 (n = 6). A revista Ciência & Saúde Coletiva foi aquela com maior número de publicações (n = 3). Com relação à perspectiva metodológica, a maioria das pesquisas foi elaborada a partir de revisões de literatura/ensaios-teóricos (n = 10), sendo que, dentre estas, quatro incluíram pesquisa com abordagens qualitativas, utilizando fontes variadas de captura de material (análise de documentos, oficinas e entrevistas semiestruturadas); outras quatro pesquisas foram de caráter epidemiológico (Quadro 1).
Distribuição de documentos por tipo, abordagem metodológica, autores, período e periódico de publicação.
Dos protocolos identificados, um foi elaborado pela Diretoria de Vigilância em Saúde do Trabalhador da Secretaria Estadual de Saúde da Bahia, em 2014, voltado para a identificação/acolhimento e acompanhamento dos casos, notificação e ações de Vigilância em Saúde do SUS9. Em São Paulo, no mesmo período, foi elaborado um manual com orientações técnicas para a notificação no SINAN dos Transtornos Mentais Relacionados ao Trabalho13.
Com base no material identificado foram estruturadas as seguintes categorias de análise: (a) panorama da SMRT, contextualização do quadro epidemiológico atual; políticas e normas vigentes, aspectos relativos à organização do trabalho e suas repercussões na saúde mental; (b) principais limitações (insuficiência ou ausência de integralidade das ações e de articulação entre as Vigilâncias em Saúde, dificuldades de nexo causal e subnotificação) que resultam na baixa visibilidade do problema; (c) questões relacionadas às poucas ações de intervenção, insuficientes e pautadas em lógicas reducionistas que não combatem a gênese dos problemas relacionados ao adoecimento do trabalhador. As categorias/temáticas que problematizam esses aspectos são apresentadas a seguir.
Epidemiologia da saúde mental relacionada ao trabalho no Brasil (SMRT)
Apesar da pouca atenção dada aos transtornos mentais e do comportamento e sua relação com o trabalho, estatísticas oficiais da Previdência Social e resultados dos estudos epidemiológicos reforçam a relevância desses eventos como causa de concessão de auxílio doença por incapacidade ou apontam elevadas prevalências de adoecimento mental em grupos de trabalhadores no Brasil10.
Brito14 investigou os casos registrados de TMRT no Brasil, desde o inicio do registro no SINAN (2006), até 2012. Neste período foram registrados 2.444 casos, com aumento expressivo (média de aumento anual de 142%) até o ano de 2011. Os CEREST foram responsáveis por 74,1% dos registros, seguidos pelas Unidades Básicas de Saúde (8,4%) e os CAPS (6,2%). A participação das Unidades de Saúde da Família foi muito baixa (apenas 1,4%), mas com crescimento gradativo de notificações ao longo dos anos. Os diagnósticos mais frequentes foram os transtornos neuróticos (56,4%) e do humor (30,4%).
Cordeiro et al.15 analisaram dados do SINAN referentes ao estado da Bahia. Os homens representaram 51,2% dos casos. Maior frequência de casos foi observada em trabalhadores do ensino médio e superior, do mercado formal de trabalho, nos ramos do comércio e serviços. Os agravos mais notificados foram o estresse pós-traumático e episódios depressivos. A incapacidade temporária representou 74,4% dos casos, seguido de incapacidade permanente parcial (13,3%) e cura não confirmada (2,4%).
De acordo com o Anuário Estatístico da Previdência Social16, tem sido registrada queda nas aposentadorias por invalidez relacionadas aos Transtornos Mentais e Comportamentais concedidas. Em 2013 foram registrados 12.068 e em 2015, 8.417, contrastando com os dados no período de 2008 a 2011 no qual se verificou incremento no número de benefícios por essa causa10. O número de aposentadorias rurais por invalidez, neste mesmo período, também caiu, de 876 para 640. A mesma lógica prevaleceu para a quantidade de auxílios doença no período, que caiu de 209.218 para 156.895.
Observou-se aumento no número de benefícios acidentários a partir de 2007, como descrito acima, aventando-se a hipótese de que este aumento estaria associado à implantação do nexo técnico epidemiológico previdenciário (NTEP), que permitiu o reconhecimento dos casos com base em evidências epidemiológicas. De modo análogo, é provável que a redução no número de casos a partir de 2012 revele barreiras para o reconhecimento dos casos, sendo reflexo de esforços governamentais para a não concessão dos benefícios aos trabalhadores adoecidos, por meio de restrições normativas e de regulação adotadas pelo INSS. Esses exemplos, por sua vez, revelam o quanto esse evento atrela-se ao contexto de correlação de forças das relações entre capital e trabalho e o quanto ainda estamos afastados da apreensão mais exata de dimensionamento do problema.
Deve-se considerar que estes dados dependem de notificação e estabelecimento de nexo, sendo assim, certamente, não correspondem à magnitude e abrangência dos casos no país – a predominância de trabalhadores formais celetistas nos registros de TMRT no SINAN é um exemplo disto –, embora deva ser registrado o esforço dos CEREST em melhorar tal sistema e aumentar a visibilidade dos TMRT.
Diversos estudos15,17-19 evidenciam o caráter crônico de invisibilidade dos TMRT atrelada ao fenômeno da subnotificação. Como consequência das estatísticas enviesadas, a saúde mental no trabalho deixa de ter caráter prioritário para o planejamento das ações e políticas públicas. O papel do profissional de saúde na investigação e estabelecimento de nexo entre o agravo mental e a condição de trabalho, na notificação, no acompanhamento dos casos e monitoramento das condições e organização do trabalho é enfatizado, destacando-se que os profissionais ainda enfrentam dificuldades concernentes à sua formação, que inclui a falta de capacitação, a visão tradicional de concepção do adoecimento centrado no modelo médico com foco na doença, o que dificulta, impede ou fragiliza as ações de VISAT na RENAST19.
A subnotificação dos TMRT é apenas uma das dificuldades enfrentadas, que se estende também para a oferta de serviços de saúde voltados ao adoecimento mental. Em inquérito para avaliar ações em saúde mental na RENAST, realizado por Cardoso e Araújo20, em 2014, 47,8% dos CEREST referiram realizar ações informativas e de educação permanente para os profissionais dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e apenas 26,0% referiram tal atividade com os ambulatórios de saúde mental; 40,9% realizavam ações de apoio matricial para os serviços do SUS; 35,5% desenvolviam ações informativas frequentes sobre SM para os trabalhadores em geral. Inspeção em ambientes de trabalho (58,8%) e o registro sistemático de casos de TMRT no SINAN (53,2%) foram as ações mais referidas. Portanto, há muito em que se avançar na estruturação de serviços de saúde mental e trabalho no SUS, incluindo sua expansão na própria RENAST, posto que as ações realizadas ainda eram incipientes. Registra-se que 67,7% dos CEREST relataram ter profissionais capacitados para atendimento em Saúde Mental.
Esses dados, em conjunto, evidenciam muitas fragilidades na incorporação da saúde mental às ações de VISAT. Mesmo que, como apontam Leão e Minayo-Gomez21, as práticas em saúde mental e trabalho caracterizem-se pelo predomínio de ações voltadas para a assistência e para o diagnóstico e notificação dos TMRT, estas ainda ocorrem de modo tímido, com abrangência muito limitada (são desenvolvidas por metade dos CEREST existentes).
Políticas em saúde mental relacionada ao trabalho (SMRT) e a VISAT
A Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (RENAST) foi criada em 200222, e atualizada pela portaria 2.728/097.Constituem a RENAST, os Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST), que podem ser de abrangência estadual, regional ou municipal7.
Apesar da robustez da Rede de Saúde do SUS, há enorme dificuldade de articulação entre os diversos órgãos e setores que atuam nas questões relacionadas à SMRT. As ações de vigilância são pontuais e reduzem o problema, muitas vezes, à atenção curativa, e não focalizam os fatores determinantes para o adoecimento observado. O próprio entendimento, por parte do trabalhador, das funções e aplicações dos órgãos da Rede, revela o estado de incipiência em que se encontra a VISAT no campo de ações para a Saúde Mental.
Um aspecto crucial na consolidação e fortalecimento da VISAT refere-se ao papel do trabalhador como sujeito ativo e agente articulador da transformação do seu trabalho. O exercício desse papel ativo, decisivo na efetividade da ação da Vigilância, depende da sensibilização do próprio trabalhador em se reconhecer como protagonista dessas ações. Isto articula-se, por sua vez, com o processo de autovalorização e apropriação dos saberes concernentes ao seu contexto laboral. Esse processo tem seus próprios desafios. Daldon e Lancman23 confrontam o desenvolvimento da VISAT, incorporando este trabalhador consciente atuante, com o atual panorama de limitação de recursos materiais e humanos e o pouco investimento em capacitação técnica, evidenciando que a estratégia de agregar este ator no processo da Vigilância é ainda algo a ser construído. A participação ativa dos trabalhadores como um ponto crucial para o desenvolvimento da VISAT é um aspecto realçado por praticamente todos os autores que produziram sobre essa temática17,21,24,25.
Além destas, outras lacunas existentes nas ações da VISAT são percebidas, como a distinção entre tais ações nas diferentes regiões. De fato, regionalizar tais ações poderia ser considerado positivo no sentido de se compreender as demandas específicas de cada local, e atuar sensivelmente sobre elas. Na prática, entretanto, isto tem significado grande heterogeneidade de ações na RENAST, com focos, pressupostos teóricos e metodológicos muito diferenciados. Logo, ao invés de fortalecer as ações nesse campo, tem produzido a sua fragmentação, ausência de ordenamento e consensos mínimos que, concretamente, atuam tamponando o desejado crescimento dessas ações. Os avanços necessários ficam, assim, inviabilizados ou dificultados.
Dentre os avanços necessários, Leão e Minayo-Gomez21 destacam a inserção do contexto da saúde mental dos trabalhadores na legislação e nas normas técnicas da Vigilância em Saúde com base em diretrizes específicas. Cardoso e Araújo20 salientam a necessidade de novas pesquisas para a construção de instrumentos que orientem e auxiliem os processos de estabelecimento de nexo dos agravos em saúde mental no trabalho e as ações de monitoramento dos aspectos associados à produção dos mesmos, possibilitando uma base de maior respaldo para as ações da VISAT, em função do caráter prevenível do adoecimento mental.
A definição e a implementação de políticas públicas de proteção e promoção da saúde mental é um aspecto central nesse contexto. Freire18, em consonância com as questões abordadas, ressalta a ausência de protocolo normativo específico para os TMRT, decorrente, sobretudo, das dificuldades em se construir consensos mínimos entre os sindicatos, peritos do INSS, empresas e técnicos do SUS.
Algumas iniciativas para superar esses desafios têm sido observadas, como o Protocolo de Atenção à Saúde Mental e Trabalho elaborado pela Divisão de Vigilância e Atenção à Saúde do Trabalhador da Secretaria Estadual de Saúde da Bahia. Neste documento foram reunidos instrumentos normativos para orientação e apoio teórico na atuação em saúde mental e trabalho: configuração de nexo causal para os transtornos mentais, condutas e encaminhamentos de casos e monitoramento das condições e organização do trabalho. Este instrumento reforça as ações da Vigilância na perspectiva de fortalecer as relações institucionais e de interconexão entre os diferentes tipos de Vigilância em Saúde9. Da mesma forma, a Divisão de Vigilância Sanitária do Trabalho do CEREST de São Paulo construiu um manual com o propósito de facilitar a notificação dos casos de TMRT no SINAN19.
Outras iniciativas foram realizadas com o intuito de se normatizar os processos de estabelecimento de nexo técnico epidemiológico, como instituído na Lei 11.430/2006, do TRT de São Paulo, que provê o aumento no valor dos benefícios da Previdência Social, fortalecendo as perspectivas de reparação e compensação ao trabalhador27. Apesar de não confrontar a gênese do adoecimento em si, reconhece a necessidade do estabelecimento de políticas que atentem à Saúde Mental Relacionada ao Trabalho, o que já representa disposição para a atenção a tais questões.
Leão26 destaca ainda a necessidade de mobilizar os atores sociais do Estado brasileiro para o desenvolvimento de ferramentas de controle das formas de organização do trabalho indutoras de sofrimentos e transtornos. Souza19 ressalta a necessidade das abordagens interdisciplinares no entendimento da constituição da subjetividade do indivíduo com o propósito da promoção da saúde mental. Para tal, ações conjuntas e coordenadas, por diferentes atores, em diferentes níveis de complexidade, são imperativas. Outro aspecto relevante nessa direção é a aproximação da Saúde do Trabalhador com a Atenção Básica, como estrutura de primeiro acolhimento ao indivíduo, reforçando seu caráter de atenção integral e universal, enfatizando-se a atenção psicossocial, ao invés de manter o modelo de atendimento individualizante e manicomial. Novamente o papel social dos trabalhadores ganha relevo na discussão, destacando-se como fundamentais os movimentos sindicais para as ações de Vigilância, devido ao seu papel de representação coletiva dos interesses dos trabalhadores.
Articulações entre os diferentes atores da VISAT são necessárias para uma mudança efetiva que alicerce a adoção de novos modelos de intervenção e a estruturação de leis específicas que coloquem no centro da discussão a própria organização do trabalho e a necessidade de regular as relações que se tecem no seu interior de modo a promover e proteger a saúde dos trabalhadores. Machado e Porto27, no início dos anos 2000, já discutiam as possibilidades das ações intersetoriais como estratégicas para a VISAT, estabelecendo como insuficiente a perspectiva da abordagem sanitária para estabelecer as relações do adoecimento no trabalho.
Para o enfrentamento dos muitos desafios encontrados pela VISAT, fazem-se necessárias ações conjuntas e coordenadas, a nível nacional, que envolvam consensos sobre as ações em saúde mental e a capacitação por meio de encontros para a difusão, a discussão e a reflexão de experiências, como mecanismo inicial deste processo. Cabe, no entanto, o alerta, como aponta Leão e Minayo-Gomez21, de que, embora haja especificidade nas questões relacionadas à saúde mental, não se deve operar no campo exclusivo do que comumente se rotula como “mental”, “psíquico” ou “subjetivo”. As ações sobre as quais se deve lançar luz englobam aspectos mais gerais, envolvendo o processo e a organização do trabalho; portanto, não estão limitadas às ações no campo da clínica. Leão e Brant25 consideram que a questão central para suplantar essa abordagem está na “dessacralização” da perspectiva clínica e epidemiológica para o desencadeamento das ações da Vigilância, devendo-se concentrar os esforços na compreensão da complexidade dos fenômenos inerentes ao sofrimento no trabalho para a produção de informações e de práticas que não sejam baseadas somente no diagnóstico e na quantificação desses fenômenos.
Organização do Trabalho e Saúde Mental: um debate ainda necessário
É necessário o entendimento das relações existentes no mundo do trabalho e suas repercussões para se traçar estratégias na direção de um ambiente saudável para o trabalhador, uma vez que o trabalho tanto pode ser fator equilibrante como fatigante, a depender de como os desejos do indivíduo se manifestem, ou sejam reprimidos28. Identificar os aspectos relacionados ao sofrimento ou prazer, levando em consideração a vivência do trabalhador, é fundamental para conhecer/compreender as relações entre a organização do trabalho e o adoecimento6,21. Os elementos do trabalho interagem dinamicamente entre si e com o trabalhador, o forçando a um processo de adaptação aos processos e cargas de trabalho enfrentados que se convertem em desgaste e, por conseguinte, repercutem em sua capacidade corporal e psíquica23.
O trabalho, gradativamente, tem sido considerado como determinante no processo saúde-doença, consolidando as concepções sobre seu papel na gênese do adoecimento23. Porém, quando se trata da saúde mental e do reconhecimento etiológico de seus agravos específicos, a VISAT se encontra em estado embrionário, enfrentando muitos impasses para o estabelecimento de nexo entre trabalho e adoecimento mental. Ou seja, colocam-se, nesse caso, desafios maiores do que aqueles que são encontrados, por exemplo, na análise de um acidente de trabalho típico, no qual é possível a observância do caráter palpável do agravo, como também de seu agente causador26. Segundo Sato e Bernardo17, o CEREST é percebido pelo trabalhador como um centro voltado apenas para a atenção a problemas físicos causados pelo trabalho, sendo pouco frequente sua procura por demandas relacionadas à saúde mental, em função das características subjetivas que as envolvem, que não são diretamente observáveis, perceptíveis ao olhar desatento, impregnado pelo modelo biológico tradicional de abordagem clínica. Portanto, no que se refere aos TMRT, há dificuldades que se colocam no âmbito da atuação profissional, na qual não estão claramente definidos os critérios de identificação de casos, quanto da percepção dos problemas relacionados à saúde mental pelos próprios trabalhadores.
Tal situação obscurece as questões relacionadas à saúde mental no trabalho. Ou seja, o próprio entendimento do trabalhador pauta-se numa compreensão de adoecimento vinculada ao corpo, dificultando o reconhecimento do adoecimento mental. O isolamento do trabalhador frente ao sofrimento é construído pelas concepções dominantes de sua inadaptação ao trabalho, de compreensão do adoecimento psíquico como falha, fraqueza, inabilidade pessoal. Portanto, sustenta-se em certo apagamento das situações nocivas presentes no contexto laboral. O próprio trabalhador, que deveria ser protagonista nas ações da Vigilância, por melhor entender a si e ao trabalho que executa, é capturado pelo discurso de culpabilização imposta pelo capital e sucumbe diante da “sorte” em estar trabalhando. Essa dimensão é reforçada nos estudos de Freire18, que identificou uma habitual tentativa de inviabilização de diagnósticos dos agravos psíquicos relacionados ao trabalho nos discursos dos técnicos do SUS, peritos do INSS, técnicos dos Serviços de Saúde e de Medicina do Trabalho das empresas e, até mesmo, nos sindicatos. Apagadas ou naturalizadas as contribuições do trabalho no processo de adoecimento mental, posto que suas origens repousam, sobretudo, em aspectos relacionais e psicossociais, resta a ideia de que o trabalhador é o responsável pela sua situação ou até mesmo que este simula a doença para se beneficiar. Tanto os trabalhadores, quanto os demais atores envolvidos, reforçam a concepção de que as características do trabalho decorrem da sua natureza própria, logo, são condições inerentes ao exercício da atividade laboral. Assim, se aceitam situações que seriam insustentáveis.
Esta relação de submissão é materializada no medo do afastamento do trabalho. Segundo Minayo-Gomez e Thedim-Costa29, os estados de degradação da saúde mental podem implicar longo período de afastamento do trabalho e no medo do desemprego, confirmados no estudo de Souza19 como cristalizantes de situações que empurram o trabalhador para o isolamento, intensificando e agravando o sofrimento. Frequentemente, o adoecimento mental torna-se visível quando a situação encontra-se agravada e não é mais possível ocultá-la ou subestimá-la.
Tal situação decorre do modelo de acumulação flexível, da precarização social do trabalho como estratégia de dominação1. Nesse modelo, a condição de desemprego e ameaça permanente da perda do emprego produzem o isolamento dos trabalhadores, gerando a perda de vínculos e da perspectiva coletiva de enfrentamento. Sentimentos de insegurança provocados pela descartabilidade eminente, desvalorização e exclusão quebram o sentido de solidariedade entre os trabalhadores, passando a predominar a concorrência entre eles. Isolados pela heterogeneidade de vínculos empregatícios, divisão e concorrência, as potenciais ações dos trabalhadores fragmentam-se, fragilizando, sobretudo, a ação dos sindicatos. O baixo grau de proteção social advindo desse processo atinge todas as formas de adoecimento, mas é particularmente cruel no caso da doença mental uma vez que lhe falta a materialidade que a doença física ou o acidente de trabalho possuem. Nesse caso, a vivência do adoecer como incapacidade individual é mais intensivamente experimentada pelo trabalhador2.
Como se observa, das relações entre características do trabalho e adoecimento mental ainda é algo a ser construído, o que pode ser facilmente constatado pela completa ausência de qualquer regulação dos aspectos relacionados à organização do trabalho, embora farta literatura científica evidencie essa relação. Minayo-Gomez e Thedim-Costa29 apontam a centralidade dos determinantes psicossociais neste processo: a divisão sexual do trabalho e as relações desiguais de gênero, o assédio, o não reconhecimento social, a desqualificação e a ausência de autonomia e controle sobre o próprio trabalho são considerados como condicionantes ao sofrimento e ao esgotamento profissional. Destacam a intensa fragmentação das tarefas, a ausência de domínio das etapas do trabalho e a supressão do prazer em trabalhar como situações devastadoras à saúde do trabalhador.
Diante de situações que produzem sofrimento no mundo do trabalho, emergem as estratégias de defesa coletiva5. O trabalhador constrói e desconstrói o sentido de seu trabalho, tornando possível o seu desenvolvimento em condições adversas. Estas estratégias minimizam o sofrimento, mas não representam a restauração da saúde do trabalhador e nem possibilitam a supressão dos determinantes para o adoecimento. Direcionar o foco da vigilância das ações de registros e notificações das doenças para ações que contemplem as fontes geradoras do adoecimento na organização do trabalho, é fundamental.
Ações e Intervenções no processo da VISAT e SMRT
As limitações conceituais e de práticas da Vigilância em Saúde do Trabalhador em Saúde Mental ficam evidentes na medida em que contemplam ações em esferas muito restritas como a notificação e alguns poucos protocolos clínicos. Conciani e Pignatti24 retratam o isolamento dessas ações, que são pontuais e assistemáticas, além de insuficientes para intervir sobre as fontes de produção do adoecimento mental.
Segundo Daldon e Lancman23, investimentos para a criação de rotinas efetivas nas ações de vigilância são indispensáveis. Leão26 destaca que tais ações precisam ter caráter sistemático, com foco nos processos de trabalho, visando proporcionar transformações no contexto laboral, redução ou eliminação de fatores associados aos processos do adoecimento presentes na organização do trabalho, ancoradas no papel ativo do trabalhador, na necessidade de espaços para a interlocução com os trabalhadores, com valorização de suas perspectivas e entendimentos sobre sua atividade.
Portanto, compreender o trabalhador como detentor do conhecimento sobre sua atividade é apenas uma etapa para o processo da vigilância, que precisa envolver outros atores para que o desdobramento em ações ocorra de forma mais estruturada e consequente. Cardoso e Araújo20 destacam a importância da participação de todos os níveis de atenção do SUS nessas ações, sugerindo a ampliação das relações inter e intrasetoriais em toda a RENAST, destacando o papel dos CEREST e principalmente dos CAPS, além da própria articulação entre as Vigilâncias.
Assim, cabe reforçar a necessidade de articulação da VISAT com os demais serviços da rede de atenção à saúde, seja no sentido de integrar-se às demais vigilâncias (ambiental, epidemiológica, sanitária) seja com as outras redes de atenção, como a Rede de Atenção Psicossocial e a Atenção Básica importantes no acolhimento, prevenção, promoção e recuperação da saúde mental26. Segundo Conciani e Pignatti24, a ausência das ações da Vigilância para a SMRT contribuiu para aumentar a lacuna existente entre os CEREST e a Rede do SUS, lhe dando caráter de isolamento e, consequentemente, de invisibilidade, que perdura, materializada na precariedade de boa parte das ações atuais.
Há registro de iniciativas de articulação dos CEREST com os CAPS, no qual se busca superar os enormes desafios encontrados, porém, estas ações são pontuais e muito distintas nas diferentes regiões do país20. Atrelado a este emaranhado difuso de ações, salienta-se que os modelos da atenção predominante nas ações da VISAT em Saúde Mental são pautados nos moldes médico-ambulatoriais, de caráter curativo e reducionista19,25, indo de encontro às concepções integradoras do modelo psicossocial defendido na Lei Orgânica da Saúde. Daldon e Lancman23 reforçam a necessidade da descentralização dos serviços, como essencial para as estratégias da VISAT, dando relevo ao papel da Atenção Básica e aos Agentes Comunitários de Saúde como alternativa de acesso aos serviços do SUS também em saúde do trabalhador e em saúde mental e trabalho. Este processo de articulação e descentralização de responsabilidades coloca o município como grande responsável pelas ações da VISAT. Nesse processo é evidente também a necessidade de redefinição destes serviços de saúde em bases que questionem o modelo dominante centrado na doença20.
Apesar dos muitos desafios na construção e na efetivação de políticas para a saúde do trabalhador, cabe destacar que muito já se avançou, especialmente com o estabelecimento de uma Politica Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora30. Para garantir e ampliar esses avanços, são fundamentais o comprometimento ético dos profissionais de saúde, a defesa de um sistema de saúde público e integral e o fortalecimento de iniciativas que incorporem os trabalhadores e suas instituições representativas como protagonistas dos processos de definição e implementação das ações em saúde do trabalhador.
Considerações Finais
Apesar das conquistas alcançadas, como a obrigatoriedade da notificação de TMRT e o NTEP, ainda existem muitos desafios a serem enfrentados. Importantes problemas permanecem: subnotificação; pouca ou nenhuma articulação entre os atores envolvidos; ausência de acompanhamento dos casos, adoção de modelos de atuação ainda centrados na doença com intervenção medicalizante; ações reducionistas e pontuais; dificuldades no estabelecimento de nexo causal; ausência de um protocolo único norteador. Por outro lado, há esforços significativos para se fortalecer a Rede no que tange a VISAT e a SMRT, materializado na construção de instrumentos como o Protocolo de Atenção à Saúde Mental e Trabalho, e a promoção de encontros nacionais que visam a reflexão e a construção de um novo modelo de Vigilância em Saúde do Trabalhador, para enfrentar os enormes desafios que ainda persistem no campo de SMRT. Deve ganhar relevo nesses esforços as ações para identificar os fatores determinantes do sofrimento e adoecimento mental presentes na organização do trabalho, dando à VISAT a perspectiva transformadora que dela se espera.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Out 2017
Histórico
-
Recebido
30 Maio 2017 -
Revisado
26 Jun 2017 -
Aceito
13 Jul 2017