Resumo
No Brasil, as Práticas Integrativas e Complementares (PIC) tiveram maior visibilidade após a criação da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares, em 2006. Contudo, ainda existem lacunas sobre o cenário geral dessas práticas. O objetivo deste estudo foi analisar a implementação, o acesso e o uso das PIC no Sistema Único de Saúde (SUS) após a implantação da política. Foi realizada uma revisão integrativa da literatura, guiada pela questão: “Qual o atual cenário de implementação, acesso e utilização das PIC no âmbito do SUS?”, na Biblioteca Virtual em Saúde, na US National Library of Medicine e na Web of Science, com os descritores “Sistema Único de Saúde”/“Unified Health System” AND “Terapias complementares”/“Complementary Therapies”. Da análise dos artigos, emergiram quatro categorias de discussão: “A abordagem das PIC no SUS: principais práticas usadas”; “O acesso às PIC: a Atenção Básica à Saúde como porta de entrada”; “Atual cenário de implementação das PIC: o preparo dos serviços e dos profissionais da saúde para a realização das PIC”; “Principais avanços no uso das PIC e desafios futuros”. Observa-se que as PIC são oferecidas de forma tímida e os dados disponíveis são escassos, apesar dos reflexos positivos para os usuários e para os serviços que aderiram à sua utilização.
Palavras-chave Sistema Único de Saúde; Terapias complementares
Abstract
In Brazil, the Integrative and Complementary Practices (ICP) achieved greater visibility after the establishment of the National Integrative and Complementary Practices Policy (NICPP) in 2006. However, there are still gaps in the general setting of these practices. Thus, this study aimed to analyze the implementation, access and use of ICPs in the Brazilian Unified Health System (SUS) after the establishment of this policy. We performed an integrative literature review, guided by the question: “What is the current setting of implementation, access and use of ICPs within the SUS?”, in the Virtual Health Library (BVS), the U.S. National Library of Medicine and in the Web of Science, with descriptors “Sistema Único de Saúde” / “Unified Health System” AND “Terapias Complementares” / “Complementary Therapies”. The analysis of papers gave rise to four categories for discussion: “The ICP approach in the SUS: main practices used”; “Access to ICPs: Primary Health Care as a gateway”; “Current implementation scenario of ICPs: the preparation of health services and professionals for to implement ICPs”; “Main advances in the use of ICPs and future challenges”. We have observed that ICPs are bashfully offered and that data available are scarce, despite the positive impacts on users and services that have embraced their use.
Key words Unified Health System; Complementary therapies
Introdução
Desde a década de 1990, o uso das Práticas Integrativas e Complementares (PIC) tem aumentado em proporções mundiais1. O seu crescimento e visibilidade ocorreram, principalmente, com estímulo da Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2002, por meio da elaboração de um documento normativo para seus países membros. Este documento visa o desenvolvimento e a regulamentação de tais práticas nos serviços de saúde, bem como a ampliação do acesso, do uso racional e da avaliação da eficácia e da segurança de tais técnicas a partir de estudos científicos2.
Neste cenário, em 2006, o Ministério da Saúde (MS), por meio da Portaria nº 971/2006, publicou a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde (SUS), com o intuito de garantir a integralidade nos serviços de saúde3. A partir de então, a oferta e o estímulo ao uso das PIC, como a fitoterapia, a homeopatia, a acupuntura, dentre outras, foi legitimada no SUS, ampliando a utilização dessas práticas4.
É importante ressaltar, que a implantação da PNPIC teve caráter político, técnico, econômico, social e cultural, uma vez que estabeleceu diretrizes nacionais para o uso das PIC, a partir de experiências e práticas já adotadas nos serviços de saúde que obtiveram resultados satisfatórios3. Tal fato possibilitou ainda mais a difusão dessas práticas em diversos pontos do país.
Nesse contexto, o Brasil tem se destacado como um dos 69 Estados-Membros da OMS que possuem políticas e estratégias específicas para o uso das PIC5. Após a criação da PNPIC, 30% dos municípios brasileiros adotaram regulamentação própria para o uso dessas terapias, o que indica um importante incremento das práticas na atenção à saúde; e a Atenção Básica à Saúde (ABS) é um dos principais ambientes para a sua aplicação4.
Diante disso, torna-se imperativo analisar o atual cenário de oferta dessas práticas no país, bem como o acesso a elas e sua utilização nos serviços de saúde pública. Assim, o objetivo desse estudo foi analisar a implementação, o acesso e o uso das PIC no SUS, por meio de revisão da literatura nacional publicada após a implantação da PNPIC.
Método
Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, fundamentada nas etapas propostas por Whittemore e Knafl6, com a seguinte questão norteadora: “Qual o atual cenário de implementação, acesso e utilização das Práticas Integrativas e Complementares no âmbito do Sistema Único de Saúde?”.
Foram realizadas buscas na Literatura Latino-americana em Ciências da Saúde (LILACS), Base de Dados de Enfermagem (BDENF), HomeoIndex e Índice Bibliográfico Espanhol de Ciências de Saúde (IBECS) via Biblioteca Virtual em Saúde (BVS); na Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE) via US National Library of Medicine (PUBMED) e na Web of Science, por dois pesquisadores independentes, com descritores padronizados extraídos dos Descritores em Ciências da Saúde (DECS) e o operador booliano AND, que resultaram na combinação: “Sistema Único de Saúde” / “Unified Health System” AND “Terapias complementares” / “Complementary Therapies”.
Adotaram-se como critérios de inclusão artigos publicados no período de 2006 a 2017, nos idiomas português, inglês e espanhol, com o resumo disponível na base de dados, e que foram realizados em cenário nacional. Os estudos que não responderam à questão norteadora foram excluídos.
Primeiramente, os artigos foram selecionados, por dois pesquisadores independentes, pela leitura do título e do resumo, de acordo com a questão norteadora e com os critérios de elegibilidade. Após a seleção, eles foram lidos na íntegra e, para coleta e avaliação dos dados, aplicou-se um instrumento elaborado pelos pesquisadores, adaptado de Ursi7. Tal instrumento foi composto pelos itens: título do artigo; autores e ano de publicação; objetivo(s) do estudo; características metodológicas; nível de atenção em saúde (primário, secundário e terciário) em que o estudo foi realizado; resultados; e conclusões.
A Figura 1 apresenta o fluxograma de seleção dos artigos.
Resultados
O Quadro 1 apresenta as principais informações extraídas dos artigos selecionados.
Em relação ao tipo de PIC utilizadas, 23,52% dos estudos abordaram a fitoterapia8-11, 17,64% a homeopatia12-14, 5,90% a acupuntura15 e 52,94% dos estudos avaliaram as PIC de um modo geral16-24.
Referente ao nível de atenção onde as práticas foram realizadas, 52,94% ocorreu no nível primário de atenção8,10-12,16,19-21,24 e 17,65% no nível primário e/ou secundário15,22,23. Outros autores (29,41%) fizeram a abordagem das práticas no cenário geral do SUS9,13,14,17,18. Identificou-se, ainda, que todos os artigos analisados apresentavam o nível IV de evidência. Além disso, os temas mais abordados foram: as principais PIC adotadas no SUS, o acesso a essas práticas, e o preparo dos serviços e dos profissionais da saúde para a implementação e utilização das mesmas. A partir desses temas, foram elaboradas as categorias de discussão.
Discussão
A abordagem das PIC no SUS: principais práticas usadas
Inicialmente, a PNPIC elencava apenas cinco PIC em suas diretrizes para serem empregadas no SUS com o intuito de promover a recuperação, a manutenção e a prevenção da saúde dos usuários, além da cura de algumas doenças, são elas: a Medicina Tradicional Chinesa/Acupuntura; a Homeopatia; as Plantas Medicinais/Fitoterapia; o Termalismo/Crenoterapia; e a Medicina Antroposófica25. Entretanto, ao reconhecer a crescente utilização de outras práticas baseadas em conhecimentos tradicionais pela população de uma forma em geral, o MS incluiu, entre os anos de 2017 e 2018, novos recursos terapêuticos à PNPIC, por meio da Portaria nº 849/201726 e da Portaria nº 702/201827. Com as medidas, o SUS passou a ofertar, atualmente, 29 dessas práticas.
Diante das opções de PIC incentivadas pela política, os resultados deste estudo mostram que muitas dessas não foram abordadas pelos autores ou foram apenas citadas, sem aprofundamentos. Houve, com isso, o predomínio de estudos que abordaram várias práticas na mesma investigação, como por exemplo: a acupuntura, a homeopatia, a fitoterapia, entre outras, analisando a implantação e organização dessas e o conhecimento dos usuários e dos profissionais sobre as PIC16,19,20,22-24; bem como daqueles estudos que apontaram um contexto geral das terapias no SUS, sem fazer especificação das práticas usadas17,18,21. Assim, foi possível observar a escassez de estudos que aprofundassem o uso de algumas práticas, como o Termalismo/Crenoterapia e a medicina Antroposófica, apontando uma lacuna para a utilização dessas no SUS. Entretanto, isso pode ser um reflexo da baixa oferta de tais terapias nos serviços, o que impossibilita a discussão dessas práticas nos estudos analisados.
Dentre os estudos que analisaram práticas de maneira específica, destaca-se a utilização da fitoterapia8-11 e da homeopatia12-14. A acupuntura foi investigada de modo isolado apenas por Silva e Tesser15. Entretanto, tanto a homeopatia quanto a acupuntura, mesmo nos estudos que analisaram várias práticas em conjunto, se destacaram como aquelas que apresentam maior adesão pelos usuários e maior oferta pelos serviços15,21,22. Esse fato vai ao encontro de dados apresentados pelo MS, em 2008, que demonstram maior interesse por parte do governo e da população nessas terapias quando comparadas às demais28.
Embora os mecanismos de ação da acupuntura29,30 e da homeopatia31,32 ainda não sejam totalmente claros e, por vezes, inconclusivos, os seus benefícios têm sido demonstrados em diferentes estudos, para diferentes enfermidades33-36. Com isso, a adesão a esses tratamentos é cada vez mais progressiva, de forma que 80% dos 129 países membros da OMS já reconhecem a acupuntura como um tratamento de saúde5, e a homeopatia é uma das PIC mais indicadas em países europeus, a exemplo da França37.
As PIC, em geral, podem ser vistas como uma importante estratégia de assistência à saúde, especialmente por considerarem a pessoa em sua integralidade, diferenciando-se do modelo biomédico23. A procura pelas PIC dá-se, na maioria das vezes, por motivos complexos, que envolvem desde fatores como o baixo perfil de efeitos adversos, passando pelo efeito natural de estímulos à cura de dentro para fora; pela busca de complementação do tratamento alopático; pelo acolhimento e escuta qualificada realizada durante a consulta; assim como, pela compatibilidade de tais práticas com os valores, as crenças e a filosofia de saúde e de vida do usuário17,38. Além disso, elas podem ser percebidas como um potencial para redução no consumo de medicamentos15.
Tesser39 ressalta ainda que os motivos que levam os usuários a procurar tais tratamentos podem estar associados a fatores socioeconômicos importantes. Em países pobres a cultura local, o fácil acesso às práticas alternativas, o alto custo da medicina convencional e a pouca oferta de recursos da biomedicina, facilitam a procura pela medicina complementar. Entretanto, em países ricos, a insatisfação com o modelo biomédico e os próprios benefícios das PIC são os fatores que incentivam essa procura.
O acesso às PIC: a Atenção Básica à Saúde (ABS) como porta de entrada
Uma vez que a ABS deve ser o primeiro contato e a porta de entrada do usuário para a rede de atenção à saúde, de acordo com a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB)40 é possível inferir que esse nível de atenção constitui locus privilegiado para a implementação das PIC no sistema público de saúde brasileiro. De fato, dados do MS apontam que as PIC são ofertadas, em sua grande maioria, nos serviços de atenção básica41.
Um estudo recente42, realizado em Florianópolis, apontou que normalmente os profissionais da ABS incentivavam o uso das PIC ainda durante a consulta com o paciente e iniciam o tratamento logo que possível, muitas vezes durante a própria consulta. Nesse sentido, o tratamento com as PIC pode se configurar, em alguns casos, como a abordagem inicial, sendo o tratamento convencional a segunda opção, se necessário, ou complementar à abordagem das PIC. Além disso, a disponibilidade das PIC nos serviços de ABS pode promover um maior diálogo dos profissionais com os usuários sobre qual terapia usar, a convencional ou as PIC, e isso pode ter efeito positivo neste contato42.
No presente estudo, alguns autores apontam serviços de atenção secundária15,22,23 como forma de acesso às PIC. Contudo, para a concretização desses locais como um campo de cuidado e oferta de tratamentos complementares, é necessária a aproximação dos profissionais de ambos os níveis de atenção, primário e secundário, para que estes se consolidem como uma rede de cuidados integrais e de acesso universal às PIC, considerando os princípios e fundamentos de cada uma das práticas23.
Embora o uso de PIC em ambientes de atenção secundária e terciária seja mais restrito, observa-se uma tendência, ainda que tímida, para a sua utilização também nesses níveis, visto que 1.708 municípios brasileiros oferecem as PIC, sendo 78% na ABS, 18% na atenção secundária e 4% na atenção terciária43. Contudo, ao considerar a ABS como o nível de atenção com a maior capacidade de desenvolver ações de prevenção e de recuperação da saúde, o uso das PIC nesses serviços é o mais indicado. Soma-se a isso o fato de que tais práticas não necessitam de recursos tecnológicos sofisticados, oferecem menores riscos de efeitos colaterais quando comparados aos tratamentos convencionais, e necessitam de menos recursos financeiros, o que torna a assistência em saúde menos onerosa e com qualidade, além de proporcionar resultados satisfatórios2,44.
Todavia, a dificuldade de acesso às PIC nos diversos níveis de atenção, principalmente no secundário e terciário, pode estar relacionada à falta de conhecimento dos profissionais sobre o uso dessas práticas. Além disso, ressalta-se o fato de que muitos destes não entendem a importância ou não têm habilidade adequada para indicar ou aplicar tais práticas16,18.
Apesar dessa dificuldade, a sua oferta nos serviços é aceita e esperada, sobretudo pelos usuários17,19. Desse modo, é observado um movimento dos municípios brasileiros para implantar o uso das PIC nos últimos anos9. Porém, é essencial que a gestão local incentive o fortalecimento e o uso dessas práticas e proporcione condições para que as mesmas sejam oferecidas à população, por meio de sua divulgação e apoio, seguindo as recomendações da PNPIC11,22.
Atual cenário de implementação das PIC: o preparo dos serviços e dos profissionais da saúde para a realização das PIC
Para o uso das PIC no SUS, os recursos humanos são essenciais. Nesse contexto, a formação profissional é considerada como uma importante lacuna para o sucesso da implementação das práticas13,16,22. O desconhecimento da PNPIC, bem como das terapias abordadas na política dificulta a adesão, tanto de profissionais quanto dos serviços, na oferta das práticas13,14.
No Brasil, além de médicos, outros profissionais da saúde, como enfermeiros, fisioterapeutas, farmacêuticos, entre outros, são habilitados para o uso de diversas práticas estimuladas pela política3. Porém, a baixa adesão a especializações na área das intervenções complementares e a deficiência no ensino sobre as finalidades do uso das PIC, durante a formação, impedem melhor aperfeiçoamento dos profissionais da saúde9, embora muitos demonstrem interesse na capacitação e concordância com o uso das práticas nos serviços21.
Uma das principais dificuldades apontadas pelos gestores para a implementação dessas terapias é a resistência por parte de alguns profissionais de saúde, atribuída à escassez de evidências científica e falta de apoio logístico e estrutural da gestão local11. Considera-se, portanto, este um importante problema, visto que a atitude positiva dos profissionais em relação a essas práticas é relevante para o estímulo no uso das PIC pelos usuários15.
Outro fato que chama a atenção está relacionado à expansão das PIC no SUS. Entretanto, esse aumento foi mais expressivo a partir da aplicação das práticas por profissionais não médicos45, o que exige de outros membros da equipe a ampliação do conhecimento sobre os tratamentos complementares e a conquista do espaço para a utilização de tais práticas8. Para isso, é importante e necessário apoio e incentivo de gestores na oferta desses recursos, de modo a resgatar a dimensão humanística do atendimento em saúde13.
Nesse contexto, a ampliação dos saberes sobre a política e as PIC, bem como o incentivo aos profissionais, por meio, por exemplo, de educação permanente, podem ser estratégias eficazes na concretização e ampliação da implantação da PNPIC e melhoria do acesso às práticas nos serviços de saúde no âmbito do SUS.
Mesmo que ainda existam poucas pesquisas brasileiras sobre a educação permanente voltada para essas práticas, Santos e Tesser46 apresentam um método de implantação e promoção de acesso às PIC na ABS, baseado em experiências prévias, constituído de quatro fases sequenciais. A Primeira fase estabelece as pessoas responsáveis, que irão conduzir esse processo (preferencialmente profissionais com experiência em PIC). Na Segunda fase será realizada uma análise situacional, em que esses profissionais, atuantes ou não, serão mapeados e recrutados para que, por meio de discussões de implantação e acesso, realizem um levantamento sobre questões que dificultam o acesso às PIC, sobre as estratégias de organização das ações, sobre o fluxo de atendimento dos serviços e sobre a formalização das ações desenvolvidas, fazendo uma análise situacional local das PIC.
Durante a Terceira fase ocorrerá a regulamentação, estabelecendo-se as normas e adequações para o desenvolvimento das PIC em consonâncias com a política vigente (PNPIC) e, por fim, durante a Quarta fase, acontece a implantação, realizada de modo cíclico e contínuo, que será influenciada pela capacidade produtiva do pessoal responsável46.
Esse modelo pode auxiliar gestores e profissionais de maneira estratégica na ampliação de serviços já existentes ou implementação de novos serviços que facilitarão e/ou permitirão o acesso da população em geral às PIC. Com isso, é provável que sejam necessários investimentos iniciais e capacitação contínua dos profissionais da rede, com o objetivo de atender a demanda de modo qualificado e resolutivo. Contudo, com o passar do tempo, pode haver redução dos valores e maior qualidade de atendimento nos serviços, visto que a maioria das práticas necessita de baixo custo operacional e apresenta resultados rápidos e satisfatórios.
Principais avanços no uso das PIC e desafios futuros
Apesar do aumento no uso das PIC nos últimos anos, o seu potencial terapêutico e suas contribuições para a saúde ainda são pouco explorados no SUS8,9. Mesmo que o MS tenha avaliado de modo positivo esse aumento47, existem lacunas, como a avaliações das PIC nos serviços e melhor acompanhamento do impacto causado pela política.
Além disso, a preeminência do modelo biomédico atual somado à tendência mercadológica na área da saúde, que transforma os saberes e práticas em mercadorias, pode ser uma importante limitação nos avanços esperados para essas prática17. Desse modo, existe o desafio de aprofundar o cuidado em um modelo integral de assistência, superando a supremacia da lógica de serviços baseados na biomedicina18.
Outros desafios importantes estão relacionados à capacitação e ao incentivo dos membros da equipe de saúde, ao apoio aos profissionais não médicos, assim como a percepção e a compreensão das perspectivas das PIC. Estes fatores são essenciais para o sucesso da inserção das PIC no SUS20 e para que os princípios da PNPIC sejam assegurados, contribuindo para a promoção da saúde em toda rede de atenção22.
Limitações do estudo e sugestões para estudos futuros
A utilização de apenas dois descritores controlados (“Sistema Único de Saúde” e “Terapias complementares”) pode ter reduzido o número de artigos avaliados quanto aos critérios de elegibilidade do estudo. Nesse sentido, para estudos futuros, sugere-se a inclusão de outros descritores mais específicos, como, por exemplo, “Níveis de atenção à saúde” ou “Atenção Primária à Saúde”, além de especificar as PIC, especialmente as mais prevalentes, nos campos de busca (como a fitoterapia, a homeopatia, a acupuntura, as práticas corporais, entre outras), a fim de ampliar a gama de resultados obtidos.
Considerações finais
Considera-se, após uma década de implantação da política, que as PIC são oferecidas de forma incipiente no SUS e a escassez de dados sobre determinadas práticas mostram-se como uma limitação sobre o atual cenário dessa abordagem. Entretanto, é possível observar reflexos positivos para os usuários e para os serviços que aderiram à sua utilização, mesmo que ainda existam desafios em sua implementação, no seu acesso, no seu uso e na formação de profissionais capacitados.
Assim, são necessários novos estudos com abordagem histórica das práticas complementares após a criação da PNPIC e quais os impactos foram provocados na saúde pública brasileira, bem como o incentivo no aperfeiçoamento profissional, principalmente para os trabalhadores da atenção básica, como uma ferramenta fundamental para o sucesso da implantação, do acesso e do uso das PIC no SUS.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
28 Out 2019 -
Data do Fascículo
Nov 2019
Histórico
-
Recebido
19 Jul 2017 -
Aceito
20 Abr 2018 -
Publicado
22 Abr 2018