Open-access Estudo quanti-qualitativo sobre amamentação exclusiva por gestantes de alto risco

A quantitative and qualitative study of exclusive breastfeeding intention by high-risk pregnant women

Resumo

O objetivo nesta pesquisa foi avaliar a intenção de amamentação de gestantes de alto risco e fatores relacionados. Trata-se de um estudo transversal, quanti-qualitativo, com 1.118 gestantes de alto risco que realizaram pré-natal em centro especializado no Sistema Único de Saúde. As variáveis dependentes foram intenção de amamentação exclusiva, período pretendido e condições que poderiam interferir na amamentação. Para processamento dos dados, foram utilizados o software Epi Info 7.4.1, Bioestat 5.3 e IRAMUTEQ 0.7.2.0. Os resultados mostraram que 8,76% das gestantes apresentavam condições que poderiam afetar o aleitamento. A pretensão de amamentação exclusiva foi afirmada por 93,83%, sendo 69,86% até os seis meses, demonstrando associação com as variáveis sociodemográficas (p<0,05). O período pretendido para amamentar apresentou associação com idade (p=0,0041), estado civil (p=0,0053) e escolaridade (p=0,0116). Os principais motivos para a recusa da amamentação exclusiva foram os seguintes: HIV, uso de medicação, trabalho e falta de informação. Conclui-se que uma pequena parcela das gestantes de alto risco apresentava condições que poderiam interferir na amamentação. A maioria delas pretendiam amamentar exclusivamente no peito por um período de seis meses.

Palavras-chave Gravidez de alto risco; Aleitamento Materno; Pesquisa Qualitativa

Abstract

The scope of this research was to assess the breastfeeding intention among high-risk pregnant women and related factors. It is a cross-sectional, qualitative and quantitative study, with 1,118 high-risk pregnant women who attended the prenatal care unit at a specialized center of the Unified Health System. The dependent variables were exclusive breastfeeding intention, intended duration and conditions that might interfere with breastfeeding. The Epi Info 7.4.1, Bioestat 5.3 and IRAMUTEQ 0.7.2.0 programs were used for data processing. The results showed that 8.76% of the pregnant women had conditions that could affect lactation. Among the women, 93.83% affirmed having exclusive breastfeeding intention, of which 69.86% intended to breastfeed until the child was six months old, revealing an association with sociodemographic variables (p<0.05). The intended breastfeeding duration was related to the age (p=0.0041), marital status (p=0.0053) and level of education (p=0.0116). The main reasons reported for not providing exclusive breastfeeding were the following: HIV, use of medications, work and lack of information. This research concluded that a small cohort of high-risk pregnant women presented conditions that could interfere with breastfeeding. Most of them intended to breastfeed exclusively for six months.

Key words High-risk pregnancy; Breastfeeding; Qualitative Research

Introdução

A amamentação é considerada uma das principais estratégias para a nutrição da criança na primeiríssima infância, acarretando na redução da mortalidade infantil. Por esse motivo, vem sendo amplamente recomendada por instituições internacionais e nacionais, como a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), a Aliança Mundial para Ações de Amamentação (World Alliance for Breastfeeding Action - WABA) e o Ministério da Saúde1-5.

Para o desenvolvimento e o incentivo de práticas de aleitamento materno por profissionais da área da saúde, a OMS, em parceria com a UNICEF, propôs os Dez Passos para o Sucesso do Aleitamento Materno, em 1992, visando a implantar o Hospital Amigo da Criança6. Esses passos, revisados recentemente, abrangem a criação de uma rotina para ser seguida, um treinamento para todos os profissionais de saúde do local, o incentivo às gestantes sobre os benefícios e a importância da amamentação na primeira hora após o parto, o alojamento conjunto entre mãe e bebê e a desmotivação da inserção de bicos artificiais para crianças em período de amamentação1,7.

No Brasil, a estratégia Rede Cegonha – regulamentada pelas Portarias nº 1.459, de 24/06/2011, e nº 650, de 05/10/2011 – tem a finalidade de estruturar e organizar a atenção à saúde materno-infantil no país por meio de quatro componentes: pré-natal; parto e nascimento; puerpério e atenção integral à saúde da criança; e o sistema logístico8.

Os benefícios promovidos pela amamentação são vários tanto para o bebê quanto para a mãe. Dentre os benefícios para o bebê, destacam-se a diminuição de doenças respiratórias e de diarreias, menor desnutrição infantil, melhora no desenvolvimento neurológico, diminuição do risco do desenvolvimento de diabetes e obesidade, contribuição para o desenvolvimento correto do sistema estomatognático e estabelecimento de uma oclusão dentaria favorável. Dentre os benefícios para as mães, sobressaem-se a ajuda na redução do volume uterino e do peso, diminuição do risco de hemorragia pós-parto e diminuição das chances de desenvolvimento de diabetes crônica em casos de diabetes gestacional9-13.

O incentivo à amamentação deve ser iniciado ainda na gestação para que possíveis barreiras que possam impedir a amamentação ou acarretar o desmame precoce sejam identificadas e prevenidas assim que possível14.

Segundo o Ministério da Saúde, condições físicas, psicológicas ou ambientais da gestante, presentes antes ou durante a gestação, e alterações no desenvolvimento fetal podem levar à denominada gestação de alto risco. Dentre esses fatores, destacam-se os seguintes: alterações no desenvolvimento fetal, gestação gemelar e trigemelar, adolescência, idade avançada, doenças infectocontagiosas e sexualmente transmissíveis, toxoplasmose, tuberculose, lúpus, hipertensão, diabetes, depressão, uso de drogas ilícitas e lícitas, uso de medicamentos contínuos que podem causar danos à gestação ou ao bebê, entre outras15.

As gestantes de alto risco merecem atenção especial, tanto nos cuidados durante a gravidez quanto no período de aleitamento, pois algumas condições podem ser desfavoráveis para o aleitamento materno.

Estudos sobre aleitamento materno demonstraram taxas que variaram entre 20% a 59% de amamentação exclusiva em crianças menores de seis meses7,13,16-19. Para recém-nascidos prematuros de baixo peso, as taxas variam entre 19,5% a 76% de aleitamento materno exclusivo no âmbito hospitalar, caindo mais 50% no período após alta do bebê e o primeiro retorno ao ambulatório19,20.

As causas de desmame precoce são diversas, destacando-se a falta de orientação e acompanhamento das mães, a não amamentação na primeira hora após o parto, o parto cesáreo, a condição socioeconômica materna desfavorável, o trabalho materno e a introdução de bicos artificiais e fórmulas lácteas precoces na alimentação dos bebês7,13,16-18,21,22.

Em relação às gestantes de alto risco, além dos motivos já expostos, podem existir outros fatores impeditivos e/ou complicadores para o aleitamento materno exclusivo, muitas vezes desconhecidos pela maioria delas. As informações sobre as condições em que a amamentação deve ser interrompida ou não deve ser recomendada são pouco divulgadas para as gestantes e suas famílias; além disso, são escassos os estudos com gestantes de alto risco, talvez devido às dificuldades de acesso a elas, sejam nos domicílios ou nos serviços de saúde, referência para atenção secundária.

Considerando a relevância do aleitamento materno para a saúde materno-infantil, o objetivo nesta pesquisa foi verificar a intenção de amamentação por gestantes de alto risco, atendidas no serviço público de saúde.

Metodologia

Trata-se de uma pesquisa transversal, quanti-qualitativa, tipo inquérito, com gestantes de alto risco que realizaram o pré-natal no período de janeiro de 2016 a novembro de 2017 em uma unidade de atenção secundária do SUS.

O Ambulatório Médico de Especialidades (AME) do estado de São Paulo foi selecionado por ser o local de referência do serviço público de saúde para 28 municípios nos casos em que a condição de saúde da mãe e/ou do bebê apresentam alterações que possam comprometer a saúde materno-infantil, ou seja, quando há gestação de alto risco. A partir do AME, as gestantes também podem, em caso de necessidade, ser referidas para a unidade hospitalar terciária, complementando o acompanhamento, no entanto, nesses casos, o vínculo inicial com o AME mantém-se durante toda a gestação.

A amostra foi inicialmente composta por 1.200 gestantes. Entretanto, 82 entrevistas foram perdidas por não responderem aos critérios qualitativos do estudo. Os critérios de inclusão utilizados foram os seguintes: gestantes que apresentavam alterações consideradas de alto risco e que estavam em condições físicas e emocionais para responder à entrevista e gestantes que consentiram em participar da pesquisa.

As entrevistas foram realizadas por pesquisadores calibrados previamente ao estudo, empregando-se formulário específico com questões sobre o perfil das pacientes, motivo para encaminhamento ao serviço especializado, histórico de gestações anteriores, pretensão de amamentação exclusiva e complementar, orientação prévia e apoio familiar para a amamentação. Os motivos para amamentação exclusiva foram investigados por meio de questão aberta. Um estudo piloto foi realizado com 160 gestantes para adequação do formulário e ajustes na coleta de informações; contudo, esses dados não foram utilizados nesta pesquisa.

A abordagem para inclusão das gestantes na pesquisa foi realizada, preferencialmente, na primeira consulta pré-natal de alto risco no local da pesquisa. No entanto, a determinação do risco gestacional ocorre em cada consulta pré-natal de baixo risco realizada nas Unidades de Saúde, visto que alterações na mãe e/ou no feto podem ser identificadas durante todo período gestacional, não existindo período gestacional determinado para o encaminhamento para o pré-natal de alto risco.

As variáveis dependentes do estudo foram a intenção de amamentar de forma exclusiva e a duração pretendida de aleitamento. As variáveis independentes do estudo foram idade, renda familiar, escolaridade, estado civil, ocupação, moradia, apoio familiar para a amamentação, se foi amamentada pela mãe, orientação profissional sobre aleitamento materno, histórico de amamentação, motivo de encaminhamento para o AME e semana gestacional no momento da entrevista. Esta última variável foi incluída considerando que gestantes em período gestacional mais avançado deveriam apresentar maior conhecimento sobre o tema mediante a proximidade do nascimento do bebê.

A questão a respeito da duração pretendida para o aleitamento materno não apresentava opções de respostas pré-estabelecidas. Após o término da pesquisa, para melhor interpretação dos dados, as respostas foram categorizadas da seguinte forma: não pretende amamentar, pretende amamentar por até 1 ano, pretende amamentar por mais de 1 ano e até quando puder/bebê quiser.

Os antecedentes obstétricos de risco para a gestação atual incluem o histórico de abortos anteriores, cirurgias uterinas, infertilidade, multiparidade e filhos anteriores com alguma restrição de crescimento, prematuridade ou malformações.

Os dados quantitativos foram processados com o auxílio dos softwares Epi Info 7.4.1 (Center for Disease Control and Prevention) e Bioestat 5.3 (Ayres, 2007). Foram realizados o teste qui quadrado e exato de Fisher, quando necessário, para verificar associações entre as variáveis de estudo, aceitando-se um nível de significância de 5%. Nas análises de associação com o histórico de amamentação, foram excluídas as primigestas, sendo incluídas 701 gestantes. Para as análises sobre a duração pretendida para amamentação foram excluídas as respostas “até quando puder” ou “até quando o bebê quiser” (n = 159), consideradas sem informação.

A seguinte pergunta aberta foi realizada: “Pretende amamentar o seu bebê somente com o leite do seu peito? Se sim, por que pretende? Se não, por que não pretende?”. As respostas foram transcritas na íntegra e, posteriormente, passaram por correção linguística para otimização da análise dos dados por meio da técnica de análise de conteúdo, através da frequência de repetição das palavras, com o uso do software IRAMUTEQ 0.7.2.0 (Interface de R pour lês Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires). Esse software é livre e ancora-se no software R, possibilitando o entendimento de textos e trazendo os resultados apresentados na forma de classificação hierárquica descendente, análise de similitude e nuvem de palavras.

As entrevistadas foram agrupadas em dois segmentos, segundo as respostas obtidas no estudo: gestantes que pretendiam amamentar seus bebês exclusivamente com leite do peito por determinado período e gestantes que não pretendiam amamentar ou iriam fazer a complementação da amamentação logo após o nascimento dos bebês. Para cada grupo foi realizada a análise de similitude que possibilita identificar a conexidade entre as pala­vras de acordo com sua frequência e com a nuvem de palavras, que gera como resultado uma organização gráfica de acordo com a frequência de cada palavra22.

Para todas as gestantes participantes da pesquisa foi solicitada a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que continha explicação detalhada dos objetivos do estudo. Foram respeitados todos os aspectos éticos para pesquisas com seres humanos contidos na Declaração de Helsinki (1964, reformulada em 2008), no Código de Nuremberg e propostos pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP - 2012). O estudo também obteve aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNESP.

Resultados

As principais condições apresentadas pelas gestantes relacionadas à classificação de gestação de alto risco estão demonstradas na Tabela 1. A pretensão de amamentação exclusiva, o histórico de amamentação, o apoio familiar e a orientação durante a gestação foram descritos na Tabela 2.

Tabela 1
Condições e afecções apresentadas pelas gestantes consideradas de alto risco, de 28 municípios do estado de SP, 2018 (n = 1.118).
Tabela 2
Distribuição numérica e percentual segundo a pretensão e o histórico de amamentação por gestantes de alto risco. SP, 2018 (n = 1.118).

A idade das gestantes variou entre 13 e 45 anos, com média de 27,98 (dp + 7,59), sendo a faixa com maior concentração de gestantes a faixa com idades entre 20 a 34 anos (61,36%). Houve predomínio de baixa renda (47,40%) e escolaridade de até 11 anos (84,08%). Sobre o tempo da gestação, 48,30% estavam no segundo trimestre, entre a 13ª e 26ª semana de gestação. A pretensão de aleitamento materno exclusivo foi associada com gestantes com mais idade (p < 0,0001), que apresentaram maior renda e escolaridade (p = 0,0001 e p = 0,0006, respectivamente), tinham um companheiro (p = 0,0006) e estavam empregadas (p = 0,0007) (Tabela 3).

Tabela 3
Associação entre a intenção de aleitamento materno exclusivo por gestantes de alto risco e variáveis sociodemográficas. SP, 2018 (n = 1.118).

O maior período de duração pretendida pelas gestantes de alto risco, para amamentação foi associado com maior idade (p = 0,0041), menor renda (p = 0,0243), maior escolaridade (p = 0,0116), vivem com companheiro (p = 0,0053) e sem emprego (p = 0,0420) (Tabela 4).

Tabela 4
Resultados dos testes de associação entre período de tempo de amamentação pretendida por gestantes de alto risco e as variáveis sociodemográficas. SP, 2018 (n = 959).

As gestantes que tiveram histórico de amamentação de outros filhos apresentaram associação com maior escolaridade (p = 0,0472), apoio familiar (p = 0,0494), pretensão de realizar a amamentação exclusiva (p = 0,0165) e pretensão de amamentar por tempo maior (p < 0,0001).

A análise da questão aberta está demonstrada nas Figuras 1 e 2. Nas análises das respostas do grupo de gestantes que pretendiam amamentar exclusivamente com leite do peito, foram registradas 8099 ocorrências de palavras, sendo 444 formas ativas, com média de repetição de 7,72, em 1049 textos. Foram incluídas palavras com frequência mínima de 7 repetições, para melhor compreensão e clareza da figura. Observando-se a análise de similitude representada e a nuvem de palavras, presente na Figura 1, notou-se que as ocorrências de palavras mais frequentes foram as seguintes: bebê, criança, saúde, saudável e bom.

Figura 1
Análise de similitude e nuvem de palavras relacionadas aos motivos relatados para a amamentação exclusiva de gestantes de alto risco. SP, 2018.

Na análise das respostas do grupo de gestantes que não pretendiam realizar o aleitamento exclusivo foram observadas 400 ocorrências de palavras, sendo 148 formas ativas, com média de repetição de 5,8, em 69 textos. A análise de similitude e a nuvem de palavras estão representadas na Figura 2, demonstrando como palavras mais frequentes as seguintes: não, saber, trabalhar, HIV e água.

Figura 2
Análise de similitude e nuvem de palavras com principais motivos relatados para a não amamentação exclusiva de gestantes de alto risco. SP, 2018.

Discussão

Neste estudo sobre pretensão de amamentação de gestantes de alto risco, notou-se que algumas gestantes apresentavam condição desfavorável ao aleitamento materno. No entanto, quase a totalidade das gestantes pretendia amamentar exclusivamente com o leite do peito por algum período. A intenção de amamentação exclusiva esteve associada com as variáveis sociodemográficas e o histórico de amamentação anterior. Os principais motivos reportados para a amamentação exclusiva estiveram relacionados à saúde do bebê; já os principais motivos para não realizar o aleitamento exclusivo foram a condição sistêmica da mãe, o trabalho e a falta de informação.

São poucas as contraindicações para a amamentação, dentre quais se destacam as seguintes: mães portadoras do vírus do HIV; uso de medicamentos, como antineoplásicos; e bebês portadores de galactosemia, que não podem consumir nenhum tipo de lactose. A hepatite B, apesar de ser transmitida pelo leite materno, não contraindica a amamentação quando o bebê é imunizado contra a doença4. Foram poucas as gestantes de alto risco neste estudo que apresentavam essas condições.

A transmissão vertical do HIV pode ocorrer no período gestacional ou por meio do leite materno. Durante a gestação, o uso do coquetel retroviral é essencial para evitar a transmissão vertical do HIV. Porém, com relação à amamentação, ainda são necessários mais estudos que comprovem a efetividade das medicações, de forma que não é recomendado o aleitamento materno nesse caso23-26. Para essas gestantes, o acompanhamento e a orientação durante a gestação e o pós-parto tornam-se fundamentais para minimizar a transmissão viral e amenizar os desconfortos e os problemas mamários decorrentes da não amamentação24,25.

A interrupção temporária do aleitamento é recomendada em casos de infecções herpéticas, com vesículas em mama, de varicela poucos dias antes do parto e de doença de Chagas com sangramento mamário ou em fase aguda e abscesso mamário. Em situações de uso de drogas lícitas ou ilícitas, o leite deve ser desprezado por meio de ordenha, no período recomendado para cada situação, podendo-se retornar à amamentação após esse período6.

O leite materno é o principal alimento para garantir o crescimento do bebê nos primeiros seis meses de vida16. A amamentação também proporciona a proteção da criança contra infecções e o contato entre mãe e filho, criando um vínculo que leva ao sentimento de segurança ao bebê7,27. O melhor desenvolvimento intelectual de crianças amamentadas por mais de seis meses e a diminuição do risco a obesidade infantil também foram reportados na literatura11,28.

A OMS recomenda que, nos seis primeiros meses de amamentação, seja oferecido somente o leite do peito ao bebê e, após esse período, a continuação do aleitamento até os dois anos de vida6. Neste estudo, foi observado que a maioria das gestantes pretendia amamentar até um ano de vida do bebê.

O apoio às mães no que concerne a amamentação pode ser um fator diferencial para o sucesso do aleitamento materno7,9,29,30. Esse apoio pode ser tanto profissional quanto familiar. Alguns estudos que fizeram o acompanhamento de profissionais de saúde com lactantes demonstraram que, com ajuda para superar possíveis barreiras para a amamentação, com grande frequência há resultados positivos29,31. O apoio à amamentação deve ser iniciado ainda no cuidado pré-natal, principalmente com gestantes primigestas e que não conseguiram amamentar32.

A orientação profissional sobre amamentação também é considerada como um ponto importante para o sucesso da amamentação. Na literatura, diversos estudos relatam associações positivas entre orientações educativas e a redução do risco da não amamentação17,29,32,33. Nesta pesquisa com gestantes de alto risco, grande parte não tinha recebido nenhuma orientação sobre aleitamento até o momento da entrevista, ficando evidenciada a falta de informação das gestantes que não pretendiam realizar a amamentação exclusiva através das palavras “não” e “saber”, destacando-se os seguintes discursos: “não tenho informação sobre amamentação” e “não sei como fazer”. Todos os profissionais da área da saúde – médicos, odontólogos, nutricionistas, e não só enfermeiros –, têm um papel fundamental para o sucesso do aleitamento materno. Em estudo, foi demonstrada a ação efetiva das visitas domiciliares dos profissionais de saúde para a melhora das relações interpessoais para a atenção e a orientação em saúde34.

A amamentação exclusiva demonstrou associação com as variáveis sociodemográficas, corroborando com estudos de gestantes de baixo risco7,14,29. Em pesquisa, mães de idade avançada e que não tiveram orientação apresentaram de quatro a cinco vezes menos chances de amamentar seus bebês17. Tal informação diverge dos dados encontrados neste estudo, visto que gestantes mais novas relataram menor pretensão de aleitamento materno exclusivo. A falta de experiência em gestantes mais novas e o baixo nível de escolaridade, em conjunto com a falta de orientação sobre a amamentação, podem justificar este achado. Os motivos principais para a amamentação exclusiva, nesta pesquisa, foram relacionados à saúde, à imunidade e ao desenvolvimento do bebê, corroborando com outro estudo32.

Na literatura, diversas barreiras são apontadas para a amamentação. Dentre elas podem ser citados o tipo de parto, a falta de orientação, a baixa escolaridade, o medo da dor, as primigestas e o trabalho32,33. Algumas condições presentes na gestação de alto risco – como obesidade ou sobrepeso, depressão, uso de tabaco e adolescência – também apresentaram maiores chances de início tardio da amamentação por um período menor de tempo33,35-38. Por se tratarem de gestantes de alto risco neste estudo, a indicação de parto cesariana é mais prevalente, reforçando-se a necessidade da atenção especial para essas gestantes.

A duração pretendida para a amamentação demonstrou resultados semelhantes em outros estudos, evidenciando a necessidade de atenção especial, com relação ao aleitamento materno, para gestantes de baixa escolaridade e de baixa idade que não têm um companheiro19,27,29,33.

A associação entre o histórico de amamentação anterior e a duração em que as gestantes pretendiam amamentar seus bebês presentes neste estudo podem ser justificadas pelo sucesso da amamentação de outros filhos, visto que, em casos de insucesso, os medos e os anseios gerados pela experiência anterior poderiam interferir negativamente no aleitamento do próximo filho14.

A técnica metodológica de análise qualitativa empregada nesta pesquisa possibilitou aprofundar os conhecimentos sobre os motivos para a recusa do aleitamento materno exclusivo.

Observando a análise de similitude e a nuvem de palavras, a ocorrência de motivos como o HIV e o uso de remédio foram frequentes. No entanto, o que chama a atenção são as palavras “trabalho”, “saber” e “água/mamadeira”, que podem ser consideradas barreiras reversíveis para o aleitamento exclusivo. Algumas gestantes relataram o uso de drogas ilícitas e lícitas, mas nenhuma participante relatou esse motivo para o não aleitamento exclusivo. Trechos de discursos que evidenciam essas barreiras são “não faz mal dar água”, “pretende alternar com leite em pó por causa da faculdade” e “porque vou trabalhar”.

A introdução de outros líquidos além do leite materno nos primeiros quatro meses de vida do bebê não é recomendada, visto que pode interferir na absorção de nutrientes e diminuir a quantidade de leite materno ingerido, levando a um menor ganho de peso e ao aumento do risco de infecções gastrointestinais e respiratórias, além de alergias e diarreias16,19. Para algumas mães, a introdução de outros alimentos deveria ser feita desde o nascimento devido à crença de que a amamentação deixaria o bebê dependente do peito, dificultando o retorno da mãe ao trabalho, momento em que os bebês ficariam sob o cuidado de terceiros19-22.

O trabalho e a amamentação há muito tempo vêm sendo discutidos pelos órgãos mundiais de saúde, sendo tema central da Semana Mundial do Aleitamento ocorrida em 20155,21. Apesar de diversas leis e normativas visarem a garantir o aleitamento materno de mães que trabalham e a redução da inserção de bicos artificiais e outros leites na primeira infância, o trabalho ainda pode ser considerado como fator de risco para a interrupção da amamentação, como visto neste e em outros estudos, como os de Kalil e Aguiar21, Brasileiro et al.22 e Moimaz et al.33.

Neste estudo, a técnica empregada foi a pesquisa transversal, por meio de inquérito – o que pode ser considerada uma limitação, em função da emissão, por parte das gestantes, de respostas “esperadas”. Para o acompanhamento dessas gestantes, novos estudos de seguimento, que visem a avaliar se a prática de aleitamento foi concretizada, e outros estudos qualitativos com as mães que não amamentaram seus outros filhos devem ser realizados para complementar os achados deste estudo.

A orientação para gestantes sobre as contraindicações, sobre como manter o aleitamento após a volta ao trabalho e sobre os benefícios do aleitamento tanto para mãe como para o bebê por um período prolongado de tempo poderiam ter grande contribuição para o sucesso do aleitamento materno.

Conclusão

Algumas gestantes desta pesquisa apresentaram condições para o alto risco gestacional que poderiam interferir ou contraindicar a amamentação.

Gestantes de alto risco apresentaram altas taxas de intenção de amamentação exclusiva, principalmente aquelas que possuíam escolaridade mais elevada, tiveram outros filhos amamentados e que contavam com apoio familiar. A maioria delas pretendiam amamentar exclusivamente até os seis meses de idade do bebê.

Os principais motivos relatados para a não intenção de amamentação exclusiva foram os seguintes: ser portadora do vírus do HIV, o uso de medicação, o trabalho e a falta de informações sobre a amamentação.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    Set 2020

Histórico

  • Recebido
    03 Jul 2018
  • Aceito
    18 Jan 2019
  • Publicado
    20 Jan 2019
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