Resumo
A Escala Visual Analógica (EVA), o Questionário de Incapacidade de Roland Morris (RMDQ) e Questionário de Qualidade de Vida SF-36, amplamente utilizados, tiveram seu conteúdo conectado à CIF por regras propostas em 2002 e 2005. Em 2016 foram refinadas e ainda não foram aplicadas. Aplicar as regras de conexão de conteúdo refinadas para os instrumentos EVA, RMDQ e SF-36. Dois profissionais de saúde identificaram os conceitos significativos e vincularam às categorias mais específicas da CIF, um terceiro arbitrou divergências. O grau de concordância foi dado pelo coeficiente kappa. Houve alto grau de concordância (Kappa=0,93 p<0,001). O conceito principal da EVA foi conectado à categoria b280, os 24 conceitos principais do RMDQ, à categoria b28013 e os 27 adicionais a outras categorias. O SF-36 teve 36 conceitos principais e 30 adicionais identificados, do total, 17 não foram definíveis pela CIF. Dos conceitos conectados dos 3 instrumentos 39 referem-se à Funções do Corpo, 57 à Atividades e Participação e 4 à Fatores Ambientais. O refinamento das regras propiciou mais clareza no processo de identificar, relacionar o conteúdo dos instrumentos à CIF e expor os resultado e aumentou o número de conceitos identificados e categorias contempladas pelos instrumentos.
Palavras-chave CIF; Regras de ligação; Inquéritos e Questionários
Abstract
The Visual Analogue Scale (VAS), Roland Morris Disability Questionnaire (RMDQ), Short Form Health Survey (SF-36) are broadly used and had their content linked to ICF by the linking rules of 2002 and 2005. In 2016 were refined and were not applied yet. To apply the refinements of ICF linking rules to VAS, RMDQ, and SF-36. Two health professionals identified the meaningful concepts and linked to the most precise ICF categories and a third triggered in divergences. The degree of agreement was calculated by kappa statistic. There was almost perfect agreement (Kappa=0.93 p<0,001). The main concept of VAS was linked to ICF category b280, the 24 main concepts of RMDQ linked to b28013, and 27 additional linked to other categories. The SF-36 had 36 main concepts and 30 additional concepts identified which 27 were definable by the ICF and 17 do not. From the total of ICF linked concepts, 39 refer to Body Functions, 57 to Activities and Participation and 4 to Environmental Factors. The refinements of linking rules propitiated more clarity in the process to identify, to link instruments content with ICF and to expose the results. Thus, increased the number of identified and linked concepts as well as the categories in the instruments.
Key words ICF; Linking rules; Surveys and Questionnaires
Introdução
A dor crônica tem sido reportada com alta prevalência e decorrente de múltiplos fatores1-3. Portanto, é necessário considerar os fatores físicos, psicológicos e ambientais envolvidos nessa condição de saúde4.
Uma estrutura universalmente aceita que contempla um modelo biopsicossocial é a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), que foi criada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e padroniza a linguagem dos estados de saúde dos indivíduos referentes a categorias relacionadas às Funções do Corpo, Estruturas do Corpo, Atividades e Participação e Fatores Ambientais5.
O uso da classificação é recomendado em conjunto com ferramentas da prática clínica para valorizar as informações já coletadas e complementá-las, encorajando os profissionais a selecionar os instrumentos mais apropriados para as suas propostas clínicas6-8. Essas ferramentas, entretanto, têm sido utilizadas em uma perspectiva fortemente ancorada em um modelo biomédico de saúde, mesmo quando coletam-se dados referentes a participação social e condições ambientais9. Essa abordagem resulta em práticas descontextualizadas, focadas em intervenções e monitoramento de sinais e sintomas.
O conteúdo da CIF, quando conectado a esses instrumentos, irá contribuir para a operacionalização de um conceito de saúde expandido, permitindo a interpretação dos dados no sentido de atribuir o mesmo status aos componentes psicológicos e fatores contextuais, considerando privilegiar a interação e interdependência deles, como produto e produtor de saúde e seus estados relacionados.
Para melhor acurácia nesse processo é recomendado ligar o conteúdo dos instrumentos à CIF, fazendo com que a CIF seja a ferramenta capaz de traduzir a informação contida nos instrumentos10. Em vista disso, em 2002 foram propostas as primeiras regras de ligação11, em 2005 foram atualizadas6 e, em 2016 refinadas10.
O refinamento das regras de ligação objetivou aumentar a transparência e a confiabilidade do processo de ligação do conteúdo do instrumento, sendo propostas cinco melhorias. A primeira refere-se à preparação da informação a ser ligada. A regras de ligação de 2002 e 2005 salientavam que o conceito principal a ser escolhido deveria ser identificado antes de começar o processo de ligação. Desse modo, o processo apresentava o risco de aplicação mecânica das regras sem considerar o contexto ou a proposta na qual a informação é coletada.
O refinamento propõe identificar a “proposta da informação” a ser ligada a uma categoria antes de identificar o conceito significativo, para isso deve-se responder às seguintes questões: “essa é a peça-chave da informação? Sobre o que é esse item?”. Portanto, as regras propõem não apenas a identificação de um conceito significativo, mas também separar em conceito principal e conceitos adicionais de acordo com a proposta e a perspectiva da informação a ser ligada com a CIF10.
Outro refinamento leva em conta a perspectiva da informação coletada. Propõe a documentação da perspectiva em que a informação foi coletada, pelo instrumento de coleta dos dados ou pela forma de coleta. As perspectivas mais proeminentes são: descritiva, envolvendo a capacidade e o desempenho em realizar alguma tarefa ou atividade; avaliação da satisfação individual em relação a uma determinada situação, perguntando em que medida as expectativas e esperanças pessoais foram alcançadas; e, a perspectiva de necessidade ou dependência, que se refere como vários dispositivos de assistência são necessários para realizar certas tarefas ou atividades.
Nas regras de 2002 e 2005 não havia informação sobre a categorização das opções de resposta capturadas durante o processo de ligação, além dos conceitos significativos6,11. O refinamento propõe identificar e documentar a categorização das opções de resposta como: intensidade, frequência, duração, confirmação ou concordância, e atributos qualitativos. Essa informação é relevante apenas a questionários, avaliações ou testes que contemplem opções de respostas. É válido mencionar que existem opções de respostas em que não é possível estabelecer a ligação ou que a própria resposta contenha conceitos significativos10.
As regras propostas em 2002 e atualizadas em 2005 recomendam que os qualificadores 8 (não especificado) e 9 (não aplicável) não fossem utilizados6,11. O uso desses qualificadores são recomendados no refinamento, uma vez que a experiência mostrou que não utilizar essa categorização implica em perda de informação. Se um conceito é ligado ao qualificador 8 ou 9, informações adicionais não especificadas ou não aplicáveis pela CIF devem ser documentadas juntamente com as categorias da CIF10.
A última proposta orienta que à informação não contida na CIF deve ser atribuída a abreviação nc (não coberto), embora o processo de ligação possa ser aplicado a qualquer tipo de informação em saúde, nem sempre é possível ligar uma informação a uma categoria da CIF. Esse deve ser o caso da informação a ser ligada estar além do escopo da CIF ou talvez ser muito específica para ser ligada à classificação10.
Muitos instrumentos são usados em pesquisa e na prática clínica para avaliar dor, funcionalidade e qualidade de vida. Aqueles que mais aparecem na literatura são a Escala Visual Análoga (EVA)12, o Questionário de Incapacidade de Roland Morris, Roland Morris Disability Questionnaire (RMDQ)13 e o questionário de qualidade de vida, Short Form Health Survey (SF-36)14, usados para acessar a dor do paciente, sua capacidade funcional e a qualidade de vida, respectivamente.
Esses instrumentos já tiveram seu conteúdo ligado à CIF por estudos que aplicaram as regras de 2002 e 2005, como Prodinger et al.15, Sigl et al.16, Fréz et al.17, Schepers et al.18, Geyh et al.19 e Cieza e Stucki7.
Cieza et al.10 sugerem que pesquisadores na área apliquem a versão atualizada das regras e comentem sobre as experiências durante o processo de utilização delas. É nesse sentido que o presente estudo almeja contribuir. Até o momento, nenhum estudo foi identificado na literatura que tenha sido conduzido com a aplicação dos refinamentos.
Considerando a magnitude das mudanças qualitativas trazidas pelas novas regras, e o grau de relevância dos instrumentos adotados neste estudo na prática clínica dos profissionais de saúde, os autores consideram importante aplicar as novas regras a eles.
Assim, o objetivo do presente estudo foi aplicar os refinamentos das regras de ligação à EVA, RMDQ e SF-36 propostos na literatura.
Método
O processo de ligação de conteúdo dos instrumentos ocorreu por meio da aplicação do refinamento das regras de ligação proposto por Cieza et al.10. Participaram deste processo dois profissionais de saúde brasileiros com curso de CIF certificado por centro colaborador da OMS e que já tinham experiência com processo de ligação com as regras anteriores. Eles também incluíram em um grupo de estudo em CIF a ferramenta e-learning tool, disponibilizada e recomendada pela OMS. Um terceiro pesquisador fisioterapeuta com experiência semelhante foi consultado em caso de divergências.
De acordo com o guia metodológico10, a proposta da informação a ser ligada foi identificada antes da identificação do conceito significativo. Então, os dois profissionais de saúde identificaram os conceitos significativos contidos nos instrumentos considerando o contexto, afirmações e as opções de resposta para então selecionar qualquer outro conceito adicional. Em seguida os conceitos significativos foram comparados para se obter consenso.
Outro refinamento utilizado no presente estudo foi identificar e descrever as perspectivas adotadas nos instrumentos. As questões foram identificadas e descritas como descritivas, de avaliação e necessidade ou dependência. A categorização das opções de resposta ocorreu pela identificação e documentação como intensidade, frequência, duração, confirmação ou concordância e atributos qualitativos.
Na sequência, cada conceito significativo foi ligado à categoria mais precisa da CIF. No caso de relação de conceitos por conjunção, eles também foram registrados. Os conceitos significativos relacionados a saúde física, saúde mental, saúde em geral, incapacidade em geral, funcionalidade e desenvolvimento infantil e que não provessem informação suficiente para selecionar uma categoria da CIF foram classificados como não definíveis e denominados como as nd-sf, nd-sm, nd-sg, nd-inc, nd-func, e nd-des, respectivamente. Quando um conceito significativo foi identificado como um fator pessoal foi denominado como fp e, quando não foi coberto pela CIF foi denominado como nc, como diagnóstico ou condição de saúde (nc-cs) e qualidade de vida em geral (nc-qv)10. Essas situações são chamadas de casos especiais.
O processo de ligação foi organizado em planilha do Microsoft Excel 2007. O grau de concordância entre os dois profissionais de saúde em relação a identificação e ligação dos conceitos foram calculados pelo Kappa statistic20. Todos os critérios pré-determinados para verificar concordância interexaminador pelo coeficiente Cohen’s Kappa foram seguidos neste estudo. Por exemplo, a variável estava em sua natureza nominal (categorias da CIF), a comparação foi realizada apenas entre dois pesquisadores e não houve dados omissos21-26. Ademais, esse é o coeficiente recomendado pelas regras de ligação e tem sido frequentemente reportado na literatura como o escolhido para avaliar o grau de concordância entre profissionais na identificação de conceitos significativos e na ligação desses conceitos com as categorias da CIF6,10,16,27-29. O coeficiente de correlação Kappa varia entre 0 e 1, em que 0 indica nenhuma concordância além da esperada ao acaso e 1 indica concordância perfeita. Coeficientes Kappa acima de 0,61 são considerados como boa concordância18. A análise estatística foi realizada no software SPSS 22.0.
Resultados
Para a apresentação dos resultados foi usado o modelo proposto pelo guia metodológico. Um quadro foi gerado contendo as informações extraídas dos instrumentos conjuntamente com os resultados do processo de ligação, a perspectiva adotada na informação, a classificação das opções de resposta e as categorias dos conceitos principais e conceitos adicionais. Os resultados do conteúdo ligado aos instrumentos estão descritos nos Quadros 1 e 2.
Houve quase concordância total entre os pesquisadores na ligação dos itens do RMQD e SF-36 e as categorias da CIF (Índice de Kappa=0,93 p<0,001).
A Tabela 1 mostra os 10 conceitos significativos do SF-36 e 1 do RMDQ que foram ligados aos casos especiais.
A Tabela 2 mostra o número total de conceitos identificados nos instrumentos e as categorias da CIF ligadas a esses conceitos. Em relação ao RMDQ, foi considerado que todos os itens eram embasados no conceito dor nas costas, e que foi considerado o conceito principal de todos os itens e ligado à uma categoria (b28013). Nos 23 itens dos 24 no RMDQ, foi possível identificar 27 conceitos adicionais, a maior parte deles ligados a categorias do componente de Atividades e Participação, seguido de Funções do Corpo e Fatores ambientais (Quadro 1 e Tabela 2).
Em relação ao SF-36, foi observado que dos 36 conceitos principais, 13 não foram definidos pela CIF, e, dos 30 conceitos adicionais, 4 não foram definíveis (Tabela 1). Isso mostra que a CIF não contempla conceitos abrangentes relacionados a saúde geral, saúde física, saúde mental e condições de saúde.
As questões 4 e 5 do SF-36 trouxeram informações relevantes já no cabeçalho e, dessa informação, para cada questão um conceito principal e conceitos adicionais foram identificados. Cada item dessas questões permitiu identificar informações adicionais.
Esses resultados permitem a comparação entre as aplicações das regras de 2002, 2005 e 2016 quando aplicadas aos mesmos instrumentos permitindo discussões. A Tabela 3 apresenta os resultados numéricos da ligação dos três instrumentos da CIF no presente estudo e de estudos anteriores. A aplicação do refinamento das regras de ligação proporcionou um aumento nos conceitos identificados e ligados do SF-36 à CIF. Para ambos, SF36 e RMDQ houve um aumento no número de categorias. Para a EVA os resultados foram os mesmos no presente estudo e para Scheuringer et al.30.
Síntese e comparação dos resultados do presente estudo com estudos anteriores, acerca da ligação do SF-36, RMDQ e EVA com a CIF.
Para aumentar a transparência e a confiabilidade durante o processo de ligação, seguimos a sugestão de colocar os resultados em uma tabela contendo as informações extraídas dos instrumentos, juntamente com os resultados do processo de ligação, valorizando a perspectiva adotada nas informações, a classificação das opções de resposta e as categorias dos conceitos principais e adicionais.
Discussão
O estudo objetivou reportar a experiência de aplicar o refinamento das regras de ligação proposto na literatura. Essa proposta10, que sugere uma reflexão antes da identificação de conceitos nos guiou à identificação de um conceito principal relacionado a cada item dos instrumentos e à identificação de conceitos adicionais e informações adicionais relacionadas aos itens.
Os itens “a” e “e” das regras prévias6 enfatizavam que a informação deveria ser identificada antes de começar o processo de ligação. Porém, havia um risco de da informação ser extraída mecanicamente sem considerar seu contexto ou a proposta da informação coletada10. Nesse caso, a informação poderia ser mascarada ao se identificar categorias sem definir os itens mais representativos do instrumento. As regras recentes propõem a identificação da informação a ser ligada antes da identificação dos conceitos principais e conceitos adicionais10.
Depois da aplicação da regra dois10, para identificar o conceito principal, a regra três foi aplicada para identificar qualquer conceito adicional à informação principal. Esses conceitos também poderiam ser identificados a partir das opções de resposta. A organização dos conceitos principais e adicionais irá permitir uma comparação de informação em saúde de uma forma mais específica. Um exemplo para ilustrar isso ocorreu no item 3 do SF-36 para o estudo de Cieza et al.11 e o presente estudo. Embora o mesmo conceito significativo (atividades rigorosas, correr, levantar objetos pesados e participar em esportes extenuantes) tenha sido identificado em ambos os estudos, no estudo de Cieza et al.11, eles ligaram de forma independente todos os conceitos às categorias da CIF referentes ao componente de Atividades e Participação, com exceção do conceito atividades rigorosas, descrito como não definível. O presente estudo identificou o conceito atividades rigorosas como o conceito principal e os demais como conceitos adicionais, considerando o contexto e a perspectiva do item do instrumento como um todo. Isso torna possível ligar esse conceito ao componente de Atividades e Participação, considerando quais conceitos adicionais relacionados ao conceito principal estão ligados às categorias de Atividades e Participação.
Os conceitos principais identificados em cada item dos instrumentos podem variar de acordo com o contexto clínico e do background dos pesquisadores envolvidos. Essa perspectiva está alinhada com o modelo biopsicossocial que considera a relevância das abordagens com base em achados contextualizados.
Outro ponto importante a ser destacado sobre o refinamento diz respeito à regra 4, que permite identificar as perspectivas relacionadas à proposta de coleta de informações. O guia metodológico propõe alguns exemplos usados com mais frequência, como perspectiva descritiva, que se refere à capacidade ou dificuldade em realizar uma atividade; avaliação, que se refere a questões sobre até que ponto as expectativas pessoais foram alcançadas; e necessidade ou dependência, que se refere ao tipo e nível de necessidade que o indivíduo requer. Além disso, propõe que os itens identificados como perspectiva descritiva sejam diferenciados em capacidade e desempenho10.
No presente estudo, a perspectiva da EVA foi identificada como avaliação, para o RMDQ como descritivo de desempenho em 22 itens e dependência nos outros dois, e para o SF-36 como descritivo de desempenho em 25 itens e avaliação em 11 deles.
Em relação à regra cinco, a categorização das opções de resposta do instrumento pode ser descrita como intensidade, frequência, duração, confirmação ou concordância e atributos qualitativos10. Uma área que pode se beneficiar dessa categorização é a prática clínica, que pode direcionar a escolha de um instrumento, agora com respeito não apenas ao seu conteúdo, mas também às características das respostas que melhor atendem às suas finalidades.
Nas regras de ligação anteriores6,11, foi recomendado que a tabela de resultados incluísse conceitos significativos, categorias da CIF ligadas aos conceitos e informações adicionais. No entanto, o refinamento das regras de vinculação da CIF recomendou que a tabela com os resultados contivesse o nome do instrumento ou outro identificador, a expressão literal da informação de saúde, a perspectiva adotada nas informações, as opções de resposta, a classificação das opções de resposta, o conceito principal, os conceitos adicionais contidos nas informações, e categoria CIF do conceito principal e a categoria CIF de outros conceitos e anotações. O item de anotação, proposto no refinamento, corresponde às informações adicionais das regras de 200510.
Quanto à estruturação dos instrumentos RMDQ e SF-36 percebe-se que enquanto no SF-36, a intensidade e a frequência das dificuldades são diluídas nas respostas, no RMDQ, isso está contido nos itens. Portanto, as informações adicionais contidas nas anotações de conteúdo dos itens do RMDQ se referem à intensidade e frequência das dificuldades, enquanto as informações adicionais do SF-36 se referem a exemplos e especificações dos itens.
A proposta de ligar esses três instrumentos utilizados na pesquisa e na prática clínica para avaliação da dor crônica foi reforçada com a aplicação dos refinamentos das regras de vinculação, dando maior clareza aos resultados expressos nos Quadros 1 e 2 com as colunas dos conceitos principais, conceitos adicionais e categorias a eles associados.
Observando os estudos anteriores e o presente estudo, houve um aumento gradual tanto do número de conceitos identificados quanto das categorias ligadas ao longo das publicações dos instrumentos SF-366,11,15,17-19(Tabela 3) e RMDQ16. Acredita-se que a identificação de mais conceitos significativos no presente estudo tenha ocorrido devido à consideração das informações nos cabeçalhos e respostas das questões. O número de categorias ligadas neste estudo em comparação com o número encontrado em estudos anteriores foi maior, mas não tão expressivo. Essa observação corrobora o objetivo da proposta de aprimoramento para melhorar a captura de dados e as nuances das informações, melhorando a exposição dos dados.
Ao analisar estudos prévios ao refinamento, que vincularam o instrumento SF-366,11,15,17-19,30(Tabela 3) e o RMDQ16, observou-se que apenas Cieza et al.11 expuseram os conceitos significativos identificados em todos os instrumentos e a ligação de todos eles à CIF. Cieza et al.6, Geyh et al.19, Schepers et al.18, Prodinger et al.15 e Sigl et al.16 mostraram as categorias selecionadas, mas não mostraram a qual item de instrumento estavam ligados. Scheuringer et al.30 ligaram o conteúdo de 120 instrumentos, entre eles o SF-36, mas os resultados expressaram o total de categorias relacionadas a todos os instrumentos. Fréz et al.17 ligaram apenas os domínios do SF-36 às categorias do CIF.
Acredita-se que o detalhamento dos resultados esteja relacionado ao objetivo do estudo e ao número de instrumentos relacionados, quanto maior o número de instrumentos ligados, menor a possibilidade de detalhamento.
Rat et al.31 e Milman et al.32 usaram as ligações já estabelecidas do SF-36 para comparar o conteúdo com outros instrumentos. Faria et al.33 realizaram uma revisão sistemática para identificar categorias do componente Atividades e Participação em alguns instrumentos de qualidade de vida já ligados à CIF. Isso mostra a importância de ligar esses questionários usando o refinamento de regras, para que também possa servir de base de comparação para o estabelecimento de outros instrumentos.
Como o objetivo deste trabalho foi relatar a experiência de aplicar o refinamento das regras de ligação, o estudo apresenta os resultados detalhados sugeridos por Cieza et al.10, permitindo que os usuários acessem informações sobre o conteúdo desses instrumentos de medição, o que pode auxiliar profissionais e pesquisadores na escolha dos instrumentos que melhor atendam seus interesses. Esta situação pode ser explicada com a EVA. No presente estudo, a categoria b280 foi escolhida, mas, dependendo do contexto da pesquisa, pode ser escolhida uma categoria mais específica relacionada à dor, como lombalgia, a categoria b28013.
Algumas possíveis limitações do presente estudo devem ser consideradas, mesmo que informações importantes tenham sido obtidas para a operacionalização do refinamento das regras de ligação e sua divulgação. Observaram-se diferenças nos achados gerais de estudos que utilizaram os mesmos instrumentos, usando as mesmas regras. Essa situação mostra que a experiência e o contexto clínico devem ser considerados ao selecionar a versão que melhor atenda às suas necessidades. Também é necessário que outros profissionais usem as novas regras de ligação em diferentes contextos clínicos para identificar sua contribuição para a produção de registros de funcionalidade e monitoramento de estados de saúde.
Uma limitação para a discussão dos resultados foi a falta de identificação clara nos estudos cujos conceitos foram identificados e seus respectivos itens nos instrumentos investigados. Nesses casos, os interessados em usar os estudos como referência devem seguir o outro caminho para identificar o que está vinculado.
Dentre os estudos incluídos neste estudo, apenas Cieza et al.11 apresentaram clareza na apresentação dos achados, portanto, acredita-se que a recente inserção de uma tabela de exposição dos resultados ajude trabalhos futuros, bem como o registro dos construtos capacidade e desempenho considerados recentemente. Dessa forma, o profissional/pesquisador que utilizará os instrumentos poderá conhecer os itens associados às categorias da CIF, sua especificação ou conteúdo.
Sabe-se que esforços internacionais foram aplicados para associar instrumentos validados às categorias da CIF. Cieza et al.10 sugerem que o uso continuado das regras atualizadas para vincular instrumentos à CIF pode ajudar na criação de um banco de dados contendo conjuntos de itens ligados a cada categoria da CIF, visando tanto o desenvolvimento de novos instrumentos quanto a operacionalização de certas categorias da CIF e instrumentos de acordo com a perspectiva que melhor se adequa ao objetivo clínico. Este exercício também fornecerá informações para especificar melhor as categorias relevantes para uma futura revisão de classificação.
O uso da CIF instrumentaliza profissionais na prática clínica, bem como profissionais de programas e políticas públicas, responsáveis por avaliações e classificações de funcionalidade e incapacidade8. Seu uso também poderia ajudar a selecionar e construir instrumentos de conteúdos mais precisos e em fonte quantitativa de informação10.
Assim, é importante que mais estudos como esse sejam realizados para expandir as bases de dados e avaliar a influência das regras de ligação refinadas no processo de ligar instrumentos com diferentes perspectivas e diferentes categorias de respostas.
Conclusão
O refinamento das regras de ligação proporcionou maior clareza no processo de identificar e ligar o conteúdo dos instrumentos com a CIF e expor os resultados. Assim, aumentou o número de conceitos identificados e ligados, bem como o número de categorias nos instrumentos.
O refinamento das regras permite a padronização de conceitos de instrumentos de medida e da CIF em diferentes níveis de precisão, com a especificação/identificação da perspectiva e da categorização das respostas. Os resultados expressos em uma tabela com as informações principais sobre o processo de ligação irão ajudar a aumentar a transparência e a confiabilidade bem como a comparação entre estudos.
O conteúdo de ligação de diversos instrumentos como EVA, RMDQ, e SF-36 baseados no refinamento das regras contribuirá para o alinhamento dos instrumentos existentes com a CIF e com a seleção de instrumentos que abranjam parâmetros relevantes de interesse de pesquisadores e clínicos.
Referências
- 1 Nascimento PRC, Costa LOP. Prevalência da dor lombar no Brasil: uma revisão sistemática. Cad Saúde Pública 2015; 31(6):1141-1156.
- 2 Goldberg DS, McGee SJ. Pain as a global public health priority. BMC Public Health 2011; 11(1):770.
- 3 Garcia JBS, Hernandez-Castro JJ, Nunez RG, Pazos MAR, Aguirre JO, Jreige A, Delgado W, Serpentegui M, Berenguel M, Cantemir C. Prevalence of low back pain in Latin America: a systematic literature review. Pain Physician 2014; 17(5):379-391.
- 4 Arcanjo GN, Valdés MTM, Silva RM. Percepção sobre qualidade de vida de mulheres participantes de oficinas educativas para dor na coluna. Cien Saude Colet 2008; 13(Supl. 2):2145-2154.
- 5 Organização Mundial da Saúde (OMS). Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde para a Família de Classificações Internacionais em Português. In: Buchalla CM, organizador. CIF: Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; 2015.
- 6 Cieza A, Geyh S, Chatterji S, Kostanjsek N, Ustun B, Stucki G. ICF linking rules: an update based on lessons learned. J Rehabil Med 2005; 37(4):212-218.
- 7 Cieza A, Stucki G. Content comparison of health-related quality of life (HRQOL) instruments based on the international classification of functioning, disability and health (ICF). Quality Life Res 2005; 14(5):1225-1237.
- 8 Santos W. Deficiência como restrição de participação social: desafios para avaliação a partir da Lei Brasileira de Inclusão. Cien Saude Colet 2016; 21(10):3007-3015.
- 9 Neves-Silva P, Álvarez-Martín E. Estudio descriptivo de las características sociodemográficas de la discapacidad en América Latina. Cien Saude Colet 2014; 19(2):4889-4898.
- 10 Cieza A, Fayed N, Bickenbach J, Prodinger B. Refinements of the ICF Linking Rules to strengthen their potential for establishing comparability of health information. Disabil Rehabil 2019; 41(5):574-583.
- 11 Cieza A, Brockow T, Ewert T, Amman E, Kollerits B, Chatterji S, Ustün TB, Stucki G. Linking health-status measurements to the international classification of functioning, disability and health. J Rehabil Med 2002; 34(5):205-210.
- 12 Lukacz ES, Lawrence JM, Burchette RJ, Luber KM, Nager CW, Buckwalter JG. The use of Visual Analog Scale in urogynecologic research: a psychometric evaluation. Am J Obstet Gynecol 2004; 191(1):165-170.
- 13 Roland M, Morris R. A Study of the Natural History of Low-Back Pain: Part II: Development of Guidelines for Trials of Treatment in Primary Care. Spine 1983; 8(2):145-150.
- 14 Ciconelli RM, Ferraz MB, Santos W, Meinão I, Quaresma MR. Tradução para a língua portuguesa e validação do questionário genérico de avaliação de qualidade de vida SF-36 (Brasil SF-36). Rev Bras Reumatol 1999; 39(3):143-150.
- 15 Prodinger B, Cieza A, Williams DA, Mease P, Boonen A, Kerschan-Schindl K, Fialka-Moser V, Smolen J, Stucki G, Machold K, Stamm T. Measuring health in patients with fibromyalgia: content comparison of questionnaires based on the International Classification of Functioning, Disability and Health. Arthritis Rheum 2008; 59(5):650-658.
- 16 Sigl T, Cieza A, Brockow T, Chatterji S, Kostanjsek N, Stucki G. Content comparison of low back pain-specific measures based on the International Classification of Functioning, Disability and Health (ICF). Clin J Pain 2006; 22(2):147-153.
- 17 Fréz AR, Abdallah AA, Riedi C, Galindo J, Ruaro JA, Ribeiro SC. Proposed use of the international classification of functioning, disability and health to evaluate quality of life after an amputation. Fisioterapia Movimento 2014; 27(1):49-56.
- 18 Schepers V, Ketelaar M, Van de Port I, Visser-Meily J, Lindeman E. Comparing contents of functional outcome measures in stroke rehabilitation using the International Classification of Functioning, Disability and Health. Disabil Rehabil 2007; 29(3):221-230.
- 19 Geyh S, Cieza A, Kollerits B, Grimby G, Stucki G. Content comparison of health-related quality of life measures used in stroke based on the international classification of functioning, disability and health (ICF): a systematic review. Qual Life Res 2007;16(5):833-851.
- 20 Brennan P, Silman A. Statistical methods for assessing observer variability in clinical measures. BMJ 1992; 304(6840):1491.
- 21 Cohen J. A coefficient of agreement for nominal scales. Educ Psychol Measurement 1960; 20(1):37-46.
- 22 Feinstein AR, Cicchetti DV. High agreement but low kappa: I. The problems of two paradoxes. J Clinical Epidemiol 1990; 43(6):543-549.
- 23 Krippendorff K. Reliability Wiley Online Library; 1980.
- 24 Campbell JL, Quincy C, Osserman J, Pedersen OK. Coding in-depth semistructured interviews: Problems of unitization and intercoder reliability and agreement. Sociol Methods Res 2013; 42(3):294-320.
- 25 Miot HA. Análise de concordância em estudos clínicos e experimentais. J Vasc Bras 2016; 15(2):89-92.
- 26 Rosner B. Fundamentals of biostatistics USA: Duxbury Press; 1994.
- 27 Stamm T, Geyh S, Cieza A, Machold K, Kollerits B, Kloppenburg M, Smolen J, Stucki G. Measuring functioning in patients with hand osteoarthritis-content comparison of questionnaires based on the International Classification of Functioning, Disability and Health (ICF). Rheumatology 2006; 45(12):1534-1541.
- 28 Fayed N, Cieza A, Bickenbach JE. Linking health and health-related information to the ICF: a systematic review of the literature from 2001 to 2008. Disabil Rehabil 2011; 33(21-22):1941-1951.
- 29 Madden RH, Bundy A. The ICF has made a difference to functioning and disability measurement and statistics. Disabil Rehabil 2019; 41(12):1450-1462.
- 30 Scheuringer M, Grill E, Boldt C, Mittrach R, Müllner P, Stucki G. Systematic review of measures and their concepts used in published studies focusing on rehabilitation in the acute hospital and in early post-acute rehabilitation facilities. Disabil Rehabil 2005; 27(7-8):419-429.
- 31 Rat A-C, Guillemin F, Pouchot J. Mapping the osteoarthritis knee and hip quality of life (OAKHQOL) instrument to the international classification of functioning, disability and health and comparison to five health status instruments used in osteoarthritis. Rheumatology 2008; 47(11):1719-1725.
- 32 Milman N, Boonen A, Merkel PA, Tugwell P. Mapping of the Outcome Measures in Rheumatology Core Set for Antineutrophil Cytoplasmic Antibody-Associated Vasculitis to the International Classification of Function, Disability and Health. Arthritis Care Res (Hoboken) 2015; 67(2):255-263.
- 33 Faria CDCM, Silva SM, Corrêa JCF, Laurentino GEC, Teixeira-Salmela LF. Identificação das categorias de participação da CIF em instrumentos de qualidade de vida utilizados em indivíduos acometidos pelo acidente vascular encefálico. Rev Panam Salud Publica 2012; 31(4):339.
Editado por
-
Editores-chefes: Romeu Gomes, Antônio Augusto Moura da Silva
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
15 Mar 2021 -
Data do Fascículo
Mar 2021
Histórico
-
Recebido
19 Set 2017 -
Aceito
07 Jun 2019 -
Publicado
09 Jun 2019