Open-access Fatores relacionados à dependência do smartphone em adolescentes de uma região do Nordeste brasileiro

Resumo

Há relatos de efeitos adversos na saúde física e mental dos adolescentes associados ao uso excessivo do smartphone. O objetivo deste artigo é avaliar a dependência do smartphone e os fatores relacionados em adolescentes de uma região do Nordeste brasileiro. Trata-se de estudo transversal realizado em seis Escolas Estaduais de Educação Profissional (EEEPs), na cidade de Fortaleza, Ceará, Brasil, desenvolvido entre setembro e outubro de 2019. Participaram 286 adolescentes, entre 15 e 19 anos, que responderam cinco instrumentos de coleta. Análises bivariada e multivariada foram utilizadas para avaliar os fatores relacionados ao desfecho, pelo SPSS versão 23.0. A dependência do smartphone apresentou prevalência de 70,3%, e mostrava associação com menor idade (OR=0,583; p=0,001), menos horas de sono (OR=0,715; p=0,020), mais tempo de uso no final de semana (OR=1,115; p=0,015), queixa de dor cervical (OR=2,206; p=0,020) e suspeita de transtorno mental comum (OR=1,272; p=0,000). Evidenciou-se elevada dependência do smartphone nos adolescentes da amostra, relacionada a múltiplos fatores. Alerta-se para a importância de campanhas educativas que orientem os adolescentes, pais, educadores e profissionais de saúde para os riscos do uso excessivo de smartphones à saúde dos adolescentes.

Palavras-chave: Medicina do vício; Smartphone; Fatores de risco; Adolescentes

Abstract

Adverse effects on the physical and mental health of adolescents associated with excessive smartphone use have been reported. This paper aims to assess adolescent smartphone addiction and related factors in a region in Northeastern Brazil. This cross-sectional study was carried out in six State-run Professional Education Schools in Fortaleza, Ceará, Brazil, from September to October 2019 with 286 adolescents aged 15-19 years who completed five data collection instruments. Bivariate and multivariate analyses were performed to assess factors related to the outcome using SPSS version 23.0. Smartphone addiction prevalence rate was 70,3% and was associated with being underage (OR=0,583; p=0,001), fewer sleep hours (OR=0,715; p=0,020), longer use on weekends (OR=1,115; p=0,015), cervical pain (OR=2,206; p=0,020), and suspected common mental disorder (OR=1,272; p=0,000). A high smartphone addiction level was observed among adolescents in the sample and was related to multiple factors. Attention should be drawn to the importance of educational campaigns to guide adolescents, parents, educators, and health professionals about the risks of excessive smartphone use to the health of adolescents.

Key words: Addiction medicine; Smartphone; Risk factors; Adolescents

Introdução

Nas últimas décadas, vive-se uma transição social que vem modificando a sociedade em seu jeito de pensar, comunicar, relacionar e trabalhar. Essas mudanças foram geradas pela transformação digital. A tecnologia possibilita diferentes pessoas se comunicarem ao mesmo tempo, conectadas em uma única rede, porém distantes fisicamente. Dentre os dispositivos tecnológicos, o smartphone é um dos mais utilizados para acessar a internet1.

Em todo o mundo, cresce de forma exponencial o número de usuários de smartphones independentemente da idade2. Dados apontam aumento de 54% em seu uso como principal forma de acesso à internet pela população, segundo levantamento em 21 países emergentes3. Neste cenário, o Brasil ocupa o segundo lugar no ranking mundial em relação ao tempo diário conectado à internet, de 9 horas por dia4. Outro inquérito direcionado para crianças e adolescentes informa que 86% acessam a internet por este dispositivo5.

Tal crescimento está associado a inúmeros recursos como comunicação e entretenimento, que são compactados no mesmo dispositivo6. A facilidade de acesso apresenta vantagens como aumento da produtividade, velocidade da propagação de informações e maior prazer no uso das redes sociais. Estudos mostram que a população utiliza o smartphone de forma excessiva, destacando os adolescentes como grupo de risco quanto ao uso prolongado7.

Este dispositivo oferece conveniências aos seus usuários, no entanto seu uso prolongado causa problemas que comprometem as condições de saúde8. A literatura descreve a dependência do smartphone como distúrbio comportamental caracterizado pela impulsividade e pelo uso incontrolável como visualização constante de notificações, jogos e aplicativos, sendo comparado a outras dependências comportamentais. Apesar de não existir uma classificação específica dentro do Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais (DSM-5), este comportamento gera consequências negativas nos aspectos biopsicossociais dos adolescentes9.

Os adolescentes são fortemente vinculados aos seus smartphones, e se dizem incapazes de viver sem seus dispositivos. Considerados como nativos digitais, muitas vezes os utilizam de maneira dependente seguindo a moda no uso de aplicativos e em busca de relacionamentos e apoio emocional. Tais jovens, comumente, expressam seus pensamentos em um ambiente de recreação virtual, à procura de reações e feedbacks instantâneos10.

Frente ao cenário apresentado, destaca-se a necessidade de fomentar dados referentes ao uso excessivo do smartphone e suas consequências para direcionar ações e preencher lacunas, conforme previamente alerta a Organização Mundial da Saúde (OMS)11. Diante disso, este estudo teve como objetivo avaliar a dependência do smartphone e os fatores relacionados em adolescentes de uma região do Nordeste brasileiro.

Métodos

Trata-se de um estudo quantitativo, do tipo transversal e analítico, advindo de um projeto de pesquisa intitulado “Estudo das alterações posturais e álgicas na região cervical associada ao uso de smartphone em adolescentes”, desenvolvido em Escolas Estaduais de Educação Profissional (EEEPs) de Ensino Médio da cidade de Fortaleza, Ceará, Brasil. O recrutamento e coleta de dados foram realizados nos meses de agosto e setembro de 2019.

A cidade de Fortaleza, capital do estado do Ceará, é a quinta mais populosa do Brasil com uma população de 2.643.247 pessoas. Seu Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) é de 0,754 e de Educação é de 0,672, assumindo a 17ª colocação do ranking do IDH das metrópoles do país12. Desde 1997, está dividida administrativamente em sete Secretarias Executivas Regionais e abrigam atualmente 119 bairros em cinco distritos13.

A partir de 2008, as EEEPs foram instituídas no Ceará visando integrar o Ensino Médio à educação profissional em tempo integral. Para o estudo, a seleção foi feita por conglomerado em dois estágios. No primeiro estágio, foram selecionadas seis escolas por sorteio, uma em cada regional, com exceção da regional Centro que não possui. No segundo, foi selecionada uma turma por série (primeira a terceira), manhã ou tarde, totalizando três turmas por EEEPs. Foram recrutados, no mínimo, 13 adolescentes por turma.

Foram selecionados 291 adolescentes, entre 15 e 19 anos, frequentando da primeira a terceira série do Ensino Médio, matriculados no ano letivo de 2019 nas EEEPs selecionadas e que possuíssem smartphone, compondo uma amostra probabilística. Deste total, cinco foram retirados devido à ausência do preenchimento de um dos instrumentos de coleta ou dos dados antropométricos, sendo considerado perda amostral. Diante disso, a amostra final contou com o quantitativo de 286 adolescentes, distribuídos equitativamente entre as séries: 96 da primeira série, 95 da segunda série e 95 da terceira série do Ensino Médio.

Foram excluídos aqueles que não compareceram às aulas nos dias da coleta dos dados, com diagnóstico autorreferido de escoliose, fratura ou lesões degenerativas na coluna cervical, lesões traumáticas recentes e portadores de deficiência física por serem fatores relacionados à presença de alterações posturais e álgicas na coluna. Além disso, foram excluídas gestantes pelas mudanças fisiológicas, e portadores de deficiência visual, auditiva e cognitiva devido à falta de adaptabilidade dos instrumentos de coleta para essa população e ao autopreenchimento dos mesmos.

O quantitativo foi estimado por cálculo amostral, considerando uma população finita (n=224.153) de adolescentes (15 a 19 anos) da cidade de Fortaleza12, prevalência de 18% de dor cervical em usuários de dispositivos móveis2, precisão amostral de 5%, intervalo de confiança de 95% e acréscimo de 10% para perda amostral. As séries e faixa etária elencadas para este estudo foram baseadas nas recomendações da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PENSE)14. A escola exerce importante influência na formação do adolescente que está em fase de desenvolvimento tanto cognitivo, social quanto emocional; Portanto, é um ambiente favorável para o monitoramento de fatores de riscos e proteção da população14.

Após as autorizações da direção das escolas, o recrutamento dos participantes iniciou-se por chamamento público para uma palestra explicativa dirigida aos pais/responsáveis e adolescentes. Em seguida, foi solicitado o consentimento através das assinaturas dos termos de consentimento livre e esclarecido (TCLE) e de assentimento.

A coleta de dados ocorreu em duas etapas. Na primeira etapa, eles responderam cinco instrumentos de coleta de dados autoaplicáveis, na própria sala de aula da escola, em horário determinado pela direção a fim de garantir a não interferência nas atividades escolares.

Os instrumentos de coleta aplicados foram: 1) Questionário sociodemográfico e condições de saúde; 2) Questionário Internacional de Atividade Física versão curta (International Physical Activity Questionnaire - IPAQ); 3) Questionário Nórdico de Sintomas Musculoesqueléticos (NMQ); 4) Self-Report Questionnaire (SRQ-20) e 5) Smartphone Addiction Inventory (SPAI-BR).

O questionário sociodemográfico e condições de saúde foi elaborado pelos pesquisadores, e coletou-se dados sociodemográficos (idade, sexo, raça, com quem reside, classe social, escolaridade materna e paterna) e histórico de saúde (características do sono e autoavaliação de saúde).

O IPAQ versão curta, validado no Brasil para aplicação em adultos, idosos e em adolescentes, é composto por oito questões abertas que estimam o tempo despendido por semana em diferentes dimensões de atividade física (caminhadas e esforços físicos de intensidades moderada e vigorosa) e de comportamento sedentário (posição sentada)15. Para classificar o nível de atividade física foi utilizado neste estudo duas categorias: não sedentário (muito ativo, ativo, irregularmente ativo) e sedentário16.

O Questionário Nórdico de Sintomas Musculoesqueléticos, validado17 e adaptado transculturalmente18 para português, mensura o relato de dor/sintomas musculoesqueléticos (sim/não) em nove regiões anatômicas (cervical, ombros, região torácica, cotovelos, punhos/mãos, região lombar, quadris/coxas, joelhos e tornozelos/pés) nos últimos sete dias.

O SRQ-20, validado para o português, é um instrumento que identifica sintomas psicossomáticos para o rastreamento de Transtorno Mental Comum (TMC) e reconhecido pela Organização Mundial da Saúde e validado no Brasil19. Possui vinte questões em quatro grupos de sintomas referidos nos últimos trinta dias com respostas sim/não. Neste estudo foram utilizados o somatório das respostas assinaladas como “sim” (variável numérica) e um ponto de corte de ≥ 8 pontos para suspeita de TMC (variável categórica), com sensibilidade de 86,3% e especificidade de 89,3%20.

O SPAI-BR é um instrumento com 26 itens, divididos em quatro subescalas, com resposta sim/não para avaliar a dependência do smartphone. O ponto de corte adotado para a dependência do smartphone foi de sete pontos, que possui sensibilidade de 90,54% e especificidade de 59,93% para a validação e adaptação para o português21. Foi acrescentado ao final do instrumento duas perguntas sobre o tempo de uso do smartphone em horas na semana e no final de semana.

Na segunda etapa foi realizada a avaliação antropométrica (peso e altura) para cálculo do índice de massa corporal - IMC (Kg/cm2). O peso foi aferido mediante a utilização de balança digital portátil Omron, com capacidade de até 150 Kg, calibrada e posicionada em superfície firme. Para mensuração da altura foi utilizado estadiômetro compacto portátil da marca Macrosul devidamente calibrado. O IMC foi classificado em presença ou ausência de excesso de peso, de acordo com tabela proposta pela Organização Mundial de Saúde22.

Os dados foram analisados pela estatística descritiva e inferencial usando o SPSS Statistics IBM® versão 23.0. Na análise univariada, foram calculados os valores absolutos (n) e relativos (%) das variáveis categóricas, e as médias ± desvio padrão (DP) das variáveis numéricas. Na análise dos fatores relacionados à dependência do smartphone aplicaram-se o Qui-quadrado de Pearson, seguido de cálculo do odds ratio bruto e respectivos intervalos de confiança de 95%; e o teste t de Student, após teste de normalidade. Após, realizou-se a regressão logística multivariada, pelo método stepwise backward, selecionando as variáveis que apresentaram na análise bivariada o nível de significância de até 20% (p<0,020), permitindo selecionar variáveis relevantes para o modelo e controlar variáveis de confusão, conforme proposto por Hosmer e Lemeshow23. No modelo final permaneceram as variáveis que apresentaram nível de significância de 5% (p<0,05), com cálculo dos odds ratio ajustado e seus intervalos de confiança de 95%.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas em Seres Humanos da Universidade de Fortaleza - COÉTICA/UNIFOR, em consonância com a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. Pais/responsáveis e adolescentes consentiram sua participação pela assinatura dos termos de consentimento e assentimento.

Resultados

Sobre as variáveis socioeconômicas, houve maior proporção de adolescentes com 16 anos (n=90; 31,5%), do sexo masculino (n=152; 53,1%), da classe social D (n=150; 52,4%) e genitores com Ensino Médio (n=142; 49,6% para a mãe e n=127; 44,4 % para o pai). Nas condições de saúde, dormiam em média 6,8 (± 1,1) horas por dia, 40,2% (n=115) eram sedentários e 47,6% (n=136) relataram queixa de dor cervical e 23,1% (n=66) tinham excesso de peso. Do total, 70,3% (n=201) apresentavam dependência do smartphone e o usavam por 5,8 horas (± 3,5) e por 8,8 horas (± 5,0) na semana e no final de semana, respectivamente (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição das variáveis investigadas dos adolescentes de escolas de tempo integral. Fortaleza, Ceará, 2019.

Na análise bivariada, a dependência do smartphone estava relacionada à queixa de dor nas regiões cervical (OR=2,960; p=0,000), na parte superior das costas (OR=1,950; p=0,010) e no punho (OR=1,956; p=0,029), idade (16,1 ± 0,9; p=0,008), horas de sono (6,6 ± 1,1; p=0,001), tempo de uso no final de semana (9,4 ± 5,3; p=0,000) e suspeita de TMC (8,7 ± 4,5; p=0,000) (Tabela 2 e 3).

Tabela 2
Análise bivariada da associação entre a dependência do smartphone e as variáveis sexo, condições de saúde, nível de atividade, queixa de dor e excesso de peso dos adolescentes de escolas de tempo integral. Fortaleza, Ceará, 2019.
Tabela 3
Análise bivariada da relação entre a dependência do smartphone e as variáveis idade, horas de sono, uso do smartphone e suspeita de transtorno mental comum dos adolescentes de escolas de tempo integral. Fortaleza, Ceará, 2019.

Na análise multivariada, a dependência do smartphone apresentou associação com a queixa de dor cervical (OR=2,206; p=0,020), menor idade (OR=0,583; p=0,001), menos horas de sono (OR=0,715; p=0,020), mais tempo de uso no final de semana (OR=1,115; p=0,015) e suspeita de TMC (OR=1,272; p=0,000) (Tabela 4).

Tabela 4
Análise multivariada da relação entre a dependência do smartphone com as variáveis do estudo em adolescentes de escolas de tempo integral. Fortaleza, Ceará, 2019.

Discussão

O presente estudo investigou um tema emergente, voltado para a área epidemiológica e de promoção da saúde, que envolve a dependência do smartphone pelos adolescentes e os fatores associados. Esta população em particular é fortemente atraída pela tecnologia, permanecendo por longas horas conectados à internet e redes sociais, entre outros ambientes virtuais11. Dentre os dispositivos móveis atuais, o smartphone é um dos principais meios de acesso à internet5.

Em virtude disso, há crescente preocupação na compreensão do comportamento e do vício da internet, videogames e smartphones. O uso da internet e a interação com conteúdos/atividades online são historicamente considerados como um vício global. Diante deste cenário, o surgimento do smartphone, com possibilidade de conexão e oferta de aplicativos, torna-se um dispositivo potencialmente viciante9.

Preocupada com essas questões, a OMS declara que o uso excessivo e problemático dos dispositivos eletrônicos, dentre eles o smartphone, constitui um problema de saúde pública mundial, e incentiva pesquisas para fornecer evidências científicas sobre os fatores implicados a este comportamento e os possíveis malefícios na saúde dos usuários11.

O uso problemático do smartphone pode ser pesquisado por instrumentos específicos que irão analisar a dependência/vício e pela mensuração do tempo de uso deste dispositivo. Neste estudo, ambas variáveis foram investigadas, constatando-se que 70,3% da amostra apresentava dependência do smartphone e os tempos de uso eram de 5 horas e 48 minutos na semana e 8 horas e 48 minutos no final de semana. Além disso, os adolescentes com dependência do smartphone tinham mais tempo de uso no final de semana em relação àqueles que não dependentes.

A prevalência encontrada foi superior a outras reportadas com adolescentes em diferentes países, de 55% em Taiwan24, 50,6% na Turquia25, 30,9% na Coréia do Sul6 e 16,9% na Suíça26. No Brasil, estudo prévio para adaptação e validação do Smartphone Addiction Inventory aponta uma prevalência de 35% em uma população jovem (18-25 anos)21. Acredita-se que este valor elevado possa ser justificado pelo aumento do acesso à internet e aos seus recursos pelos adolescentes brasileiros, destacadamente pelos seus smartphones5,14. Ademais, ao utilizar um instrumento adaptado transculturalmente para a língua portuguesa se mitiga os riscos de vieses.

O tempo de uso do smartphone pelos adolescentes deve ser também monitorado devido a sua relação direta com a dependência deste dispositivo27. Estudos prévios na Coréia6 e na Suíça26 evidenciaram tempos de uso similares aos encontrados na presente pesquisa, com médias de 5,2 horas e 5,6 horas, respectivamente. Diferente dos dados anteriores, tempo de uso inferior foi encontrado em estudo realizado no Reino Unido com tempo gasto de 3,1 horas/dia28.

No presente estudo, verificou-se que a dependência do smartphone estava associada à idade. Em consonância com a idade, pesquisa na Suíça constatou que o vício em smartphones foi mais prevalente em adolescentes mais jovens (15 a 16 anos) em comparação com adultos jovens (19 anos ou mais)26. Sabe-se que esta geração enfrenta diferentes estressores mais do que qualquer outra geração anterior. Além das mudanças fisiológicas inerentes à adolescência, há uma cobrança da exposição do seu cotidiano no ambiente virtual, exigindo um maior tempo online. O uso excessivo do smartphone e dos jogos online são tentativas de minimizar estressores, como as demandas escolares, as incertezas do futuro, as pressões familiares e sociais, levando essa população a comportamentos viciantes8.

Outros fatores também estavam associados à dependência do smartphone como menos horas de sono, dor cervical e transtorno mental comum. Sobre os aspectos da saúde física e mental, estudo de revisão elencou os múltiplos problemas de saúde decorrentes do uso excessivo do smartphone, como depressão, ansiedade, impulsividade, comportamento sedentário, distúrbio do sono, contratura na musculatura e dor na coluna cervical e lombar8.

Várias pesquisas abordam a associação da dependência do smartphone com a qualidade do sono. Dentre eles, estudos na Suíça29 e no Brasil30 apontaram que os usuários de smartphones dormem menos, especialmente nos dias úteis, como também relatam mais problemas de sono. Outro estudo, na Indonésia, revelou que o uso excessivo do smartphone à noite pode causar distúrbios no sono e contribui para o surgimento de depressão27. Os impactos do uso excessivo deste dispositivo na qualidade do sono e na sua duração são preocupantes, pois a restrição do sono pode causar transtornos físicos e mentais, o que torna importante o uso consciente e monitorado.

Dentre as repercussões físicas relacionadas ao desfecho, os adolescentes da amostra reportaram à presença de dor na região cervical. Queixa similar foi relatada pelos adolescentes de Taiwan que informaram desconforto musculoesquelético na coluna cervical e torácica quando utilizavam o smartphone por mais de três horas diárias31. Outra pesquisa, no Líbano, encontrou relação entre a presença da dor musculoesquelética na cervical e na região das costas com o uso dos smartphones e/ou tablets em virtude da flexão excessiva, após cinco a sete horas nesses dispositivos32. Como também na China, em adolescentes com idade média de 18 anos, em que a região do corpo que apresentava maior queixa álgica foi a cervical após o uso prolongado do smartphone33.

Em relação ao aspecto da saúde mental, detectou-se que 52,4% da amostra tinha suspeita de TMC e que havia relação com o desfecho de dependência do smartphone. Pesquisas anteriores realizadas na Hungria34 e Turquia25 concluíram que o tempo de uso do smartphone tem relação direta com a impulsividade, a ansiedade, a depressão, a sensibilidade interpessoal e com os sintomas de hostilidade. De forma convergente, outros dois estudos transversais realizados no Japão35 e na Coreia36 atestam que, quanto maior tempo de uso, maior é o risco de ocorrência de sintomas depressivos e pensamentos suicidas.

Diante dos achados, alerta-se para a importância do monitoramento do uso excessivo do smartphone pelos adolescentes e dos possíveis malefícios à saúde mental e física; e, ainda, destaca-se a necessidade de implantação de programas de prevenção/cuidados à saúde direcionados para essas questões com envolvimento da família, dos ambientes educacionais e do sistema de saúde. A Sociedade Brasileira de Pediatra reforça a conscientização das leis vigentes no país e a implementação de políticas públicas, que culminem em campanhas de educação em saúde e materiais de apoio, destinadas à proteção integral e à prevenção dos riscos do uso de internet, redes sociais, jogos e outros aplicativos37.

Reconhecem-se algumas limitações neste estudo no quesito amostra, como a não inclusão de escolas da rede privada dificultando análises que envolvessem fatores socioeconômicos, e a delimitação da faixa etária (15-19 anos). Apesar dessas limitações potencialmente afetarem generalizações dos resultados, acredita-se que os achados da pesquisa contribuirão para a discussão do tema.

Conclusão

Neste estudo, que buscou avaliar a dependência do smartphone e os fatores associados em adolescentes, foi constatada elevada prevalência nos adolescentes da amostra e sua relação com múltiplos fatores, como idade, tempo de uso e comprometimento das condições de saúde física, evidenciado pela queixa de dor cervical, além de prejuízos à saúde mental com a redução de horas de sono e presença de transtorno mental comum.

Os resultados encontrados podem ser elucidados pelas particularidades inerentes à adolescência como a rotina de estudos e necessidade do uso de internet para fins de pesquisa, bem como a sua utilização para momentos de lazer como assistir filme, jogos e relacionar-se com outras pessoas. Desse modo, a população estudada pode desenvolver este distúrbio comportamental em virtude destas particularidades.

Portanto, diante dos resultados destaca-se a importância de campanhas educativas e de promoção da saúde em diversos cenários socioeducativos e na mídia, com intuito de sensibilizar os adolescentes, pais, educadores e profissionais de saúde quanto os riscos da dependência do smartphones à saúde física e mental e conscientizar quanto a utilização adequada deste dispositivo.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Universidade de Fortaleza (Unifor) pela Fundação Edson Queiroz pelas bolsas de iniciação científicas.

À Secretaria de Educação do Estado do Ceará (SEDUC) e às Escolas Estaduais de Educação Profissional (EEEPs) de Ensino Médio da cidade de Fortaleza pelo apoio.

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    » https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/2016/11/19166d-MOrient-Saude-Crian-e-Adolesc.pdf

Editado por

  • Editores-chefes:
    Romeu Gomes, Antônio Augusto Moura da Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    Jul 2021

Histórico

  • Recebido
    29 Abr 2020
  • Aceito
    19 Abr 2021
  • Publicado
    21 Abr 2021
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