Open-access Análise espacial como ferramenta de identificação de áreas prioritárias de intervenção para prevenção da sífilis

Spatial analysis as a tool for identification of priority intervention areas for syphilis prevention

Resumo

A análise espacial da sífilis constitui-se numa ferramenta capaz de contribuir no estabelecimento de diretrizes de atuação nas áreas geográficas prioritárias para intervenções preventivas. O objetivo do artigo foi descrever as evidências produzidas pelos estudos que utilizaram a análise espacial para identificação das áreas prioritárias de intervenção para sífilis. Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, realizada nas bases de dados Medline/PubMed, Scopus, Web of science, Lilacs, Ibecs, Portal da Biblioteca Cochrane, SciELO, Cuiden e Bdenf através do cruzamento entre os descritores “sífilis”, “análise espacial”, “sistema de informação geográfica”, “educação em saúde” e “mapeamento geográfico”. Foram analisados 13 artigos e na maioria deles os casos de sífilis se apresentaram distribuídos de forma heterogênea, não obedecendo um perfil epidemiológico único em relação as unidades de análise. Foi demonstrado efeito ecológico e espacial discordante entre sífilis e o HIV e a viabilidade no rastreio integrado da sífilis com outras doenças. Foi evidenciado eficácia e capacidade da análise espacial em direcionar intervencões educativas específicas para cada realidade evitando o investimento em áreas geograficamente não prioritárias para o controle da sífilis.

Palavras-chave: Sífilis; Análise espacial; Sistema de informação geográfica; Mapeamento geográfico

Abstract

The spatial analysis of syphilis constitutes a tool capable of contributing to the establishment of guidelines for action in priority geographic areas for preventive intervention. The scope of the article was to describe the scientific evidence that used geoprocessing as a tool to identify risk areas for syphilis. This is an integrative review of the literature, carried out in the Medline/PubMed, Scopus, Web of Science, Lilacs, Ibecs, Cochrane Library Portal, SciELO, Cuiden and Bdenf databases through cross-referencing between the key words “syphilis,” “spatial analysis,” “geographical information system,” “health education” and “geographical mapping.” A total of 13 articles were analyzed and in most of them syphilis cases were distributed in a heterogeneous manner, not obeying a unique epidemiological profile in relation to the units of analysis. Discordant ecological and spatial effects between syphilis and HIV and the viability of the integrated screening of syphilis with other diseases was revealed. Efficacy and ability of spatial analysis to target specific educational interventions for each reality were revealed, avoiding investment in geographically non-priority areas for syphilis control.

Key words: Syphilis; Spatial analysis; Geographic information system and geographical mapping

Introdução

A sífilis é uma doença infecciosa sistêmica, de evolução crônica, sujeita a surtos de agudização e períodos de latência quando não tratada. É causada pelo Treponema pallidum, patógeno exclusivo do ser humano, de transmissão predominantemente sexual (sífilis adquirida) podendo ocorrer por via materno-fetal (sífilis congênita)1.

Apesar da eliminação da sífilis ser uma prioridade global, com propostas de controle articuladas com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e Organização Mundial da Saúde (OMS)2 a doença ainda representa um grande desafio para saúde pública em virtude do aumento significativo dos casos diagnosticados. Em 2010, a OMS estimou onze milhões de novos casos de sífilis por ano em todo mundo3. Segundo o Ministério da Saúde, em 2013, mais de um milhão de pessoas adquiriram uma infecção sexualmente transmissível, dentre elas a sífilis. No Brasil, apesar do tratamento rápido, no ano de 2010 foram notificados 1.249 casos de sífilis adquirida e em 2015, esses números saltaram para 65.878 notificações, um aumento de mais de 5.000% em apenas cinco anos configurando uma situação de epidemia4.

Falhas no uso do preservativo e resultados pouco expressivos de campanhas de prevenção da doença representam aspectos que contribuem para os números alarmantes da infecção, traduzindo a necessidade de um planejamento de ações de saúde especificamente voltado para as áreas de maior vulnerabilidade para transmissão da doença. Dentro desse contexto, o geoprocessamento representa um conjunto de tecnologias capazes de produzir informações demográficas e contribuir de forma mais eficiente no estabelecimento de diretrizes de atuação e direcionamento de esforços nas áreas geográficas apontadas como zonas de risco para doença5.

A proposta de análise espacial da sífilis pode além de mostrar a realidade, facilitar a realização de pesquisas e auxiliar no planejamento e controle da infecção em todas as áreas. Desta forma, obtém-se menor tempo de resposta a epidemia e se reduz custos desnecessários com investimentos em áreas não prioritárias por não representarem zonas de transmissão da infecção. É um recurso que tem sido utilizado por vários autores na área da saúde e seus resultados têm contribuído para a detecção de pontos de transmissão de algumas doenças e para a redefinição da distribuição da rede de assistência de saúde dentro de uma determinada localidade6,7.

Considerando a situação epidemiológica da infecção por sífilis no país e no mundo, o objetivo deste estudo foi descrever as evidências produzidas pelos estudos que utilizaram a análise espacial para identificação das áreas prioritárias de intervenção para sífilis.

Método

Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, considerada um método de pesquisa que possibilita a busca, a avaliação crítica e a síntese do estado de conhecimento sobre um determinado assunto, além de apontar lacunas no conhecimento que precisam ser preenchidas com a realização de novos estudos8.

Esta revisão foi operacionalizada a partir das seguintes etapas9: 1) estabelecimento da questão norteadora e objetivos da revisão integrativa; 2) definição das bases de dados e das informações a serem extraídas dos artigos selecionados; 3) estabelecimento dos critérios de inclusão e exclusão dos artigos (seleção da amostra); 4) análise crítica dos artigos incluídos na revisão; 5) interpretação e discussão dos resultados; 6) apresentação da revisão integrativa. A questão que norteou a pesquisa foi quais as evidências produzidas por estudos que utilizaram a análise espacial como ferramenta de identificação das áreas prioritárias de intervenção para sífilis?

Para seleção dos artigos foi realizada, em fevereiro e março de 2017, uma busca na literatura científica sem limite de tempo nas seguintes bases de dados do sítio da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS): Literatura Internacional em Ciências da Saúde/National Library of Medicine (Medline/PubMed), Database of peer-reviewed literature (Scopus), Web of science, Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Indice Bibliografico Español de Ciencias de la Salud (IBECS), Portal da Biblioteca Cochrane, Biblioteca Virtual Scientific Eletronic Library Online (SciELO), Base de Dados de Enfermería em Español (CUIDEN) e Base de Dados em Enfermagem (BDENF).

A busca nas bases de dados ocorreu mediante o cruzamento dos seguintes descritores em saúde (DeCS): Sífilis, Análise espacial, Sistema de informação geográfica, Educação em saúde e Mapeamento geográfico e seus correspondentes no Medical SubjectHeadings (MeSH): Syphilis, Spatial analysis, Geographic information systems, Health education e Geographic mapping (Figura 1).

Figura 1
Estratégia de busca utilizada nas bases de dados. Recife, 2017.

Como critérios de inclusão foram considerados artigos disponíveis na íntegra publicados em inglês, português ou espanhol e que responderam a pergunta norteadora da pesquisa. Foram excluídos artigos repetidos em mais de uma base, resumos de congressos, anais, editoriais, comentários e opiniões, artigos de revisão, teses e dissertações. Para os artigos repetidos, utilizou-se como critério de seleção, o posicionamento da base em relação à seguinte ordem hierárquica: PubMed/Medline, Scopus, Web of Science, Lilacs, Ibecs, Cochrane, SciELO, Cuiden e Bdenf.

Ao final dos cruzamentos “Syphilis (AND) Spatial analysis”, “Syphilis (AND) Geographic information systems” e “Syphilis (AND) Geographic mapping”, foram encontrados 762 artigos (Figura 1). Após a leitura de todos os títulos e, quando necessário, dos resumos foram pré-selecionados 38 artigos para leitura na íntegra. Desses, foram excluídos 25 pelos seguintes motivos: 14 encontravam-se repetidos em mais de uma base de dados, 2 não estavam disponíveis o texto completo e 9 não responderam a questão norteadora do estudo. Dessa forma, restaram 13 artigos, os quais foram avaliados quanto ao seu rigor metodológico através da aplicação de um instrumento adaptado do Critical Appraisal Skills Programme (CASP)10.

O instrumento é composto por 10 itens pontuáveis (máximo de 10 pontos), abrangendo: 1) objetivo do estudo, 2) adequação do desenho metodológico à questão do estudo, 3) justificativa dos procedimentos metodológicos, 4) critérios de seleção da amostra, 5) detalhamento da coleta de dados, 6) relação entre pesquisador e pesquisados, 7) consideração sobre aspectos éticos, 8) rigor na análise dos dados, 9) propriedade na apresentação e discussão dos resultados e 10) valor da pesquisa: apontamento de contribuições, limitações e necessidade de novas pesquisas.

De acordo com esse instrumento os estudos podem ser classificados em duas categorias conforme as seguintes pontuações: 06 a 10 pontos (boa qualidade metodológica e viés reduzido) e mínima de 5 pontos (qualidade metodológica satisfatória, porém com risco de viés aumentado). Nesta revisão, optou-se por utilizar apenas os artigos classificados de 6 a 10 pontos totalizando uma amostra final de 13 artigos, sendo 12 captados nas bases PubMed/Medline e 1 na base Scopus.

O nível das evidências dos artigos foi avaliado considerando sete níveis: o nível 1 representa as evidências provenientes de revisão sistemática ou metanálise de todos os relevantes ensaios clínicos randomizados controlados ou oriundas de diretrizes clínicas baseadas em revisões sistemáticas de ensaios clínicos randomizados controlados; o nível 2 as evidências derivadas de pelo menos um ensaio clínico randomizado controlado bem delineado; o nível 3 as evidências obtidas de ensaios clínicos bem delineados sem randomização; o nível 4 as evidências provenientes de estudos de coorte e de caso-controle bem delineados; o nível 5 as evidências originárias de revisões sistemáticas de estudos descritivos e qualitativos; o nível 6 as evidências derivadas de um único estudo descritivo ou qualitativo e o nível 7 as evidências oriundas de opinião de autoridades e/ou relatórios de comitês de especialistas8. A caracterização dos artigos incluídos na revisão está descrita no Quadro 1.

Quadro 1
Caracterização dos artigos incluídos na revisão. Recife-PE, 2018.

Resultados

Esta revisão integrativa foi composta por treze artigos, sendo que doze foram captados nas bases Medline/PubMed11-22 e apenas um na base Scopus23. Todos foram publicados em língua inglesa no período entre 2004 e 2016 nos países China15-17,19,21, Estados Unidos11-13,20,23, Austrália14, África do Sul18 e Inglaterra22. Após aplicação dos critérios do CASP, todos os artigos foram classificados com boa qualidade metodológica e viés reduzido. Em relação ao nível de evidência, a totalidade dos artigos apresentou nível seis por se tratarem de estudos essencialmente descritivos de cunho epidemiológico.

Em relação à fonte de obtenção dos dados submetidos à análise espacial, a maioria dos artigos utilizou dados secundários11-19,21,23, um dos artigos utilizou dados primários (questionário)22 e um artigo não citou a fonte20. Dentre os artigos caracterizados como ecológicos, dois deles utilizaram o setor censitário como unidade de análise11,23, um utilizou condados16, um utilizou distritos18 e um realizou o estudo utilizando os bairros19. As evidências produzidas pelos artigos que compuseram esta revisão estão apresentadas no Quadro 2.

Quadro 2
Evidências produzidas pelos artigos que utilizaram a análise espacial como ferramenta para identificação das áreas prioritárias de intervenções preventivas para sífilis. Recife-PE, 2018.

Discussão

Dos cinco países que publicaram artigos que abordaram a análise espacial da sífilis, a China e os Estados Unidos se destacaram com cinco publicações cada um. No caso da China, esta supremacia de publicações pode ser explicada pela epidemia de sífilis em expansão no país24, servindo de incentivo para elaboração de programas abrangentes voltados ao controle e prevenção da doença. Nos Estados Unidos, há também uma crescente notificação de casos de sífilis. Segundo o Departamento de Saúde Norte-Americano, houve um aumento de 10% do número de contaminações por sífilis entre 2012 e 2013 sendo, 75% deste aumento decorrente de casos de homens gays e bissexuais. Ao contrário, os estudos de Tan et al.16 e Petersen et al.22, realizados na China e Inglaterra, respectivamente, encontraram aumento do risco para infecção entre os homens heterossexuais.

Na maioria dos artigos que compuseram esta revisão11,14,15,17-19,21-23 o padrão de distribuição da sífilis ocorreu de forma heterogênea permitindo inferir que planejamentos inespecíficos e uniformes podem não atender a população mais exposta ao risco de acometimento pela doença, bem como onerar custos, na medida em que os esforços estão sendo direcionados para áreas não prioritárias.

A visualização do padrão de distribuição de um evento de saúde através de um mapa bem como a análise de sua relação com outros fatores objetivos e mensuráveis contribui para o estudo da transmissão, disseminação e das ações de controle das doenças e dos agravos de saúde de uma determinada área de abrangência25. Além disso, pode fornecer informações para uma avaliação dos estratos sob risco em uma determinada população e identificar os estratos agregados em grupos sociais e áreas geográficas bem definidas permitindo o estabelecimento de ações de prevenção e controle para áreas específicas26.

Estudos sobre determinantes sociais de saúde, onde a heterogeneidade é grande, compreender se a variabilidade que ocorre na análise dos dados é por flutuações aleatórias ou por efeito espacial propriamente dito é de extrema relevância. Para isso, o modelo de abordagem bayesiana representa uma alternativa aos modelos tradicionais para o estudo de análise espacial de doenças. Nesta revisão, dois dos artigos12,16 utilizaram a entropia máxima Bayesiana (BME) e a técnica de alisamento bayesiano, respectivamente, para descrever quantitativa e qualitativamente o desenvolvimento espacial e a disseminação da sífilis. Nessas abordagens, foi possível a geração de estimativas mais precisas de associações entre a incidência da doença e fatores relacionados à área sob investigação.

A análise crítica dos artigos permitiu identificar algumas evidências que podem ser utilizadas para nortear intervenções educativas para prevenção da sífilis ajustadas a cada realidade. Em relação aos aspectos econômicos, quatro artigos apresentaram resultados semelhantes15,16,18,19 demonstrando maior agrupamento da doença nas áreas de maior desenvolvimento econômico. Sobre este achado, um deles15 ressaltou como proposta a realização de testes de sífilis nos locais de trabalho nas áreas de maior desenvolvimento econômico. Outro16, referiu que esta associação positiva entre os casos de sífilis e o maior nível econômico ocorre devido ao aumento da exposição da população de maior poder aquisitivo a prática do sexo comercial e inseguro, demonstrando que as localidades onde este tipo de prática acontece representa uma zona importante de intervenção.

Um outro artigo18 encontrou relação inversa entre o índice de privação social (privação material e social) e a incidência de sífilis, demonstrando que os grupos populacionais de nível econômico menos favorecido está mais exposto a taxas mais elevadas da infecção. E por fim, outro estudo19, embora tenha econtrado maior concentração de casos da doença nas áreas de maior Produto Interno Bruto (PIB), não encontrou associação entre os casos da doença e os locais onde se realizam a prática de sexo comercial.

Quanto à educação, três artigos15,16,21 encontraram maior proporção de sífilis nas áreas com menores taxas de alfabetização sublinhando a necessidade de educação e intervenções sexuais em sífilis para população de baixa escolaridade. Interessante ressaltar que apesar ter encontrado maiores taxas de sífilis na população com padrão de vida mais elevado, foi demonstrado forte correlação negativa entre os casos da doença e as taxas de analfabetismo16.

Em relação aos aspectos demográficos, um dos artigos18 encontriu relação inversa entre a densidade populacional e a incidência de sífilis enquanto que outro artigo20 não encontrou associação entre essas duas variáveis. Quanto a faixa etária, houve variação nas faixas de idade onde foram encontradas maior proporção de sífilis. Em um dos artigos22 houve maior proporção da doença entre os homens com idade inferior a 25 anos ou entre 35 e 44 anos. Já em outro artigo21 a infecção foi mais prevalente na população com idade entre 20 e 39 anos e acima de 50 anos. Sobre as faixas etárias de maior proporção da sífilis, os estudos demonstraram que a infecção se apresentou mais agrupada tanto na população mais jovem22 como na população mais envelhecida21 o que permite inferir que intervenções educativas elaboradas para faixas etárias não prioritárias naquela área determinada, possivelmente não surtirão efeito para o controle da infecção.

Quanto ao estado conjugal, um dos artigos encontrou maior incidência de sífilis na população casada21. Outros dois estudos16,22 apesar de não terem trabalhado a variável estado conjugal, demonstraram que as relações heterossexuais representaram a principal forma de transmissão da doença, resultado que contraria outras literaturas científicas que apontam maior risco para transmissão da infecção nas relações homossexuais27-29.

Um dos artigos ressaltou maior agrupamento de sífilis dentre os seguimentos da população de trabalhadores, desempregados ou donas de casa e dentre os que desempenham atividades de cunho empresarial19 demonstrando grande diferença entre os grupos que apresentaram maior fardo da doença. Considerando essa diferença, é possível inferir uma dificuldade de elaboração de intervenções educativas capazes de atingir uma população caracteristicamente diversa. Por este motivo, o artigo apresentou como proposta a elaboração de atividades interventivas para promoção da saúde sexual construídas em parceria entre os setores saúde e economia, já que é possível uma relação direta entre o desenvolvimento econômico e a parcela da população que exerce atividades empresariais, citada como grupo de risco.

Outro artigo18 demonstrou efeitos ecológicos e espaciais discordantes entre sífilis e HIV sugerindo que a prevalência de uma infecção não pode ser usada como fator preditor da prevalência da outra. Este foi um achado importante por demonstrar que apesar de tratar-se de duas infecções sexualmente transmissíveis, os fatores de risco para ambas as infecções se mostraram distribuídos espacialmente de forma diferente. Portanto, atividades de educação em saúde que generalizem tais fatores, possivelmente não alcançarão o sucesso esperado.

O indicador composto Índice de Vegetação por Diferença Normalizada, apesar de incomum de ser trabalhado neste tipo de investigação, foi testado para verificação de associação com os locais de agrupamento dos casos de sífilis17. Não foi encontrado relação direta deste indicador com a infecção, porém, corroborando como outro artigo21 as áreas de maior proporção de casos da doença se apresentaram mais relacionadas as áreas de maior temperatura.

Um aspecto interessante ressaltado por um dos artigos20 foi a viabilidade de uma abordagem geoespacial de rastreio integrado para sífilis, tuberculose e HIV, principalmente para populações com maior carência de atendimento de saúde. Este estudo demosntrou que esta detecção integrada, baseada em dados geoespaciais tem um potencial de detecção significativo para aumentar o impacto de programas organizados por departamentos de saúde com recursos limitados.

Dificuldade de realização de intervenções preventivas direcionadas ou baseadas em locais foi demonstrada por um dos artigos13 devido ao estudo ter sido realizado em uma área geoespacial não considerada como de transmissão da sífilis em virtude da dispersão encontrada entre os casos e pela alta proporção de parceiros sexuais que residiam fora do estado estudado. De forma semelhante, outro estudo17 encontrou correlação positiva da incidência de sífilis com o transporte demonstrando que os trabalhadores migrantes representavam um grupo de risco para transmissão bem como outra publicação que também ressaltou agrupamento de sífilis entre jovens migrantes19. Esses resultados demonstraram que muitos dos parceiros(as) sexuais responsáveis pela transmissão da infecção nos locais onde tais estudos foram realizados eram importados de outros locais, evidência importante proporcionada pela análise espacial a ser considerada na formulação de estratégias de intervenção.

Apesar das evidências encontradas de que a análise espacial pode nortear a construção de estratégias de intervenção em saúde para a prevenção e controle da sífilis, um dos estudos23 alertou para importância de se escolher a escala correta para análise e identificação precisa das áreas com alta carga de doença e importância dos analistas e tomadores de decisão estarem atentos ao método e à escala na qual eles identificam clusters, pois isso afetará sua interpretação. Concluiu ainda que uma compreensão mais completa da localização de cluster de alta carga pode informar a alocação de recursos para intervenções de infecção sexualmente direcionada geograficamente.

Conclusão

Esta revisão permitiu evidenciar que os casos de sífilis se distribuem espacialmente de forma bastante heterogênea, não obedecendo a um perfil epidemiológico único entre os municípios, distritos, cidades, bairros e setores censitários. As evidências apresentadas demonstraram que a análise espacial dos casos da doença representa uma ferramenta eficaz e capaz de direcionar a construção de intervencões educativas específicas para cada realidade evitando, dessa forma, o investimento em áreas geograficamente não prioritparias para o controle da infecção.

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Editado por

  • Editores-chefes:
    Romeu Gomes, Antônio Augusto Moura da Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    26 Jul 2019
  • Aceito
    24 Nov 2019
  • Publicado
    27 Nov 2019
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