Resumo
A distribuição da cárie é desigual e fortemente associada aos diferentes perfis socioeconômicos dos países. Objetivou-se descrever as mudanças da prevalência de dentes permanentes cariados no Brasil e em países de renda média-alta nos anos 1990 e 2017. Trata-se de um estudo descritivo realizado a partir de dados secundários extraídos do Global Burden of Disease. Foram incluídos os 53 países pertencentes ao grupo de renda média-alta. As estimativas de prevalência de cárie foram coletadas nos anos de 1990 e 2017. A variação percentual da prevalência foi calculada entre os dois anos. Também foram coletados os valores do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) para cada país. Os resultados evidenciam tendência de redução da prevalência de dentes permanentes cariados no Brasil e na maioria dos países de renda média-alta. A prevalência de cárie não tratada no Brasil foi de 38,17%, em 1990, e de 37,46% em 2017. O Brasil ocupa a 41ª posição no ranking de redução na prevalência de cárie entre os 53 países avaliados. Os países que alcançaram as maiores reduções na prevalência de cárie foram os que melhoraram o seu IDH. Nesse sentido, considera-se a necessidade de rever as políticas públicas de saúde bucal, bem como uma reflexão acerca do enfrentamento das iniquidades presentes nos países pesquisados.
Palavras-chave:
Cárie dentária; Saúde bucal; Epidemiologia
Abstract
The distribution of caries is uneven and strongly associated with the different socioeconomic profiles of countries. The scope of this study was to describe the changes in the prevalence of decayed permanent teeth in Brazil and in upper-middle income countries for the years 1990 and 2017. It is a descriptive study based on secondary data extracted from the Global Burden of Disease. The 53 countries included in the upper-middle income group were included. Caries prevalence estimates were collected for the years 1990 and 2017. The percentage change in prevalence was calculated between the two years. The values of the Human Development Index (HDI) for each country were also collected. The results show the trend of a reduction in the prevalence of decayed permanent teeth in Brazil and in most upper-middle income countries. The prevalence of untreated caries in Brazil was 38.17% in 1990 and 37.46% in 2017. Brazil occupies the 41st position in the ranking of the reduction in the prevalence of caries among the 53 countries evaluated. The countries that achieved the greatest reductions in the prevalence of caries were those with an improvement in their HDI. In this respect, the need to review public oral health policies is revealed, as well as a reflection on addressing the inequities present in the countries surveyed.
Key words:
Dental caries; Oral health; Epidemiology
Introdução
As doenças bucais continuam sendo um dos maiores problemas de saúde pública no mundo, afetando mais de 3,5 bilhões de pessoas11 Watt RG, Daly B, Allison P, Macpherson LMD, Venturelli R, Listl S, Weyant RJ, Mathur MR, Guarnizo-Herreño CC, Celeste RK, Peres MA, Kearns C, Benzian H. Ending the neglect of global oral health: time for radical action. Lancet 2019; 394(10194):261-272.. Os custos diretos do tratamento devido a doenças bucais em todo o mundo foram na ordem de US$ 356,80 bilhões, e os custos indiretos (faltas ao trabalho/escola, perda de produtividade) somaram 187,61 bilhões, totalizando um impacto econômico global de US$ 544,41 bilhões em 201522 Righolt AJ, Jevdjevic M, Marcenes W, Listl S. Global-, regional-, and country-level economic impacts of dental diseases in 2015. J Dent Res 2018; 97(5):501-507.. Dentre os países com sistemas de saúde públicos e universais, o Brasil apresenta a menor participação de gastos públicos em saúde. Em 2014, apenas 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro teve esta finalidade, sendo o gasto total per capita de US$ 94733 Figueiredo JO, Prado NMBL, Medina MG, Paim JS. Gastos público e privado com saúde no Brasil e países selecionados. Saude Debate 2018; 42(2):37-47..
A cárie dentária é resultante da interação de aspectos biológicos, comportamentais, socioeconômicos, bem como um reflexo do acesso aos serviços de saúde e dos cuidados recebidos ao longo do tempo44 Frias AC, Antunes JLF, Junqueira SR, Narvai PC. Determinantes individuais e contextuais da prevalência de cárie dentária não tratada no Brasil. Rev Panam Salud Publica 2007; 22(4):279-285.. Em 2010, a cárie não tratada em dentes permanentes foi a condição mais prevalente em todo o mundo, atingindo 2,4 bilhões de pessoas55 Kassebaum NJ, Bernabé E, Dahiya M, Bhandari B, Murray CJL, Marcenes W. Global Burden of Untreated Caries: a Systematic Review and Metaregression. J Dent Res 2015; 94(5):650-658.. No Brasil, resultados do último inquérito nacional (SB Brasil 2010) demonstraram uma tendência de redução da cárie entre escolares e adolescentes, mas, entre os adultos, a redução da gravidade da doença foi discreta, e entre os idosos permaneceu inalterada66 Chaves SCL, Almeida AMFL, Rossi TRA, Santana SF, Barros SG, Santos CML. Política de Saúde Bucal no Brasil 2003-2014: cenário, propostas, ações e resultados. Cien Saude Colet 2017; 22(6):1791-1803.. Dados recentes indicam que a prevalência mundial de cárie não tratada em dentes permanentes foi de 29,4% em 201777 GBD 2017 Oral Disorders Collaborators. Global, Regional, and National Levels and Trends in Burden of Oral Conditions from 1990 to 2017: A Systematic Analysis for the Global Burden of Disease 2017 Study. J Dent Res 2020; 99(4):362-373..
Há evidências de que a distribuição atual da cárie é desigual e fortemente associada aos diferentes perfis dos países, relacionando-se à estrutura da sociedade, condições e estilos de vida e à existência de sistemas preventivos de saúde bucal, focados na promoção da saúde bucal através do combate a comportamentos não saudáveis88 Petersen PE, Ogawa H. Prevention of dental caries through the use of fluoride - the WHO approach. Community Dent Health 2016; 33(2):66-68.. Atualmente, o Brasil é o único país do mundo a ofertar em seu sistema de saúde atenção à saúde bucal para seus habitantes, de forma pública, universal e em diferentes níveis de atenção99 Probst LF, Pucca Junior GA, Pereira AC, Carli AD. Impact of financial crises on oral health indicators: an integrative review of the literature. Cien Saude Colet 2019; 24(12):4437-4448.. Neste contexto, é importante destacar a implantação da Política Nacional de Saúde Bucal (PNSB), em 2004, que ampliou o acesso aos cuidados em saúde bucal para muitos brasileiros, por meio da inserção das Equipes de Saúde Bucal na Estratégia de Saúde da Família1010 Aquilante AG, Aciole GG. Oral health care after the National Policy on Oral Health - "Smiling Brazil": a case study. Cien Saude Colet 2015; 20(1):239-248.. Dentre as diversas ações propostas pela PNSB, a mais abrangente e socialmente justa foi a implantação e ampliação da fluoretação das águas de abastecimento público1111 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Coordenação Nacional de Saúde Bucal. Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal. Brasília: MS; 2004., viabilizando que 78,6% da população brasileira seja coberta por esta importante medida1212 Roncalli AG, Noro LRA, Cury JA, Zilbovicius C, Pinheiro HHC, Ely HC, Narvai PC, Frazão P. Fluoretação da água no Brasil: distribuição regional e acurácia das informações sobre vigilância em municípios com mais de 50 mil habitantes. Cad Saude Publica 2019; 35(6):e00250118..
O processo saúde-doença possui íntima relação com as desigualdades sociais1313 Minayo MCS. Contribuições da Antropologia para pensar e fazer saúde. In: Campos GWS, Minayo MCS, Akerman M, Drumond Junior M, Carvalho YM. Tratado de Saúde Coletiva. São Paulo/Rio de Janeiro: Hucitec/Fiocruz; 2006. p.201-230.. Dessa forma, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma medida importante para avaliar o progresso do desenvolvimento humano em três dimensões básicas: renda, educação e saúde, permitindo a comparação entre países ao redor do mundo1414 Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Valores e desenvolvimento humano 2012. Brasília: PNUD; 2012.. Apesar da significativa melhoria nas condições de vida das populações, as desigualdades na saúde ainda estão muito presentes1515 Marmot M, Allen J, Bell R, Bloomer E, Goldblatt P. WHO European review of social determinants of health and the health divide. Lancet 2012; 380(9846):1011-1029..
Comportamentos como escovação dos dentes, uso do flúor, consumo de açúcar, intimamente relacionados com a cárie, são socialmente padronizados e são protagonistas nas desigualdades em saúde bucal1616 Watt RG, Heilmann A, Listl S, Peres MA. London Charter on Oral Health Inequalities. J Dent Res 2016; 95(3)245-247.. No entanto, esses comportamentos por si só não explicam integralmente as diferenças no estado de saúde bucal1717 Sabbah W, Tsakos G, Sheiham A, Watt RG. The role of health-related behaviors in the socioeconomic disparities in oral health. Soc Sci Med 2009; 68(2):298-303.. Elas também são explicadas pelas condições da vida diária, pelo ambiente político, social, e físico das sociedades1818 Watt RG, Sheiham A. Integrating the common risk factor approach into a social determinant framework. Community Dent Oral Epidemiol 2012; 40(4):289-296.. A cárie não tratada representa importante ônus biológico, social e financeiro não somente para as pessoas, mas também para os sistemas de saúde1919 Petersen PE, Bourgeois D, Ogawa H, Estupinan-Day S, Ndiaye C. The global burden of oral diseases and risks to oral health. Bull World Health Organ 2005; 83(9):661-669., sendo a quarta doença crônica mais cara de ser tratada2020 Petersen PE. World Health Organization global policy for improvement of oral health - World Health Assembly 2007. Int Dent J 2008; 58(3):115-121..
A tendência epidemiológica de distribuição de cárie em dentes permanentes em países do grupo de renda média-alta, incluindo o Brasil, ainda não está totalmente esclarecida. Além disso, a comparação das mudanças de prevalência de cárie permite explorar as diferenças entre os países e identificar aqueles que obtiveram sucesso na redução da doença. O conhecimento desta realidade é importante, especialmente para formuladores de políticas de saúde, quando se procura fazer o uso racional dos recursos disponíveis22 Righolt AJ, Jevdjevic M, Marcenes W, Listl S. Global-, regional-, and country-level economic impacts of dental diseases in 2015. J Dent Res 2018; 97(5):501-507.,2121 Listl S, Galloway J, Mossey PA, Marcenes W. Global economic impact of dental diseases. J Dent Res 2015; 94(10):1355-1361.. Diante disso, o objetivo do presente estudo foi descrever as mudanças da prevalência de dentes permanentes cariados no Brasil e em países de renda média-alta nos anos 1990 e 2017, bem como descrever as alterações de prevalência de dentes permanentes cariados com as variações no Índice de Desenvolvimento Humano.
Métodos
Foi realizado um estudo descritivo a partir de dados secundários, estimados para os países, pelo estudo Carga Global de Doença (Global Burden of Disease - GBD), provenientes do Instituto de Métricas e Avaliação em Saúde (Institute for Health Metrics and Evaluation - IHME) da Universidade de Washington, Estados Unidos. O GBD utiliza diversas fontes de dados e metodologia padronizada, a fim de gerar estimativas comparáveis de prevalência de doenças segundo idade, sexo, ano e localização geográfica2222 Instituto de Métrica e Avaliação em Saúde. Estudo de Carga de Doença Global: gerando evidências, informando políticas de saúde. Seattle: IHME; 2013..
Neste estudo, foram incluídas as estimativas para prevalência de cárie em dentes permanentes. Os anos foram selecionados em função da disponibilidade dos dados: 1990 é o primeiro ano e 2017 é o último ano de registro oficial do GBD. Todos os dados foram extraídos do banco de dados do GBD, com resultados disponíveis na página WEB do IHME: http://ghdx.healthdata.org/gbd-results-tool.
Foram incluídos no estudo todos os países pertencentes ao grupo de renda média-alta, conforme os critérios do Banco Mundial (BM). Para fins de classificação, o método utilizado é o Atlas, indicador desenvolvido pelo próprio BM, o qual leva em consideração a renda nacional bruta (RNB) per capita para classificar a economia do país2323 The World Bank. The World Bank Atlas method - detailed methodology. 2020 [cited 2020 abr 17]. Available from: https://datahelpdesk.worldbank.org/knowledgebase/articles/378832-what-is-the-world-bank-atlas-method
https://datahelpdesk.worldbank.org/knowl...
. Em 2020, foram consideradas economias de renda média-alta aquelas com a RNB per capita entre U$ 3.996/R$ 20.379 e U$ 12.375/R$ 63.112. Conforme a classificação do BM, foram incluídos no estudo 53 países que fazem parte da categoria renda média-alta. O Brasil também é classificado como país de renda média-alta2424 The World Bank. World Bank Country and Lending Groups. 2020 [cited 2020 abr 17]. Available from: https://datahelpdesk.worldbank.org/knowledgebase/articles/906519-world-bank-country-and-lending-groups
https://datahelpdesk.worldbank.org/knowl...
.
Foram estimadas as prevalências de cáries em porcentagem (%), ajustadas por idade e com seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC 95%) para os países nos anos de 1990 e 2017, bem como a variação percentual dessas entre os dois anos. Foi organizado um ranking dos países para comparar as mudanças de prevalência de cárie. O ranking seguiu a ordem da maior redução na prevalência de cárie para o menor valor de redução. A metodologia padronizada de análise adotada pelo GBD torna possível comparar países e dados2525 GBD 2013 Risk Factors Collaborators. Global, regional, and national comparative risk assessment of 79 behavioural, environmental and occupational, and metabolic risks or clusters of risks in 188 countries, 1990-2013: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2013. Lancet 2015; 386(10010):2287-2323.. Para fins de apresentação dos resultados, os países também foram categorizados conforme seus pontos percentuais de mudança na prevalência de dentes permanentes cariados entre 1990 e 2017, a partir de 5 estratos: menor ou igual a -3; menor ou igual a -2; menor ou igual a -1; menor ou igual a zero; maior do que zero; além disso, os países não incluídos também foram agrupados em um estrato.
Foram descritos os valores do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) para os países nos anos de 1990 e 2017, bem como a variação do valor do índice entre os dois anos. O cálculo do IDH é composto a partir de dados de expectativa de vida ao nascer, educação e produto interno bruto (PIB) per capita, utilizado para aferir o desenvolvimento de determinado país1414 Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Valores e desenvolvimento humano 2012. Brasília: PNUD; 2012.. O IDH varia de zero (nenhum desenvolvimento humano) a um (desenvolvimento humano total). O país apresenta desenvolvimento humano muito alto se o IDH for ≥ 0,800; alto, de 0,700 a 0,799; médio, de 0,550 a 0,699; e baixo, se for < 0,5501414 Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Valores e desenvolvimento humano 2012. Brasília: PNUD; 2012.. Os valores do IDH foram extraídos dos Relatórios de Desenvolvimento Humano, com valores acessados na página WEB do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento: http://hdr.undp.org/en/data.
O estudo foi dispensado de apreciação por Comitê de Ética em Pesquisa, pois utiliza exclusivamente grandes bancos de dados secundários de domínio público, sem identificação nominal. Observaram-se os princípios éticos constantes da Resolução do Conselho Nacional de Saúde 510/2016.
Resultados
No Brasil, a prevalência de dentes permanentes cariados foi de 38,17% (IC95% 34,99-41,45), em 1990, conferindo ao país a 27a posição do grupo. Em 2017, este valor alcançou 37,46% (IC95% 34,53- 40,62) colocando o Brasil na 29ª posição, o que representa uma redução de duas posições no ranking dos países, bem como uma variação percentual de -0,71 pontos entre os anos 1990 e 2017. Entre os países de renda média-alta, a prevalência média de dentes permanentes cariados do grupo foi de 38,32%, no ano de 1990, e de 36,58% em 2017. Os valores percentuais verificados no Brasil, em 1990, foram menores em comparação a média do grupo, havendo pouca diferença (0,15%) entre eles. Em 2017, no entanto, o Brasil apresentou prevalência maior em comparação aos valores obtidos pelo grupo, sendo a diferença de quase 0,88 pontos percentuais (Tabela 1).
Em 1990, as maiores prevalências do bloco foram verificadas em países europeus: Bósnia e Herzegovina (50,2%; IC95% 46,9-53,5), Sérvia (49%; IC95% 45,6-52,4) e Bulgária (48,8%; IC95% 45,6 -52,4), e os menores valores foram encontrados no Gabão (24,7%; IC95% 21,8-27,9), Malásia (24,7%; IC95% 21,7-27,9) e África do Sul (26,5%; IC95% 23,7-29,5). No ano de 2017, as maiores prevalências foram verificadas no Equador (47,4%; IC95% 43,6-50,9), na Sérvia (46,8%; IC95% 43,6-50,2) e na Bulgária (46,7%; IC95% 43,3-50,2), e os menores valores foram encontrados na Malásia (22,4%; IC95% 19,7-25,5), na Guiné Equatorial (22,8%; IC95% 20-26) e na China (23,6%; IC95% 21,3- 26,3) (Tabela 1).
Em termos de variação da prevalência de dentes permanentes com cárie, entre 1990 e 2017, verificou-se que 90,6% dos países de renda média-alta apresentaram reduções dessas estimativas. A média obtida pelo grupo foi uma diminuição de -1,74 pontos percentuais. O Brasil foi o 41º país no ranking dos países e sua variação de prevalência (-0,71) foi 2,4 vezes menor do que a média obtida pelo grupo (-1,74). Ainda assim, esse resultado colocou-o em uma posição mais favorável em relação aos vizinhos sul-americanos Colômbia (-0,06), Venezuela (0,14) e Equador (0,25), porém em uma colocação desfavorável no ranking em comparação a muitos outros países americanos, como é o caso do Panamá (-2,98), Argentina (-2,44), Paraguai (-1,63), México (-1,21), Peru (-1,14) e Costa Rica (-1,08), bem como em relação à grande maioria dos países caribenhos, dentre eles Cuba (-0,73) (Tabela 1).
As maiores reduções de prevalência foram verificadas na Guiné Equatorial (-12,33), São Vicente e Granadinas (-5,28), Bósnia e Herzegovina (-4,54) e Tailândia (-4,33), sendo o resultado obtido pela Guiné Equatorial sete vezes maior do que a média do grupo, e sete pontos percentuais distantes do segundo colocado. Além disso, 9,4% dos países do grupo apresentaram aumento na prevalência de dentes permanentes com cárie, sendo estes países sul-americanos e africanos: Venezuela (0,14), África do Sul (0,17), Equador (0,25), Gabão (0,65), e Líbia (2,93) (Tabela 1).
A Tabela 1 também apresenta os valores de IDH para os 53 países do bloco de renda média-alta, nos anos 1990 e 2017, bem como a variação desses valores entre os anos em estudo. O Brasil, apesar de ter ficado na 41ª posição em termos de redução na prevalência de cárie, obteve importante aumento no IDH com variação de 0,147 durante o período estudado. O Brasil apresentou IDH de 0,613, valor considerado médio em 1990, alcançando 0,760 em 2017, índice que representa um IDH alto. Os resultados do presente estudo apontam que os países que experimentaram aumento na prevalência de cárie também obtiveram menores variações em seus valores de IDH: Líbia (0,028), Gabão (0,081), África do Sul (0,079), Venezuela (0,097) e Equador (0,115) com menor progresso de melhoria do desenvolvimento humano. Em relação aos países que alcançaram as maiores reduções na prevalência de cárie, observou-se uma maior variação no IDH da China (0,252), Tailândia (0,188), Albânia (0,145) e Romênia (0,112). A China apresentou IDH baixo em 1990, alcançando índice que representa um IDH alto em 2017. Entre 1990 e 2017, Tailândia e Albânia também melhoraram os seus valores de IDH mudando da categoria médio para alto, e a Romênia alcançou a classificação do IDH muito alto com valor de 0,813.
A grande maioria dos países incluídos no estudo (90,6%) experimentou redução de pontos percentuais de mudança na prevalência de dentes permanentes cariados entre 1990 e 2017. Dentre eles, 8 países reduziram mais de -3 pontos percentuais; 10 países reduziram mais de -2 pontos percentuais; 18 países reduziram mais de -1 ponto percentual; 12 países reduziram mais de 0 ponto percentual; e 5 países obtiveram aumento de pontos percentuais. Dentre os países com as maiores reduções de pontos percentuais (mais de -2) verifica-se que boa parte concentra-se na Europa e na Ásia. Em contrapartida, os países com aumento de pontos percentuais localizam-se na América e na África (Figura 1).
Distribuição da mudança na prevalência de dentes permanentes cariados no Brasil e em países de renda média-alta.
Discussão
Os resultados do presente estudo evidenciam tendência de redução da prevalência de dentes permanentes cariados no Brasil e na maioria dos países de renda média-alta. Verificou-se uma elevada prevalência de cárie não tratada no Brasil de 38,17%, em 1990, e de 37,46% em 2017. A variação percentual de redução foi de apenas -0,71 pontos em 27 anos de avaliação. O bloco de países de renda média-alta apresentou uma prevalência de cárie de 38,32% em 1990, não obstante ser ainda elevada, a prevalência de cárie foi menor em 2017: 36,58%. Apesar de todos os países pertencerem ao grupo de renda média-alta, o bloco apresentou uma variação de redução na prevalência de cárie muito maior do que o Brasil (-1,74). Além disso, observou-se que os países que alcançaram as maiores reduções na prevalência de dentes permanentes cariados foram os que melhoraram o seu IDH.
O estudo identificou que o Brasil ocupa a 41ª posição no ranking de redução na prevalência de cárie dos 53 países que fazem parte da categoria de renda média-alta. A prevalência de doenças bucais está diretamente ligada ao acesso e à cobertura dos sistemas de saúde. Estima-se que 60% da população dos países de renda média-baixa e 75% nos países de renda média-alta têm cobertura para cuidados em saúde bucal11 Watt RG, Daly B, Allison P, Macpherson LMD, Venturelli R, Listl S, Weyant RJ, Mathur MR, Guarnizo-Herreño CC, Celeste RK, Peres MA, Kearns C, Benzian H. Ending the neglect of global oral health: time for radical action. Lancet 2019; 394(10194):261-272.. No entanto, em 2019, menos de 55% da população brasileira tinha cobertura de saúde bucal na Atenção Básica2626 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Informação e Gestão da Atenção Básica. Cobertura de Saúde Bucal. Brasília: MS; 2020 [acessado 2020 abr 21]. Disponível em: https://egestorab.saude.gov.br/paginas/acessoPublico/relatorios/relHistoricoCoberturaSB.xhtml, demonstrando que a odontologia precisa ser mais integrada ao sistema de saúde, principalmente nos serviços de atenção primária11 Watt RG, Daly B, Allison P, Macpherson LMD, Venturelli R, Listl S, Weyant RJ, Mathur MR, Guarnizo-Herreño CC, Celeste RK, Peres MA, Kearns C, Benzian H. Ending the neglect of global oral health: time for radical action. Lancet 2019; 394(10194):261-272..
No Brasil, a definição de uma Política Nacional de Saúde Bucal (PNSB) - Programa Brasil Sorridente (PBS) - foi protagonista na construção de um novo olhar, focado em ações de promoção, prevenção e recuperação da saúde bucal dos brasileiros, além da ampliação do acesso ao tratamento odontológico gratuito por meio do SUS1111 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Coordenação Nacional de Saúde Bucal. Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal. Brasília: MS; 2004.. Em apenas 13 anos de PBS houve um aumento de 118% municípios com equipes de saúde bucal implantadas2727 Gabriel M, Cayetano MH, Chagas MM, Araujo ME, Dussault G, Pucca Junior GA, Almeida FCS. Admission of dentist in Brazilian Universal Health System (SUS): a priority agenda for the strengthening of Smiling Brazil. Cien Saude Colet 2020; 25(3):859-868.. A Saúde da Família (SF) é a estratégia mais importante para a organização da Atenção Primária à Saúde no Brasil2828 Conill EM. Ensaio histórico-conceitual sobre a Atenção Primária à Saúde: desafios para a organização de serviços básicos e da Estratégia Saúde da Família em centros urbanos no Brasil. Cad Saude Publica 2008; 24(Supl.1):7-16.. As equipes de saúde bucal (ESB) inseridas na SF conseguem ser 40% mais resolutivas em comparação ao modelo tradicional com relação à conclusão do tratamento odontológico iniciado2929 Bulgareli J, Cortellazzi KL, Ambrosano GMB, Meneghim MC, Faria ET, Mialhe FL, Pereira AC. A resolutividade em saúde bucal na atenção básica como instrumento para avaliação dos modelos de atenção. Cien Saude Colet 2014; 19(2):383-391., além de conseguirem realizar uma odontologia mais preventiva3030 Narvai PC, Frazão P, Roncalli AG, Antunes JLF. Cárie dentária no Brasil: declínio, polarização, iniqüidade e exclusão social. Rev Panam Salud Publica 2006; 19(6):385-393.. Após a implementação da PNSB, as ESB cadastradas passaram de um número de 124, em março/2001, para 28.069, em novembro/2018, saindo de 32 municípios cobertos por ESB para 5.047 nesse mesmo período3131 Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica. Teto, credenciamento e implantação das estratégias de Agentes Comunitários de Saúde, Saúde da Família, e Saúde Bucal. 2018 [acessado 2019 jan 12]. Disponível em: http://dab.saude.gov.br/historico_cobertura_sf/historico_cobertura_sf_relatorio.php
http://dab.saude.gov.br/historico_cobert...
.
Apesar da definição de uma PNSB, com ampliação do acesso aos serviços de saúde bucal, o impacto na redução da prevalência da doença no Brasil não foi significativo em comparação com outros países de renda média-alta, o que pode ser explicado pela cobertura de água fluoretada ainda não universal3232 Anjos GAS, Fernandes GF. Fluoretação das águas de abastecimento público no estado de pernambuco: um resgate histórico. Odontol Clín-Cient 2015; 14(1):559-564.. No Brasil, a fluoretação das águas é obrigatória em locais onde existam estações de tratamento3333 Narvai PC. Cárie dentária e flúor: uma relação do século XX. Cien Saude Colet 2000; 5(2):381-392., no entanto estima-se que a sua cobertura seja na ordem de 78%1212 Roncalli AG, Noro LRA, Cury JA, Zilbovicius C, Pinheiro HHC, Ely HC, Narvai PC, Frazão P. Fluoretação da água no Brasil: distribuição regional e acurácia das informações sobre vigilância em municípios com mais de 50 mil habitantes. Cad Saude Publica 2019; 35(6):e00250118..
Esta importante medida contribuiu em sobremaneira na melhora dos níveis de cárie: o Brasil saiu de um CPO-D considerado muito alto (6.7), em 1986, atingiu um índice médio (3.1), em 1996, alcançando, em 2010, um CPO-D indicador de baixa prevalência (2.07) de doença aos 12 anos3434 Agnelli PB. Variação do índice CPOD do Brasil no período de 1980 a 2010. Rev Bras Odontol 2018; 72(1/2):10-15.. Conforme dados do FDI World Dental Federation, a porcentagem de brasileiros com acesso à água fluoretada (artificial ou natural), em níveis apropriados, é de 26-50%3535 FDI World Dental Federation. The Challenge of Oral Disease - A call for global action. The Oral Health Atlas. Geneva: FDI World Dental Federation; 2015., o que demonstra um desafio a ser superado, visto que, em municípios com abastecimento de água fluoretada, apenas 54,3% deles possuem registros de prática de vigilância1212 Roncalli AG, Noro LRA, Cury JA, Zilbovicius C, Pinheiro HHC, Ely HC, Narvai PC, Frazão P. Fluoretação da água no Brasil: distribuição regional e acurácia das informações sobre vigilância em municípios com mais de 50 mil habitantes. Cad Saude Publica 2019; 35(6):e00250118..
O Brasil apresentou importante melhora em seu desenvolvimento humano entre os anos 1990 e 2017, passando da classificação de IDH médio para IDH alto. Apesar deste avanço, apresenta desigualdades sociais históricas, refletindo na saúde da população brasileira3636 Silva JV, Oliveira AGRC. Individual and contextual factors associated to the self-perception of oral health in Brazilian adults. Rev Saude Publica 2018; 52:29.. A prevalência de cárie está fortemente associada a fatores sociais, dentre eles o IDH3737 Pereira FA, Mendonça IA, Werneck RI, Moysés ST, Gabardo MC, Moysés SJ. Human Development Index, Ratio of Dentists and Inhabitants, and the Decayed, Missing or Filled Teeth Index in Large Cities. J Contemp Dent Pract 2018; 19(11):1363-1369.,3838 Brito ACM, Bezerra IM, Cavalcante DFB, Pereira AC, Vieira V, Montezuma MF, Lucena EHG, Cavalcanti YW, Almeida LFD. Dental caries experience and associated factors in 12-year-old-children: a population based-study. Braz Oral Res 2020; 34:e010.. Menos anos de estudo, menor renda per capita, maior concentração de renda, assim como um pior IDH são fatores associados à maior prevalência de problemas bucais3636 Silva JV, Oliveira AGRC. Individual and contextual factors associated to the self-perception of oral health in Brazilian adults. Rev Saude Publica 2018; 52:29.. Nessa mesma lógica, uma maior renda nacional bruta per capita está significativamente associada a um menor CPO-D3939 Al-Ansari A, Muhammad AN. Association of body mass index and gross national income with caries experience in children in 117 countries. Acta Odontol Scand 2019; 78(4): 303-308.. Dessa forma, portanto, ações de promoção da saúde, bem como mudanças a níveis estruturais, são importantes no sentido de modificar o ambiente, possibilitando escolhas mais saudáveis para as pessoas3737 Pereira FA, Mendonça IA, Werneck RI, Moysés ST, Gabardo MC, Moysés SJ. Human Development Index, Ratio of Dentists and Inhabitants, and the Decayed, Missing or Filled Teeth Index in Large Cities. J Contemp Dent Pract 2018; 19(11):1363-1369..
O bloco de renda média-alta apresenta um desenvolvimento humano médio de 0.752, considerado um índice alto4040 United Nations Development Programme (UNDP). Human Development Report 2019. Beyond income, beyond averages, beyond today: Inequalities in human development in the 21st century. 2019 [cited 2020 jan 20]. Available from: http://hdr.undp.org/sites/default/files/hdr2019.pdf
http://hdr.undp.org/sites/default/files/...
. Os cinco países onde se verificou aumento na prevalência da doença entre os anos 1990 e 2017 - Venezuela, África do Sul, Equador, Gabão e Líbia - experimentaram mudanças de IDH inferiores à média do grupo. A Líbia foi o país que obteve o maior aumento na prevalência de dentes permanentes cariados do grupo renda média-alta.
Conflitos armados possuem impactos negativos na saúde de suas populações. Nesse sentido, a guerra civil na Líbia gerou grandes desafios no seu sistema de saúde4141 Daw MA. Libyan healthcare system during the armed conflict: Challenges and restoration. Afr J Emerg Med 2017; 7(2):47-50.. A assistência à saúde bucal pública na Líbia oferta um leque de serviços restritos a exames orais, cirurgias menores e restaurações, sendo os cuidados preventivos quase inexistentes4242 Peeran SW, Altaher OB, Peeran SA, Alsaid FM, Mugrabi MH, Ahmed AM, Grain A. Oral health in Libya: addressing the future challenges. Libyan J Med 2014; 9(1):1-7.. Um dos reflexos desse tipo de assistência fica evidente a partir do estudo sobre hábitos de higiene bucal em uma amostra representativa da população de 1 a 64 anos, o qual verificou que 55,7% das pessoas escovavam os dentes apenas 1 vez ao dia, 36% duas vezes ao dia, e apenas 8,2% escovavam mais de duas vezes ao dia4343 Peeran SW, Singh AJAR, Alagamuthu G, Abdalla KA, Kumar PGN. Descriptive analysis of tooth brushing used as an aid for primary prevention: a population-based study in Sebha, Libya. Soc Work Public Health 2013; 28(6):575-582.. Além disso, apesar da água potável estar disponível para toda a população4444 World Health Organization (WHO). Nutrients in Drinking Water. Geneva: WHO; 2005., apenas 6-25% possuem acesso a água com flúor3535 FDI World Dental Federation. The Challenge of Oral Disease - A call for global action. The Oral Health Atlas. Geneva: FDI World Dental Federation; 2015..
A Organização Mundial da Saúde propôs um limite no consumo de açúcares para menos de 10% do valor energético total diário e, em 2015, acrescentou que uma redução para menos de 5% (equivalente a aproximadamente 25g para um adulto saudável) teria benefícios adicionais em crianças e adultos4545 World Health Organization (WHO). Guideline: Sugars Intake for Adults and Children. Geneva: WHO; 2015.. Boa parte dos adultos consome regularmente bebidas açucaradas4646 Silva DCG, Segheto W, Amaral FCS, Reis NA, Veloso GSS, Pessoa MC, Novaes JF, Longo GZ. Consumo de bebidas açucaradas e fatores associados em adultos. Cien Saude Colet 2019; 24(3):899-906.. Nos países onde se verificou aumento na prevalência de cárie, o consumo de açúcar é muito superior ao recomendado pela OMS, variando de 26 a 50g per capita/dia, no Gabão; de 51 a 75 gramas per capita/dia, no Equador; de 76 a 100 gramas per capita/dia, na África do Sul; e atingindo mais de 100 gramas per capita/dia, na Líbia e na Venezuela3535 FDI World Dental Federation. The Challenge of Oral Disease - A call for global action. The Oral Health Atlas. Geneva: FDI World Dental Federation; 2015., fator que pode explicar os resultados verificados no presente estudo. No Brasil, o consumo de açúcar também é elevado: em média, são consumidos mais de 100 gramas per capita/dia3535 FDI World Dental Federation. The Challenge of Oral Disease - A call for global action. The Oral Health Atlas. Geneva: FDI World Dental Federation; 2015..
Ademais, o bloco de renda média-alta abarca a Guiné Equatorial, país que teve uma diminuição na prevalência de cárie sete vezes maior do que a média do grupo. Segundo dados da Africa Health Organisation, o sistema nacional de saúde da Guiné Equatorial é organizado em níveis de atenção, possuindo boa cobertura4747 Africa Health Organisation (AHO). Equatorial Guinea. 2019 [Acessado em 2020 Jan 20]. Available from: https://aho.org/countries/equatorial-guinea/.
https://aho.org/countries/equatorial-gui...
. Em 2010, a Guiné Equatorial alcançou o maior investimento em saúde per capita de todo o continente africano, estimado em $612 dólares4848 World Health Organization (WHO). Regional Office for Africa. State of health financing in the African Region. Regional Office for Africa: WHO; 2013., o que possibilitou importantes progressos em seus serviços, incluindo os centros de saúde4949 World Health Organization (WHO). WHO country cooperation strategy at a glance: Equatorial Guinea. 2017 [cited 2020 jan 20]. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/137168/ccsbrief_gnq_en.pdf?sequence=1&isAllowed=y
https://apps.who.int/iris/bitstream/hand...
. Além de disso, a Guiné Equatorial vem instituindo planos nacionais de desenvolvimento socioeconômicos4949 World Health Organization (WHO). WHO country cooperation strategy at a glance: Equatorial Guinea. 2017 [cited 2020 jan 20]. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/137168/ccsbrief_gnq_en.pdf?sequence=1&isAllowed=y
https://apps.who.int/iris/bitstream/hand...
.
O efeito de questões socioeconômicas sobre a prevalência de cárie dentária pode ser confirmado em diversos estudos3737 Pereira FA, Mendonça IA, Werneck RI, Moysés ST, Gabardo MC, Moysés SJ. Human Development Index, Ratio of Dentists and Inhabitants, and the Decayed, Missing or Filled Teeth Index in Large Cities. J Contemp Dent Pract 2018; 19(11):1363-1369.,3838 Brito ACM, Bezerra IM, Cavalcante DFB, Pereira AC, Vieira V, Montezuma MF, Lucena EHG, Cavalcanti YW, Almeida LFD. Dental caries experience and associated factors in 12-year-old-children: a population based-study. Braz Oral Res 2020; 34:e010.,5050 Peres MA, Macpherson LMD, Weyant RJ, Daly B, Venturelli R, Mathur MR, Listl S, Celeste RK, Guarnizo-Herreño CC, Kearns C, Benzian H, Allison P, Watt RG. Oral diseases: a global public health challenge. Lancet 2019; 394(10194):249-260.. As melhorias nas condições socioeconômicas das populações tiveram um impacto muito maior (65%) na redução da carga da doença cárie em comparação com o efeito produzido pelos serviços5151 Nadanovsky P, Sheiham A. Relative contribution of dental services to the changes in caries levels of 12-year-old children in 18 industrialized countries in the 1970s and early 1980s. Community Dent Oral Epidemiol 1995; 23(6):331-339., o que pode explicar a significativa redução na prevalência de dentes permanentes com cárie na Guiné Equatorial. A literatura acerca do sistema de saúde e necessidades de saúde pública da Guiné Equatorial são escassas5252 Reuter KE, Geysimonyan A, Molina G, Reuter PR. Healthcare in Equatorial Guinea, West Africa: obstacles and barriers to care. Pan Afr Med J 2014; 19:1-8., o que dificulta em sobremaneira a análise dos resultados obtidos. No entanto, é importante destacar que apesar da melhora do IDH dos países, inúmeras desigualdades persistem. Nesse sentido, as iniquidades em saúde refletem as desigualdades consideradas injustas nos níveis de saúde, por exemplo, entre pessoas no topo ou na base da pirâmide social e acontecem em todos os países, independentemente da renda5353 Barreto ML. Health inequalities: a global perspective. Cien Saude Colet 2017; 22(7):2097-2108..
O presente estudo apresenta as limitações inerentes aos estudos que se utilizam de dados secundários em pesquisas científicas (como o viés de informação, por exemplo). No entanto, uma das maiores vantagens dessa utilização é permitir aos pesquisadores a realização de estudos com abrangência internacional. Outra questão limitante foi a análise estatística da relação da mudança da prevalência de cárie com os dados de alteração do IDH dos países envolvidos no estudo. Contudo, o objetivo principal do presente estudo foi descrever as mudanças da prevalência de dentes permanentes cariados, e não analisar através de uma análise multinível características individuais e variáveis geográficas em um único modelo explicativo e poder responder, por exemplo, a influência de desigualdades sociais de ordem individual e contextual na experiência de cárie dentária. O desenho deste estudo não permite a avaliação das possíveis causas que modificaram os padrões de distribuição de cárie ao longo do período estudado. Dessa forma, recomendam-se estudos capazes de investigar possíveis variáveis que possam ter influenciado nos resultados de mudança da prevalência de dentes permanentes cariados, no sentido de redefinir as políticas públicas de saúde.
Conclusão
Houve redução na prevalência de cárie na grande maioria dos países de renda média-alta, inclusive no Brasil, ao longo de 27 anos de estudo. Além disso, os países que obtiveram as maiores reduções na prevalência de dentes permanentes com cárie foram os que melhoraram o seu IDH, deixando ainda mais evidente o impacto que as condições socioeconômicas possuem na saúde das pessoas.
Referências
-
1Watt RG, Daly B, Allison P, Macpherson LMD, Venturelli R, Listl S, Weyant RJ, Mathur MR, Guarnizo-Herreño CC, Celeste RK, Peres MA, Kearns C, Benzian H. Ending the neglect of global oral health: time for radical action. Lancet 2019; 394(10194):261-272.
-
2Righolt AJ, Jevdjevic M, Marcenes W, Listl S. Global-, regional-, and country-level economic impacts of dental diseases in 2015. J Dent Res 2018; 97(5):501-507.
-
3Figueiredo JO, Prado NMBL, Medina MG, Paim JS. Gastos público e privado com saúde no Brasil e países selecionados. Saude Debate 2018; 42(2):37-47.
-
4Frias AC, Antunes JLF, Junqueira SR, Narvai PC. Determinantes individuais e contextuais da prevalência de cárie dentária não tratada no Brasil. Rev Panam Salud Publica 2007; 22(4):279-285.
-
5Kassebaum NJ, Bernabé E, Dahiya M, Bhandari B, Murray CJL, Marcenes W. Global Burden of Untreated Caries: a Systematic Review and Metaregression. J Dent Res 2015; 94(5):650-658.
-
6Chaves SCL, Almeida AMFL, Rossi TRA, Santana SF, Barros SG, Santos CML. Política de Saúde Bucal no Brasil 2003-2014: cenário, propostas, ações e resultados. Cien Saude Colet 2017; 22(6):1791-1803.
-
7GBD 2017 Oral Disorders Collaborators. Global, Regional, and National Levels and Trends in Burden of Oral Conditions from 1990 to 2017: A Systematic Analysis for the Global Burden of Disease 2017 Study. J Dent Res 2020; 99(4):362-373.
-
8Petersen PE, Ogawa H. Prevention of dental caries through the use of fluoride - the WHO approach. Community Dent Health 2016; 33(2):66-68.
-
9Probst LF, Pucca Junior GA, Pereira AC, Carli AD. Impact of financial crises on oral health indicators: an integrative review of the literature. Cien Saude Colet 2019; 24(12):4437-4448.
-
10Aquilante AG, Aciole GG. Oral health care after the National Policy on Oral Health - "Smiling Brazil": a case study. Cien Saude Colet 2015; 20(1):239-248.
-
11Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Coordenação Nacional de Saúde Bucal. Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal. Brasília: MS; 2004.
-
12Roncalli AG, Noro LRA, Cury JA, Zilbovicius C, Pinheiro HHC, Ely HC, Narvai PC, Frazão P. Fluoretação da água no Brasil: distribuição regional e acurácia das informações sobre vigilância em municípios com mais de 50 mil habitantes. Cad Saude Publica 2019; 35(6):e00250118.
-
13Minayo MCS. Contribuições da Antropologia para pensar e fazer saúde. In: Campos GWS, Minayo MCS, Akerman M, Drumond Junior M, Carvalho YM. Tratado de Saúde Coletiva. São Paulo/Rio de Janeiro: Hucitec/Fiocruz; 2006. p.201-230.
-
14Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Valores e desenvolvimento humano 2012. Brasília: PNUD; 2012.
-
15Marmot M, Allen J, Bell R, Bloomer E, Goldblatt P. WHO European review of social determinants of health and the health divide. Lancet 2012; 380(9846):1011-1029.
-
16Watt RG, Heilmann A, Listl S, Peres MA. London Charter on Oral Health Inequalities. J Dent Res 2016; 95(3)245-247.
-
17Sabbah W, Tsakos G, Sheiham A, Watt RG. The role of health-related behaviors in the socioeconomic disparities in oral health. Soc Sci Med 2009; 68(2):298-303.
-
18Watt RG, Sheiham A. Integrating the common risk factor approach into a social determinant framework. Community Dent Oral Epidemiol 2012; 40(4):289-296.
-
19Petersen PE, Bourgeois D, Ogawa H, Estupinan-Day S, Ndiaye C. The global burden of oral diseases and risks to oral health. Bull World Health Organ 2005; 83(9):661-669.
-
20Petersen PE. World Health Organization global policy for improvement of oral health - World Health Assembly 2007. Int Dent J 2008; 58(3):115-121.
-
21Listl S, Galloway J, Mossey PA, Marcenes W. Global economic impact of dental diseases. J Dent Res 2015; 94(10):1355-1361.
-
22Instituto de Métrica e Avaliação em Saúde. Estudo de Carga de Doença Global: gerando evidências, informando políticas de saúde. Seattle: IHME; 2013.
-
23The World Bank. The World Bank Atlas method - detailed methodology. 2020 [cited 2020 abr 17]. Available from: https://datahelpdesk.worldbank.org/knowledgebase/articles/378832-what-is-the-world-bank-atlas-method
» https://datahelpdesk.worldbank.org/knowledgebase/articles/378832-what-is-the-world-bank-atlas-method -
24The World Bank. World Bank Country and Lending Groups. 2020 [cited 2020 abr 17]. Available from: https://datahelpdesk.worldbank.org/knowledgebase/articles/906519-world-bank-country-and-lending-groups
» https://datahelpdesk.worldbank.org/knowledgebase/articles/906519-world-bank-country-and-lending-groups -
25GBD 2013 Risk Factors Collaborators. Global, regional, and national comparative risk assessment of 79 behavioural, environmental and occupational, and metabolic risks or clusters of risks in 188 countries, 1990-2013: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2013. Lancet 2015; 386(10010):2287-2323.
-
26Brasil. Ministério da Saúde (MS). Informação e Gestão da Atenção Básica. Cobertura de Saúde Bucal. Brasília: MS; 2020 [acessado 2020 abr 21]. Disponível em: https://egestorab.saude.gov.br/paginas/acessoPublico/relatorios/relHistoricoCoberturaSB.xhtml
-
27Gabriel M, Cayetano MH, Chagas MM, Araujo ME, Dussault G, Pucca Junior GA, Almeida FCS. Admission of dentist in Brazilian Universal Health System (SUS): a priority agenda for the strengthening of Smiling Brazil. Cien Saude Colet 2020; 25(3):859-868.
-
28Conill EM. Ensaio histórico-conceitual sobre a Atenção Primária à Saúde: desafios para a organização de serviços básicos e da Estratégia Saúde da Família em centros urbanos no Brasil. Cad Saude Publica 2008; 24(Supl.1):7-16.
-
29Bulgareli J, Cortellazzi KL, Ambrosano GMB, Meneghim MC, Faria ET, Mialhe FL, Pereira AC. A resolutividade em saúde bucal na atenção básica como instrumento para avaliação dos modelos de atenção. Cien Saude Colet 2014; 19(2):383-391.
-
30Narvai PC, Frazão P, Roncalli AG, Antunes JLF. Cárie dentária no Brasil: declínio, polarização, iniqüidade e exclusão social. Rev Panam Salud Publica 2006; 19(6):385-393.
-
31Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica. Teto, credenciamento e implantação das estratégias de Agentes Comunitários de Saúde, Saúde da Família, e Saúde Bucal. 2018 [acessado 2019 jan 12]. Disponível em: http://dab.saude.gov.br/historico_cobertura_sf/historico_cobertura_sf_relatorio.php
» http://dab.saude.gov.br/historico_cobertura_sf/historico_cobertura_sf_relatorio.php -
32Anjos GAS, Fernandes GF. Fluoretação das águas de abastecimento público no estado de pernambuco: um resgate histórico. Odontol Clín-Cient 2015; 14(1):559-564.
-
33Narvai PC. Cárie dentária e flúor: uma relação do século XX. Cien Saude Colet 2000; 5(2):381-392.
-
34Agnelli PB. Variação do índice CPOD do Brasil no período de 1980 a 2010. Rev Bras Odontol 2018; 72(1/2):10-15.
-
35FDI World Dental Federation. The Challenge of Oral Disease - A call for global action. The Oral Health Atlas. Geneva: FDI World Dental Federation; 2015.
-
36Silva JV, Oliveira AGRC. Individual and contextual factors associated to the self-perception of oral health in Brazilian adults. Rev Saude Publica 2018; 52:29.
-
37Pereira FA, Mendonça IA, Werneck RI, Moysés ST, Gabardo MC, Moysés SJ. Human Development Index, Ratio of Dentists and Inhabitants, and the Decayed, Missing or Filled Teeth Index in Large Cities. J Contemp Dent Pract 2018; 19(11):1363-1369.
-
38Brito ACM, Bezerra IM, Cavalcante DFB, Pereira AC, Vieira V, Montezuma MF, Lucena EHG, Cavalcanti YW, Almeida LFD. Dental caries experience and associated factors in 12-year-old-children: a population based-study. Braz Oral Res 2020; 34:e010.
-
39Al-Ansari A, Muhammad AN. Association of body mass index and gross national income with caries experience in children in 117 countries. Acta Odontol Scand 2019; 78(4): 303-308.
-
40United Nations Development Programme (UNDP). Human Development Report 2019. Beyond income, beyond averages, beyond today: Inequalities in human development in the 21st century. 2019 [cited 2020 jan 20]. Available from: http://hdr.undp.org/sites/default/files/hdr2019.pdf
» http://hdr.undp.org/sites/default/files/hdr2019.pdf -
41Daw MA. Libyan healthcare system during the armed conflict: Challenges and restoration. Afr J Emerg Med 2017; 7(2):47-50.
-
42Peeran SW, Altaher OB, Peeran SA, Alsaid FM, Mugrabi MH, Ahmed AM, Grain A. Oral health in Libya: addressing the future challenges. Libyan J Med 2014; 9(1):1-7.
-
43Peeran SW, Singh AJAR, Alagamuthu G, Abdalla KA, Kumar PGN. Descriptive analysis of tooth brushing used as an aid for primary prevention: a population-based study in Sebha, Libya. Soc Work Public Health 2013; 28(6):575-582.
-
44World Health Organization (WHO). Nutrients in Drinking Water. Geneva: WHO; 2005.
-
45World Health Organization (WHO). Guideline: Sugars Intake for Adults and Children. Geneva: WHO; 2015.
-
46Silva DCG, Segheto W, Amaral FCS, Reis NA, Veloso GSS, Pessoa MC, Novaes JF, Longo GZ. Consumo de bebidas açucaradas e fatores associados em adultos. Cien Saude Colet 2019; 24(3):899-906.
-
47Africa Health Organisation (AHO). Equatorial Guinea. 2019 [Acessado em 2020 Jan 20]. Available from: https://aho.org/countries/equatorial-guinea/.
» https://aho.org/countries/equatorial-guinea -
48World Health Organization (WHO). Regional Office for Africa. State of health financing in the African Region. Regional Office for Africa: WHO; 2013.
-
49World Health Organization (WHO). WHO country cooperation strategy at a glance: Equatorial Guinea. 2017 [cited 2020 jan 20]. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/137168/ccsbrief_gnq_en.pdf?sequence=1&isAllowed=y
» https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/137168/ccsbrief_gnq_en.pdf?sequence=1&isAllowed=y -
50Peres MA, Macpherson LMD, Weyant RJ, Daly B, Venturelli R, Mathur MR, Listl S, Celeste RK, Guarnizo-Herreño CC, Kearns C, Benzian H, Allison P, Watt RG. Oral diseases: a global public health challenge. Lancet 2019; 394(10194):249-260.
-
51Nadanovsky P, Sheiham A. Relative contribution of dental services to the changes in caries levels of 12-year-old children in 18 industrialized countries in the 1970s and early 1980s. Community Dent Oral Epidemiol 1995; 23(6):331-339.
-
52Reuter KE, Geysimonyan A, Molina G, Reuter PR. Healthcare in Equatorial Guinea, West Africa: obstacles and barriers to care. Pan Afr Med J 2014; 19:1-8.
-
53Barreto ML. Health inequalities: a global perspective. Cien Saude Colet 2017; 22(7):2097-2108.
Editado por
Editores-chefes:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
11 Mar 2022 -
Data do Fascículo
Mar 2022
Histórico
-
Recebido
30 Maio 2020 -
Aceito
05 Mar 2021 -
Publicado
07 Mar 2021