Resumo
Objetivou-se analisar a incidência de aumento e de redução do Índice de Massa Corporal (IMC) entre homens e mulheres de meia-idade segundo características sociodemográficas e classificação do estado nutricional. Trata-se de uma coorte de base populacional com 689 adultos com idade entre 40 e 64 anos seguidos por quatro anos. Verificou-se a proporção de redução e de aumento do IMC (≥1 kg/m²) segundo variáveis sociodemográficas e classificação do estado nutricional na linha de base mediante regressão de Poisson bruta e ajustada. A maior incidência de redução do IMC foi observada entre os homens na faixa etária de 55 a 64 anos (RR: 1,78; IC95%: 1,06-3,00), naqueles sem companheira (RR: 1,85; IC95%: 1,09-3,14), nos classificados com sobrepeso (RR: 2,06; IC95%: 1,13-3,74) e obesidade (RR: 2,33; IC95%: 1,24-4,35), e entre as mulheres na faixa etária de 55 a 64 anos (RR: 1,43; IC95%: 1,02-2,00) e nas classificadas com obesidade (RR: 2,10; IC95%: 1,30-3,38). A incidência de aumento do IMC foi menor na faixa etária de 55 a 64 anos entre os homens (RR: 0,62; IC95%: 0,41-0,95) e mulheres (RR: 0,68; IC95%: 0,49-0,95). Estes dados são importantes para compreensão dos fatores relacionados à variação do IMC e elaboração de políticas públicas que visem o cuidado à saúde na meia-idade.
Palavras-chave:
Pessoa de meia-idade; Alterações do peso corporal; Obesidade; Estudos longitudinais; Fatores de risco
Abstract
The scope of this study was to analyze the incidence of increase and decrease in Body Mass Index (BMI) among middle-aged men and women according to sociodemographic characteristics and classification of nutritional status. It involved a population-based cohort of 689 adults aged 40 to 64 years followed up for four years. The proportion of reduction and increase in BMI (≥1 kg/m²) was verified according to sociodemographic variables and classification of nutritional status in the baseline by means of crude and adjusted Poisson regression. There was a higher incidence of reduced BMI among men in the 55-64 age group (RR: 1.78; 95%CI: 1.06-3.00), in those without a partner (RR: 1.85; 95%CI: 1.09-3.14), in those classified as overweight (RR: 2.06; 95%CI: 1.13-3.74) and in those classified as obese (RR: 2.33; 95%CI: 1.24-4.35), and among women in the 55-64 age group (RR: 1.43; 95%CI: 1.02-2.00) and in those classified as obese (RR: 2.10; 95%CI%: 1.30-3.38). The incidence of increased BMI was lower in the 55 to 64 age group among men (RR: 0.62; 95%CI: 0.41-0.95) and women (RR: 0.68; 95%CI: 0.49-0.95). These data are important for understanding the factors related to the variation of BMI and the elaboration of public policies aimed at the health care of middle-aged adults.
Key words:
Middle-aged adults; Body weight changes; Obesity; Longitudinal studies; Risk factors
Introdução
Nas últimas quatro décadas, o mundo passou de um cenário epidemiológico com prevalência de baixo peso duas vezes maior que a de obesidade para uma realidade na qual mais pessoas são obesas do que estão abaixo do peso, exceto em partes da África Subsaariana e Ásia11 NCD Risk Factor Collaboration. Trends in adult body-mass index in 200 countries from 1975 to 2014: A pooled analysis of 1698 population-based measurement studies with 19.2 million participants. Lancet 2016; 388(10026):776-786.. No mesmo período, o Brasil passou a apresentar prevalência de excesso de peso três vezes maior que a de desnutrição22 Conde WL, Monteiro CA. Nutrition transition and double burden of undernutrition and excess of weight in Brazil. Am J Clin Nutr 2014; 100(6):1617S-1622S..
O aumento da obesidade é decorrente principalmente da construção de ambientes obesogênicos, nos quais os hábitos alimentares saudáveis e de atividade física são influenciados negativamente devido ao fácil acesso a alimentos processados em detrimento dos in natura e bairros sem infraestrutura e segurança para atividade física33 Sallis JF, Glanz K. Physical activity and food environments: Solutions to the obesity epidemic. Milbank Q 2009; 87(1):123-154.,44 Townshend T, Lake A. Obesogenic environments: Current evidence of the built and food environments. Perspect Public Health 2016; 137(1):38-44..
Estudo com dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) observou que a prevalência de sobrepeso e de obesidade apresenta um aumento importante a partir da meia-idade, com maior prevalência na faixa etária de 50 a 59 anos. Além disso, o baixo nível de instrução, raça/cor preta e viver com companheiro(a) foram associados à obesidade na população brasileira55 Ferreira APS, Szwarcwald CL, Damacena GN. Prevalência e fatores associados da obesidade na população brasileira: estudo com dados aferidos da Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Rev Bras Epidemiol 2019; 22:1-14..
Para a classificação do estado nutricional, o principal método utilizado é o IMC (Índice de Massa Corporal), categorizando os indivíduos em baixo peso, eutrofia, sobrepeso e obesidade66 World Health Organization (WHO). Obesity: preventing and managing the global epidemic. Report of a WHO consultation on Obesity. Geneva: WHO; 2000.. É amplamente utilizado em pesquisas populacionais por ser um método simples77 Gutin I. In BMI we trust: Reframing the body mass index as a measure of health. Soc Theory Health 2018; 16(3):256-271., e está associado a morbidade88 Kearns K, Dee A, Fitzgerald AP, Doherty E, Perry IJ. Chronic disease burden associated with overweight and obesity in Ireland: The effects of a small BMI reduction at population level. BMC Public Health 2014; 14(143):1-10. e mortalidade99 Flegal KM, Kit BK, Orpana H, Graubard BI. Association of all-cause mortality with overweight and obesity using standard body mass index categories a systematic review and meta-analysis. JAMA 2013; 309(1):71-82.,1010 Global BMI Mortality Collaboration. Body-mass index and all-cause mortality: individual-participant-data meta-analysis of 239 prospective studies in four continents. Lancet 2016; 388(10046):776-786..
O aumento do IMC na idade adulta foi associado ao maior risco para doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como diabetes tipo 21111 Ye M, Robson PJ, Eurich DT, Vena JE, Xu JY, Johnson JA. Changes in body mass index and incidence of diabetes: A longitudinal study of Alberta's Tomorrow Project Cohort. Prev Med 2018; 106(1):157-163., hipertensão arterial1212 Ren Q, Su C, Wang H, Wang Z, Du W, Zhang B. Change in body mass index and its impact on incidence of hypertension in 18-65-year-old Chinese adults. Int J Environ Res Public Health 2016; 13(3):257., e em mulheres aumentou a chance de câncer de mama1313 Gathirua-Mwangi WG, Zollinger TW, Murage MJ, Pradhan KR, Champion VL. Adult BMI change and risk of Breast Cancer: National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES) 2005-2010. Breast Cancer 2015; 22(6):648-656. e câncer do cólon na pós menopausa1414 Blake-Gumbs L, Chen Z, Thompson CL, Berger NA, Tucker TC, Li L. Adult BMI Change and Risk of Colon Cancer in Postmenopausal Women. J Obes 2012; 2012:1-8.. Além disso, indivíduos que se tornaram obesos na idade adulta tiveram maior risco de mortalidade por todas as causas1515 Chen C, Ye Y, Zhang Y, Pan XF, Pan A. Weight change across adulthood in relation to all cause and cause specific mortality: prospective cohort study. BMJ 2019; 367(5584):1-11.. Em contrapartida, a redução do IMC foi inversamente associada à prevalência de diabetes tipo 21616 Sun W, Shi L, Ye Z, Mu Y, Liu C, Zhao J, Chen L, Li Q, Yang T, Yan L, Wan Q, Wu S, Liu Y, Wang G, Luo Z, Tang X, Chen G, Huo Y, Gao Z, Su Q, Wang Y, Qin G, Deng H, Yu X, Shen F, Chen L, Zhao L, Sol J, Ding L, Xu Y, Xu M, Dai M, Wang T, Zhang D, Lu J, Bi Y , Lai S , Li D, Wang W, Ning G. Association between the change in body mass index from early adulthood to midlife and subsequent type 2 diabetes mellitus. Obesity 2016; 24(3):703-709. e ocasionou remissão da pressão arterial em indivíduos hipertensos1717 Guimarães JMN, Griep RH, Fonseca MJM, Duncan BB, Schmidt MI, Mill JG, Lotufo PA, Bensenor IJ, Barreto SM, Giatti L, Matos SMA, Molina MCB, Pacheco AG, Chor D. Four-year adiposity change and remission of hypertension: an observational evaluation from the Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil). J Hum Hypertens 2020; 34:68-75..
Uma pesquisa realizada na Irlanda, com o objetivo de estimar o impacto da redução de 1 kg/m² na prevalência de DCNT em adultos, verificou que ocorreriam 26 casos a menos de DCNT para cada 1.000 homens e 28 casos a menos para cada 1.000 mulheres88 Kearns K, Dee A, Fitzgerald AP, Doherty E, Perry IJ. Chronic disease burden associated with overweight and obesity in Ireland: The effects of a small BMI reduction at population level. BMC Public Health 2014; 14(143):1-10.. Outro trabalho, realizado no Brasil a partir de dados do sistema de Vigilância de Fatores de Risco para DCNT (Vigitel), seguindo esta mesma lógica, buscou verificar o possível impacto na mortalidade por DCNT em toda a população brasileira a partir da redução de 1 kg/m², e estimou uma diminuição de 30.715 mortes por ano1818 Rabacow FM, Azeredo CM, Rezende LFM. Deaths attributable to high body mass in Brazil. Prev Chronic Dis 2019; 16:1-4..
Pesquisas com a população adulta normalmente não costumam trazer análises mais específicas para a meia-idade, período da vida que se encontra entre a maturidade e a velhice, pois geralmente englobam grupos etários mais abrangentes como adultos com 18 anos e mais ou concentram-se em idosos. Além disso, poucos estudos nacionais analisaram a associação dos fatores sociodemográficos com o aumento ou a redução do IMC nesta faixa etária, de forma longitudinal1919 Chor D, Andreozzi V, Fonseca MJM, Cardoso LO, James SA, Lopes CS, Faerstein E. Social inequalities in BMI trajectories: 8-year follow-up of the Pró-Saúde study in Rio de Janeiro, Brazil. Public Health Nutr 2015; 18(17):3183-3191.,2020 Montzel DRVB, Costa BVL, Silva FM. Ganho de peso por década entre trabalhadores de um hospital público: estudo de coorte histórica. Cien Saude Colet 2019; 24(7):2453-2450..
Diante destes fatos, torna-se necessário avaliar o estado nutricional da população de meia-idade, acompanhar eventuais reduções ou aumento de peso e entender os fatores associados à essas mudanças, principalmente os fatores socioeconômicos e demográficos que são importantes determinantes de saúde2121 Carrapato P, Correia P, Garcia B. Determinante da saúde no Brasil: A procura da equidade na saúde. Saude Soc 2017; 26(3):676-689. podendo colaborar com ferramentas para a elaboração de políticas públicas que visem o cuidado à saúde da população nesta faixa etária.
O objetivo do presente estudo foi analisar a incidência de aumento e de redução do IMC em homens e mulheres de meia-idade residentes em município de médio porte, segundo características sociodemográficas e classificação do estado nutricional, após quatro anos de seguimento.
Métodos
Delineamento do estudo
Trata-se de estudo observacional com acompanhamento de quatro anos, resultante de uma pesquisa de base populacional realizada em 2011 (“Doenças cardiovasculares no Estado do Paraná: Mortalidade, Perfil de Risco, Terapia Medicamentosa e Complicações”), inicialmente com delineamento transversal. Em 2015 deu-se seguimento à pesquisa com o título “Incidência de mortalidade, morbidade, internações e modificações nos fatores de risco para doenças cardiovasculares em amostra de residentes com 40 anos ou mais de idade em município de médio porte do Sul do Brasil: Estudo de coorte Vigicardio 2011-2015”.
População de estudo e plano de amostragem
A população do estudo da linha de base foi constituída por indivíduos de idade igual ou superior a 40 anos, residentes na zona urbana de Cambé, município de médio porte localizado na região metropolitana de Londrina, norte do estado do Paraná. A população total de Cambé era estimada em 92.888 habitantes pela contagem do IBGE no período2222 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Demográfico 2010. Rio de Janeiro: IBGE; 2010..
Para o cálculo amostral utilizou-se a ferramenta StatCalc do programa Epi Info® versão 3.5.3. Considerou-se os 30.710 (33,1%) habitantes com 40 anos ou mais de idade, margem de erro de 3%, prevalência do desfecho de 50% e nível de confiança de 95%, resultando em 1.066 indivíduos. Um percentual de 25% foi adicionado à amostra, antecipando possíveis perdas e recusas, totalizando assim 1.332 indivíduos a serem amostrados2323 Souza RKT, Bortoletto MSS, Loch MR, González AD, Matsuo T, Cabrera MAS, Remondi FA, Yonamine CY. Prevalência de fatores de risco cardiovascular em pessoas com 40 anos ou mais de idade, em Cambé, Paraná (2011): estudo de base populacional. Epidemiol Serv Saude 2013; 22(3):435-444..
Para a seleção dos participantes foram considerados os 86 setores censitários do município. Prevendo-se uma distribuição proporcional segundo sexo e faixa etária entre os setores, foi necessário ajustar a população para 1.339 indivíduos. Para cada setor foram sorteadas a quadra, esquina e residência inicial das entrevistas e a sequência do percurso foi realizada em sentido anti-horário, com intervalo amostral 1:2. Em domicílios com mais de um morador elegível sorteou-se apenas um para a entrevista. Na linha de base, ocorreram 159 perdas, 93 por recusa e 66 não encontrados após três tentativas de visita domiciliar, totalizando 1.180 entrevistas2323 Souza RKT, Bortoletto MSS, Loch MR, González AD, Matsuo T, Cabrera MAS, Remondi FA, Yonamine CY. Prevalência de fatores de risco cardiovascular em pessoas com 40 anos ou mais de idade, em Cambé, Paraná (2011): estudo de base populacional. Epidemiol Serv Saude 2013; 22(3):435-444..
Dos 1.180 entrevistados na linha de base (2011), para o presente estudo foram selecionados os indivíduos de 40 a 64 anos, classificados com eutrofia, sobrepeso ou obesidade, assim, foram excluídos 204 indivíduos por apresentarem idade igual ou superior a 65 anos e 17 por apresentarem baixo peso (IMC<18,5 kg/m²). Além destas exclusões, ocorreram 12 perdas em função de ausência de dados de peso e/ou altura. Assim, inicialmente foram considerados 947 sujeitos para o seguimento.
No seguimento (2015), 216 indivíduos foram considerados perdas, pelos seguintes motivos: mudança de endereço (90), recusas (67), óbitos (39), não encontrados após três tentativas (18), ausência de dados de peso e/ou altura (2), totalizando 731 indivíduos. Buscando diminuir possíveis vieses, foram também excluídos dois participantes com câncer e dois que relataram ter realizado cirurgia bariátrica em quaisquer coletas e, para eliminar os outliers, excluiu-se também 5% dos participantes com maior variação do IMC (kg/m²), 2,5% com maior aumento (19) e 2,5% com maior redução (19). Assim, dos 917 elegíveis para o seguimento, 689 compuseram a amostra final, resultando em uma taxa de perdas de 24,9%.
Coleta de dados e instrumento
A coleta de dados em 2011 iniciava-se pela apresentação dos entrevistadores, devidamente identificados, seguida de uma explicação sobre o estudo, coleta de informações amostrais e aplicação do instrumento para o participante selecionado2323 Souza RKT, Bortoletto MSS, Loch MR, González AD, Matsuo T, Cabrera MAS, Remondi FA, Yonamine CY. Prevalência de fatores de risco cardiovascular em pessoas com 40 anos ou mais de idade, em Cambé, Paraná (2011): estudo de base populacional. Epidemiol Serv Saude 2013; 22(3):435-444.. Em 2015, os mesmos participantes foram inicialmente contatados por telefone para o agendamento da entrevista em domicílio, mas quando este contato não foi possível, foi realizada visita domiciliar.
O instrumento utilizado em 2011 e 2015 foi um questionário contendo sete blocos e aferição das medidas antropométricas de peso corporal (kg) e altura (m). O presente estudo utilizou variáveis do bloco de caracterização em 2011 e medidas antropométricas em 2011 e 2015.
Para a aferição das medidas antropométricas foi utilizado, em ambas as coletas, balança eletrônica portátil modelo SIM 09190 da marca Plenna, com capacidade de até 150 kg e sensibilidade de 100 gramas, e fita métrica inelástica e inextensível fixada em porta ou parede sem rodapé. Foi solicitado aos participantes que estivessem de roupas leves e sem sapatos, seguindo procedimento padrão descrito na literatura2424 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Orientações para a coleta e análise de dados antropométricos em serviços de saúde: Norma Técnica do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional - SISVAN. Brasília: MS; 2011..
A equipe de entrevistadores foi composta por alunos de graduação e pós-graduação do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e profissionais da área da saúde. Apesar de não terem sido os mesmos entrevistadores que realizaram a coleta nos dois momentos, os pesquisadores principais se mantiveram e participaram de ambos os treinamentos.
Na linha de base foi realizado estudo piloto em um bairro de uma cidade vizinha de Cambé, que visou o pré-teste do instrumento de coleta de dados, o treinamento da aferição das medidas antropométricas, a análise preliminar da proporção de recusas e a correção do instrumento2323 Souza RKT, Bortoletto MSS, Loch MR, González AD, Matsuo T, Cabrera MAS, Remondi FA, Yonamine CY. Prevalência de fatores de risco cardiovascular em pessoas com 40 anos ou mais de idade, em Cambé, Paraná (2011): estudo de base populacional. Epidemiol Serv Saude 2013; 22(3):435-444.. No seguimento houve pré-teste do instrumento de coleta atualizado, entre conhecidos e parentes na faixa etária do estudo, e treinamento e padronização das técnicas de medidas antropométricas.
Descrição das variáveis
Para a classificação do estado nutricional utilizou-se o IMC, calculado pela razão entre o peso (kg) e a altura (m) ao quadrado, classificando adultos em baixo peso (<18,5 kg/m²), eutrofia (18,5-24,9 kg/m²), sobrepeso (25-29,9 kg/m²) e obesidade (≥30 kg/m²)66 World Health Organization (WHO). Obesity: preventing and managing the global epidemic. Report of a WHO consultation on Obesity. Geneva: WHO; 2000..
O estudo analisou dois desfechos: a incidência de redução e de aumento do IMC após quatro anos de acompanhamento. Embora não exista consenso na literatura em relação ao ponto de corte para a definição de redução e aumento do IMC, o presente estudo estabeleceu a variação ≥1,0 kg/m², ponto de corte utilizado em outros estudos longitudinais1616 Sun W, Shi L, Ye Z, Mu Y, Liu C, Zhao J, Chen L, Li Q, Yang T, Yan L, Wan Q, Wu S, Liu Y, Wang G, Luo Z, Tang X, Chen G, Huo Y, Gao Z, Su Q, Wang Y, Qin G, Deng H, Yu X, Shen F, Chen L, Zhao L, Sol J, Ding L, Xu Y, Xu M, Dai M, Wang T, Zhang D, Lu J, Bi Y , Lai S , Li D, Wang W, Ning G. Association between the change in body mass index from early adulthood to midlife and subsequent type 2 diabetes mellitus. Obesity 2016; 24(3):703-709.,2525 Auerbach BJ, Katz R, Tucker K, Boyko EJ, Drewnowski A, Bertoni A, Dubbert P, Hickson DMA, Correa A, Young BA. Factors associated with maintenance of body mass index in the Jackson Heart Study: A prospective cohort study secondary analysis. Prev Med 2017; 100:95-100.
26 Booth HP, Prevost AT, Gulliford MC. Epidemiology of clinical body mass index recording in an obese population in primary care: A cohort study. J Public Health 2013; 35(1):67-74.
27 Sabaka P, Dukat A, Gajdosik J, Bendzala M, Caprnda M, Simko F. The effects of body weight loss and gain on arterial hypertension control: An observational prospective study. Eur J Med Res 2017; 22(43):1-7.-2828 Zimmermann E, Berentzen TL, Ängquist L, Holst C, Sorensen TIA. Long-term weight changes in obese young adult men and subsequent all-cause mortality. Int J Obes 2013; 37:1020-1025.. Além disso, outros trabalhos realizaram simulações, testando o efeito da redução de 1 kg/m² em populações, e observaram uma potencial redução da prevalência e mortalidade por doenças crônicas não transmissíveis88 Kearns K, Dee A, Fitzgerald AP, Doherty E, Perry IJ. Chronic disease burden associated with overweight and obesity in Ireland: The effects of a small BMI reduction at population level. BMC Public Health 2014; 14(143):1-10.,1818 Rabacow FM, Azeredo CM, Rezende LFM. Deaths attributable to high body mass in Brazil. Prev Chronic Dis 2019; 16:1-4..
A variação do IMC foi calculada pela diferença entre o IMC 2015 e o IMC 2011. O resultado foi categorizado em redução do IMC≥1 kg/m², manutenção do IMC (alteração menor que 1 kg/m² para mais ou para menos) e aumento do IMC≥1 kg/m².
As variáveis independentes utilizadas foram as características sociodemográficas (faixa etária, situação conjugal, cor da pele, anos de estudo e classe econômica) e a classificação do estado nutricional, sempre considerando as informações da linha de base. A idade foi obtida pela diferença entre data de nascimento e data da entrevista, e foi categorizada nos grupos etários 40-54 anos e 55-64 anos. A situação conjugal foi determinada pela presença de companheiro (casado(a) ou união estável) e sem companheiro (solteiro(a), divorciado(a) ou viúvo(a)). A cor da pele foi autorreferida e categorizada em branco/amarelo e preto/pardo/indígena. A escolaridade refere-se ao último ano de estudo completo, categorizado em 0 a 4, 5 a 8 e 9 ou mais anos de estudo. A classe econômica foi definida pelo critério proposto pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisas (ABEP)2929 Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP) [Internet]. 2010 [acessado 2020 maio 10]. Disponível em: http://www.abep.org.br/.
http://www.abep.org.br...
. Em 2011 este critério estabelecia 8 classes econômicas, sendo divididas de acordo com a pontuação obtida em questionário: classe A1: 42 a 46 pontos; classe A2: 35 a 41 pontos; classe B1: 29 a 34 pontos; classe B2: 23 a 28 pontos; classe C1: 18 a 22 pontos; classe C2: 14 a 17 pontos; classe D: 08 a 13 pontos; classe E: 00 a 07 pontos. Estas classes foram agrupadas em A/B e C/D/E.A classificação do estado nutricional foi realizada pelo resultado do cálculo do IMC, obtendo as categorias eutrofia, sobrepeso e obesidade.
Processamento e análise de dados
No ano de 2011 os dados foram obtidos por meio de formulário impresso, duplamente digitados no programa Microsoft Excel® 2010 e comparados pelo programa Epi Info® versão 3.5.3. Em 2015, aproximadamente dois terços foram coletados por formulário impresso duplamente digitados e comparados pelo software Microsoft Office Spread Sheet Compare®, com correção das discordâncias em consulta ao formulário. O restante foi coletado por formulário eletrônico em tablets, por meio da ferramenta ODK Collect, cujas informações foram armazenadas em formato Excel® no servidor Ona.
A análise de comparação entre a amostra do estudo e as perdas segundo características sociodemográficas e classificação do estado nutricional foi realizada pelo teste qui-quadrado de Pearson, indicando a frequência absoluta, relativa e p-valor. A análise descritiva das características sociodemográficas segundo o sexo foi apresentada por meio de frequência absoluta e relativa. As frequências de variação e manutenção do IMC entre os dois períodos foram estratificadas por sexo e apresentadas no total e segundo a classificação do estado nutricional (eutrofia, sobrepeso e obesidade) na linha de base, indicadas por frequência absoluta, relativa e intervalo de confiança (IC) 95%.
Para as análises de associação, a variável dependente “redução do IMC” foi categorizada como Sim, quando ocorreu redução do IMC≥1 kg/m² e Não, quando ocorreu manutenção (alteração não menor ou maior que 1 kg/m²) ou aumento do IMC≥1 kg/m², sendo considerado o Não como a categoria de referência. Já a variável dependente “aumento do IMC” foi categorizada como Sim quando houve aumento do IMC≥1 kg/m² e Não quando houve a manutenção (alteração não menor ou maior que 1 kg/m²) ou redução do IMC≥1 kg/m², sendo esta última categoria considerada a de referência.
Foram incluídas todas as variáveis independentes no modelo, mantendo a mesma categoria de referência para os dois desfechos: faixa etária (“40-54 anos” como categoria de referência), situação conjugal (“com companheiro(a)” como categoria de referência), cor da pele (“branca/amarela” como categoria de referência), anos de estudo (“9 ou mais” como categoria de referência), classe econômica (“classe A/B” como categoria de referência) e classificação do estado nutricional (“eutrofia” como categoria de referência). As análises foram estratificadas por sexo e realizadas pela Regressão de Poisson com variância robusta, resultados expressos em Risco Relativo (RR) bruto e ajustado, independentemente do valor de p na análise bivariada. O modelo ajustado inclui todas as variáveis sociodemográficas e a classificação do estado nutricional. A avaliação da colinearidade por meio do fator de inflação de variação (FIV) sugeriu não haver dependência entre as variáveis de exposição, com resultados do FIV<2. Todas as análises foram realizadas pelo programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 19.0.
Os dados primários utilizados neste estudo foram disponibilizados no repositório SciELO Data3030 Augusto NA, Loch MR, Dias DF, Silva AMR. Incidência de aumento e redução do Índice de Massa Corporal na meia-idade: seguimento de quatro anos. SciELO Data; 2020. https://doi.org/10.48331/scielodata.CNNQXK.
https://doi.org/10.48331/scielodata.CNNQ...
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Aspectos éticos
Os projetos de 2011 e 2015 foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual de Londrina, CAAE n° 0192.0.268.000-10 e n° 395956 14.4.0000.523, respectivamente. Todos os participantes, em ambas as coletas de dados, só realizaram a entrevista após terem lido e assinado o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).
Resultados
A comparação das características sociodemográficas e classificação do estado nutricional entre a amostra do estudo (689) e as perdas (228) é apresentada na Tabela 1. Para todas as variáveis analisadas, as características das perdas foram semelhantes às da amostra estudada (p-valor≥0,05).
Em relação à amostra do estudo, a média de idade na linha de base foi 51,2 anos (DP=6,9 anos), com predomínio do sexo feminino (55,2%), indivíduos com companheiro(a) (76,2%), cor da pele branca ou amarela (61,0%), 0 a 4 anos de estudo (40,3%) e classe econômica C, D ou E (58,6%), sendo estas características semelhantes entre homens e mulheres. A média do IMC dos homens foi 26,8 kg/m² (DP=4,3), e das mulheres 28,8 kg/m² (DP=5,6). A maioria apresentava excesso de peso (sobrepeso ou obesidade), 61,1% dos homens e 72,4% das mulheres (Tabela 2).
A Tabela 3 apresenta a variação (aumento e redução) ≥1 kg/m² e a manutenção do IMC, por sexo, entre os dois períodos. Comparando-se a proporção de cada categoria, no total (sem estratificar pela classificação do estado nutricional da linha de base), observou-se que houve maior frequência de manutenção, seguida pelo aumento e redução do IMC, em ambos os sexos, porém com diferença significativa apenas entre os homens (50,0%, 31,8% e 18,2%, para manutenção, aumento e redução do IMC, respectivamente). Comparando os sexos, mulheres tiveram maior incidência de redução do que os homens (27,8% contra 18,2%), enquanto os homens tiveram maior proporção de manutenção do que as mulheres (50,0% contra 37,0%) e não houve diferença na incidência de aumento. Ainda na comparação entre os sexos, quando estratificado pela classificação do estado nutricional da linha de base, não foram verificadas diferenças significativas.
Considerando a estratificação pela classificação do estado nutricional da linha de base, observou-se que entre os eutróficos a proporção de aumento do IMC foi superior à de redução (em ambos os sexos), porém, entre aqueles classificados com sobrepeso e obesidade não houve diferença significativa, apesar de numericamente os valores serem superiores para aumento do que para redução de 1 kg/m22 Conde WL, Monteiro CA. Nutrition transition and double burden of undernutrition and excess of weight in Brazil. Am J Clin Nutr 2014; 100(6):1617S-1622S., exceto para as mulheres obesas, pois neste último caso a incidência de redução foi de 38,6% contra 30,7% de manutenção e de aumento.
Comparando-se a incidência de redução do IMC segundo classificação do estado nutricional da linha de base, observou-se que as mulheres que eram obesas tiveram maior incidência de redução do que aquelas com eutrofia (38,6% contra 17,1%). Nos homens, apesar de não ter sido significativa a diferença, parece evidente uma tendência de maior incidência de redução, conforme a “maior” classificação do estado nutricional da linha de base (incidência de redução de 23,9% para os que eram obesos, de 21,4% para os com sobrepeso e de 11,7% para os com eutrofia).
Quanto à incidência de aumento do IMC, não se observaram diferenças significativas segundo classificação do estado nutricional da linha de base, mas chama a atenção o fato de nos homens a incidência ser sempre próxima dos 30% (33,3%, 30,8% e 31,0%, para eutrofia, sobrepeso e obesidade, respectivamente), enquanto nas mulheres a variação foi mais evidente (42,9% para aquelas com eutrofia, 33,8% para as com sobrepeso e 30,7% para as com obesidade).
A Tabela 4 apresenta a incidência de redução do IMC (≥1 kg/m²) segundo variáveis sociodemográficas e classificação do estado nutricional na linha de base, estratificada por sexo. Houve maior incidência de redução do IMC, tanto em homens como em mulheres, na faixa etária ≥55 anos, comparada a de 40 a 54 anos, na análise bruta e no modelo ajustado. Em relação à situação conjugal, observou-se que no modelo ajustado os homens sem companheira tiveram maior incidência de redução se comparados aos com companheira. Quanto às variáveis cor da pele, anos de estudo e classe econômica, nenhuma diferença significativa foi observada, porém, vale mencionar que houve maior incidência de redução, mesmo que discreta, em homens com 0-4 anos de estudo e mulheres com 5-8 anos de estudo. Já em relação à classificação do estado nutricional da linha de base, observou-se que homens classificados com sobrepeso e obesidade tiveram maior incidência de redução quando comparados aos classificados com eutrofia, enquanto nas mulheres, apenas as classificadas com obesidade apresentaram maior incidência de redução quando comparadas as com eutrofia.
A Tabela 5 apresenta a incidência de aumento do IMC (≥1 kg/m²) segundo variáveis sociodemográficas e classificação do estado nutricional da linha de base, estratificada por sexo. Apenas a faixa etária foi associada ao aumento do IMC, sendo menor a incidência entre aqueles com idade ≥55 anos, em ambos os sexos, nas análises bruta e ajustada. Vale também mencionar que, apesar de não apresentar diferença significativa, houve menor incidência de aumento em homens com 0-4 anos de estudo, em mulheres com 5-8 anos de estudo e naquelas classificadas com sobrepeso e obesidade, além disso, foi encontrada maior incidência de aumento em homens de cor da pele preta/parda/indígena.
Discussão
No total da amostra, a frequência de manutenção do IMC foi maior, seguida pelo aumento e redução, sendo que essas diferenças foram mais evidentes entre os homens, e as frequências variaram dependendo da classificação inicial do estado nutricional. Indivíduos classificados com eutrofia apresentaram maior frequência de manutenção e aumento do IMC do que redução. A frequência de redução do IMC aumentou com a progressão da classificação do estado nutricional, sendo maior entre classificados com obesidade. A maior incidência de redução ≥1 kg/m² foi observada entre homens e mulheres na faixa etária de 55-64 anos, homens sem companheiro(a), homens classificados com sobrepeso e obesidade e mulheres com obesidade. A incidência de aumento foi menor entre indivíduos na faixa etária 55-64 anos, tanto em homens como em mulheres.
Este estudo partiu de uma população em que 61,1% dos homens e 72,4% das mulheres foram classificadas com excesso de peso na linha de base, com predominância de manutenção de peso no seguimento, em ambos os sexos. A manutenção do IMC pode representar tanto a prevenção do ganho de peso como o insucesso na perda de peso. Principalmente em classificados com obesidade, prevenir um ganho de peso ainda maior pode ser mais importante do que promover a perda peso, levando em consideração os riscos à saúde relacionados ao aumento do IMC1515 Chen C, Ye Y, Zhang Y, Pan XF, Pan A. Weight change across adulthood in relation to all cause and cause specific mortality: prospective cohort study. BMJ 2019; 367(5584):1-11..
Com relação à idade, homens e mulheres mais velhos (55-64 anos), apresentaram maior incidência de redução ≥1 kg/m² quando comparados aos mais novos (40-54 anos) e também apresentaram menor incidência de aumento do IMC. Estes achados são coerentes com outras investigações longitudinais, que encontraram associação negativa entre ganho de peso e idade em adultos de 35 anos e mais3131 Guerra F, Stringhini S, Vollenweider P, Waeber G, Marques-Vidal P. Socio-demographic and behavioural determinants of weight gain in the swiss population. BMC Public Health 2015; 31(15):73.,3232 Sarrafzadegan N, Talaei M, Sadeghi M, Mohammadifard N, Taheri M, Lotfizadeh M, Esmaillzadeh A. Determinants of weight change in a longitudinal study of Iranian adults: Isfahan cohort study. Arch Iran Med 2014; 17(8):539-544.. Estudo de coorte realizado no Brasil, com acompanhamento por 13 anos, identificou que os indivíduos com mais de 50 anos apresentaram menor risco de incidência de sobrepeso ou obesidade3333 Souza LG, Jardim TV, Rezende AC, Sousa ALL, Moreira HG, Perillo NB, Souza SG, Souza WKSB, Araújo YCL, Peixoto MRG, Jardim PCBV. Predictors of overweight/obesity in a Brazilian cohort after 13 years of follow-up. Nutr J 2018; 17(1):10..
Mulheres na faixa etária entre 40 e 50 anos ainda podem engravidar e, consequentemente, apresentar oscilações significativas do peso corporal em pouco tempo, decorrentes da gestação, puerpério e lactação3434 Castro BTC, Kac G, Sichieri R. Determinantes nutricionais e sóciodemográficos da variação de peso no pós-parto: uma revisão da literatura. Rev Bras Saude Mater Infant 2009; 9(2):125-137.. Outra situação de alteração de peso em mulheres de meia idade, em especial o aumento, é a menopausa3535 Montazeri SA, Tehrani FR, Yarandi RB, Erfani H, Mansournia MD, Azizi F. Effect of aging, menopause, and age at natural menopause on the trend in body mass index: a 15-year population-based cohort. Fertil Steril 2019; 111(4):780-786.. Neste estudo houve o cuidado de verificar se as mulheres incluídas na amostra não estavam gestantes ou amamentando no período da coleta de dados, situação não identificada, porém no período entre as duas observações, estas condições não foram questionadas.
O fato de os homens sem companheira apresentarem maior incidência de redução do IMC quando comparados àqueles com companheira, também foi observado em um estudo longitudinal realizado nos Estados Unidos que teve como objetivo verificar a associação entre a mudança da situação conjugal e mudanças no peso corporal de adultos após 10 anos de acompanhamento. Homens que se mantiveram divorciados ou separados e aqueles que enviuvaram durante o seguimento, tiveram maior risco de perder peso, já entre as mulheres, não houve mudanças significativas3636 Sobal J, Rauschenbach B, Frongillo EA. Marital status changes and body weight changes: A US longitudinal analysis. Soc Sci Med 2003; 56(1):1543-1555.. Em outra coorte realizada nos Estados Unidos, com duração de 20 anos, também foi verificado que viver sem companheiro(a) se associou ao menor peso corporal, e aqueles que se divorciaram no período do estudo apresentaram declínio do peso corporal3737 Teachman J. Body Weight, Marital Status, and Changes in Marital Status. J Fam Issues 2016; 37(1):74-96.. Segundo Williams e Umberson3838 Williams K, Umberson D. Marital status, marital transitions, and health: A gendered life course perspective. J Health Soc Behav 2004; 45(1):81-98., adultos que alteram a situação conjugal para divorciado ou viúvo, passam por uma fase chamada de crise ou estresse, e um dos possíveis efeitos deste processo é a perda de peso, principalmente em homens de meia-idade.
Outra hipótese explicativa é que os homens casados geralmente têm uma menor preocupação em relação aos afazeres domésticos, visto que em nossa sociedade as mulheres possuem um papel social dentro da família que, além de muitas vezes terem o trabalho remunerado fora de casa, também cuidam das atividades domésticas. A responsabilidade de cuidar da alimentação da família, seja comprando, escolhendo ou preparando os alimentos, é predominantemente feminina3939 Bernardes AFM, Silva CG, Frutuoso MFP. Alimentação saudável, cuidado e gênero: percepções de homens e mulheres da zona noroeste de santos-sp. DEMETRA Aliment Nutr Saude 2016; 11(3):559-573.. Com isso, o homem pode apresentar maior dependência para serviços domésticos, principalmente com a alimentação, o que pode influenciar no momento da vida em que estiver solteiro, divorciado ou viúvo. Deve-se levar em consideração que características relacionadas ao gênero, dentro da família, estão intimamente ligadas ao momento social e cultural vivenciado em cada época, e que estará sempre em transformação4040 Finelli LAC, Silva JL, Amaral RA. Trajetória da família brasileira: o papel da mulher no desenvolvimento dos modelos atuais. Humanidades 2015; 4(2):52-60..
A maior incidência de redução ≥1 kg/m² verificada nos homens classificados com sobrepeso e obesidade e nas mulheres com obesidade, quando comparados aos com eutrofia, corrobora uma pesquisa que analisou de forma contínua as alterações no IMC em adultos dos Estados Unidos, mostrando que aqueles com o maior IMC na linha de base reduziram o peso ao longo do tempo4141 Lang JC, Sterck H, Abrams DM. The statistical mechanics of human weight change. PloS One 2017; 12(12):1-16.. Chiriboga et al.4242 Chiriboga DE, Ma Y, Li W, Olendzki BC, Pagoto SL, Merriam PA, Matthews CE, Hébert JR, Ockene IS. Gender differences in predictors of body weight and body weight change in healthy adults. Obesity 2008; 16(1):137-145. observaram que no período de um ano, mulheres adultas classificadas com obesidade tiveram maior redução de peso, comparadas às mulheres de outras categorias do IMC. A redução no IMC observada entre classificados com sobrepeso e obesidade pode estar relacionada à mudança de comportamento de saúde, como prática de atividade física e reeducação alimentar. Também pode estar relacionada à perda de peso não intencional decorrente de DCNT, que estão associadas a indivíduos com excesso de peso88 Kearns K, Dee A, Fitzgerald AP, Doherty E, Perry IJ. Chronic disease burden associated with overweight and obesity in Ireland: The effects of a small BMI reduction at population level. BMC Public Health 2014; 14(143):1-10..
Há de destacar que o presente trabalho não teve como objetivo investigar os fatores comportamentais relacionados à redução ou aumento do IMC, porém, deve-se citar o importante papel que o ambiente tem sobre comportamentos relacionados à saúde e o impacto na variação do IMC. A indústria alimentícia e os setores de transporte, lazer e segurança, juntos constroem ambientes que podem ou não ser favoráveis à saúde. É necessário um ambiente com oportunidade de acesso a alimentos adequados e de qualidade, levando em consideração a variedade e preço acessível. Além disso, é importante a disponibilidade de espaços seguros com possibilidade de prática de atividade física no lazer e no transporte33 Sallis JF, Glanz K. Physical activity and food environments: Solutions to the obesity epidemic. Milbank Q 2009; 87(1):123-154.. Sabe-se que indivíduos residentes em bairros com essas características apresentam menor chance de se tornarem obesos4343 Matozinhos FP, Gomes CS, Andrade ACS, Mendes LL, Pessoa MC, Friche AAL, Velasquez-Melendez G. Neighbourhood environments and obesity among adults: A multilevel analysis of an urban Brazilian context. Prev Med Rep 2015; 2:337-341.. Outro comportamento que pode ocasionar variação no IMC é o tabagismo, pois seu uso, ou a cessação dele, levam ao aumento do peso corporal4444 Tian J, Venn A, Otahal P, Gall S. The association between quitting smoking and weight gain: A systemic review and meta-analysis of prospective cohort studies. Obes Rev 2015; 16(10):883-901., porém, no Brasil o consumo de tabaco diminuiu mais que 50% nos últimos anos, devido às políticas públicas de promoção de saúde bem sucedidas4545 Figueiredo VC, Turci SRB, Camacho LAB. Controle do tabaco no Brasil: Avanços e desafios de uma política bem sucedida. Cad Saude Publica 2017; 3(3):4-6..
Com exceção da faixa etária, não foram encontradas associações com o aumento do IMC, mostrando que no presente trabalho o aumento aconteceu de forma similar em todos os grupos da amostra, enquanto a redução do IMC ocorreu em alguns grupos específicos. A associação do estado nutricional com fatores sociodemográficos pode variar dependendo do momento histórico em que a pesquisa foi realizada e do local. Em estudo de tendência da obesidade em adultos no Brasil, foi observada associação inversa entre aumento da incidência de obesidade e quintis de renda, no período de 1979 a 2002, porém não no último período (2003-2009)22 Conde WL, Monteiro CA. Nutrition transition and double burden of undernutrition and excess of weight in Brazil. Am J Clin Nutr 2014; 100(6):1617S-1622S..
O presente estudo de base populacional apresenta como ponto positivo o delineamento longitudinal e a utilização de medidas aferidas. Como fragilidades, apontamos o cálculo amostral inicial específico para estudo de prevalência, as perdas da amostra (24,9%) por diversos fatores descritos na metodologia, o que prejudicou o poder de algumas associações, e o estudo não incluiu os comportamentos de saúde como variáveis independentes. O fato de não possuir dados sobre perda de peso intencional ou não intencional pode ser considerado uma limitação, porém, para minimizar este viés foram excluídos indivíduos classificados com baixo peso, com diagnóstico de câncer, que realizaram cirurgia bariátrica e com valores extremos de redução e aumento do IMC. O fato de os avaliadores não terem realizado curso de certificação em antropometria e não ter sido calculada a estimativa do Erro Técnico de Medida (ETM), para informar o grau de precisão das medidas realizadas, também pode ser considerado como fragilidade, porém, as medidas utilizadas são relativamente simples de serem coletadas (peso (kg) e altura (m)) e foi realizado treinamento para os avaliadores e padronização das técnicas de medidas antropométricas, seguindo procedimento descrito na literatura2424 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Orientações para a coleta e análise de dados antropométricos em serviços de saúde: Norma Técnica do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional - SISVAN. Brasília: MS; 2011.. Embora não se tenha analisado a mudança das categorias do IMC ou o aumento e redução da porcentagem do peso corporal, há evidências que se ponto de corte utilizado (alteração≥1 kg/m²) fosse observado como redução em nível populacional, ocorreriam mudanças positivas no cenário epidemiológico88 Kearns K, Dee A, Fitzgerald AP, Doherty E, Perry IJ. Chronic disease burden associated with overweight and obesity in Ireland: The effects of a small BMI reduction at population level. BMC Public Health 2014; 14(143):1-10.,1818 Rabacow FM, Azeredo CM, Rezende LFM. Deaths attributable to high body mass in Brazil. Prev Chronic Dis 2019; 16:1-4.. Além disso, vale mencionar que este ponto de corte também foi utilizado em outros estudos longitudinais1616 Sun W, Shi L, Ye Z, Mu Y, Liu C, Zhao J, Chen L, Li Q, Yang T, Yan L, Wan Q, Wu S, Liu Y, Wang G, Luo Z, Tang X, Chen G, Huo Y, Gao Z, Su Q, Wang Y, Qin G, Deng H, Yu X, Shen F, Chen L, Zhao L, Sol J, Ding L, Xu Y, Xu M, Dai M, Wang T, Zhang D, Lu J, Bi Y , Lai S , Li D, Wang W, Ning G. Association between the change in body mass index from early adulthood to midlife and subsequent type 2 diabetes mellitus. Obesity 2016; 24(3):703-709.,2525 Auerbach BJ, Katz R, Tucker K, Boyko EJ, Drewnowski A, Bertoni A, Dubbert P, Hickson DMA, Correa A, Young BA. Factors associated with maintenance of body mass index in the Jackson Heart Study: A prospective cohort study secondary analysis. Prev Med 2017; 100:95-100.
26 Booth HP, Prevost AT, Gulliford MC. Epidemiology of clinical body mass index recording in an obese population in primary care: A cohort study. J Public Health 2013; 35(1):67-74.
27 Sabaka P, Dukat A, Gajdosik J, Bendzala M, Caprnda M, Simko F. The effects of body weight loss and gain on arterial hypertension control: An observational prospective study. Eur J Med Res 2017; 22(43):1-7.-2828 Zimmermann E, Berentzen TL, Ängquist L, Holst C, Sorensen TIA. Long-term weight changes in obese young adult men and subsequent all-cause mortality. Int J Obes 2013; 37:1020-1025..
Estudos voltados para a saúde de adultos de meia-idade são importantes para elaboração de estratégias de promoção de saúde que atinjam diretamente esse grupo etário. Esta fase da vida apresenta especificidades, tanto fisiológicas como sociais, no qual o trabalho se destaca como atividade principal, além das responsabilidades com filhos, pais e cônjuges4646 Antunes PC, Silva AM. Elementos sobre a concepção de Meia-Idade, no processo de envelhecimento humano. Rev Kairos 2013; 16(5):123-140.. Estes indivíduos podem apresentar dificuldade no acesso ao serviço de atenção básica, tendo em vista o horário de funcionamento destes locais, quando boa parte da população de meia-idade pode estar trabalhando, fazendo com que essa população seja alvo principalmente de estratégias de saúde intervencionistas e não preventivas. Um estudo brasileiro que avaliou a percepção de adultos de meia-idade sobre o envelhecimento, destacou que as ações de autoproteção da saúde mais importantes relatadas por eles foram: prática de atividade física, ingestão de alimentos saudáveis, convívio social e familiar e ter algum tipo de ocupação. Relataram também que o maior desejo era chegar à velhice com saúde4747 Mari F, Alves G, Aerts D, Camara S. O processo de envelhecimento e a saúde: o que pensam as pessoas de meia-idade sobre o tema. Rev Bras Geriatr Gerontol 2016; 19(1):35-44..
Conclusão
Na amostra estudada, a frequência de manutenção do IMC foi maior, seguida pelo aumento e diminuição. A incidência de redução do IMC foi mais frequente em homens mais velhos, sem companheira, classificados com sobrepeso e obesidade, e mulheres mais velhas e com obesidade. A incidência de aumento do IMC foi menor em indivíduos mais velhos.
Os resultados encontrados mostram que as alterações no peso corporal podem ser influenciadas por fatores sociodemográficos e a classificação do estado nutricional inicial dos indivíduos de meia-idade.
As políticas públicas de saúde pensadas para o enfrentamento da obesidade devem apresentar propostas que compreendam todos os grupos sociodemográficos, oferecendo maior atenção aos grupos com maior risco, buscando assim, melhorar as condições de saúde da população. O modo como os fatores sociais e demográficos influenciam alterações do IMC é complexo e deve continuar a ser investigado de forma longitudinal. Sugerimos também estudos mais específicos voltados para a manutenção do IMC, buscando entender melhor a condição de estabilidade do peso na população adulta, além de incluir outras variáveis, como aspectos comportamentais, de acesso ao serviço de saúde, e mudança nas condições sociais e econômicas.
Agradecimentos
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo apoio financeiro, e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela concessão de bolsa para realização desta pesquisa.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
22 Abr 2022 -
Data do Fascículo
Abr 2022
Histórico
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Recebido
13 Jul 2020 -
Aceito
19 Abr 2021 -
Publicado
21 Abr 2021