Resumo
O objetivo deste artigo é comparar a realização de ações de articulação entre as equipes EqSF/AB e NASF/AB entre a região Nordeste e Brasil e sua influência no trabalho conjunto das equipes. As variáveis independentes foram 19 ações de articulação investigadas pelo módulo II do 3º Ciclo do PMAQ-AB. Os três desfechos referentes ao trabalho conjunto foram a disponibilidade da EqSF/AB em trabalhar com o NASF/AB, o apoio recebido do NASF/AB e a contribuição do trabalho deste para a resolutividade das ações para os usuários. A comparação entre o Nordeste e o Brasil na realização das ações de articulação foi realizada pelo Teste Z e a influência final de tais ações nos desfechos foi avaliada por Modelo Hierárquico de Regressão Linear. A região Nordeste realizou mais ações de integração entre a EqSF/ AB e o NASF/AB (p<0,05). As ações realizadas que apresentaram maior influência positiva nos três desfechos foram “discussão de casos”, “elaboração conjunta do Projeto Terapêutico Singular”, “realização de consultas compartilhadas” e “monitoramento dos resultados”. A região Nordeste realizou mais ações de articulação, e elas apresentaram influências positivas no trabalho conjunto.
Palavras-chave:
Atenção Primária à Saúde; Equipe de Assistência ao Paciente; Comportamento Cooperativo; Brasil
Abstract
This article aims to compare the implementation of coordinated actions by family health/primary care (FH/PC) teams and extended family health and primary care units (NASF-ABs) in the Northeast and rest of Brazil, and the influence of implementation on collaborative working. The independent variables were 19 coordinated actions assessed by Module II of the 3rd Cycle of the National Program for Improving Primary Care Access and Quality (PMAQ-AB). The three collaborative working outcomes were “FH/PC team readiness to work jointly with the NASF-AB”, “support received by the FH/PC team from the NASF-AB”, and “The NASF-AB’s contribution to resolving patients” needs. The implementation of coordinated actions by the Northeast and at national level was compared using the two-proportions z-test and the influence of these actions on the outcomes was assessed using hierarchical linear regression models: The Northeast implemented more actions that at national level (p<0.05). The implemented actions that had the most positive influence on the three outcomes were “Case conferences”, “Joint development of singular therapy plans for complex cases”, “Shared appointments” and “Results monitoring”. The Northeast implemented more actions and the implemented actions had a positive influence on collaborative working.
Key words:
Primary Health Care; Patient Care Team; Cooperative Behavior; Brazil
Introdução
O Sistema Único de Saúde (SUS), em seu processo de implantação de programas e de organização, apresenta sucessos e desafios11 Castro MC, Massuda A, Almeida G, Menezes-Filho NA, Andrade MV, Noronha KVMS, Rocha R, Macinko J, Hone T, Tasca R, Giovanella L, Malik AM, Werneck H, Fachini LA, Atun R. Brazil's unified health system: the first 30 years and prospects for the future. Lancet 2019; 394(10195):345-356.. Entre as estratégias para consolidar o SUS, com vistas a alcançar a cobertura universal e a reorientação das práticas em saúde por meio da Atenção Primária à Saúde (APS), em 1994, foi criado o Programa de Saúde da Família, posteriormente denominado de Estratégia Saúde da Família (ESF). Desde sua criação, a ESF é considerada o modelo preferencial para a APS em todo o território nacional22 Andrade MV, Coelho AQ, Xavier Neto M, Carvalho LR, Atun R, Castro MC. Transition to universal primary health care coverage in Brazil: Analysis of uptake and expansion patterns of Brazil's Family Health Strategy (1998-2012). PLoS One 2018; 13(8):e0201723., embora outros modelos de configuração de operacionalização possam receber recursos federais desde que não comprometam a manutenção da cobertura da ESF33 Harzheim E. "Previne Brasil": bases da reforma da Atenção Primária à Saúde. Cien Saude Colet 2020; 25(4):1189-1196..
Desde sua implantação, vêm se verificando um expressivo crescimento no número de Equipes de Saúde da Família (EqSF), em todas as cinco regiões do país44 Neves RG, Flores TR, Duro SMS, Nunes BP, Tomasi E. Tendência temporal da cobertura da Estratégia Saúde da Família no Brasil, regiões e Unidades da Federação, 2006-2016. Epidemiol Serv Saude 2018; 27(3):e2017170.. Na região Nordeste, houve um rápido aumento do número de EqSF entre os anos de 1998 e 2005, e em 2010, em 100% dos municípios dessa região, pelo menos uma delas já havia sido implantada. Isso destaca a relevância da ESF para a organização do SUS nessa região55 Carvalho FCD, Vasconcelos TB, Arruda GMMS, Macena RHM. Modificações nos indicadores sociais da região nordeste após a implementação da atenção primária. Trab Educ Saude 2019; 17(2):e0018925.. Em novembro 2020, segundo dados portal E-Gestor, do Ministério da Saúde, havia um total de 43.363 EqSF cadastradas, representando cobertura 63,73% da população brasileira. Na região Nordeste, eram 16.275 EqSF, representando 82,31% da população nordestina coberta pela ESF66 Brasil. Ministério da Saúde (MS). E-Gestor Atenção Básica: informação e gestão da Atenção Básica [Internet]. [acessado 2021 fev 11]. Disponível em: https://egestorab.saude.gov.br/.
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A ampliação do acesso aos serviços de APS por meio da ESF foi acompanhada da identificação de múltiplas necessidades de saúde, em contexto de importantes desigualdades sociais, como na região Nordeste do Brasil55 Carvalho FCD, Vasconcelos TB, Arruda GMMS, Macena RHM. Modificações nos indicadores sociais da região nordeste após a implementação da atenção primária. Trab Educ Saude 2019; 17(2):e0018925.. Com vistas a ampliar o escopo de ações da ESF e aumentar sua capacidade resolutiva e a abrangência das complexas demandas de seus usuários, foram criados, no ano de 2008, os Núcleos de Apoio de Saúde da Família (NASF), renomeados, em 2017, de Núcleos Ampliados de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF/AB)77 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 154, de 24 de janeiro de 2008. Cria os Núcleos de Apoio à Saúde da Família - NASF. Diário Oficial da União; 2008.,88 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União; 2017..
Os NASF/AB eram equipes multiprofissionais que deveriam atuar, de maneira integrada, com as EqSF e de Atenção Primária (EqSF/AB) apoiando-as, por meio de práticas compartilhadas em saúde nos territórios sob responsabilidade das ESF. Sua composição deveria ser definida pelas gestões municipais, com critérios de prioridade identificados com base nas necessidades locais e na disponibilidade de profissionais de cada uma das diferentes ocupações77 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 154, de 24 de janeiro de 2008. Cria os Núcleos de Apoio à Saúde da Família - NASF. Diário Oficial da União; 2008.,88 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União; 2017.. Devido às suas características de composição e operacionais, os NASF/AB devem pautar sua atuação no apoio matricial e no trabalho interprofissional, visando integralizar a assistência e a resolubilidade das ações no âmbito da ESF55 Carvalho FCD, Vasconcelos TB, Arruda GMMS, Macena RHM. Modificações nos indicadores sociais da região nordeste após a implementação da atenção primária. Trab Educ Saude 2019; 17(2):e0018925..
Assim como a ESF, também houve ampla implantação dos NASF/AB, em especial, em municípios de pequeno porte. No ano de 2013, havia 2.767 equipes NASF/AB atuando, ao passo que em 2017, esse número saltou para 5.22199 Melo EA, Miranda L, Silva AM, Limeira RMN. Dez anos dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf): problematizando alguns desafios. Saude Debate 2018; 42(Supl. 1):328-340.. Em 2010, a região Nordeste, já era a que tinha o maior número de equipes NASF/AB em funcionamento, indicando a importância da APS nesta região, em especial, em municípios mais pobres1010 Moretti PGS, Fedosse E. Núcleos de Apoio à Saúde da Família: impactos nas internações por causas sensíveis à atenção básica. Fisioter Pesqui 2016; 23(3):241-247..
A partir da Política Nacional de Atenção Básica de 201788 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União; 2017. e do crescimento do programa “Previne Brasil”33 Harzheim E. "Previne Brasil": bases da reforma da Atenção Primária à Saúde. Cien Saude Colet 2020; 25(4):1189-1196., houve um retrocesso em relação a configuração do processo de implantação do NASF/AB e cadastramento de novas equipes, até que, pela Nota Técnica nº 3/2020-DESF/SAPS/MS1111 Brasil. Nota Técnica nº 3/2020-DESF/SAPS/MS. Dispõe sobre Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB) e Programa Previne Brasil. Brasília: MS; 2020., o financiamento das equipes do NASF/AB pelo governo federal foi suspenso. A partir de então, a contratação dos profissionais para tais equipes passou definida pelos gestores municipais, representando grande uma ameaça a continuidade deste modelo de atenção que qualifica o cuidado no âmbito da APS brasileira.
A articulação entre as EqSF e os NASF/AB sempre foi um desafio. Desvelar questões relacionadas à colaboração entre essas duas equipes da APS e delas com a RAS brasileira pode ser útil para fortalecer os processos de trabalho integrados99 Melo EA, Miranda L, Silva AM, Limeira RMN. Dez anos dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf): problematizando alguns desafios. Saude Debate 2018; 42(Supl. 1):328-340., e tentar frear a grande perda para a integralidade da atenção que será o desmantamento do NASF/AB enquanto equipe de saúde, integrada às EqSF. Análises em que se utilizem os dados oriundos do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB), de domínio público, podem contribuir para o avanço da discussão sobre a integração entre o NASF/AB e as EqSF/AB, especialmente no cenário atual. A respeito do PMA-AB, esse programa foi uma iniciativa federal para institucionalizar a avaliação no âmbito da APS e seus resultados têm favorecido a indução de planejamento de melhorias pelas equipes, inclusive, de seus processos de trabalho1212 Vieira-Meyer APGF, Morais APP, Guimarães JMX, Campelo ILB, Vieira NFC, Machado MFAS, Nogueira PSF, Nuto SAS, Freitas RWJF. Infraestrutura e processo de trabalho na atenção primária à saúde: PMAQ no Ceará. Rev Saude Publica 2020; 54:62.. Atualmente, o PMAQ-AB foi substituído pelo PCATOOL, instrumento amplamente reconhecido e utilizado mundialmente1313 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Saúde da Família. Manual do Instrumento de Avaliação da Atenção Primária à Saúde: PCATool-Brasil - 2020. Brasília: MS; 2020..
Nesse contexto, esta pesquisa teve os objetivos de comparar a realização de ações de articulação entre EqSF/AB e NASF/AB na região Nordeste e no Brasil e de verificar, nessa região, se a realização das ações pode influenciar de forma positiva a avaliação nos seguintes desfechos: (a) disponibilidade da EqSF/AB para atuação conjunta com o NASF/AB; (b) apoio dado pelo NASF/AB à EqSF/AB; e (c) colaboração do NASF/AB para a resolutividade das ações em relação aos problemas dos usuários.
Metodologia
Trata-se de um estudo transversal, com dados nacionais do Módulo II, do 3º Ciclo do PMAQ-AB. A pesquisa foi conduzida pelo Ministério da Saúde em 5.324 municípios (95,6%) dos 27 estados. Nos anos de 2017 e 2018, aconteceu a avaliação externa do 3º Ciclo do PMAQ-AB, que foi, voluntariamente, aderido por 5.324 municípios (95.6%) e 38.865 (93,9%) equipes de APS (EqSF/AB). O Módulo II é relacionado ao processo de trabalho com perguntas respondidas por um membro da EqSF/AB. Foram consideradas questões referentes à articulação entre a EqSF e/ou APS e o NASF/AB.
Os dados foram coletados por pesquisadores de universidades e instituições de pesquisa do Brasil em articulação com o Ministério da Saúde. A coleta no campo da avaliação externa foi precedida de treinamentos da equipe de coleta (coordenadores estaduais, supervisores e entrevistadores), utilizando instrumentos validados e a partir da experiência acumulada desde o primeiro ciclo do PMAQ-AB. Os dados da pesquisa foram obtidos no site do Ministério da Saúde, em um banco público (https://aps.saude.gov.br/ape/pmaq/ciclo3/), em que os dados estão dispostos para garantir o anonimato dos participantes.
A amostra analisada neste estudo foi composta de equipes cujos profissionais da EqSF/AB assinalaram o recebimento de apoio do NASF/AB. O Bloco II.35 do questionário do módulo II do PMAQ-AB avalia a articulação entre a EqSF/AB e o NASF/AB, por meio de um conjunto de 19 perguntas dicotômicas, a serem respondidas com “sim” ou “não”. Comparou-se a proporção de respostas “sim” em 19 variáveis relacionadas à integração da EqSF/AB com o NASF/AB entre a região Nordeste e o Brasil. Para fins de análise, essas questões foram organizadas em cinco grupos, denominados blocos, de acordo com sua afinidade de natureza. Esta divisão foi realizada por meio da análise de dois pesquisadores de forma independente, para organização das 19 perguntas originais do PMAQ-AB entre os cinco blocos. A alocação das perguntas pelos pesquisadores foi embasada pelo conteúdo do anexo 1 da Portaria nº 154/2008 de criação do NASF/AB77 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 154, de 24 de janeiro de 2008. Cria os Núcleos de Apoio à Saúde da Família - NASF. Diário Oficial da União; 2008.. Após a alocação das perguntas, os blocos foram nomeados. Caso houvesse discordância sobre em qual bloco as perguntas seriam inseridas por cada pesquisador, a opinião de um terceiro pesquisador. seria solicitada.
No primeiro bloco - “Articulação com outros pontos” - foram considerados os aspectos “Articulação com a Rede de Atenção à Saúde, intersetorialidade e controle social”. As perguntas envolviam os seguintes aspectos: a) ações/reuniões com outros serviços de saúde (ex: CAPS, policlínicas); b) ações/reuniões com outros setores (ex: CRAS, CREAS, escola etc.); e c) participação em reuniões dos Conselhos de Saúde ou outros espaços de controle social. O segundo bloco - “Organização da demanda” - foi composto de perguntas sobre: a) a organização da demanda para atendimentos individuais; b) a organização da demanda para atendimentos domiciliares; c) a gestão de encaminhamentos e/ou de listas de espera para especialistas; d) a definição de critérios de acesso, priorização de casos, atribuições de cada profissional; e e) a análise das solicitações de apoio, identificando as principais demandas.
O terceiro bloco - “Qualificação do cuidado” - incluiu questões relativas aos seguintes aspectos: a) discussão de casos; b) construção compartilhada de Projeto Terapêutico Singular para casos complexos; e c) análise de casos concluídos e em atendimento pelo NASF. O quarto bloco - “Produção do cuidado” - traz perguntas direcionadas a avaliar a realização de: a) consultas compartilhadas entre profissionais da equipe do NASF/AB com EqSF/AB; b) consultas compartilhadas entre os profissionais da equipe do NASF/AB; c) atividades de educação em saúde; d) grupos terapêuticos; e e) vigilância em saúde. O último bloco - “Qualificação do processo de trabalho” - contém perguntas que visavam avaliar: a) educação permanente com as EqSF/AB; b) discussões sobre o processo de trabalho da EqSF/AB; e c) monitoramento dos resultados alcançados.
Entre as unidades da região Nordeste, verificou-se como cada uma das 19 questões influenciava a avaliação positiva dos seguintes desfechos do Bloco II.36: II.36.1 disponibilidade da EqSF/AB de trabalhar compartilhadamente com o NASF/AB; II.36.3 apoio que a equipe recebe do NASF/AB; II.36.2 contribuição do NASF/AB para resolver os problemas dos usuários. Esses desfechos foram respondidos em escala de zero a dez (nota atribuída pelo respondente da EqSF/AB).
As prevalências de respostas ‘sim’ para as perguntas do conjunto II.35 foram calculadas pelos percentuais dos números de respostas positivas sobre o número total de questões respondidas. As prevalências entre a região Nordeste e o Brasil foram avaliadas pelo Teste Z para comparação de proporções, considerando significativo o valor de p<0,05.
Para verificar a associação individual de cada bloco com as notas atribuídas à disponibilidade da EqSF/AB para atuação conjunta (escala de 0 a 10) com o NASF/AB, ao apoio que a equipe recebe do NASF/AB (escala de 0 a 10) e à sua capacidade de resolver os problemas dos usuários (escala de 0 a 10), foram ajustados modelos de Regressão Linear para cada bloco individualmente, e calculados os valores de Beta (β) e seu valor p. A categoria “sim” da variável independente foi considerada exposição (=1), e a interpretação do resultado foi por meio da magnitude e do Beta (β). Quando positivo, indicava que, quando a ação era realizada, maiores notas eram obtidas. Ao contrário, quando o sinal do Beta (β) era negativo, a realização da ação diminuía a nota atribuída pela equipe no desfecho analisado.
Em seguida, para cada desfecho, foram ajustados Modelos Hierárquicos de Regressão Linear, com a inserção de cada bloco em sequência. No final, foram ajustados quatro modelos por desfecho: Modelo 1: Bloco 1 + 2; Modelo 2: Bloco 1 + 2 + 3; Modelo 3: Bloco 1 + 2 + 3 + 4; e Modelo 4: Bloco 1 + 2 + 3 + 4 + 5. Em todos os modelos, verificou-se o Variance Inflaction Factor (VIF) das variáveis do modelo, para identificar possível multicolinearidade. Todas as variáveis com VIF<10 foram mantidas no modelo de regressão.
Para cada modelo, incluindo os ajustados, foi avaliado o R2 ajustado, para verificar a capacidade explicativa das ações de articulação entre a EqSF/AB e o NASF/AB na variabilidade da avaliação da disponibilidade da EqSF/AB de atuar junto com o NASF/AB, no apoio do NASF/AB à EqSF/AB e na capacidade do NASF/AB de aumentar a resolutividade das ações. Todas as análises foram realizadas no programa R 64.4.0.0 (https://www.r-project.org/), considerando o nível de significância alfa=0,05.
Resultados
Na região Nordeste, entre as 13.609 equipes que responderam ao PMAQ-AB, foram incluídas no estudo 11.643 (85,5%) que recebiam apoio do NASF/AB. Para comparação com o Brasil, foram consideradas as 27.213 (74,5%) que recebiam apoio do NASF/AB entre as 36.547 EqSF/AB que participaram do PMAQ-AB, em todo Brasil. Na maioria das ações de integração entre a EqSF/AB e NASF/AB houve diferença entre os percentuais da região Nordeste e nacional de realização (p<0,05) (Tabela 1).
Os modelos brutos de Regressão Linear foram ajustados para cada bloco, para cada um dos três desfechos selecionados. Todas as ações apresentaram associação com os desfechos. Isso indica que, quando eram realizadas, melhoravam a avaliação da disponibilidade da EqSF/AB, do apoio do NASF/AB e da resolutividade do NASF/AB (Tabela 2).
Em seguida, foram ajustados os Modelos de Regressão Hierárquicos. Primeiro, para avaliar a associação entre as ações de articulação e a avaliação da disponibilidade da EqSF/AB de atuar de forma conjunta com o NASF/AB. O estudo indicou que, no modelo completo final, as discussões sobre casos (β=0,23) e consultas compartilhadas (β=0,26) são as que mais influenciaram a avaliação positiva da disponibilidade da EqSF/AB de atuar em conjunto com o NASF/AB (Tabela 3).
A Tabela 4 apresenta os Modelos Hierárquicos para avaliar o apoio que a EqSF/AB recebe do NASF/AB. Observou-se que todos os itens da articulação influenciam a avaliação do apoio do NASF. Destacaram-se, em conjunto, as perguntas relacionadas à “Qualificação do cuidado” (Bloco 3). Nos modelos mais ajustados, a realização conjunta da EqSF/AB e do NASF/AB da “Definição de critérios de acesso” e “Análise das solicitações de apoio” apresentou efeito negativo, e isso piorou a avaliação do apoio oferecido pelo NASF/AB à EqSF/AB.
Quanto à resolutividade das ações da Unidade Básica em relação ao usuário, os Modelos Hierárquicos identificam influência maior de ações ligadas à “Qualificação do cuidado” (Bloco 3) e pouca influência de “Ações que produzem cuidado” (Bloco 4), o que indica a importância da discussão de casos na melhor avaliação da resolutividade das ações direcionadas ao usuário (Tabela 5).
Discussão
O presente estudo identificou que a região Nordeste apresenta maior proporção de ações integradas entre a EqSF e o NASF/AB, e que, nesta região, algumas ações conjuntas são associadas a uma melhor avaliação da disponibilidade da EqSF/AB de atuar de forma conjunta com o NASF/AB, apoio do NASF/AB à EqSF/AB e colaboração do NASF/AB na resolutividade das ações. Estudar ações conjuntas entre as equipes da APS é importante, uma vez que existem evidências de que a APS é a estratégia mais eficaz e eficiente para abordar o atual perfil epidemiológico mundial e ampliar o acesso aos serviços de saúde1414 Barbazza E, Kringos D, Kruse I, Klazinga NS, Tello JE. Creating performance intelligence for primary health care strengthening in Europe. BMC Health Serv Res 2019; 19(1):1006.. Assim, reforça-se a relevância de conhecer o processo de trabalho de suas equipes.
Espera-se que, no Brasil, a APS seja responsável também por impulsionar um processo de mudança no paradigma assistencial, o que exige novas organizações na dinâmica de trabalho, entre elas, as que rompam com o modelo assistencial uniprofissional e fragmentado1515 Brito GEG, Mendes ACG, Santos Neto PM. O objeto de trabalho na Estratégia Saúde da Família. Interface (Botucatu) 2018; 22(64):77-86.. Nesse sentido, a Política Nacional de Atenção Básica prevê tanto a atuação integrada dos profissionais das EqSF/AB e do NASF/AB quanto a delas com outros setores e pontos da RAS88 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União; 2017.. A partir da proposta de articulação entre a EqSF/AB e o NASF/AB, tenta-se inserir a concepção de trabalho colaborativo. Essa lógica se configura como uma ferramenta para o enfrentamento dos problemas do modelo de atenção fragmentado1616 Reeves S, Pelone F, Harrison R, Goldman J, Zwarenstein M. Interprofessional collaboration to improve professional practice and healthcare outcomes (Review). Cochrane Database Syst Rev 2017; 22(6):CD000072..
A análise dos dados do 3º ciclo do PMAQ-AB nos possibilitou concluir que, no Nordeste, a integração entre a EqSF/AB e o NASF/AB era mais positiva, quando comparada com o Brasil.
Nesta nova lógica de produção do cuidado, a integração entre os trabalhadores das equipes de saúde potencializa a oferta de ações centradas nos usuários1717 Brown JB, Ryan BL, Thorpe C. Processes of patient-centred care in Family Health Teams: a qualitative study. CMAJ Open 2016; 4(2):e271-e276., alcançando melhores resultados. As práticas integradas de profissionais e serviços de saúde, colaborativas, são reconhecidas por proporcionarem melhorias à qualidade da assistência, com uma prática ampliada, integral, centrada no usuário e com custo e qualidade adequados, portanto, mais efetivas do que as tradicionais. As práticas colaborativas ancoram-se na construção coletiva, por meio de um processo de comunicação horizontalizado e de tomada de decisões compartilhadas, e possibilitam que as competências e as habilidades de diferentes núcleos profissionais se materializem no cuidado de forma associada1818 Reeves S, Perrier L, Goldman J, Freeth D, Zwarenstein M. Interprofessional education: effects on professional practice and healthcare outcomes (update). Cochrane Database Syst Rev 2013; 2013(3):CD002213.
19 Reeves S, Xyrichis A, Zwarenstein M. Teamwork, collaboration, coordination, and networking: why we need to distinguish between different types of interprofessional practice. J Interprof Care 2018; 32(1):1-3.
20 Morgan S, Pullon S, McKinlay E. Observation of interprofessional collaborative practice in primary care teams: an integrative literature review. Int J Nurs Stud 2015; 52(7):1217-1230.
21 Peduzzi M, Agreli HLF, Silva JAM, Souza HS. Trabalho em equipe: uma revisita ao conceito e a seus desdobramentos no trabalho interprofissional. Trab Educ Saude 2020; 18(Supl. 1):e0024678.-2222 Peduzzi M, Agreli HF. Teamwork and collaborative practice in Primary Health Care. Interface (Botucatu) 2018; 22(Supl. 2):1525-34..
Em relação aos modelos brutos, no bloco 1 (“Articulação com outros pontos”), a realização dessas ações influenciou a avaliação nos três desfechos, especialmente a participação em reuniões dos conselhos de saúde ou em outros espaços de controle social. Na perspectiva do cuidado centrado no usuário e em suas famílias, na comunidade ou no território, devem-se considerar os espaços democráticos, que são garantidos na Constituição, e também é um princípio do SUS, de discussão e construção coletiva, como os conselhos locais, reuniões com líderes no território, nos grupos e na comunidade em geral. As agendas desses espaços ajudam a construir caminhos na perspectiva de proporcionar melhorias no território, favorecendo a clareza de papéis desempenhados por todos e a implicação de cada sujeito no trabalho nos serviços de saúde e em outros setores importantes para esse cenário, assim como em um cuidado efetivo vinculado à realidade. Esse movimento é importante e sinaliza que essa prática não é restrita aos profissionais de saúde, mas também a todos os sujeitos nesse processo de discussão1919 Reeves S, Xyrichis A, Zwarenstein M. Teamwork, collaboration, coordination, and networking: why we need to distinguish between different types of interprofessional practice. J Interprof Care 2018; 32(1):1-3.,2121 Peduzzi M, Agreli HLF, Silva JAM, Souza HS. Trabalho em equipe: uma revisita ao conceito e a seus desdobramentos no trabalho interprofissional. Trab Educ Saude 2020; 18(Supl. 1):e0024678.,2222 Peduzzi M, Agreli HF. Teamwork and collaborative practice in Primary Health Care. Interface (Botucatu) 2018; 22(Supl. 2):1525-34..
Conforme observado, o bloco 2 (“Organização da demanda”), nos modelos brutos, exercia influência importante na avaliação das EqSF/AB sobre a disponibilidade para atuar conjuntamente com o NASF/AB, em relação ao apoio recebido pelo NASF/AB, seguido pela resolutividade das ações em relação aos usuários. A realização da “organização da demanda para atendimentos individuais” melhorou a avalição dos três desfechos.
Estudo anterior relatou que as EqSF/AB identificam os casos complexos a serem discutidos com o NASF/AB a partir de diversos critérios (formais ou espontâneos). Entre eles, o princípio da equidade, considerando a vulnerabilidade social e subjetiva da própria dificuldade dos profissionais da EqSF/AB de lidarem com a demanda específica de alguns casos2323 Castro CP, Nigro DS, Campos GWS. Núcleo de Apoio à Saúde da Família e Trabalho Interprofissional: a experiência do município de Campinas (SP). Trab Educ Saude 2018; 16(3):1113-1134.. A organização da demanda, em uma perspectiva de matriciamento, é importante para o processo de trabalho e essencial para a articulação entre as EqSF/AB e os NASF/AB. O NASF/AB tanto pode apoiar as EqSF/AB, com suas ações compartilhadas, como o atendimento específico em seu núcleo de saber profissional, discutindo-se os casos, a construção de projetos terapêuticos singulares, entre outras, todas demandadas pelas EqSF/AB, cumprindo seu papel de dar suporte técnico-pedagógico e de ordenar o fluxo de usuários da rede.
Em relação aos modelos brutos, observou-se, no bloco 3 (“Qualificação do cuidado”), que a discussão de casos influenciou as avaliações das EqSF nos três desfechos investigados. Estudo prévio identificou que as equipes com os melhores desempenhos no PMAQ-AB ciclos 1 e 2 promovem discussão sobre casos na perspectiva de matriciamento2424 Lima RSA, Nascimento JA, Ribeiro KSQS, Sampaio J. O apoio matricial no trabalho das equipes dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família: análise a partir dos indicadores do 2º ciclo do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade. Cad Saude Colet 2019; 27(1):25-33.. A discussão sobre casos complexos é uma prática colaborativa centrada no usuário e em sua demanda, em que se compartilham informações e se constroem acordos interprofissionais, na perspectiva de valorizar os papéis dos membros das equipes e de reconhecer os saberes e os fazeres, visando à construção de um plano para enfrentar o problema identificado.
No que diz respeito aos modelos ajustados, os blocos 1 e 2 influenciaram a avaliação da EqSF/AB em relação a sua disponibilidade de atuar em conjunto com o NASF/AB, ao apoio recebido pelo NASF/AB e à sua colaboração para aumentar a resolutividade das ações direcionadas aos usuários. No bloco 3, referente à “Qualificação do cuidado”, as ações de discussão de casos e construção conjunta do Projeto Terapêutico Singular (PTS) melhoraram a avaliação dos três desfechos considerados neste estudo.
A cogestão dos compromissos políticos e sociais desse processo de partilha de saberes, do deslocamento de poderes e dos afetos pode acontecer de diversas formas, mas com base no diálogo e na construção dessas relações. Esse arranjo de trabalho com vistas à colaboração exige abertura dos membros da equipe multiprofissional para o encontro com o outro e a construção de relações profissionais horizontalizadas baseadas na confiança e no pertencimento da equipe, que tem um único objetivo: o de centrar a atenção no usuário e mobilizar competências específicas, comuns e colaborativas. Esse processo tem potencial para favorecer o rompimento com um modelo assistencial biomédico, hegemônico no cotidiano de muitos serviços de saúde2525 Previato GF, Baldissera VDA. A comunicação na perspectiva dialógica da prática interprofissional colaborativa em saúde na Atenção Primária à Saúde. Interface (Botucatu) 2018; 22(Supl. 2):1535-1547..
Ainda sobre a discussão de casos, é importante destacar a comunicação interprofissional, que faz parte de uma das quatro dimensões do clima de equipe. A comunicação assegura a participação de todos, promove interação entre os sujeitos e proporciona segurança e confiança, tão importantes para a discussão de casos2121 Peduzzi M, Agreli HLF, Silva JAM, Souza HS. Trabalho em equipe: uma revisita ao conceito e a seus desdobramentos no trabalho interprofissional. Trab Educ Saude 2020; 18(Supl. 1):e0024678.,2525 Previato GF, Baldissera VDA. A comunicação na perspectiva dialógica da prática interprofissional colaborativa em saúde na Atenção Primária à Saúde. Interface (Botucatu) 2018; 22(Supl. 2):1535-1547..
Quanto ao compartilhamento do PTS no manejo dos casos mais complexos, o apoio dos profissionais do NASF/AB é fundamental para atender às necessidades centradas no paciente, com atendimento seguro e de boa qualidade, baseado no conceito de corresponsabilização e troca de conhecimentos entre os profissionais2626 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Núcleo de Apoio à Saúde da Família: ferramentas para gestão e para o trabalho cotidiano. Cadernos de Atenção Básica nº 39. Brasília: MS; 2014.. Por fim, a análise dos casos concluídos e em atendimento pelo NASF/AB é necessária no acompanhamento da evolução dos resultados e das metas alcançadas2626 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Núcleo de Apoio à Saúde da Família: ferramentas para gestão e para o trabalho cotidiano. Cadernos de Atenção Básica nº 39. Brasília: MS; 2014..
Há que ressaltar que, embora se tenha avançado muito na formação em saúde, as práticas colaborativas ainda são um desafio tanto para a formação quanto para as práticas em serviço. Nesse sentido, ampliar as categorias profissionais inseridas na APS, por meio do NASF/AB, pode não ser suficiente para que se alcancem as práticas colaborativas. Há preocupação de que, na prática, a produção do cuidado pelo NASF/AB, quando desvinculada das EqSF, descaracteriza a proposta. Portanto, o trabalho com o NASF/AB reforça a perspectiva e a mudança no processo de trabalho, aproximando as equipes multiprofissionais para o trabalho colaborativo2727 Tesser CD. Núcleos de Apoio à Saúde da Família, seus potenciais e entraves: uma interpretação a partir da atenção primária à saúde. Interface (Botucatu) 2017; 21(62):565-578.,2828 Vendruscolo C, Metelski FK, Maffissoni AL, Tesser CD, Trindade LL. Características e atuação dos profissionais dos Núcleos Ampliados de Saúde da Família e Atenção Básica. Rev Esc Enferm USP 2020; 54:e03554..
Para isso, o processo de educação permanente em saúde deve ser bem pensado, visando auxiliar os profissionais do NASF/AB a desenvolverem um trabalho que contemple as práticas compartilhadas. É necessário ampliar as equipes NASF/AB e EqSF/AB, com novas práticas profissionais, e privilegiar novas formas de prestar os cuidados, como a interprofissionalidade, através do diálogo para construção, em um processo usuário centrado. Entretanto, apesar de sua importância relatada, quando a educação permanente foi avaliada neste estudo, dentro do domínio referente ao “Processo de Trabalho”, não foi o item com maior influência na avaliação mais positiva dos desfechos investigados neste estudo2929 Panizzi M, Lacerda JT, Natal S, Franco TB. Reestruturação produtiva na saúde: atuação e desafios do Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Saude Debate 2017; 41(112):155-170..
Chama a atenção nos modelos finais ajustados que os itens do bloco 2 “definição de critérios de acesso, priorização de casos” e “análise das solicitações de apoio, identificando as principais demandas”, quando positivos, levaram a piores avaliações das ações conjuntas nos três desfechos. Dados do 2º ciclo do PMAQ-AB já haviam sinalizado que, na integração do trabalho entre a EqSF/AB e o NASF/AB existem barreiras referentes a organização da demanda, muitas vezes devido aos encaminhamentos escritos, sem diálogo, e ruídos em relação à divisão de tarefas entre as equipes na atenção ao usuário3030 Silva ICB, Silva LAB, Lima RSA, Rodrigues JA, Valença AMG, Sampaio J. Processo de trabalho entre a Equipe de Atenção Básica e o Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Rev Bras Med Fam Comunidade 2017; 12(39):1-10.. Os resultados deste estudo reforçam tal situação, indicando que houve pouco avanço na organização do acesso entre as equipes, e também na divisão de tarefas, para organização do processo de trabalho.
Em relação ao bloco 4 (“Produção do cuidado”), nos modelos brutos, a realização de tais ações foi responsável por 8,2% da variabilidade na avaliação da equipe em relação à sua disponibilidade de atuar junto com o NASF/AB, 17,2% na avaliação do apoio recebido pelo NASF/AB e 13,4% na avaliação da contribuição do NASF/AB na resolução dos problemas dos usuários. A estratégia de comunicação entre atores presentes nas equipes e a falta de difusão dos conhecimentos e da formalização de ações institucionais que passem a ser rotina para o cuidado ainda são frágeis e precisam ser fortalecida, visando aumentar a influência dessas ações na produção do cuidado direcionado ao usuário e aumentar sua participação na produção de uma boa avaliação3131 Velloso AF, Varanda MP. Difusão de inovação e atores-chave na ESF. Cad Saude Colet 2017; 25(1):73-82..
Entre as ações de produção do cuidado, a que mais influenciou positivamente a avaliação da disponibilidade da EqSF/AB, do apoio recebido do NASF e a contribuição do NASF/AB na resolução dos problemas dos usuários foi realizar “Consultas compartilhadas entre profissionais da equipe do NASF com a EqSF/AB”. Esse resultado reforça a concepção de que é importante fortalecer as ações de matriciamento como eixo ordenador do trabalho do NASF/AB. Entretanto, ele se perde no histórico assistencialista e especializado da formação profissional em saúde e faz com que os profissionais inseridos no NASF/AB tenham dificuldade de determinar suas ações generalistas de apoio à EqSF/AB, com o intuito de potencializar o cuidado direcionado ao usuário2727 Tesser CD. Núcleos de Apoio à Saúde da Família, seus potenciais e entraves: uma interpretação a partir da atenção primária à saúde. Interface (Botucatu) 2017; 21(62):565-578.. Em uma avaliação do matriciamento e do cuidado compartilhado por profissionais do NASF/AB, observou-se que os profissionais da EqSF/AB tinham dificuldade de entender essas atividades3232 Barros JO, Gonçalves RMA, Kaltner RP, Lancman S. Estratégia do apoio matricial: a experiência de duas equipes do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) da cidade de São Paulo, Brasil. Cien Saude Colet 2015; 20(9):2847-2856., o que corrobora o resultado deste estudo, porque, quando essa atividade é incorporada no processo na produção do cuidado, as ESF avaliam melhor a integração entre as duas equipes.
Além disso, as “Ações de Educação em Saúde” realizadas só foram capazes de influenciar a avaliação do apoio recebido do NASF pela EqSF/AB, e não, a disponibilidade da EqSF/AB e a contribuição para resolver os problemas dos usuários. Um estudo nacional com profissionais de Educação Física inseridos no NASF/AB mostrou que, no Nordeste do Brasil, as ações de educação em saúde ficam restritas a grupos específicos da população e são realizadas de maneira individual pelos profissionais, com interprofissionalidade incipiente3333 Santos SFS, Benedetti TRB, Medeiros TF, Freitas CLR, Sousa TF, Costa JLR. The work of physical education professionals in Family Health Support Centers (NASF): a national survey. Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum 2015; 17(6):693-703.. Esse resultado ajuda a explicar que a educação em saúde causa pouco impacto na avaliação da disponibilidade da EqSF/AB e na resolutividade referente ao usuário, embora seja identificada como positiva na avaliação do apoio do NASF/AB.
Em relação aos modelos brutos, o bloco 5 (“Qualificação do processo de trabalho”) exercia influência importante na avaliação das EqSF/AB sobre o apoio recebido pelo NASF/AB (16,0%), seguido pela resolutividade das ações em relação aos usuários (12,5%) e da disponibilidade da EqSF/AB para atuar junto com o NASF/AB (7,7%). Um estudo realizado no contexto da APS brasileira convergiu com o que foi verificado pela literatura internacional, pois, em relação ao caso brasileiro, constatou que equipes com melhores escores na avaliação da escala clima de trabalho em equipe apresentaram a participação mais efetiva de seus membros em atividades orientadas por mecanismos institucionalizados de avalição do trabalho e encontros para reflexão da equipe3434 Agreli HLF, Peduzzi M, Bailey C. The relationship between team climate and interprofessional collaboration: preliminary results of a mixed methods study. J Interprof Care 2017; 31:184-186.,3535 Agreli HLF, Peduzzi M, Bailey C. Contributions of team climate in the study of interprofessional collaboration: a conceptual analysis. J Interprof Care 2017; 31(6):679-684., o que também foi verificado neste estudo.
As três ações de articulação avaliadas no bloco 5 melhoraram a avaliação da disponibilidade da EqSF/AB, do apoio do NASF/AB e da contribuição do NASF/AB na resolutividade das ações direcionadas ao usuário. Quanto à avaliação do apoio do NASF/AB, a contribuição das três ações foi equilibrada na avaliação, e a educação permanente ou capacitação pouco influenciou na avaliação da disponibilidade da ESF em atuar com o NASF/AB e de sua contribuição com a resolutividade das ações. No que se refere ao desenvolvimento de atividades de educação permanente entre as EqSF/AB, foi verificada, em seis municípios do estado da Bahia, a falta de políticas institucionais de educação permanente na APS e que o NASF/AB participa pouco desse tipo de atividade com as EqSF/AB3636 Bispo Júnior JP, Moreira DC. Educação permanente e apoio matricial: formação, vivências e práticas dos profissionais dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família e das equipes apoiadas. Cad Saude Publica 2017; 33(9):e00108116.. Assim, a realização dessas políticas pode impactar positivamente a avaliação das EqSF/AB e materializar-se com a efetivação da dimensão pedagógica do trabalho do NASF/AB com vistas a ampliar o escopo de ações de cuidado e qualificar o processo de trabalho.
Embora se tenha avançado, é importante mencionar que a região Nordeste ainda apresenta um déficit numérico entre a quantidade de equipes do NASF/AB e a da EqSF/AB. Convém enfatizar que a grande demanda acarreta fragilidades no trabalho das equipes do NASF55 Carvalho FCD, Vasconcelos TB, Arruda GMMS, Macena RHM. Modificações nos indicadores sociais da região nordeste após a implementação da atenção primária. Trab Educ Saude 2019; 17(2):e0018925. e que o trabalho em saúde, em especial, o da APS, configura-se como um processo diversificado e dinâmico3737 Bezerra MM, Medeiros KR. Limites do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB): em foco, a gestão do trabalho e a educação na saúde. Saude Debate 2018; 42(n. esp. 2):188-202.. Então, entender bem mais como se integram as EqSF/AB e os NASF/AB pode qualificar as discussões relacionadas ao fortalecimento desse nível de atenção.
Este estudo apresenta pontos fortes e limitações. Ele foi elaborado a partir de um banco de dados de uma pesquisa com cobertura nacional na APS, com grande adesão das EqSF/AB. Ademais, o instrumento de coleta utilizou procedimentos padronizados que lhe asseguram validade interna. Como fragilidade, apontamos a falta de triangulação da avaliação da equipe NASF/AB (módulo IV), que poderia mostrar um panorama mais ampliado da relação entre as equipes. A associação da certificação final do PMAQ-AB ao incentivo financeiro às EqSF/AB pode ter estimulado vieses de informação, sobretudo, no que se refere ao apontamento das limitações de articulação.
Conclusão
O grande número de equipes do NASF/AB que atuavam de forma articulada às EqSF/AB foi marcante na região Nordeste do Brasil, onde as ações de articulação, especialmente as “discussão de casos”, as “consultas compartilhadas” e o “monitoramento das ações referentes aos usuários” foram sobremaneira importantes na avaliação positiva da disponibilidade da EqSF em atuar de forma conjunta com o NASF/AB e do apoio recebido pela equipe mínima, além de sua contribuição para a resolutividade das ações referentes ao usuário.
Dessa forma, a proposta de promover a articulação entre a EqSF/AB e o NASF/AB mostra fragilidades e potencialidades para fortalecer o processo de trabalho na APS. É importante investir na identificação desses fatores, macro e micro determinantes, que contribuem para um movimento de valorização profissional, para as condições adequadas de trabalho e a elaboração de políticas públicas de saúde e a adoção de um modelo de atenção à saúde com essa lógica.
É necessário, ainda, investir na gestão desses processos de trabalho, nas práticas colaborativas e na interprofissionalidade, por meio de um movimento de educação permanente em saúde, envolvendo diversos atores, visando melhorar a qualidade do cuidado, para a integralidade e a resolutividade da atenção centrada no usuário e em seus territórios, ofertada na APS em articulação com a RAS. Assim, tendo em vista a recente implantação dos NASF/AB, é importante que se instituam processos de avaliação da APS que envolvam as equipes da APS e do NASF/AB de forma permanente, para identificar fragilidades, desafios e potencialidades.
Considerando que o processo de integração entre profissionais e equipes de saúde é um fenômeno complexo, influenciado por fatores como a composição das equipes, processos de gestão do trabalho e aspectos relacionais, sugere-se a realização de novos estudos com mistas abordagens metodológicas. Assim, poderá ser ampliada a produção de evidências robustas que subsidiem discussões para o fortalecimento do trabalho colaborativo no âmbito da APS brasileira.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
27 Maio 2022 -
Data do Fascículo
Jun 2022
Histórico
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Recebido
18 Fev 2021 -
Aceito
03 Nov 2021 -
Publicado
05 Nov 2021