Resumo
O objetivo deste estudo foi avaliar a tendência temporal dos benefícios previdenciários concedidos pelo Instituto Nacional do Seguro Social a mulheres por câncer de mama. Foi realizado um estudo de tendência temporal das taxas de incidência dos auxílios por incapacidade temporária de espécie previdenciária concedidos por câncer de mama em mulheres entre 2007 e 2018 no Brasil, utilizando o Sistema Único de Informações de Benefícios e a base de dados abertos da Previdência Social. As análises de tendência foram realizadas através de regressão segmentada joinpoint. As taxas de incidência dos benefícios ajustadas por idade apresentaram estabilidade entre 2007 e 2015, seguida de elevação anual de 6,7% de 2015 a 2018. Houve aumento anual médio de 3,4% do número de benefícios concedidos a mulheres entre 20 e 49 anos, sendo mais evidente entre 2015 e 2018, com elevação de 10,4% ao ano. Este estudo demonstrou a importância do câncer de mama como causa de afastamento do trabalho em mulheres, com acometimento crescente das faixas etárias mais jovens e economicamente ativas, o que reforça a necessidade de abordagem precoce do Programa de Reabilitação Profissional da Previdência Social para a readaptação destas trabalhadoras em suas atividades ou a reinserção no mercado de trabalho.
Palavras-chave: Câncer de mama; Previdência Social; Benefício
Abstract
The aim of this study was to assess temporal trends in disability benefits for breast cancer awarded to women by Brazil’s National Social Security Institute. We conducted a time-series analysis of disability benefit incidence rates between 2007 and 2018 using joinpoint regression and data from the Unified Benefits Information System (SUIBE) and open access social security system database. The age-adjusted incidence rate increased by 6.7% per year between 2015 and 2018 after a period of stability between 2007 and 2014. The number of benefits granted to women aged 20-49 increased, on average, by 3.4% per year, showing a marked rise from 2015 to 2018 (10.4% per year). The findings highlight that breast cancer is an important cause of sick leave among female workers and that the incidence of the disease is growing in younger economically active women, reinforcing the importance of early referral to the Social Security Professional Rehabilitation Program to help workers return to work and readapt to working life.
Key words: Breast cancer; Social Security; Benefits
Introdução
As neoplasias malignas têm apresentado incidência crescente em todo o mundo e figuram como causa proeminente de óbito na população geral1. Esse comportamento pode ser considerado não só um reflexo do crescimento e envelhecimento demográfico, mas também das mudanças na prevalência e distribuição dos principais fatores de risco, muitos deles associados ao desenvolvimento socioeconômico2,3. Em economias emergentes, o aumento da incidência de neoplasias malignas relacionadas aos hábitos de vida urbanos é evidente4-6. Nesse contexto, o câncer de mama assume notável relevância, tendo sido o câncer mais incidente e a principal causa de óbitos em mulheres no mundo em 20207. No Brasil, houve aumento de 40,0% da taxa de incidência do câncer de mama entre 1990 e 20178.
O afastamento das atividades laborativas durante o tratamento do câncer de mama e as dificuldades de reinserção no mercado de trabalho devido às consequências físicas e emocionais da doença repercutem nos sistemas de saúde e de previdência. Destaca-se não apenas o impacto decorrente dos gastos na abordagem do câncer de mama e suas sequelas, mas também dos custos indiretos decorrentes do absenteísmo e da redução da capacidade laboral9-13. De fato, o câncer de mama é causa frequente de concessão de licenças por neoplasias malignas em mulheres, o que ressalta a importância do suporte dos sistemas de seguro e previdenciários nos casos em que o afastamento do trabalho é necessário para o tratamento da doença14-16.
Além disso, outras condições clínicas associadas ao câncer de mama ou decorrentes do tratamento da doença podem ser determinantes de absenteísmo, tais como os distúrbios mentais, doenças cardiovasculares e inflamatórias, linfedema de membro superior e sintomas inespecíficos como fadiga, dor e insônia17-19. Ressalte-se também que fatores presentes no ambiente de trabalho podem impactar de forma desfavorável no retorno às atividades laborais, como funções com alta demanda psicológica ou de esforço físico20.
No Brasil, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) é o órgão público responsável pela cobertura securitária da população desde sua criação em 1990 e operacionaliza os direitos dos cidadãos vinculados ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS)21, que abrangeu mais de 82 milhões de participantes em 201822. Dentre os diversos benefícios existentes, o auxílio por incapacidade temporária de espécie previdenciária é aquele concedido nos casos de doenças ou acidentes não relacionados ao trabalho23.
Tendo em vista o aumento da incidência do câncer de mama na maioria dos países, inclusive no Brasil, espera-se que esse quadro se reflita na concessão de benefícios pelo INSS. Entretanto, há poucos trabalhos disponíveis acerca do impacto dos afastamentos pela doença no sistema previdenciário brasileiro. O objetivo deste estudo foi descrever a tendência temporal dos auxílios por incapacidade temporária de espécie previdenciária concedidos pelo INSS a mulheres por câncer de mama no Brasil, analisando sua distribuição por faixas etárias.
Métodos
Tipo de estudo e fontes dos dados
Trata-se de estudo de tendência temporal dos auxílios por incapacidade temporária de espécie previdenciária concedidos pelo INSS por câncer de mama em mulheres entre 2007 e 2018 no Brasil.
Foram utilizados os dados do Sistema Único de Informações de Benefícios (SUIBE), desenvolvido pela Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (DATAPREV)24. O acesso é de caráter restrito, sendo necessária a identificação de usuário e senha, que foram fornecidos pelo INSS mediante solicitação formal.
Também foi utilizada a base de dados abertos da Previdência Social, a qual contempla informações diversas acerca do sistema previdenciário brasileiro, tais como demonstrativos sobre benefícios e população contribuinte, informes sobre assuntos gerenciais e financeiros e tópicos relativos à saúde do trabalhador, dentre outros22.
População de estudo e variáveis de interesse
A população do estudo abrangeu as mulheres a partir de 20 anos de idade que receberam auxílios por incapacidade temporária de espécie previdenciária em decorrência do câncer de mama entre 2007 e 2018 no Brasil. O período foi escolhido com base na disponibilidade de dados sobre benefícios e contribuintes nos sistemas de informações utilizados. Para o período anterior a 2007, consta na base de dados abertos da Previdência Social um suplemento histórico, mas que não contempla os números de contribuintes estratificados por sexo.
Foram considerados apenas os benefícios registrados no SUIBE que possuíam codificação da doença conforme a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - Décima Revisão (CID-10)25. Aqueles com codificação inexistente perfizeram em média 3,1% do total de benefícios concedidos no período e não foram objeto de análise do presente estudo.
Para a sistematização da coleta de dados no sistema SUIBE, foi elaborado fluxograma para a seleção das variáveis de interesse (Figura 1). Ressalte-se que este sistema utiliza a denominação anterior ao Decreto da Presidência da República nº 10.410 de 30 de junho de 2020, que alterou a designação de auxílio-doença para auxílio por incapacidade temporária23.
Fluxograma de estratégia adotada para seleção das variáveis do estudo no Sistema Único de Informações de Benefícios (SUIBE).
No sistema SUIBE, foram selecionados o número de auxílios-doença de espécie previdenciária concedidos a mulheres por todos os agravos, por neoplasias malignas (CID-10 C00 a C97) e por câncer de mama (CID-10 C50 a C50.9), estratificados por faixas etárias a partir de 20 anos, apresentadas em quinquênios (de 5 em 5 anos) e posteriormente agrupadas de 10 em 10 anos. O tempo médio dos benefícios foi apurado apenas para aqueles concedidos por câncer de mama. Os dados foram extraídos para cada ano separadamente, no período de 2007 a 2018.
O número de contribuintes do RGPS do sexo feminino foi obtido através da base de dados abertos da Previdência Social22, segundo faixa etária e ano calendário.
A variável de desfecho foi a taxa de incidência dos auxílios por incapacidade temporária de espécie previdenciária, calculada da seguinte forma:
Foram calculadas as taxas específicas por idade e, visando controlar o efeito da alteração da composição etária da população brasileira ao longo do tempo, as taxas brutas foram ajustadas por idade, utilizando o método direto e a população padrão Segi, modificada por Doll et al.26.
Análises de dados
A variação percentual anual (Annual Percentage Change - APC) das taxas de incidência dos benefícios foi calculada através de modelagem pelo método de regressão joinpoint, utilizando o ano calendário como variável independente, segundo faixas etárias. Tal método permite identificar os pontos de mudança de tendência no tempo, testando se um único ou vários segmentos de reta explicam melhor a tendência temporal observada. A partir da definição do melhor modelo, são calculados os APC para cada segmento, o que permite descrever e quantificar a tendência e avaliar se é estatisticamente significativa.
Como medida que sintetiza a tendência em todo o período, foi utilizada a variação percentual anual média (Average Annual Percentage Change - AAPC). Em situações nas quais apenas um APC engloba todo o período estudado, este corresponde ao AAPC. Para APC e AAPC foram estimados intervalos de confiança de 95% (IC95%). Foram selecionadas as opções de homoscedasticidade, transformação logarítmica da variável dependente e modelo de ajustamento de erros correlacionados baseado nos dados. Para as análises de tendência, foram utilizados períodos de um ano e os resultados foram apresentados sob a forma de tabelas e gráfico de regressão segmentada.
Foram utilizados os programas Excel (Microsoft Office Home and Student 2019) para a entrada dos dados e Joinpoint Regression Program versão 4.9.0.027 para a análise de regressão segmentada.
O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Juiz de Fora-MG, conforme parecer nº 4.388.945, de 10 de novembro de 2020.
Resultados
No Brasil, o INSS concedeu 812.670 auxílios por incapacidade temporária de espécie previdenciária a mulheres a partir de 20 anos de idade em 2007, sendo 10.517 (1,3%) decorrentes do câncer de mama. Em 2018, o total subiu para 1.134.075, com 23.246 (2,0%) concedidos pela doença. O câncer de mama foi a causa de concessão de 1,7% (desvio padrão ±0,3) de todos os auxílios por incapacidade temporária de espécie previdenciária concedidos a mulheres entre 2007 e 2018, totalizando 16.350 (±4.224,9) benefícios pela doença anualmente, com aumento de 21,0% no período. Dentre as neoplasias malignas, foi a causa mais frequente, representando 42,9% (±1,1) dos benefícios ao ano entre 2007 e 2018.
Houve aumento de 55,2% no número de contribuintes do RGPS do sexo feminino no período estudado, variando de 19.038.253 em 2007 a 29.550.806 em 2018. A faixa etária de 20 a 39 anos representou cerca de 59,8% das contribuintes, seguida da faixa de 40 a 59 anos (36,2%) e a partir de 60 anos (4,0%), conforme mostrado na Tabela 1. A faixa etária de 20 a 29 anos apresentou a menor elevação da frequência no período (17,6%), enquanto as mulheres de 60 a 69 e 70 anos ou mais, apesar de representarem em média apenas 4,0% (±0,8) do total de contribuintes, apresentaram os maiores aumentos percentuais no período avaliado, 182,8% e 151,2% respectivamente.
O câncer de mama foi a causa mais frequente de concessão de auxílios por incapacidade temporária de espécie previdenciária por neoplasias malignas entre 2007 e 2018 (42,9%±1,1), seguido pelo câncer de colo de útero (10,4%±0,5), colorretal (6,8%±0,4), tireoide (6,2%±0,6) e ovário (3,4%±0,1).
A faixa etária de 40 a 59 anos englobou 73,9% (±1,0) dos benefícios concedidos por câncer de mama em mulheres, com aumento de 116,7% no período. Já as faixas de 20 a 39 anos e a partir de 60 anos representaram 18,9% (±0,5) e 7,2% (±0,6), com aumento de 126,9% e 152,3%, respectivamente (Tabela 2).
As taxas de incidência de auxílios por incapacidade temporária concedidos a mulheres por câncer de mama, ajustadas por idade, apresentaram elevação anual de 6,7% (IC95% 1,0;12,8) entre 2015 e 2018, após período de estabilidade entre 2007 e 2015 (Gráfico 1).
Valores observados e estimados por modelo de regressão joinpoint das taxas de incidência, ajustadas por idade, de auxílios por incapacidade temporária de espécie previdenciária concedidos por câncer de mama em mulheres entre 2007 e 2018 no Brasil.
As faixas etárias de 20 a 29 e 30 a 39 anos mostraram os maiores aumentos percentuais anuais médios, respectivamente 4,9% (IC95% 2,3;7,5) e 4,4% (IC95% 2,8;6,1), seguido da faixa de 40 a 49 anos, com 2,1% (IC95% 0,7;3,5). A partir de 2013, a elevação anual para a faixa de 20 a 29 anos foi de 11,1% (IC95% 5,7;16,7), em contraposição à estabilidade verificada no período anterior. Entre 30 e 39 anos, a elevação anual foi de 11,9% (IC95% 4,8;19,4) entre 2015 e 2018, bem maior que a observada no período anterior, de 1,8% (IC95% 0,7;2,9). Para a faixa de 40 a 49 anos, as taxas anuais aumentaram 7,6% (IC95% 1,8;13,7) a partir de 2015 e, de 50 anos em diante, verificou-se estabilidade em todo o período (Tabela 3).
As mulheres com 70 anos de idade ou mais tiveram benefícios por câncer de mama com menores durações médias no período avaliado, entre 128,8 e 176,9 dias. Já aqueles concedidos a mulheres das demais faixas etárias variaram entre 159,8 e 319,2 dias, conforme disposto a seguir: 20 a 29 anos: 181,0 a 319,2 dias; 30 a 39 anos: 176,2 a 313,8; 40 a 49 anos: 169,3 a 300,5; 50 a 59 anos: 168,2 a 296,0; e 60 a 69 anos: 159,8 a 295,2 dias.
Discussão
Este estudo demonstrou a importância do câncer de mama como causa de afastamento do trabalho em mulheres contribuintes do RGPS no Brasil. Esse câncer foi a principal causa de concessão de auxílios por incapacidade temporária de espécie previdenciária por neoplasias malignas em mulheres, com aumento da incidência entre 2015 e 2018, após período de estabilidade entre 2007 e 2015. O câncer de mama também se destacou como a causa mais frequente de concessão de pensões por incapacidade permanente devido a neoplasias malignas em ambos os sexos pelo Instituto Mexicano Del Seguro Social entre 2006 e 2012, seguido do câncer de encéfalo e de cólon16. Em trabalhadoras de empresas no Japão, o câncer de mama foi a principal causa de concessão de afastamentos temporários por neoplasias malignas entre 2012 e 2014, seguido dos cânceres dos órgãos genitais e do sistema digestivo14.
A segunda causa mais frequente de concessão de auxílios por incapacidade temporária de espécie previdenciária por neoplasias malignas em mulheres foi o câncer de colo de útero, o que aponta para uma maior vulnerabilidade social na população estudada. As maiores taxas de incidência e mortalidade do câncer de colo de útero são reportadas em populações com menores níveis socioeconômicos e em locais com menor grau de urbanização, em virtude de deficiências no diagnóstico e tratamento28, o que deve ser objeto de maior preocupação para a reabilitação profissional.
Já o câncer colorretal ocupou o terceiro lugar como causa de concessão de auxílios por incapacidade temporária por neoplasias malignas em mulheres. Destaca-se que o desenvolvimento e a industrialização de centros urbanos se relacionam com maior prevalência de inatividade física e obesidade, os quais são fatores de risco reconhecidos para o câncer colorretal3.
O número de mulheres contribuintes do RGPS apresentou elevação de 55,2% entre 2007 e 2018. A participação feminina no mercado de trabalho brasileiro mostrou aumento de 96,6% entre 2007 e 2018 quando consideradas as mulheres de 20 a 59 anos de idade29, enquanto as contribuintes do RGPS aumentaram 51,5% na mesma faixa etária. Essa diferença pode apontar para a existência de um contingente expressivo de mulheres sem proteção previdenciária pública que, em caso de eventual adoecimento gerador de incapacidade para o trabalho, poderá implicar em aumento dos requerimentos de benefícios de caráter assistencial, os quais não dependem de contribuição previdenciária30.
As faixas etárias de 20 a 29 e 30 a 39 anos mostraram os maiores aumentos percentuais anuais médios das taxas de incidência de benefícios concedidos por câncer de mama, seguido da faixa de 40 a 49 anos. A distribuição por idade das taxas de incidência dos benefícios concedidos por câncer de mama mostrou similaridades com a incidência da doença na população feminina geral. As faixas etárias de 20 a 49 e de 50 anos ou mais englobaram, respectivamente, 30,4% (±2,0) e 69,6% (±4,4) da incidência de benefícios entre 2007 e 2018. Já em relação à incidência da doença na população, estes percentuais foram de 33,1% (±1,3) e 66,8% (±1,7), respectivamente, no período31.
A incidência de benefícios por câncer de mama aumentou entre 2015 e 2018, tendência que se repetiu quando analisada isoladamente a faixa de 30 a 49 anos. Entre 20 e 29 anos, essa elevação mostrou-se já a partir do ano de 2013. Apesar de representar aproximadamente um terço apenas dos benefícios concedidos por câncer de mama, a faixa etária de 20 a 49 anos mostrou aumento médio anual de 3,4%, sendo mais evidente entre 2015 e 2018, com elevação de 10,4% ao ano. Essa faixa etária abrange importante parcela da população feminina economicamente ativa no Brasil, correspondendo a aproximadamente 79,5% das mulheres entre 2007 e 201829, o que aponta para o potencial impacto laboral da doença. Ademais, mulheres diagnosticadas com a doença antes dos 35 anos de idade apresentam maior risco de obter benefícios por incapacidade em 10 anos, possivelmente em virtude de apresentações clínicas e tratamentos mais agressivos32. Estágios mais avançados da doença ao diagnóstico são mais prevalentes em mulheres entre 20 e 49 anos33 e também estão relacionados a maior risco de afastamento do trabalho19.
O aumento nas taxas de incidência ajustadas por idade de auxílios por incapacidade temporária concedidos por câncer de mama em mulheres a partir de 2015 pode representar o reflexo da adoção de políticas públicas voltadas para a ampliação do rastreamento do câncer no Sistema Único de Saúde (SUS). A Política Nacional para a Prevenção e Controle do Câncer na Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas no âmbito do SUS, instituída em 2013, implementou ações de detecção precoce do câncer por meio de rastreamento e diagnóstico e estruturou o monitoramento e o controle da qualidade dos exames mamográficos34. No ano de 2015, foram publicadas as novas Diretrizes para a Detecção Precoce do Câncer de Mama no Brasil, que atualizaram as evidências científicas e ratificaram o papel das Unidades Básicas de Saúde no rastreamento da doença através da solicitação de exames de mamografia em conformidade com as rotinas vigentes35. De acordo com dados do Sistema de Informação do Câncer (SISCAN), o quantitativo de exames histopatológicos de mama realizados que apresentaram confirmação para malignidade variou de 4.441 em 2014 a 10.376 em 201836.
Não foram verificadas mudanças nos sistemas ou regras para concessões de benefícios que pudessem explicar o aumento das taxas de incidência de benefícios por câncer de mama a partir de 2015. Houve redução do número de benefícios concedidos apenas no ano de 2015, possivelmente em decorrência da paralisação das atividades dos Peritos Médicos Federais entre setembro e novembro daquele ano por motivo de greve, o que pode ter contribuído para o aumento de benefícios concedidos em 2016, mas não pela elevação mantida até 2018.
O tempo médio dos auxílios por incapacidade temporária concedidos por câncer de mama entre 2007 e 2018 variou de aproximadamente 128,8 a 319,2 dias. Entretanto, pesquisas que avaliaram os afastamentos do trabalho decorrentes do câncer de mama reportaram duração dos benefícios ou licenças inferior37 aos encontrados no presente estudo e demonstraram relação com o tipo de terapêutica instituída, variando de 19,0 dias para mulheres tratadas com cirurgia e radioterapia a 68,6 dias para aquelas tratadas com cirurgia, quimioterapia e radioterapia38. As mulheres com 70 anos de idade ou mais tiveram benefícios com menor duração no período avaliado, provavelmente devido à presença de comorbidades e maior impacto na capacidade laborativa, com evolução mais precoce para concessão de aposentadoria por incapacidade permanente ou para o óbito. De fato, a frequência maior de doenças associadas em pacientes idosas pode aumentar o risco de morte ou limitar as opções terapêuticas da neoplasia39. Estudos em populações de trabalhadores da Espanha também mostraram que benefícios concedidos por doenças diversas e, sobretudo pelas neoplasias, tiveram menor duração em indivíduos acima de 65 anos40.
Como limitações do estudo, destaca-se que não foi possível identificar se uma mesma mulher recebeu mais de um benefício no período, tendo em vista que a base de dados fornece informações de forma agregada. Deste modo, se uma mulher tiver obtido um benefício por câncer de mama em determinado ano e, após sua cessação, ter sido concedido novo benefício pela mesma doença naquele ano, ambos os benefícios terão sido considerados no presente estudo. Também não foi possível caracterizar os desfechos dos benefícios, tais como cessação por recuperação da capacidade de trabalho, encaminhamento para reabilitação profissional, concessão de aposentadoria por incapacidade permanente ou óbito. A base de dados abertos da Previdência Social não disponibiliza informações sobre os números de contribuintes do RGPS do sexo feminino estratificados por região geográfica, o que inviabiliza a análise da distribuição regional das taxas de incidência de benefícios concedidos. Outra limitação é a ausência no sistema SUIBE de dados relativos à codificação do CID secundário do benefício, o que impede a identificação de comorbidades ou a seleção de benefícios concedidos por outros agravos, mas que apresentem o câncer de mama como doença associada. Apesar das limitações inerentes ao uso de dados secundários, as informações referentes ao câncer de mama e outras neoplasias malignas no sistema SUIBE são consideradas mais fidedignas em relação a outras doenças. Tal fato deve-se à necessidade de o perito médico, no momento da digitação do CID durante o exame pericial, estar mais sensibilizado acerca da correta codificação do câncer, pois a concessão de benefícios por neoplasias malignas implica em isenção de imposto de renda e de período de carência. Optou-se pela não utilização de variáveis relativas às ocupações e atividades econômicas das trabalhadoras que receberam benefícios no período considerado, devido à sua descrição genérica no banco de dados que não permite uma discriminação adequada das atividades laborativas na população de estudo.
Este estudo possui caráter pioneiro na análise dos benefícios previdenciários concedidos a mulheres por câncer de mama pelo INSS em âmbito nacional e enfatizou a importância da utilização da base de dados SUIBE para avaliar o impacto de problemas de saúde no sistema previdenciário público do Brasil. Além disso, apresentou abordagem sistematizada para extração das informações, que poderá nortear propostas de investigação similares a partir da referida base de dados, ainda pouco analisada.
Os resultados deste estudo ratificaram a relevância do câncer de mama como a principal causa de afastamentos do trabalho por neoplasias malignas em mulheres brasileiras. Cabe destacar que, embora o impacto econômico e laboral do câncer de mama seja bastante relevante no cenário nacional, este não suplanta a repercussão psicossocial na qualidade de vida e na capacidade de independência das mulheres acometidas pela doença9. Evidenciou-se também o acometimento crescente do câncer de mama em mulheres em faixas etárias mais jovens e economicamente ativas, nas quais o impacto na capacidade laboral é potencialmente mais acentuado, com aumento progressivo da concessão de benefícios previdenciários pela doença. Neste sentido, sobressai a atuação do Programa de Reabilitação Profissional da Previdência Social, que pode representar uma ferramenta importante para a abordagem precoce dessas trabalhadoras no sentido de promover e oportunizar a readaptação em suas atividades ou a reinserção no mercado de trabalho41.
Referências
- 1 Lin L, Yan L, Liu Y, Yuan F, Li H, Ni J. Incidence and death in 29 cancer groups in 2017 and trend analysis from 1990 to 2017 from the Global Burden of Disease Study. J Hematol Oncol 2019; 12(1):1-21.
- 2 Bray F, Ferlay J, Soerjomataram I, Siegel RL, Torre LA, Jemal A. Global cancer statistics 2018: GLOBOCAN estimates of incidence and mortality worldwide for 36 cancers in 185 countries. CA Cancer J Clin 2018; 68(6):394-424.
- 3 Silva GA, Moura L, Curado MP, Gomes FS, Otero U, Rezende LF, Daumas RP, Guimarães RM, Meira KC, Leite IC, Valente JG, Moreira RI, Koifman R, Malta DC, Mello MS, Guedes TW, Boffetta P. The Fraction of Cancer Attributable to Ways of Life, Infections, Occupation, and Environmental Agents in Brazil in 2020. PLoS One 2016; 11(2):e0148761.
- 4 Heer E, Harper A, Escandor N, Sung H, McCormack V, Fidler-Benaoudia MM. Global burden and trends in premenopausal and postmenopausal breast cancer: a population-based study. Lancet Glob Health 2020; 8(8):e1027-e1037.
- 5 Carioli G, Bertuccio P, Malvezzi M, Rodriguez T, Levi F, Boffetta P, La Vecchia C, Negri E. Cancer mortality predictions for 2019 in Latin America. Int J Cancer 2020; 147(3):619-632.
- 6 Couto MSA, Guerra MR, Firme VAC, Bustamante-Teixeira MT. Comportamento da mortalidade por câncer de mama nos municípios brasileiros e fatores associados. Rev Panam Salud Publica 2017; 41:1.
- 7 Sung H, Ferlay J, Siegel RL, Laversanne M, Soerjomataram I, Jemal A, Bray F. Global cancer statistics 2020: GLOBOCAN estimates of incidence and mortality worldwide for 36 cancers in 185 countries. CA Cancer J Clin 2021; 71(3):209-249.
- 8 Guerra MR, Nogueira MC, Malta DC, Côrrea CSL, Souza MFM, Curado MP, Felisbino-Mendes MS, Mooney M, Naghavi M, Bustamante-Teixeira MT. Inequalities in the burden of female breast cancer in Brazil, 1990-2017. Popul Health Metr 2020; 18(Supl. 1):1-13.
- 9 Canadian Breast Cancer Network (CBCN). Economic Impact of Breast Cancer. An Update to the 2010 Economic Impact and Labour Force Re-Entry Report. Ottawa: CBCN; 2018.
- 10 Liao XZ, Shi JF, Liu JS, Huang HY, Guo LW, Zhu XY, Xiao HF, Wang L, Bai YN, Liu GX, Mao AY, Ren JS, Sun XJ, Mai L, Liu YQ, Song BB, Gong JY, Zhou JY, Du LB, Zhou Q, Cao R, Zhu L, Ren Y, Lou PA, Lan L, Sun XH, Qi X, Wang YZ, Zhang K, He J, Dai M. Medical and non-medical expenditure for breast cancer diagnosis and treatment in China: a multicenter cross-sectional study. Asia Pac J Clin Oncol 2018; 14(3):167-178.
- 11 Kong Y, Wong L, Ng C, Taib NA, Bhoo-Pathy NT, Yusof MM, Aziz AF, Yehgambaram P, Ishak WZW, Yip CH, Bhoo-Pathy N. Understanding the Financial Needs Following Diagnosis of Breast Cancer in a Setting with Universal Health Coverage. Oncologist 2020; 25(6):497-504.
- 12 Coumoundouros C, Ould Brahim L, Lambert SD, McCusker J. The direct and indirect financial costs of informal cancer care: A scoping review. Heal Soc Care Community 2019; 27(5):e622-e636.
- 13 Kreis K, Plöthner M, Schmidt T, Seufert R, Schreeb K, Jahndel V, Maas S, Kuhlmann A, Zeidler J, Schramm A. Healthcare costs associated with breast cancer in Germany: a claims data analysis. Eur J Heal Econ 2020; 21(3):451-464.
- 14 Nishiura C, Nanri A, Kashino I, Hori A, Kinugawa C, Endo M, Kato N, Tomizawa A, Uehara A, Yamamoto M, Nakagawa T, Yamamoto S, Honda T, Imai T, Okino A, Miyamoto T, Sasaki N, Tomita K, Nagahama S, Kochi T, Eguchi M, Okasaki H, Murakami T, Shimizu C, Shimizu M, Kabe I, Mizoue T, Sone T, Dohi S. Age-, sex-, and diagnosis-specific incidence rate of medically certified long-term sick leave among private sector employees: The Japan Epidemiology Collaboration on Occupational Health (J-ECOH) study. J Epidemiol 2017; 27(12):590-595.
- 15 González-León M, Fernández-Gárate JE, Rascón-Pacheco RA, Valladares-Aranda MÁ, Dávila-Torres J, Borja-Aburto VH. The burden of disease of cancer in the Mexican social security institute. Salud Publica Mex 2016; 58(2):132-141.
- 16 Sauceda-Valenzuela AL, Zitle-García EJ, Ascencio-Montiel IJ, García-Paredes J. Tumores malignos condicionantes de invalidez en el Instituto Mexicano del Seguro. Rev Med Inst Mex Seguro Soc 2018; 56(55):173-179.
- 17 Plym A, Johansson ALV, Bower H, Voss M, Holmberg L, Fredriksson I, Lambe M. Causes of sick leave, disability pension, and death following a breast cancer diagnosis in women of working age. Breast 2019; 45:48-55.
- 18 Dean LT, Moss SL, Ransome Y, Frasso-Jaramillo L, Zhang Y, Visvanathan K, Nicholas LH, Schmitz KH. "It still affects our economic situation": long-term economic burden of breast cancer and lymphedema. Support Care Cancer 2019; 27(5):1697-1708.
- 19 Kvillemo P, Mittendorfer-Rutz E, Bränstrom R, Nilsson K, Alexanderson K. Sickness absence and disability pension after breast cancer diagnosis: A 5-year nationwide cohort study. J Clin Oncol 2017; 35(18):2044-2052.
- 20 Wang L, Hong BY, Kennedy SA, Chang Y, Hong CJ, Craigie S, Kwon HY, Romerosa B, Couban RJ, Reid S, Khan JS, McGillion M, Blinder V, Busse JW. Predictors of unemployment after breast cancer surgery: A systematic review and meta-analysis of observational studies. J Clin Oncol. 2018; 36(18):1868-1879.
-
21 Brasil. Ministério do Trabalho e Previdência. Instituto Nacional do Seguro Social - Breve Histórico [Internet]. 2017 [acessado 2021 jun 10]. Disponível em: https://www.gov.br/inss/pt-br/acesso-a-informacao/institucional/breve-historico
» https://www.gov.br/inss/pt-br/acesso-a-informacao/institucional/breve-historico -
22 Brasil. Dados estatísticos - Previdência Social e INSS - Português (Brasil) [Internet]. [acessado 2021 jul 1]. Disponível em: https://www.gov.br/previdencia/pt-br/acesso-a-informacao/dados-abertos/previdencia-social-regime-geral-inss/dados-abertos-previdencia-social
» https://www.gov.br/previdencia/pt-br/acesso-a-informacao/dados-abertos/previdencia-social-regime-geral-inss/dados-abertos-previdencia-social - 23 Brasil. Decreto nº 10.410, de 30 de junho de 2020. Altera o Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999. Diário Oficial da União 2020; 30 jun.
- 24 Brasil. Sistema Único de Informações de Benefícios (SUIBE). Versão 2010. Brasília: DATAPREV; 2010.
- 25 Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Organização Mundial da Saúde (OMS). Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - Décima Revisão. 10ª ed. São Paulo: Edusp; 2017.
- 26 Doll R, Payne P, Waterhouse J. Cancer Incidence in Five Continents: A Technical Report. Berlin: Springer-Verlag (for UICC); 1966.
- 27 Joinpoint Regression Program. Version 4.9.0.0 [computer program]. USA: National Cancer Institute; 2021.
- 28 Yi M, Li T, Niu M, Luo S, Chu Q, Wu K. Epidemiological trends of women's cancers from 1990 to 2019 at the global, regional, and national levels: a population-based study. Biomark Res 2021; 9(1):1-12.
-
29 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD [Internet]. [acessado 2021 ago 30]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/educacao/9127-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios.html
» https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/educacao/9127-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios.html - 30 Brasil. Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União 1993; 7 dez.
-
31 Global Burden of Disease Collaborative Network. Global Burden of Diseases Study 2019 (GBD 2019) Results [Internet]. Seattle: (IHME); 2020 [cited 2021 ago 30]. Available from: http://ghdx.healthdata.org/gbd-results-tool
» http://ghdx.healthdata.org/gbd-results-tool - 32 Paalman CH, Van Leeuwen FE, Aaronson NK, De Boer AGEM, Van De Poll-Franse L, Oldenburg HSA, Schaapveld M. Employment and social benefits up to 10 years after breast cancer diagnosis: A population-based study. Br J Cancer 2016; 114(1):81-87.
- 33 Santos TB, Borges AKM, Ferreira JD, Meira KC, Souza MC, Guimarães RM, Jomar RT. Prevalence and factors associated to advanced stage breast cancer diagnosis. Cien Saude Colet 2022; 27(2):471-482.
- 34 Brasil. Portaria nº 874, de 16 de maio de 2013. Institui a Política Nacional para a Prevenção e Controle do Câncer na Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União 2013; 16 mai.
- 35 Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). Diretrizes para a detecção precoce do câncer de mama no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2015.
-
36 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Sistema de Informação do Câncer (SISCAN). DATASUS - Português (Brasil) [Internet]. [acessado 2022 jan 09]. Disponível em: https://datasus.saude.gov.br/acesso-a-informacao/sistema-de-informacao-do-cancer-siscan-colo-do-utero-e-mama
» https://datasus.saude.gov.br/acesso-a-informacao/sistema-de-informacao-do-cancer-siscan-colo-do-utero-e-mama - 37 Dias A, Gómez-Salgado J, Bernardes JM, Ruiz-Frutos C. Factors affecting sick leave duration for non-work-related temporary disabilities in Brazilian university public servants. Int J Environ Res Public Health 2018; 15(10):2127.
- 38 Kamal KM, Covvey JR, Dashputre A, Ghosh S, Shah S, Bhosle M, Zacker C. A systematic review of the effect of cancer treatment on work productivity of patients and caregivers. J Manag Care Spec Pharm 2017; 23(2):136-162.
- 39 Ferreira DB, Mattos IE. Tendência da mortalidade por câncer de mama em mulheres no estado do Rio de Janeiro, Brasil, 1996-2011. Cien Saude Colet 2015; 20(3):895-904.
- 40 López-Guillén García A. Comportamiento de la incapacidad temporal de más de 365 días. Med Segur Trab (Madr) 2015; 61(241):468-479.
- 41 Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Manual Técnico de Procedimentos da Área de Reabilitação Profissional. Brasília: INSS; 2018.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
16 Set 2022 -
Data do Fascículo
Out 2022
Histórico
-
Recebido
27 Out 2021 -
Aceito
13 Jun 2022 -
Publicado
15 Jun 2022