Resumo
O acompanhamento longitudinal de indicadores, como os relacionados às quedas acidentais, pode facilitar o planejamento de ações mais eficazes de assistência e prevenção. O objetivo deste artigo é analisar a tendência temporal das variáveis relacionadas aos acidentes de quedas na população idosa no Brasil e no estado de São Paulo entre 2000 e 2020 e estimar o impacto econômico para o SUS em 2025. Este é um estudo observacional retrospectivo com abordagem quantitativa, com dados do Sistema de Informação em Saúde. Foram utilizados os softwares Joinpoint Regression Program versão 4.7.0 e SPSS versão 20.0 para a realização de regressões lineares, além da análise Average Annual Percent Change (AAPC), adotando um intervalo de confiança de 95%. No país, houve aumento das internações nos dois períodos analisados, assim como os gastos totais, em todos os segmentos analisados. Em concordância no estado de São Paulo, o valor total e as internações apresentaram aumento (AAPC, sendo 8,5% e 4,3% respectivamente). No ano de 2025, as internações por quedas no Brasil estarão próximas a 150 mil, gerando custos em torno de R$ 260 milhões. Houve o aumento das variáveis analisadas, mostrando a importância de programas de prevenção de quedas associados a políticas públicas nacionais.
Palavras-chave: Acidentes por quedas; Gastos em saúde; Saúde do idoso
Abstract
Longitudinal monitoring of indicators of accidental falls can facilitate the planning of effective care and prevention actions. This article aims to analyze temporal trends in variables related to falls among older persons in Brazil and in the state of São Paulo during the period 2000-2020 and estimate the projected economic burden on the health system in 2025. We conducted a quantitative retrospective observational study using data from the Health Information System. The Joinpoint Regression Program version 4.7.0 and SPSS version 20.0 were used to perform linear regression and calculate the Average Annual Percent Change (AAPC), adopting a 95% confidence interval. There was an increase in mean and total admissions costs due to falls at national level in both intervals of the study period. There was an increase in total admissions costs and the total number of admissions due to falls in the state of São Paulo (AAPC of 8.5% and 4.3%, respectively). Projections for the year 2025 suggest that the total number of admissions due to falls in Brazil will be around 150,000, resulting in costs of approximately R$ 260 million. There was an increase in the variables analyzed by this study, revealing the importance of fall prevention programs associated with national public policies.
Key words: Falls accidents; Health costs; Elderly health
Introdução
As quedas na população idosa são um grande problema de saúde pública, pois estão relacionadas à diminuição da capacidade funcional e ao comprometimento da mobilidade. Tais alterações podem ser agravadas se a queda estiver associada a fraturas, internações hospitalares, necessidade de intervenções cirúrgicas e complicações pulmonares1. Essa redução na capacidade funcional da pessoa idosa pode prejudicar sua independência e autonomia, exigindo cuidados maiores de familiares, cuidadores formais e do Estado, podendo acarretar institucionalização e até mesmo a morte1-3.
Em diferentes países, a prevalência de quedas é considerada um indicador importante a ser monitorado para o envelhecimento saudável da população4,5. Nos Estados Unidos, em 2012, houve 24.190 quedas fatais em idosos e cerca de 3,2 milhões de quedas com lesões. Os custos médicos diretos totalizaram US$ 616,5 milhões para as quedas fatais e US$ 30,3 bilhões para as quedas não fatais com lesões. Em 2015, há registros de que os gastos aumentaram para US$ 637,5 milhões para as quedas fatais e US$ 31,3 bilhões para as quedas sem lesão5. Esses dados mostram o impacto econômico das quedas e suas consequências no sistema de saúde.
Um estudo descritivo sobre tendência temporal de óbitos por quedas realizado no Distrito Federal entre os anos de 1996 e 2017 identificou que o número de mortes por quedas nesse período foi de 2.828, sendo 54,2% do sexo feminino e 45,8% do sexo masculino. De acordo com os resultados do estudo, o número de óbitos por quedas aumentou, sendo mais frequentes no ambiente hospitalar e em pessoas de 80 anos ou mais6.
O Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil) encontrou que 25,1%, de 4.533 idosos, sofreram quedas entre os anos de 2015 e 2016, sendo que 1,8% das quedas resultaram em fratura de quadril ou fêmur e, entre elas, 31,8% necessitaram de cirurgia com colocação de prótese7. De acordo com os achados deste estudo e considerando uma população urbana brasileira de 25 milhões de habitantes, os autores estimam que aproximadamente 6,2 milhões de idosos brasileiros teriam caído no último ano7. Esses indicadores geram impacto no Sistema de Saúde, dada a possibilidade de internação, permanência hospitalar e cuidados a longo prazo com a pessoa idosa caidora. O Sistema Único de Saúde (SUS) teve um gasto de mais de R$ 1 bilhão com internações de pessoas idosas por fratura de fêmur entre 2002 e 20168. Tal indicador mostra a necessidade de ações integradas dos gestores nas três esferas para controle dessa intercorrência e suas consequências.
Quando analisado de maneira estratificada, o Brasil apresenta uma prevalência de queda na região Sudeste do Brasil (Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo). A distribuição em faixa etária encontrada nessa população caidora foi de 60-69 anos (26,1%), 70-79 anos (32,4%) e 80 anos ou mais (38,1%), indicando uma incidência similar à nacional de 27,6%9. Em outro estudo brasileiro, a capital paulista apresentou maior taxa de internações por quedas (51,83%), quando comparada a outras cidades brasileiras, além de observar uma tendência crescente tanto para as internações como também na variável mortalidade por queda, corroborando com a necessidade de investigar as particularidades do Estado10.
Portanto, acompanhar a epidemiologia dos acidentes por quedas na população idosa e sua relação com dados que tem impacto econômico para o sistema de saúde, como internação por quedas, internação por fratura de fêmur, tempo de permanência hospitalar e número de quedas, são importantes para termos indicadores que possam determinar se as ações da Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa estão sendo efetivas para a prevenção de quedas e indicadores relacio nados11.
O objetivo deste estudo foi analisar a tendência temporal e verificar as internações, óbitos por acidentes de quedas e os custos com as internações, gerados no período de 2000 a 2020, na população idosa do Brasil e do estado de São Paulo, e estimar o impacto econômico para o SUS em 2025.
Métodos
Este é um estudo observacional retrospectivo com abordagem quantitativa, realizado em novembro de 2021. Os dados foram coletados por meio do Sistema de Informação em Saúde (domínio público), não havendo a necessidade de aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa.
Foram utilizados dados do Departamento de Informática do SUS (DATASUS), em específico no Sistema de Informações Hospitalares (SIH/SUS), acessado em dois períodos distintos, de 1998 a 2007 e 2008 em diante, por conta de algumas modificações da plataforma que surgiram com a implementação da Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses e Próteses e Materiais Especiais do Sistema Único de Saúde (SUS), instituída pela portaria GM/MS nº 321 em 200712. As duas diferentes trajetórias foram: 1º. Informações de Saúde (TABNET) > Epidemiológicas e Morbidade > Causas externas, por local de internação - de 1998 a 2007 > Brasil por Região e Unidade da Federação; 2º. Informações de Saúde (TABNET) > Epidemiológicas e Morbidade > Causas externas, por local de internação - a partir de 2008 > Brasil por Região e Unidade da Federação (Ministério da saúde)13.
O intervalo de tempo analisado foram os últimos 20 anos, de janeiro de 2000 a dezembro de 2020, marcados pelo surgimento de várias políticas de saúde como a Política Nacional do Idoso, que tornou imprescindível o acompanhamento de indicadores de saúde desta população. Assim, foram incluídas as faixas etárias de 60 a 69 anos, 70 a 79 anos e 80 anos e mais de idade, para todo o território nacional e para o estado de São Paulo.
Inicialmente, foram coletados os dados gerais de internações de adultos acima dos 60 anos, em seguida, foi selecionado o grupo de causas relacionadas a quedas (W00-W19 da Classificação Internacional de Doenças (CID-10)). As informações extraídas foram: Internações (Autorizações de Internação Hospitalar - AIH’s aprovadas no período); Valor Total referente às AIH’s aprovadas no período; Média de Permanência das AIH’s aprovadas e computadas como internações no período; Óbitos por quedas; e Valor Médio por Internação (AIH’s aprovadas no período e computadas como internações). Essas variáveis podem ser contempladas na Tabela 1.
As AIH’s são preenchidas de acordo com os principais dados do paciente, os procedimentos e exames realizados, justificativa da internação, o diagnóstico inicial, o CID-10, o procedimento solicitado, entre outros fatores. Já o valor total das AIH’s é dado pela unidade monetária vigente no período e, em seguida, deflacionado pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Não são incluídos no valor recursos orçamentários, retenções e/ou pagamentos de incentivos do equipamento de saúde.
Análise dos dados
Para a análise estatística dos dados, foi utilizado o software SPSS versão 20.0. Para todos os testes foi utilizado um valor de significância de 0,05. A fim de verificar a prevalência das internações e óbitos por acidentes de quedas de 2000 a 2020, realizou-se uma análise descritiva dos dados. Para calcular nesse período os custos com as internações, dividiu-se o valor total de gastos pelo número total de internações.
As análises das tendências temporais do número de internações e óbitos foram realizadas anualmente de 2000 a 2020. Foi realizada a análise de regressão no software Joinpoint Regression Program versão 4.7.0, em que a variação percentual média anual foi estimada, com um intervalo de confiança de 95%. Para quantificar a tendência dos anos analisados, foi calculado o Average Annual Percent Change (AAPC), que é calculado com base na média geométrica acumulada das tendências do Annual Percentage Change (APC), com pesos iguais para os comprimentos de cada segmento durante o intervalo fixado. Os testes de significância utilizados baseiam-se no método de permutação de Monte Carlo e no cálculo da variação percentual anual da razão, utilizando o logaritmo da razão14,15.
Para cada variável, foi realizada a regressão linear, com o objetivo de observar o crescimento do número de quedas ao longo dos anos, bem como estimar valores futuros. Para estimar o impacto econômico das internações relacionadas a quedas para o SUS em 2025, foi utilizado o valor do coeficiente angular (slope) da regressão linear entre o tempo e o custo de internações (AIH aprovadas), e então este valor foi multiplicado pelo tempo (5 anos).
Resultados
A Tabela 1 mostra os dados epidemiológicos dos acidentes por quedas, retirados do Datasus (Ministério da Saúde)13. A partir das regressões lineares apresentadas, foi possível perceber um crescimento importante ao longo do tempo em relação ao número de internações por acidentes de quedas e o custo em saúde relacionado com as quedas na pessoa idosa no Brasil e no estado de São Paulo (Tabela 2). Também são apresentados os gráficos de dispersão do número de internações e dos custos, e o valor médio de cada internação, evidenciando sua distribuição linear (Figura 1).
A partir desses dados, é possível inferir que, no ano de 2025, as internações por quedas no Brasil estarão próximas de 150 mil, e os custos totais de AIH’s aprovadas estarão em torno de R$ 260 milhões. Outro fator importante a se destacar é que, ainda que a média do período de internações permaneceu constante ao longo dos 20 anos analisados (entre 6 e 7 dias), os custos por internação mais do que dobraram. No estado de São Paulo, os dados seguem o mesmo padrão.
Análise temporal (Brasil)
Na Tabela 3, é possível observar a tendência temporal de distribuição dos dados epidemiológicos. Com os resultados apresentados, destaca-se um aumento significativo das internações por queda nos dois períodos analisados, de 2000 a 2008 e de 2008 a 2020. Em relação aos gastos totais dessas internações, foi encontrado aumento em todos os segmentos analisados. O valor médio das AIH’s aprovadas também apresentou aumento significativo, em ambos os espaços de tempo analisados o valor p foi ≤0.001, com AAPC de 4,4% de 2000 a 2020. O número de óbitos foi analisado no período de 2000 a 2020, e apresentou um aumento significativo (p≤0.001), com AAPC de 5,5%.
Análise temporal (estado de São Paulo)
Quanto à análise de tendência temporal de distribuição das variáveis analisadas do estado de São Paulo, o primeiro segmento verificado foi do período de 2000 a 2020, relacionado ao número de internações por queda entre os idosos. A variável apresentou um AAPC de 4,3%, resultando num aumento significativo (Tabela 4). O valor total e o valor médio das AIH’s aprovadas apresentaram aumento significativo no AAPC, sendo 8,5% e 4,3%, respectivamente. Por fim, o número absoluto de óbitos apresentou aumento significativo no AAPC de 5,5% no período analisado.
Discussão
Os dados e as análises realizadas, sugerem um crescimento importante do número de quedas, óbitos e custos no período de 2000 a 2020, com estimativa de crescimento para 2025, se nada for efetivamente programado. O crescimento do número de internações se aproxima de 5,1% ao ano. Este processo também é observado em outros países, reforçando que a ausência de medidas preventivas pode fazer os números escalarem de forma alarmante nos próximos anos.
O avanço da tecnologia e da medicina contribuem com a queda das taxas de fecundidade e natalidade e o aumento da expectativa de vida, gerando o fenômeno do envelhecimento populacional16. Visto isso, hoje são estimadas pouco mais de 1 bilhão de pessoas idosas no mundo, no Brasil em específico, temos cerca de 28 milhões17. Portanto, embora seja um evento global, como um país em desenvolvimento, o Brasil não é apto a suprir as demandas da população 60+ em crescimento, que traz mudanças individuais e que favorecem o surgimento de problemas de saúde, incluindo os acidentes por queda18. Assim, é possível inferir uma relação entre o envelhecimento populacional e o aumento das quedas16.
Por outro lado, é importante observar o crescimento dos custos e da inflação, que podem contribuir para os indicadores de valor total e médio analisados. Corrigindo o valor gasto por internação no ano 2000 de acordo com o ajuste IGP-M, tem-se um valor de R$ 3.101,72. Este valor é quase o dobro do valor gasto no ano de 2019, sugerindo uma redução dos investimentos em saúde da pessoa idosa e as quedas acidentais. Ainda assim, observa-se um crescimento de cerca de 9,6% ao ano nos custos com internações por quedas no Brasil19.
As análises temporais também nos permitem compreender segmentos de padrão de comportamento temporal, ou seja, como se comportam os dados em determinado período. Em relação aos valores relativos às quedas, é válido ressaltar que pode ocorrer subestimação dos dados, uma vez que nem toda queda leva à internação. Nesse sentido, os estudos mostram que as quedas podem ter prevalência entre 25% e 30%, com custos não informados, relativos a tratamentos fora do âmbito hospitalar20.
As taxas de internações por 100.000 habitantes do Brasil são semelhantes às taxas encontradas em países de mesmo nível de desenvolvimento, como China, Kuwait e Tailândia21-23. Entretanto, quando comparado com países mais desenvolvidos, como Países Baixos e Polônia, os valores brasileiros são quase a metade dos mesmos24,25. Isto pode ser explicado pela diferença entre a quantidade de idosos nesses países, uma vez que idades mais avançadas são um fator de risco para quedas e internações por queda26.
O número de óbitos, por sua vez, teve um aumento contínuo no período de 2000 a 2020, com uma variação anual de 6,4%. Já no estado de São Paulo, esta variação foi de 5,5% no intervalo de 2000 a 2020, indicando conformidade com os estudos mais recentes. Abreu et al.10 analisaram a tendência da taxa de ocorrência de internações e óbitos no Brasil no período de 1996 a 2012, tendo como causa principal as quedas. Seus achados mostraram a ocorrência de 941.923 internações e 66.876 óbitos decorrentes das quedas na população com 60 anos ou mais. Ressalta-se que 32,3% dos óbitos e 21,2% das internações se concentraram nas capitais brasileiras. Seus resultados apontaram uma tendência crescente das taxas de mortalidade e internações nas capitais, com aumento de 200% da mortalidade, de 1,25 para 3,75 por 10.000 idosos, e as taxas de internações, de 2,58 para 41,37 por 10.000 idosos, dentro desse período de análise10. Esta realidade aponta para uma necessária mudança nos serviços de saúde ofertados no país, uma vez que as quedas podem trazer consequências graves, como a fratura de fêmur. Uma medida adotada pelos profissionais é a mobilização precoce, que estimula a mobilidade da pessoa idosa após uma intervenção cirúrgica. Esta abordagem está relacionada a uma diminuição da mortalidade de 6 a 12 meses após a fratura, e aqueles que caminham em até 10 dias após o procedimento têm menores taxas de mortalidade27.
Outro dado relevante do estudo de Abreu et al.10 é que a capital paulista apresentou uma das maiores taxas de internações (51,83%). Este dado pode estar relacionado ao fato das regiões Sul e Sudeste possuírem maiores gastos e números de acidentes por queda em pessoas idosas registradas. Este dado pode explicar a pouca diferença na porcentagem de crescimento das variáveis. No Brasil, houve um aumento de 3,7% ao ano de óbitos por queda, enquanto em São Paulo esta porcentagem foi de 3,6%. Estes resultados corroboram para a ampliação de pesquisas nessa área10,27.
Na Austrália, um dos indicadores utilizados para avaliar a segurança e a qualidade do Sistema de Saúde para a população idosa é a razão de quedas com lesões em instituições de longa permanência ou hospitais sobre o número de internações totais28. Assim, há a preocupação em se acompanhar os eventos acidentais em idosos para garantir uma boa assistência à saúde.
Neste período de 20 anos (2000-2020), como dito anteriormente, o Brasil e o estado de São Paulo apresentaram um comportamento semelhante, com aumento do número de quedas e dos custos com internações, mostrando que é urgente a implementação de programas de prevenção de quedas de baixo custo na Atenção Primária em Saúde, a qualificação dos profissionais para avaliação dos fatores de risco para quedas e a educação em quedas para idosos, familiares e cuidadores. Nesse contexto, Winser et al.29. verificaram que as intervenções baseadas em atividades físicas são os melhores custos-benefícios para prevenção de quedas em pessoas idosas. Tal fato deriva do baixo custo de implantação e implementação destes programas, uma vez que, depois da capacitação e familiarização das pessoas idosas, o programa pode ser completado de maneira independente e no ambiente domiciliar, com equipamentos simples e baratos29. Além disso, Davis et al.30, em uma revisão de artigos com uma população com mais de 80 anos de idade e exercícios físicos em casa, mostraram que as intervenções baseadas em força muscular e equilíbrio postural foram as com maior custo-efetividade para a prevenção de quedas.
De maneira geral, os programas multifatoriais, que combinam exercícios físicos, otimização de medicação, educação, adaptação do lar e outras intervenções, foram menos custo-efetivos, o que pode ser explicado pelo alto custo para a implantação desse tipo de programa em relação ao impacto real na redução de quedas31. No entanto, programas multifatoriais individualizados são essenciais para prevenção de quedas, em especial para idosos caidores e mais frágeis. É importante considerar que o SUS já tem em sua rede uma equipe multiprofissional, o que não demandaria mais gastos de recursos humanos para a sua implementação. Novas pesquisas que acompanhem a longo prazo os custos desses programas de monitoramento dos idosos caidores tornam-se urgentes para viabilizar o controle dessas intercorrências no Brasil. Destaca-se a importância da Atenção Primária em Saúde, atuando na prevenção, gestão e implementação dessas intervenções para as pessoas idosas, tanto frágeis quanto robustos, impactando assim nos desfechos negativos das quedas, como internações, fraturas e óbitos.
Para tal, é importante que estas ações levem em consideração as principais informações sobre as condições sociodemográficas e econômicas dos idosos caidores. Estudos recentes apontam que a maioria é do sexo feminino, fator fundamentado pelo fenômeno de feminilização da velhice, e com baixa escolaridade (entre 1 e 4 anos), além de serem aposentados e pensionistas. Outros fatores importantes para se levar em consideração é a idade, uma vez que, quanto mais velho, maiores as chances de sofrer uma queda e as comorbidades, pois, para cada doença a mais que acomete o idoso, maior a chance de queda. Este padrão também é válido para escala de fragilidade, para cada ponto a mais na escala, o idoso apresenta uma maior chance de cair26. Além disso, idosos com baixa renda tendem a possuir menor acesso a serviços de saúde32.
Estas mudanças implicam em uma atenção à saúde da pessoa idosa sob outra perspectiva, pensando sempre em ações de prevenção e promoção da saúde. Os acidentes por queda geram um impacto negativo de extrema importância aos idosos e ao sistema de financiamento do SUS, com os altos custos, além dos diversos problemas sociais e da sobrecarga da rede de serviços. Todos estes fatores, fomentam a necessidade de estabelecer grupos, compreender de maneira integral as quedas e a maneira como se deve atuar de forma preventiva com equipes interdisciplinares, considerando que estes acidentes estão relacionados a múltiplos fatores33.
A implementação desses programas de prevenção de quedas deveria se basear em evidências científicas que pudessem garantir um bom investimento de recursos públicos e um impacto real para a saúde da pessoa idosa. Dessa forma, é importante o desenvolvimento de estudos em território brasileiro relacionando intervenções para prevenção de quedas e o seu impacto nos custos. Além disso, há a necessidade de políticas de implementação de indicadores que mostrem a real situação e permitam a realização deste tipo de análise. Por fim, é importante que programas de prevenção e monitoramento analisem também fatores de risco modificáveis para quedas que vão além do equilíbrio postural e da força muscular. Alguns destes fatores de risco, como o medo de cair e a deficiência de vitamina D, podem implicar no aumento do uso de serviços de saúde, hospitalização e o desenvolvimento de novos agravos, incluindo a depressão, a ansiedade e a síndrome da fragilidade.
Para tal, é importante que haja uma atenção maior ao DATASUS, à alimentação dos dados, pois, requer o comprometimento dos profissionais envolvidos em todas as esferas da saúde, e isto é fundamental para que a informação gerada seja fidedigna34,35.
No estudo de Veras, publicado em 1994, os autores detectaram uma baixa confiabilidade dos dados em relação a algumas variáveis como diagnóstico principal e serviços auxiliares de diagnóstico e terapêutica36. Já num estudo publicado em 2000 por Mendes et al.37, destacam que o SIH se revelou como uma plataforma de grande qualidade para a vigilância de patologias, ao contrário do que se esperava e ainda, que este sistema tinha grande potencial de melhoramento, à medida que fossem feitos ajustes e que os profissionais passassem a utilizá-lo de forma regular e contínua. Em concordância, um estudo38 de 2016 afirma que, embora ainda haja uma taxa de preenchimento inadequado dos campos “procedimento realizado”, “diagnóstico principal” e “secundário”, o preenchimento dos dados cadastrais básicos de hospitais é completo e consistente. Além disso, o SIH ultrapassou 100% da cobertura das internações38.
No entanto, no estudo de Piccolo39, foram encontrados apenas 7 estudos sobre a qualidade de diferentes dados, como mortalidade infantil, nascidos vivos e estatísticas vitais brasileiras, disponibilizados na plataforma DATASUS, sugerindo uma melhora dos registros ao longo do tempo e a existência de poucos estudos que avaliam efetivamente a qualidade dos dados disponíveis39.
Portanto, como limitações deste estudo, destacam-se o uso de dados da base SIH-SUS e o estabelecimento das relações apenas entre as variáveis e o tempo. Ainda, há pouco registro dos acidentes que não resultaram em internação ou consequências mais graves, desta maneira não é possível estimar a dimensão destes eventos. Há a necessidade de pesquisas que aprofundem a relação com outras variáveis de interesse e fatores de risco potencialmente modificáveis.
Conclusão
Observou-se um aumento das internações por acidentes de quedas no período de 2000 a 2020, assim como no valor total gasto pelo SUS, tanto no Brasil quanto no estado de São Paulo. A análise de tendência temporal mostrou crescimento importante em todas as áreas avaliadas ao longo do período analisado, com exceção do tempo de internação. Esses indicadores mostram a necessidade de intervenções de baixo custo desde a Atenção Primária em Saúde e maior controle dessas intercorrências pelos gestores municipais e estaduais. Caso o padrão de crescimento não seja alterado, estima-se um gasto de R$ 260 milhões para o ano de 2025. Por fim, são necessários mais estudos no Brasil que mostrem a relação entre ações e programas de prevenção e o impacto nos custos e viabilidade de execução, por meio de indicadores mais precisos e coletados pelas diversas esferas da Atenção em Saúde.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
10 Nov 2023 -
Data do Fascículo
Nov 2023
Histórico
-
Recebido
30 Set 2022 -
Aceito
06 Fev 2023 -
Publicado
08 Fev 2023