Resumo
O objetivo foi avaliar a prevalência de vitimização por bullying e seus fatores associados entre adolescentes da cidade de Pelotas, RS. Estudo transversal de base escolar realizado com 795 alunos do 9o ano do ensino fundamental de 25 escolas municipais urbanas vinculadas ao PSE. O bullying foi avaliado por meio de perguntas que abordaram a ocorrência, a frequência, o local, o tipo de violência sofrida e o quanto isso incomoda as vítimas. Análises bruta e ajustada foram feitas por regressão de Poisson. Aproximadamente 71% dos estudantes relataram ter sofrido bullying, a escola foi o local de maior ocorrência (86,7%). Entre os tipos de agressões sofridas, “apelidos” foi a queixa mais recorrente (88,4%), seguida por exclusão ou isolamento (26,6%). A vitimização foi mais frequente entre as meninas (RP 1,13; IC95% 1,02-1,27), estudantes com cor da pele/raça não branca (RP 1,16; IC95% 1,05-1,29), que já experimentaram tabaco (RP 1,14; IC95% 1,03-1,27), insatisfeitos (RP 1,42; IC95% 1,27-1,58) ou indiferentes (RP 1,21; IC95% 1,02-1,43) em relação ao corpo e que apresentavam excesso de peso (RP 1,15; IC95% 1,04-1,27). Os resultados mostram que o bullying é uma prática frequente no ambiente escolar, apontando para a necessidade de práticas educativas voltadas para a redução e prevenção desse tipo de violência.
Palavras-chave:
Bullying; Violência; Escolares; Adolescentes
Abstract
The objective was to assess the prevalence of bullying victimization and associated factors among adolescents in the city of Pelotas, Rio Grande do Sul. A cross-sectional school-based study was conducted with 795 ninth grade students from 25 urban municipal schools linked to the School Health Program. Bullying was assessed using questions that addressed the occurrence, frequency, location, type of violence suffered and how much it bothers the victims. Gross and adjusted analyses were performed by Poisson regression. Approximately 71% of the students reported having suffered bullying, and school was the location of greatest occurrence (86.7%). Among the types of aggression suffered, “nicknames” was the most recurrent complaint (88.4%), followed by exclusion or isolation (26.6%). Victimization was more frequent among girls (PR 1.13; 95%CI 1.02-1.27), students with non-white skin color/race (PR 1.16; 95%CI 1.05-1.29), who have already tried tobacco (PR 1.14; 95%CI 1.03-1.27), dissatisfied (PR 1.42; 95%CI 1.27-1.58) or indifferent (PR 1.21; 95%CI 1.02-1.43) about their bodies, and who were overweight (PR 1.15; 95%CI 1.04-1.27). The results show that bullying is a frequent practice in the school environment, pointing to the need for educational practices aimed at reducing and preventing this type of violence.
Key words:
Bullying; Violence; Schoolchildren; Adolescents
Introdução
Desde os primeiros estudos acerca do tema bullying, realizados por Olweus ainda no século XX, diversos outros autores têm abordado o fenômeno, revelando uma importância social crescente ao longo dos anos11 Naveed S, Wagas A, Zarnain X, Ahmad W, Wasim M, Rasheed J, Afzaal T. Trends in bullying and emotional and behavioral difficulties among Pakistani schoolchildren: a cross-sectional survey of seven cities. Front Psychiatry 2020; 10:976.
2 Marcolino EC, Cavalcanti AL, Padilha WWN, Miranda FAN, Clementino FS. Bullying: prevalência e fatores associados à vitimização e à agressão no cotidiano escolar. Texto Contexto Enferm 2018; 27(1):e5500016.
3 Obeid S, Sacre H, Hallit S, Salameh P. School bullying - the silent epidemic: a cross-sectional study of factors associated with peer victimization among Lebanese adolescents. J Interpers Violence 2020; 37(1-2):NP1147-NP1169 .-44 Mohseny M, Zamani Z, Basti SA, Sohrabi MR, Najafi A, Zebardast J, Tajdini F. Bullying and Victimization among Students Bears Relationship with Gender and Emotional and Behavioral Problems. Iran J Psychiatry 2019; 14(3):211-220.. Bastante frequente entre crianças e adolescentes, o bullying consiste em uma forma de violência escolar, sendo caracterizado por ações repetidas, intencionais e baseadas em desequilíbrio de poder22 Marcolino EC, Cavalcanti AL, Padilha WWN, Miranda FAN, Clementino FS. Bullying: prevalência e fatores associados à vitimização e à agressão no cotidiano escolar. Texto Contexto Enferm 2018; 27(1):e5500016.,55 Feijóo S, Fernández RR. A meta-analytical review of gender-based school bullying in Spain. Int J Environ Res Public Health 2021; 18(23):12687 .,66 Tan LA, Ganapathy SS, Sooryanarayana R, Hasim MH, Saminathan TA, Anuar MFM, Ahmad FH, Abd Razak MA, Rosman A. Bullying Victimization Among School-Going Adolescents in Malaysia: Prevalence and Associated Factors. Asia Pac J Public Health 2019; 31(8):18-29.. As formas como essa violência ocorre são descritas na literatura, sendo classificadas em bullying físico (empurrões, chutes, roubos e destruição de pertences), verbal (xingamentos, fofocas e difamações), psicológico (isolamento e intimidações) e virtual (intitulado como ciberbullying)33 Obeid S, Sacre H, Hallit S, Salameh P. School bullying - the silent epidemic: a cross-sectional study of factors associated with peer victimization among Lebanese adolescents. J Interpers Violence 2020; 37(1-2):NP1147-NP1169 .,77 Bowman A, Knack JM, Barry AE, Merianos AL, Wilson KL, McKyer ELJ, Smith ML. Self-perceptions and factors associated with being put down at school among middle and high school students. J Sch Nurs 2019; 37(4):270-279.,88 Mello FCM, Silva JL, Oliveira WA, Prado RR, Malta DC, Silva MAJ. A prática de bullying entre escolares brasileiros e fatores associados, Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2015. Cien Saude Colet 2017; 22(9):2939-2948..
No ambiente escolar, o bullying se mostra um grave problema de saúde pública, principalmente pelas consequências deixadas nas vítimas, destacando-se a ansiedade, a depressão e as implicações graves na capacidade de socialização77 Bowman A, Knack JM, Barry AE, Merianos AL, Wilson KL, McKyer ELJ, Smith ML. Self-perceptions and factors associated with being put down at school among middle and high school students. J Sch Nurs 2019; 37(4):270-279.
8 Mello FCM, Silva JL, Oliveira WA, Prado RR, Malta DC, Silva MAJ. A prática de bullying entre escolares brasileiros e fatores associados, Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2015. Cien Saude Colet 2017; 22(9):2939-2948.
9 Silva GRR, Lima MLC, Barreira AK, Acioli RML. Prevalence and factors associated with bullying: differences between the roles of bullies and victims of bullying. J Pediatr 2019; 95(7):693-701.
10 McCabe EM, Strauss SM. Risk factors associated with bullying at school and electronic bullying in U.S. adolescent females with asthma. J Sch Nurs 2020; 38(4):380-386.-1111 Malta DC, Mello FCM, Prado RR, Sá ACMGN, Marinho F, Pinto IV, Silva MMAD, Silva MAI. Prevalência de bullying e fatores associados em escolares brasileiros, 2015. Cien Saude Colet 2019; 24(4):1359-1368.. O fenômeno produz também impacto psicológico negativo, desencadeando sentimentos de raiva, baixa autoestima, dificuldades de relacionamentos no âmbito familiar e no trabalho, tendo como possíveis desfechos, ainda mais graves, o suicídio e o homicídio1111 Malta DC, Mello FCM, Prado RR, Sá ACMGN, Marinho F, Pinto IV, Silva MMAD, Silva MAI. Prevalência de bullying e fatores associados em escolares brasileiros, 2015. Cien Saude Colet 2019; 24(4):1359-1368.
12 Russo LX. Associação entre vitimização por bullying e índice de massa corporal em escolares. Cad Saude Publica 2020; 36(10):e00182819.-1313 Maleki CK, Demaray MK, Smith TJ, Emmons J. Disability, poverty, and other risk factors associated with involvement in bullying behaviors. J Sch Psychology 2020; 78:115-132..
Pesquisas conduzidas em diversos países apontam elevada prevalência de bullying1414 Xu S, Ren J, Li F, Wang L, Wang S. School bullying among vocational school students in China: prevalence and associations with personal, relational, and school factors. J Interpers Violence 2022; 37(1-2):104-124.
15 Aboagye RG, Seidu AA, Hagan JE Jr, Frimpong JB, Budu E, Adu C, Ayilu RK, Ahinkorah BO. A multi-country analysis of the prevalence and factors associated with bullying victimisation among in-school adolescents in sub-Saharan Africa: evidence from the global school-based health survey. BMC Psychiatry 2021; 21(1):325.-1616 Seo HJ, Jung YE, Kim MD, Bahk WM. Factors associated with bullying victimization among Korean adolescents. Neuropsychiatr Dis Treat 2017; 13:2429-2435.. Em 2009, estudo com dados de 40 países identificou prevalência média de 12,6%1717 Craig W, Fisch YH, Grinvald HF, Dostaler S, Hetland J, Morton BS, Molcho M, Mato MG, Overpeck M, Due P, Pickett W; HBSC Violence & Injuries Prevention Focus Group; HBSC Bullying Writing Group. A cross-national profile of bullying and victimization among adolescents in 40 countries. BCM Public Health 2009; 4(Suppl. 2):216-224.. Mais recentemente foram observadas prevalências ainda mais elevadas, conforme mostrado por estudos realizados na China (2018), Estados Unidos (2018) e Malásia (2019), que observaram percentuais de 17,0%, 25,3% e 16,2%, respectivamente66 Tan LA, Ganapathy SS, Sooryanarayana R, Hasim MH, Saminathan TA, Anuar MFM, Ahmad FH, Abd Razak MA, Rosman A. Bullying Victimization Among School-Going Adolescents in Malaysia: Prevalence and Associated Factors. Asia Pac J Public Health 2019; 31(8):18-29.,1818 Huang HW, Chen JL, Wang RH. Factors associated with peer victimization among adolescents in Taiwan. JNR 2018; 26(1):52-59.,1919 Wang C, Li Y, Li K, Seo DC. Body weight and bullying victimization among US adolescents. Academic Accelerator 2018; 42(1):3-12..
No Brasil, a prevalência de bullying variou de 8,4% a 84,3% entre os estudos2020 Mello FCM, Malta DC, Santos MG, Silva MMA, Silva MAI. Evolução do relato de sofrer bullying entre escolares brasileiros: Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar - 2009 a 2015. Rev Bras Epidemiol 2018; 21(Supl. 1):e180015.,2121 Reisen A, Viana MC, Santos-Neto ET. Bullying among adolescents: are the victims also perpetrators? J Bras Psiquiatr 2019; 41(6):518-529.. A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), em sua primeira edição (2009), mostrou que 5,4% dos estudantes do 9º ano do ensino fundamental de escolas públicas e privadas das 26 capitais brasileiras e do Distrito Federal sofreram esse tipo de violência2020 Mello FCM, Malta DC, Santos MG, Silva MMA, Silva MAI. Evolução do relato de sofrer bullying entre escolares brasileiros: Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar - 2009 a 2015. Rev Bras Epidemiol 2018; 21(Supl. 1):e180015.. Em 2015, a mesma pesquisa encontrou um percentual mais elevado em relação ao anterior, com 30,7% de prevalência de bullying2020 Mello FCM, Malta DC, Santos MG, Silva MMA, Silva MAI. Evolução do relato de sofrer bullying entre escolares brasileiros: Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar - 2009 a 2015. Rev Bras Epidemiol 2018; 21(Supl. 1):e180015.. Já na última edição, em 2019, a pesquisa apontou que 12% dos adolescentes relataram ter sofrido bullying2222 Malta DC, Oliveira WA, Prates EJS, Mello FCM, Moutinho CDS, Silva MAI. Bullying among Brazilian adolescents: evidence from the National Survey of School Health, Brazil, 2015 and 2019. Rev Lat Am Enferm 2022; 30(Esp.):e3679..
Diante do cenário atual de bullying e das consequências geradas às vítimas, observa-se que o aumento nas prevalências dessa violência, principalmente no ambiente escolar, requer uma análise mais detalhada22 Marcolino EC, Cavalcanti AL, Padilha WWN, Miranda FAN, Clementino FS. Bullying: prevalência e fatores associados à vitimização e à agressão no cotidiano escolar. Texto Contexto Enferm 2018; 27(1):e5500016.,77 Bowman A, Knack JM, Barry AE, Merianos AL, Wilson KL, McKyer ELJ, Smith ML. Self-perceptions and factors associated with being put down at school among middle and high school students. J Sch Nurs 2019; 37(4):270-279.,1515 Aboagye RG, Seidu AA, Hagan JE Jr, Frimpong JB, Budu E, Adu C, Ayilu RK, Ahinkorah BO. A multi-country analysis of the prevalence and factors associated with bullying victimisation among in-school adolescents in sub-Saharan Africa: evidence from the global school-based health survey. BMC Psychiatry 2021; 21(1):325.,2222 Malta DC, Oliveira WA, Prates EJS, Mello FCM, Moutinho CDS, Silva MAI. Bullying among Brazilian adolescents: evidence from the National Survey of School Health, Brazil, 2015 and 2019. Rev Lat Am Enferm 2022; 30(Esp.):e3679.. Para tanto, faz-se necessário conhecer a distribuição do problema e possíveis fatores associados regionalmente. Características como ser do sexo masculino, ser mais jovem e faltar às aulas sem avisar aos pais vêm sendo associadas à vitimização2222 Malta DC, Oliveira WA, Prates EJS, Mello FCM, Moutinho CDS, Silva MAI. Bullying among Brazilian adolescents: evidence from the National Survey of School Health, Brazil, 2015 and 2019. Rev Lat Am Enferm 2022; 30(Esp.):e3679.,2323 Cosma A, Bjereld Y, Elgar FJ, Richardson C, Bilz L, Craig W, Augustine L, Molcho M, Malinowska-Cieslik M, Walsh SD. Gender Differences in Bullying Reflect Societal Gender Inequality: A Multilevel Study With Adolescents in 46 Countries. J Adolesc Health 2022; 71(5):601-608.. Por outro lado, fatores como supervisão da família, acompanhamento desses adolescentes e morar com pelo menos um dos pais tem sido apontado como fatores protetores para a prática e/ou vitimização por bullying22 Marcolino EC, Cavalcanti AL, Padilha WWN, Miranda FAN, Clementino FS. Bullying: prevalência e fatores associados à vitimização e à agressão no cotidiano escolar. Texto Contexto Enferm 2018; 27(1):e5500016.,2424 Wu X, Zhen R, Shen L, Tan R, Zhou X. Patterns of Elementary School Students' Bullying Victimization: Roles of Family and Individual Factors. J Interpers Violence 2022; 38(3-4):2410-2431.. Fatores comportamentais, como a experimentação ou o uso de tabaco, o consumo regular de álcool e o uso excessivo de jogos eletrônicos, também têm mostrado associação direta com bullying1111 Malta DC, Mello FCM, Prado RR, Sá ACMGN, Marinho F, Pinto IV, Silva MMAD, Silva MAI. Prevalência de bullying e fatores associados em escolares brasileiros, 2015. Cien Saude Colet 2019; 24(4):1359-1368.,1515 Aboagye RG, Seidu AA, Hagan JE Jr, Frimpong JB, Budu E, Adu C, Ayilu RK, Ahinkorah BO. A multi-country analysis of the prevalence and factors associated with bullying victimisation among in-school adolescents in sub-Saharan Africa: evidence from the global school-based health survey. BMC Psychiatry 2021; 21(1):325.,2525 Viana TBP, Camargo CL, Gomes NP, Felzemburgh RDM, Mota RS, Lima CCOJ. Factors associated with cigarette smoking among public school adolescents. Rev Esc Enferm USP 2018; 52:e03320..
Além disso, existem claras evidências de que adolescentes abaixo do peso ou com excesso de peso apresentam maior risco de vitimização por bullying em relação àqueles com peso adequado, e a falta de estudos que investiguem essa associação entre adolescentes do Sul do país reforça a lacuna que será preenchida pelo presente pesquisa1212 Russo LX. Associação entre vitimização por bullying e índice de massa corporal em escolares. Cad Saude Publica 2020; 36(10):e00182819.. Estudos de abrangência nacional refletem uma realidade diferente daquela observada em cidades interioranas, o que faz com que políticas locais de educação e conscientização necessitem ser baseadas em dados que representem a realidade dos adolescentes.
Dessa forma, o objetivo do presente estudo foi avaliar a prevalência de vitimização por bullying e seus fatores associados entre adolescentes do 9o ano do ensino fundamental da rede municipal da zona urbana de Pelotas, RS.
Métodos
Estudo transversal, do tipo censo, de base escolar, conduzido com estudantes matriculados no 9o ano do ensino fundamental das escolas municipais da zona urbana de Pelotas, RS, vinculadas ao Programa Saúde na Escola (PSE). Vale ressaltar que o estudo faz parte de uma pesquisa mais abrangente, que avaliou o estado nutricional e outros indicadores de saúde de todos os escolares matriculados do 1o ao 9o ano do ensino fundamental das escolas municipais urbanas de Pelotas.
Amostra
O município de Pelotas possui aproximadamente 343 mil habitantes, dos quais cerca de 90% residem na cidade2626 Instituto Brasileiro de Geogra?a e Estatística (IBGE). Pelotas - Panorama [Internet]. [acessado 2021 dez 22]. Disponível em: cidades.ibge.gov.br/brasil/rs/pelotas/panorama
cidades.ibge.gov.br/brasil/rs/pelotas/pa...
. À época do estudo, a zona urbana de Pelotas contava com 40 escolas municipais de ensino fundamental (EMEF), das quais 30 tinham ensino fundamental completo e 25 eram vinculadas ao PSE. Estas últimas ofereciam ensino fundamental para 11.658 estudantes, sendo 951 matriculados no 9o ano (dados fornecidos pela Secretaria Municipal de Educação e Desporto de Pelotas). Foram considerados elegíveis para o presente estudo todos os estudantes matriculados no 9o ano do ensino fundamental das 25 escolas vinculadas ao PSE.
O recorte populacional em estudantes do 9o ano teve como justificativa o mínimo de escolarização necessária para responder ao questionário autoaplicável, bem como o fato de os estudantes matriculados neste ano escolar terem idade próxima à idade de referência preconizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para estudos com adolescentes2727 Malta DC, Silva MAI, Mello FCM, Monteiro RA, Sardinha LMV, Crespo C, Carvalho MG, Silva MM, Porto DL. Bullying nas escolas brasileiras: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), 2009. Cien Saude Colet 2010;15(2):3065-3076., que é de 13 a 15 anos. A coleta de dados iniciou-se pelas escolas vinculadas ao PSE, pois elas utilizam o termo de autorização de participação dos Programas de Prevenção de Doenças e Promoção da Saúde para todos os alunos, o que habilitava a avaliação antropométrica de todos eles. Além disso, a coleta de dados se restringiu a essas escolas em virtude da pandemia de COVID-19, que implicou a suspensão das atividades presencias nas escolas no início do ano letivo de 2020, impossibilitando a conclusão do trabalho de campo nas escolas ainda faltantes.
Aqueles estudantes que apresentavam alguma incapacidade física ou mental que os impossibilitasse de preencher o questionário não foram incluídos no estudo. Para a avaliação antropométrica foram excluídos indivíduos impossibilitados de ficar na posição ereta, que usavam gesso em alguma parte do corpo e adolescentes grávidas. Considerou-se como perdas os estudantes que não foram localizados pela equipe de pesquisa em sala de aula após três tentativas, em dias e horários diferentes.
Coleta de dados
A visita às escolas ocorreu de forma aleatória no período de abril a dezembro de 2019, com data e horário previamente acordados com a equipe diretiva das escolas. Os alunos só podiam participar do estudo mediante a entrega do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) assinado pelos pais/responsáveis. Para cada aluno também era solicitado o assentimento individual de maneira verbal antes da coleta de dados. O preenchimento do questionário pelos estudantes ocorreu em sala de aula, com supervisão da equipe de pesquisa, previamente treinada. O questionário foi elaborado pela equipe coordenadora do estudo tendo como base o questionário utilizado pela PeNSE de 20152828 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa nacional de saúde do escolar: 2015. Rio de Janeiro: IBGE; 2016..
A aferição das medidas antropométricas foi realizada pela equipe, treinada e padronizada para tal, em espaço cedido pela escola para este fim, visando maior privacidade para os participantes. Os equipamentos utilizados para aferição das medidas de peso e altura foram, respectivamente, balança digital da marca Tanita, com capacidade máxima de 150 kg e precisão de 100 gramas, e fita métrica fixada com fita adesiva transparente em uma parede ou porta lisa, com escala invertida a 50 cm do chão, além de um esquadro de madeira para a leitura da medida de altura. Ambos, peso e altura, foram aferidos duas vezes, utilizando-se para fins de análise a média das medidas2929 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Orientações para a coleta e análise de dados antropométricos em serviços de saúde: Norma Técnica do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional. Brasília: MS; 2011.. Caso a diferença entre as duas medidas de altura fosse superior a 0,7cm, duas novas medidas eram aferidas.
Variáveis estudadas
As informações sobre bullying - desfecho do estudo - foram obtidas a partir das seguintes perguntas: “Tu achas que já sofreste bullying alguma vez? (Não; sim)”; “Quantas vezes já aconteceu? (Poucas vezes; muitas vezes; todos os dias)”; “Onde isso aconteceu? (Na escola; na vizinhança; outro lugar)”; “Se aconteceu na escola: Onde exatamente foi? (Sala de aula; pátio; banheiro; outro lugar)”; “Que tipo de violência o(s) agressor(es) fez(fizeram) contra ti? (Colocou apelido; ameaçou; bateu ou empurrou; roubou ou destruiu objetos; excluiu ou isolou)”; “O quanto tu te preocupas com o bullying? (Muito; pouco; nada)”.
As variáveis independentes utilizadas foram: sexo (masculino; feminino); idade (em anos completos e posteriormente categorizada em 13-14 e 15 anos ou mais); cor da pele/raça (branca; amarela; indígena; parda; preta); escolaridade materna (informada pelo adolescente em número de anos concluídos com aprovação e posteriormente categorizada em: < 8; 8-11; ≥ 12 anos); morar com mãe e/ou pai (nenhum; ambos; mãe ou pai); experimentação de tabaco (não; sim), avaliada por meio da pergunta “Alguma vez na vida tu fumaste, mesmo uma ou duas tragadas?”; experimentação de álcool (não; sim), avaliada através da pergunta: “Alguma vez na vida tu experimentaste bebida alcoólica?”; sentimento em relação ao corpo (satisfeito; indiferente; insatisfeito), avaliada através da pergunta: “Como tu te sentes em relação ao teu corpo?”; e estado nutricional, avaliado a partir do índice de massa corporal (IMC) para idade em escore-z, classificado de acordo com os critérios estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em: magreza (< -2 escore-z); eutrofia (≥ -2 e ≤ +1 escore-z); sobrepeso (> +1 e ≤ +2 escore-z) e obesidade (> +2 escore-z)30. Para fins de análises brutas e ajustadas, utilizou-se a variável excesso de peso (não; sim), sendo classificados com excesso de peso os adolescentes com IMC para idade > +1 escore-z da curva de referência3030 Onis M, Onyango AW, Borghi E, Siyam A, Nishida C, Siekmann J. Development of a WHO growth reference for school-aged children and adolescents. Bull World Health Organ 2007; 85(9):660-667..
Análises estatísticas
As análises estatísticas foram realizadas no programa Stata, versão 12.1. Todas as variáveis foram descritas em frequências absolutas e relativas. O teste do qui-quadrado de Pearson foi efetuado para verificar a diferença entre o desfecho e as variáveis independentes. Razões de prevalências brutas e ajustadas e seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%) foram obtidos por meio de regressão de Poisson com ajuste para variância robusta, a fim de diminuir o efeito de fatores de confusão. O modelo de análise de caixa preta foi utilizado com um limite de significância estatística de 5% (valor p < 0,05).
Aspectos éticos
O projeto maior do qual o atual estudo faz parte foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas, mediante número de parecer 2.843.572/2018. Todos os participantes foram, previamente à coleta de dados, esclarecidos sobre o estudo. A execução da pesquisa foi autorizada pela Secretaria Municipal de Educação e Desporto (SMED) do município Pelotas, RS.
Resultados
Dos 951 estudantes elegíveis para o estudo, 808 preencheram o questionário. As perdas e recusas corresponderam a 143 (15%), sendo a maioria meninas (56,0%) e adolescentes com 15 anos de idade (37,3%).
Entre os adolescentes avaliados, 795 responderam às questões relacionadas ao desfecho, sendo incluídos nas análises (16,4% de perdas e recusas em relação aos elegíveis para o estudo). A média de idade dos adolescentes foi de 14,9 anos (DP = ±0,9) e as características sociodemográficas, comportamentais e de saúde são apresentadas na Tabela 1. A maioria dos participantes era do sexo feminino (51,8%), estava na faixa etária de 15 anos ou mais (60,9%) e declarou ter cor da pele branca (61,2%). A escolaridade materna predominante foi de 8 a 11 anos completos de estudo (43,9%). Majoritariamente, os adolescentes moravam com ambos os pais (57,5%), não haviam experimentado tabaco (81,6%) e relataram já ter consumido álcool (73,8%). Pouco mais de 54% relataram estar satisfeitos com o próprio corpo, enquanto 31% estavam insatisfeitos em relação à sua imagem corporal. Quanto ao estado nutricional, 21,6% apresentavam sobrepeso, e 14,3% obesidade.
Cerca de 70,0% dos estudantes informaram já terem sofrido bullying alguma vez na vida (Tabela 2). Quando questionados sobre a frequência de ocorrência dos eventos, 41,7% informaram ter sofrido bullying muitas vezes. A escola foi o local de maior ocorrência do desfecho (86,7%). Dentro do ambiente escolar, foi questionado o local onde o aluno teria sofrido bullying, com a possibilidade de mais de uma opção de resposta, sendo a sala de aula (70,1%) e o pátio (46,1%) os mais citados. Da mesma forma, em relação aos tipos de agressão sofrida, o estudante tinha mais de uma opção de resposta. “Apelidos” foi a queixa mais recorrente (88,4%) e, na sequência, “excluíram ou isolaram” (26,6%). Mais de metade dos estudantes (51,0%) relataram ter muita preocupação com bullying.
Caracterização do bullying entre adolescentes da rede municipal de ensino da zona urbana de Pelotas, RS, Brasil, 2021.
A Tabela 3 apresenta as análises bruta e ajustada da vitimização por bullying segundo variáveis sociodemográficas, comportamentais e de saúde. Após ajustes para possíveis fatores de confusão, mantiveram associação estatisticamente significativa em relação ao desfecho as seguintes variáveis: sexo, cor da pele, experimentação de tabaco, sentimento em relação ao corpo e excesso de peso. Os resultados mostraram que adolescentes do sexo feminino apresentaram maior prevalência de vitimização por bullying (RP = 1,13, IC95% 1,02-1,27) em relação ao sexo masculino. Não ter cor da pele branca também esteve associado com maior vitimização por bullying (RP = 1,16, IC95% 1,05-1,29).
Maior prevalência do desfecho também foi observada entre aqueles que relataram já ter experimentado tabaco (RP = 1,14, IC95% 1,03-1,27), que se sentiam insatisfeitos ou indiferentes em relação ao corpo (RP = 1,42, IC95% 1,27-1,58 e RP = 1,21, IC95% 1,02-1,43, respectivamente) e entre os estudantes com excesso de peso (RP = 1,15, IC95% 1,04-1,27).
Discussão
O presente estudo identificou alta prevalência de vitimização por bullying, sendo a escola o local de maior ocorrência dos eventos (86,7%). Chamou também atenção a maior ocorrência de vitimização por bullying entre adolescentes do sexo feminino e de cor da pele não branca. A experimentação de tabaco, insatisfação ou indiferença em relação ao próprio corpo e estar com excesso de peso também foram fatores associados à maior prevalência de bullying.
Variações nas prevalências de vitimização por bullying são observadas em pesquisas conduzidas no Brasil e em outros países11 Naveed S, Wagas A, Zarnain X, Ahmad W, Wasim M, Rasheed J, Afzaal T. Trends in bullying and emotional and behavioral difficulties among Pakistani schoolchildren: a cross-sectional survey of seven cities. Front Psychiatry 2020; 10:976.,1111 Malta DC, Mello FCM, Prado RR, Sá ACMGN, Marinho F, Pinto IV, Silva MMAD, Silva MAI. Prevalência de bullying e fatores associados em escolares brasileiros, 2015. Cien Saude Colet 2019; 24(4):1359-1368.,1818 Huang HW, Chen JL, Wang RH. Factors associated with peer victimization among adolescents in Taiwan. JNR 2018; 26(1):52-59.,1919 Wang C, Li Y, Li K, Seo DC. Body weight and bullying victimization among US adolescents. Academic Accelerator 2018; 42(1):3-12.,3131 Chiu H, Vargo EJ. Bullying and other risk factors related to adolescent suicidal behaviours in the Philippines: a look into the 2011 GSHS Survey. BMC Psychiatry 2022; 22(1):445.. Estudo nacional com dados da PeNSE de 20192222 Malta DC, Oliveira WA, Prates EJS, Mello FCM, Moutinho CDS, Silva MAI. Bullying among Brazilian adolescents: evidence from the National Survey of School Health, Brazil, 2015 and 2019. Rev Lat Am Enferm 2022; 30(Esp.):e3679. identificou prevalência de bullying de 12,0%, analisando autorrelatos nos últimos 30 dias, enquanto em pesquisa realizada com autorrelatos nos últimos 12 meses com adolescentes de Vitória, no Espírito Santo, a prevalência foi de 84,3%, um pouco superior à observada no presente estudo2121 Reisen A, Viana MC, Santos-Neto ET. Bullying among adolescents: are the victims also perpetrators? J Bras Psiquiatr 2019; 41(6):518-529.. Já em recente pesquisa realizada na Itália, foi questionado aos 867 alunos sobre ocorrência de bullying no período do ensino secundário e observou-se uma prevalência de 10,7%. Na África Subsaariana, estudo com dados de 11 países também avaliou a frequência nos últimos 30 dias entre os 24.454 escolares, dos quais 38,8% informaram ter sofrido bullying1313 Maleki CK, Demaray MK, Smith TJ, Emmons J. Disability, poverty, and other risk factors associated with involvement in bullying behaviors. J Sch Psychology 2020; 78:115-132.,3232 Costantino C, Mazzucco W, Scarpitta F, Ventura G, Marotta C, Bono SE, Arcidiacono E, Gentile M, Sannasardo P, Gambino CR, Sannasardo CE, Vella C, Vitale F, Casuccio A, Restivo V. Prevalence and factors associated with bullying phenomenon among pre-adolescents attending first-grade secondary schools of Palermo, Italy, and a comparative systematic literature review. Ital J Pediatr 2022; 48(1):56..
As distintas prevalências de vitimização por bullying observadas nos diversos estudos podem ser explicadas pelos diferentes métodos e critérios utilizados para avaliação e definição do desfecho, além de contextos sociais e culturais diversos3333 Malta DC, Prado RR, Dias AJR, Mello FCM, Silva MAI, Costa MR, Caiaffa WT. Bullying e fatores associados em adolescentes brasileiros: análise da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE 2012). Rev Bras Epidemiol 2014; 17(Supl. 1):131-145.. O presente trabalho, por exemplo, considerou a autopercepção desse fenômeno em qualquer momento da vida, o que pode ter colaborado para a elevada prevalência encontrada.
A prática de bullying no ambiente escolar tornou-se um tema de relevância para a saúde pública nos últimos anos, chamando atenção das famílias, de educadores e da sociedade no mundo todo1111 Malta DC, Mello FCM, Prado RR, Sá ACMGN, Marinho F, Pinto IV, Silva MMAD, Silva MAI. Prevalência de bullying e fatores associados em escolares brasileiros, 2015. Cien Saude Colet 2019; 24(4):1359-1368.,1212 Russo LX. Associação entre vitimização por bullying e índice de massa corporal em escolares. Cad Saude Publica 2020; 36(10):e00182819.,3434 Tristão SKPC, Magno MB, Pintor AVB, Christovam IFO, Ferreira DMTP, Maia LC, Souza IPR. Is there a relationship between malocclusion and bullying? A systematic review. Prog Orthod 2020; 21(1):26.. No presente trabalho, aproximadamente 87,0% dos adolescentes avaliados informaram ter sofrido bullying durante o período em que estavam na escola, sendo que a maioria dos eventos ocorria em sala de aula (70,1%) e no pátio (46,1%). A literatura referente à vitimização por bullying entre escolares chama atenção para as consequências que podem ser sentidas em curto e longo prazo, como ansiedade e depressão, problemas de interação social, familiar, transtornos alimentares e até mesmo, eventos fatais, como suicídio11 Naveed S, Wagas A, Zarnain X, Ahmad W, Wasim M, Rasheed J, Afzaal T. Trends in bullying and emotional and behavioral difficulties among Pakistani schoolchildren: a cross-sectional survey of seven cities. Front Psychiatry 2020; 10:976.,77 Bowman A, Knack JM, Barry AE, Merianos AL, Wilson KL, McKyer ELJ, Smith ML. Self-perceptions and factors associated with being put down at school among middle and high school students. J Sch Nurs 2019; 37(4):270-279.. Além disso, diversos estudos11 Naveed S, Wagas A, Zarnain X, Ahmad W, Wasim M, Rasheed J, Afzaal T. Trends in bullying and emotional and behavioral difficulties among Pakistani schoolchildren: a cross-sectional survey of seven cities. Front Psychiatry 2020; 10:976.,44 Mohseny M, Zamani Z, Basti SA, Sohrabi MR, Najafi A, Zebardast J, Tajdini F. Bullying and Victimization among Students Bears Relationship with Gender and Emotional and Behavioral Problems. Iran J Psychiatry 2019; 14(3):211-220.,77 Bowman A, Knack JM, Barry AE, Merianos AL, Wilson KL, McKyer ELJ, Smith ML. Self-perceptions and factors associated with being put down at school among middle and high school students. J Sch Nurs 2019; 37(4):270-279.,3535 Neupane T, Pandey AR, Bista B, Chalise B. Correlates of bullying victimization among school adolescents in Nepal: findings from 2015 Global School-Based Student Health Survey Nepal. PLoS One 2020; 15(8):e0237406.,3636 Rijlaarsdam J, Cecil CAM, Buil JM, van Lier PAC, Barker ED. Exposure to bullying and general psychopathology: a prospective, longitudinal study. Res Child Adolesc Psychopathol 2021; 49(6):727-736. apontaram que adolescentes vítimas de bullying relataram mais problemas de saúde mental, maior risco de solidão, absenteísmo e evasão escolar devido ao medo, destacando a importância dos achados deste estudo.
No espaço escolar podem ocorrer distintas manifestações de bullying, sendo a física e a verbal as mais frequentes1818 Huang HW, Chen JL, Wang RH. Factors associated with peer victimization among adolescents in Taiwan. JNR 2018; 26(1):52-59.. No presente estudo, 88,4% dos estudantes relataram que foram colocados apelidos neles e 26,6% foram excluídos ou isolados. Esses resultados estão de acordo com o observado por outros autores, que apontam que o bullying verbal e a colocação de apelidos predominam entre os adolescentes22 Marcolino EC, Cavalcanti AL, Padilha WWN, Miranda FAN, Clementino FS. Bullying: prevalência e fatores associados à vitimização e à agressão no cotidiano escolar. Texto Contexto Enferm 2018; 27(1):e5500016.,1818 Huang HW, Chen JL, Wang RH. Factors associated with peer victimization among adolescents in Taiwan. JNR 2018; 26(1):52-59.. O bullying verbal é amplamente descrito na literatura, caracterizado por apelidos quase sempre pejorativos e que apontam determinada característica física ou fragilidade das vítimas22 Marcolino EC, Cavalcanti AL, Padilha WWN, Miranda FAN, Clementino FS. Bullying: prevalência e fatores associados à vitimização e à agressão no cotidiano escolar. Texto Contexto Enferm 2018; 27(1):e5500016.,1818 Huang HW, Chen JL, Wang RH. Factors associated with peer victimization among adolescents in Taiwan. JNR 2018; 26(1):52-59.,3131 Chiu H, Vargo EJ. Bullying and other risk factors related to adolescent suicidal behaviours in the Philippines: a look into the 2011 GSHS Survey. BMC Psychiatry 2022; 22(1):445.,3737 Esteban NA, Cruz MAR, Aldana MSC, Bueno LMD, Vega EAU. Prevalencia y factores asociados con el acoso escolar en adolescentes. Rev Cuid 2020; 11(3):e1000.. Além disso, esses achados indicam que tanto apelidos quanto a exclusão de colegas são formas menos perceptíveis de bullying e que muitas vezes passam como comportamentos normais da fase de desenvolvimento, o que facilita a ocorrência em ambientes com mais testemunhas, casos da sala de aula e do pátio11 Naveed S, Wagas A, Zarnain X, Ahmad W, Wasim M, Rasheed J, Afzaal T. Trends in bullying and emotional and behavioral difficulties among Pakistani schoolchildren: a cross-sectional survey of seven cities. Front Psychiatry 2020; 10:976.,3737 Esteban NA, Cruz MAR, Aldana MSC, Bueno LMD, Vega EAU. Prevalencia y factores asociados con el acoso escolar en adolescentes. Rev Cuid 2020; 11(3):e1000..
Em relação aos fatores associados à violência por bullying, vários estudos relataram maior prevalência no sexo masculino66 Tan LA, Ganapathy SS, Sooryanarayana R, Hasim MH, Saminathan TA, Anuar MFM, Ahmad FH, Abd Razak MA, Rosman A. Bullying Victimization Among School-Going Adolescents in Malaysia: Prevalence and Associated Factors. Asia Pac J Public Health 2019; 31(8):18-29.,1111 Malta DC, Mello FCM, Prado RR, Sá ACMGN, Marinho F, Pinto IV, Silva MMAD, Silva MAI. Prevalência de bullying e fatores associados em escolares brasileiros, 2015. Cien Saude Colet 2019; 24(4):1359-1368.,2020 Mello FCM, Malta DC, Santos MG, Silva MMA, Silva MAI. Evolução do relato de sofrer bullying entre escolares brasileiros: Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar - 2009 a 2015. Rev Bras Epidemiol 2018; 21(Supl. 1):e180015., diferentemente do encontrado no presente estudo. Kann et al.3838 Kann L, McManus T, Harris WA, Shanklin SL, Flint KH, Queen B, Lowry R, Chyen D, Whittle L, Thornton J, Lim C, Bradford D, Yamakawa Y, Leon M, Brener N, Ethier KA. Youth Risk Behavior Surveillance - United States, 2017. MMWR Surveill Summ 2018; 67(8):1-114. observaram resultados semelhantes quando analisaram dados da Pesquisa de Comportamento de Risco de Jovens nos Estados Unidos, encontrando uma prevalência superior entre as meninas (22,3% vs 15,6%). No mesmo sentido dos resultados dessa pesquisa, estudo conduzido em Recife em 2019 com adolescentes entre 15 e 19 anos encontrou maior prevalência de bullying entre as meninas, explicando que o ambiente escolar tende a repetir padrões de que mulheres são mais frágeis do que os homens, tornando-se mais suscetíveis a agressões99 Silva GRR, Lima MLC, Barreira AK, Acioli RML. Prevalence and factors associated with bullying: differences between the roles of bullies and victims of bullying. J Pediatr 2019; 95(7):693-701.. Em paralelo a isso, meninas costumam ouvir mais comentários negativos em relação ao corpo e à aparência, estando mais suscetíveis ao bullying de maneira indireta, caracterizado por agressões verbais, como insultos, fofoca e apelidos, o que corrobora o encontrado, uma vez que os dados desta pesquisa mostram maiores prevalências de bullying do tipo apelidos e entre as meninas11 Naveed S, Wagas A, Zarnain X, Ahmad W, Wasim M, Rasheed J, Afzaal T. Trends in bullying and emotional and behavioral difficulties among Pakistani schoolchildren: a cross-sectional survey of seven cities. Front Psychiatry 2020; 10:976.,1212 Russo LX. Associação entre vitimização por bullying e índice de massa corporal em escolares. Cad Saude Publica 2020; 36(10):e00182819.. Métodos de estudo podem influenciar nos resultados encontrados, uma vez que meninos tendem a relatar menos vitimização em relação às meninas1616 Seo HJ, Jung YE, Kim MD, Bahk WM. Factors associated with bullying victimization among Korean adolescents. Neuropsychiatr Dis Treat 2017; 13:2429-2435.. Por outro lado, estudo realizado na República da Coréia mostrou que meninas vítimas de bullying tendem a ter menor ideação suicida em relação aos meninos, mas ainda assim há muitos danos psicológicos deixados por essa violência3131 Chiu H, Vargo EJ. Bullying and other risk factors related to adolescent suicidal behaviours in the Philippines: a look into the 2011 GSHS Survey. BMC Psychiatry 2022; 22(1):445..
Se enquadrar dentro de um padrão ganha grande importância durante a adolescência, e esses padrões são predominantemente associados a características da raça/cor branca e/ou europeias, e qualquer manifestação fora desses padrões pode derivar para a ocorrência de intolerância contra pessoas de outras etnias66 Tan LA, Ganapathy SS, Sooryanarayana R, Hasim MH, Saminathan TA, Anuar MFM, Ahmad FH, Abd Razak MA, Rosman A. Bullying Victimization Among School-Going Adolescents in Malaysia: Prevalence and Associated Factors. Asia Pac J Public Health 2019; 31(8):18-29.,3333 Malta DC, Prado RR, Dias AJR, Mello FCM, Silva MAI, Costa MR, Caiaffa WT. Bullying e fatores associados em adolescentes brasileiros: análise da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE 2012). Rev Bras Epidemiol 2014; 17(Supl. 1):131-145.,3939 Marcolino EC, Silva CRD, Dias JA, Medeiros SPC, Cavalcanti AL, Clementino FS, Miranda FAN. Violência escolar entre adolescentes: prevalência e fatores associados a vítimas e agressores. REME 2019; 23:e-1214.. A cor da pele também foi outra importante característica associada positivamente à vitimização por bullying, o que se assemelha a outros achados presentes na literatura1212 Russo LX. Associação entre vitimização por bullying e índice de massa corporal em escolares. Cad Saude Publica 2020; 36(10):e00182819.,2222 Malta DC, Oliveira WA, Prates EJS, Mello FCM, Moutinho CDS, Silva MAI. Bullying among Brazilian adolescents: evidence from the National Survey of School Health, Brazil, 2015 and 2019. Rev Lat Am Enferm 2022; 30(Esp.):e3679.,3333 Malta DC, Prado RR, Dias AJR, Mello FCM, Silva MAI, Costa MR, Caiaffa WT. Bullying e fatores associados em adolescentes brasileiros: análise da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE 2012). Rev Bras Epidemiol 2014; 17(Supl. 1):131-145.. Em 2022, Malta et al.2222 Malta DC, Oliveira WA, Prates EJS, Mello FCM, Moutinho CDS, Silva MAI. Bullying among Brazilian adolescents: evidence from the National Survey of School Health, Brazil, 2015 and 2019. Rev Lat Am Enferm 2022; 30(Esp.):e3679. analisaram dados da edição de 2019 da PeNSE e verificaram que cor da pele ou raça era um dos motivos associados para sofrer bullying, resultado similar ao encontrado em nosso trabalho, confirmando que ter a cor da pele não branca está associada a uma maior vitimização.
Em edições anteriores, 2012 e 2015, essa associação se confirmou novamente, embora na última edição a cor da pele tenha se mostrado associada apenas ao sexo feminino1111 Malta DC, Mello FCM, Prado RR, Sá ACMGN, Marinho F, Pinto IV, Silva MMAD, Silva MAI. Prevalência de bullying e fatores associados em escolares brasileiros, 2015. Cien Saude Colet 2019; 24(4):1359-1368.,1212 Russo LX. Associação entre vitimização por bullying e índice de massa corporal em escolares. Cad Saude Publica 2020; 36(10):e00182819.,3333 Malta DC, Prado RR, Dias AJR, Mello FCM, Silva MAI, Costa MR, Caiaffa WT. Bullying e fatores associados em adolescentes brasileiros: análise da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE 2012). Rev Bras Epidemiol 2014; 17(Supl. 1):131-145.. Esses dados reforçam achados de que não ter cor de pele branca é um fator de risco, o que explica a prevalência de 76,0% entre alunos de cor amarela/indígena/parda/preta nessa pesquisa, fato esse que pode também ser derivado de um reflexo de racismo estrutural/xenofobia tão perpetuado e normalizado na sociedade contra essas populações66 Tan LA, Ganapathy SS, Sooryanarayana R, Hasim MH, Saminathan TA, Anuar MFM, Ahmad FH, Abd Razak MA, Rosman A. Bullying Victimization Among School-Going Adolescents in Malaysia: Prevalence and Associated Factors. Asia Pac J Public Health 2019; 31(8):18-29.,3333 Malta DC, Prado RR, Dias AJR, Mello FCM, Silva MAI, Costa MR, Caiaffa WT. Bullying e fatores associados em adolescentes brasileiros: análise da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE 2012). Rev Bras Epidemiol 2014; 17(Supl. 1):131-145.,3939 Marcolino EC, Silva CRD, Dias JA, Medeiros SPC, Cavalcanti AL, Clementino FS, Miranda FAN. Violência escolar entre adolescentes: prevalência e fatores associados a vítimas e agressores. REME 2019; 23:e-1214..
Evidências científicas apontam a associação de comportamentos de risco com maiores índices de vitimização por bullying44 Mohseny M, Zamani Z, Basti SA, Sohrabi MR, Najafi A, Zebardast J, Tajdini F. Bullying and Victimization among Students Bears Relationship with Gender and Emotional and Behavioral Problems. Iran J Psychiatry 2019; 14(3):211-220.,1111 Malta DC, Mello FCM, Prado RR, Sá ACMGN, Marinho F, Pinto IV, Silva MMAD, Silva MAI. Prevalência de bullying e fatores associados em escolares brasileiros, 2015. Cien Saude Colet 2019; 24(4):1359-1368.,3939 Marcolino EC, Silva CRD, Dias JA, Medeiros SPC, Cavalcanti AL, Clementino FS, Miranda FAN. Violência escolar entre adolescentes: prevalência e fatores associados a vítimas e agressores. REME 2019; 23:e-1214.. Essa relação pode ser explicada pelo fato de a adolescência ser um período de maior propensão para iniciação do uso do tabaco, assim, vítimas se tornam mais suscetíveis ao uso dessa substância, uma vez que o bullying pode levar a uma série de comportamentos nocivos à saúde, como desconforto físico, social e mental4040 Mello FCM, Malta CD, Prado RR, Farias SM, Alencastro LCS, Silva MAI. Bullying e fatores associados em adolescentes da Região Sudeste segundo a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar. Rev Bras Epidemiol 2016; 19(4):866-877.
41 Szklo AS, Berton N. Lei, para que te quero? Dados comparativos da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) sobre acesso a cigarros por adolescentes. Cad Saude Publica 2023; 39(2):e00145722.
42 Tarafa H, Alemayehu Y, Bete T, Tarecha D. Bullying victimization and its associated factors among adolescents in Illu Abba Bor Zone, Southwest Ethiopia: a cross-sectional study. BMC Psychol 2022; 10(1):260.
43 Silva GRRE, Lima MLC, Acioli RML, Barreira AK. Prevalence and factors associated with bullying: differences between the roles of bullies and victims of bullying. J Pediatr (Rio J) 2020; 96(6):693-701.
44 Terribele FBP, Munhoz TN. A nationwide school-based study of violence in Brazil (PeNSE, 2015). Cien Saude Colet 2021; 26(1):241-254.-4545 Boing AC, Boing AF, Subramanian SV. Association of violence in schools' vicinity and smoking in schools' premises with tobacco use among Brazilian adolescents. Cad Saude Publica 2019; 35(12):e00057919 .. No Brasil, diversos autores reforçam a relação entre sofrer bullying e uso de tabaco1111 Malta DC, Mello FCM, Prado RR, Sá ACMGN, Marinho F, Pinto IV, Silva MMAD, Silva MAI. Prevalência de bullying e fatores associados em escolares brasileiros, 2015. Cien Saude Colet 2019; 24(4):1359-1368.,3333 Malta DC, Prado RR, Dias AJR, Mello FCM, Silva MAI, Costa MR, Caiaffa WT. Bullying e fatores associados em adolescentes brasileiros: análise da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE 2012). Rev Bras Epidemiol 2014; 17(Supl. 1):131-145.,3939 Marcolino EC, Silva CRD, Dias JA, Medeiros SPC, Cavalcanti AL, Clementino FS, Miranda FAN. Violência escolar entre adolescentes: prevalência e fatores associados a vítimas e agressores. REME 2019; 23:e-1214.,4040 Mello FCM, Malta CD, Prado RR, Farias SM, Alencastro LCS, Silva MAI. Bullying e fatores associados em adolescentes da Região Sudeste segundo a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar. Rev Bras Epidemiol 2016; 19(4):866-877., e os resultados do presente estudo apontam um percentual significativo de violência (84,5%) entre aqueles que responderam ter experimentado essa substância.
Assim como nesta pesquisa, em 2019, achados com dados libaneses indicavam associação entre o uso de tabaco e bullying44 Mohseny M, Zamani Z, Basti SA, Sohrabi MR, Najafi A, Zebardast J, Tajdini F. Bullying and Victimization among Students Bears Relationship with Gender and Emotional and Behavioral Problems. Iran J Psychiatry 2019; 14(3):211-220..Segundo estudo realizado com três escolas públicas na Colômbia, o bullying foi mais prevalente entre aqueles que usavam tabaco com maior frequência3737 Esteban NA, Cruz MAR, Aldana MSC, Bueno LMD, Vega EAU. Prevalencia y factores asociados con el acoso escolar en adolescentes. Rev Cuid 2020; 11(3):e1000.. O uso de substâncias pode acabar se tornando um refúgio, já que o uso de cigarros e álcool pode se tornar uma forma de lidar com essa situação, principalmente se houver um consumo prévio por parte de familiares e professores, figuras de autoridade e referência para os adolescentes4343 Silva GRRE, Lima MLC, Acioli RML, Barreira AK. Prevalence and factors associated with bullying: differences between the roles of bullies and victims of bullying. J Pediatr (Rio J) 2020; 96(6):693-701.
44 Terribele FBP, Munhoz TN. A nationwide school-based study of violence in Brazil (PeNSE, 2015). Cien Saude Colet 2021; 26(1):241-254.-4545 Boing AC, Boing AF, Subramanian SV. Association of violence in schools' vicinity and smoking in schools' premises with tobacco use among Brazilian adolescents. Cad Saude Publica 2019; 35(12):e00057919 .. Entretanto, pela natureza transversal do presente estudo, devemos salientar que o uso de tabaco pode tanto ser motivador para o envolvimento em violências quanto resultante de uma vitimização sofrida pelos adolescentes33 Obeid S, Sacre H, Hallit S, Salameh P. School bullying - the silent epidemic: a cross-sectional study of factors associated with peer victimization among Lebanese adolescents. J Interpers Violence 2020; 37(1-2):NP1147-NP1169 .,44 Mohseny M, Zamani Z, Basti SA, Sohrabi MR, Najafi A, Zebardast J, Tajdini F. Bullying and Victimization among Students Bears Relationship with Gender and Emotional and Behavioral Problems. Iran J Psychiatry 2019; 14(3):211-220.,1111 Malta DC, Mello FCM, Prado RR, Sá ACMGN, Marinho F, Pinto IV, Silva MMAD, Silva MAI. Prevalência de bullying e fatores associados em escolares brasileiros, 2015. Cien Saude Colet 2019; 24(4):1359-1368..
Consistente com pesquisas anteriores1212 Russo LX. Associação entre vitimização por bullying e índice de massa corporal em escolares. Cad Saude Publica 2020; 36(10):e00182819.,4646 Oliveira WA, Silva MAI, Mello FCM, Porto DL, Yoshinaga ACM, Malta DC. Causas do bullying: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar. Rev Lat Am Enfermagem 2015; 23(2):275-282.,4747 Day S, Bussey K, Trompeter N, Mitchison D. The impact of teasing and bullying victimization on disordered eating and body image disturbance among adolescents: a systematic review. Trauma Violence Abuse 2021; 23(3):985-1006., os resultados deste estudo mostraram que a insatisfação corporal também é fator de risco para vitimização por bullying, visto que 88,6% dos estudantes insatisfeitos e 72,9% daqueles indiferentes em relação ao corpo informaram ter sofrido a violência. Russo1212 Russo LX. Associação entre vitimização por bullying e índice de massa corporal em escolares. Cad Saude Publica 2020; 36(10):e00182819. também encontrou que escolares insatisfeitos com o corpo tinham probabilidade 15,9% maior de ser vítimas de bullying. Analisando dados da PeNSE de 2012, um estudo mostrou que essa violência foi menos frequente naqueles que consideraram seu corpo normal no momento da pesquisa4646 Oliveira WA, Silva MAI, Mello FCM, Porto DL, Yoshinaga ACM, Malta DC. Causas do bullying: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar. Rev Lat Am Enfermagem 2015; 23(2):275-282.. Pesquisa na cidade de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, mostrou que os adolescentes que se classificaram insatisfeitos com a imagem corporal tinham o triplo de chance de sofrer bullying4848 Rech RR, Halpern R, Tedesco A, Santos DF. Prevalence and characteristics of victims and perpetrators of bullying. J Pediatr 2013; 89(2):164-170.. Na última edição da PeNSE, os participantes mencionaram que um dos motivos e causas da ocorrência de bullying era a aparência física2222 Malta DC, Oliveira WA, Prates EJS, Mello FCM, Moutinho CDS, Silva MAI. Bullying among Brazilian adolescents: evidence from the National Survey of School Health, Brazil, 2015 and 2019. Rev Lat Am Enferm 2022; 30(Esp.):e3679.. Esses resultados se assemelham aos desta pesquisa, e apontam ainda uma relação complexa entre imagem corporal, peso e bullying, o que seria um agravante nessa faixa etária, na qual a aparência física ganha um peso maior no conceito dos adolescentes1212 Russo LX. Associação entre vitimização por bullying e índice de massa corporal em escolares. Cad Saude Publica 2020; 36(10):e00182819.,2222 Malta DC, Oliveira WA, Prates EJS, Mello FCM, Moutinho CDS, Silva MAI. Bullying among Brazilian adolescents: evidence from the National Survey of School Health, Brazil, 2015 and 2019. Rev Lat Am Enferm 2022; 30(Esp.):e3679.,4848 Rech RR, Halpern R, Tedesco A, Santos DF. Prevalence and characteristics of victims and perpetrators of bullying. J Pediatr 2013; 89(2):164-170.. Isso ocorre porque nessa fase da vida o bullying relacionado ao peso é mais frequente do que outros tipos1212 Russo LX. Associação entre vitimização por bullying e índice de massa corporal em escolares. Cad Saude Publica 2020; 36(10):e00182819..
Essa tríade se torna ainda mais importante na faixa etária estudada, uma vez que a aceitação dos colegas e da sociedade se refletem diretamente no nível de aceitação corporal, gerando um desejo de se enquadrar em padrões de eutrofia1212 Russo LX. Associação entre vitimização por bullying e índice de massa corporal em escolares. Cad Saude Publica 2020; 36(10):e00182819.,3434 Tristão SKPC, Magno MB, Pintor AVB, Christovam IFO, Ferreira DMTP, Maia LC, Souza IPR. Is there a relationship between malocclusion and bullying? A systematic review. Prog Orthod 2020; 21(1):26.,4747 Day S, Bussey K, Trompeter N, Mitchison D. The impact of teasing and bullying victimization on disordered eating and body image disturbance among adolescents: a systematic review. Trauma Violence Abuse 2021; 23(3):985-1006.,4949 Marta-Simões J, Tylka TL, Ferreira C. Adolescent girls' body appreciation: influences of compassion and social safeness, and association with disordered eating. Eat Weight Disord 2022; 27(4):1359-1366.. Uma recente revisão sistemática revelou que adolescentes tendem a ter mais comportamentos de desordens alimentares quando insatisfeitos, levando a restrições alimentares, bulimia e até uso de laxantes e medicamentos4747 Day S, Bussey K, Trompeter N, Mitchison D. The impact of teasing and bullying victimization on disordered eating and body image disturbance among adolescents: a systematic review. Trauma Violence Abuse 2021; 23(3):985-1006.,5050 Blum RW, Li M, Choiriyyah I, Barnette Q, Michielson K, Mmari K. Body satisfaction in early adolescence: a multisite comparison. J Adolesc Health 2021; 69(1):39-46.,5151 McLean SA, Rodgers RF, Slater A, Jarman HK, Gordon CS, Paxton SJ. Clinically significant body dissatisfaction: prevalence and association with depressive symptoms in adolescent boys and girls. Eur Child Adolesc Psychiatry 2022; 31(12):1921-1932.. Segundo artigo publicado em julho de 2022, de 2016 a 2019 houve apenas 35 estudos sobre bullying e imagem corporal, o que revela uma escassez de pesquisas a respeito desse fator associado4747 Day S, Bussey K, Trompeter N, Mitchison D. The impact of teasing and bullying victimization on disordered eating and body image disturbance among adolescents: a systematic review. Trauma Violence Abuse 2021; 23(3):985-1006..
O excesso de peso foi outro fator associado com sofrer bullying, sendo a violência relatada por 76,4% dos estudantes com essa classificação de estado nutricional, justificando o alto índice de insatisfação corporal encontrada na presente pesquisa1212 Russo LX. Associação entre vitimização por bullying e índice de massa corporal em escolares. Cad Saude Publica 2020; 36(10):e00182819.. Estudos internacionais também apontam essas associações, que podem ser esclarecidas pelo estigma do peso corporal associado à obesidade, com todo indivíduo que não se encaixa em um padrão sendo considerado diferente44 Mohseny M, Zamani Z, Basti SA, Sohrabi MR, Najafi A, Zebardast J, Tajdini F. Bullying and Victimization among Students Bears Relationship with Gender and Emotional and Behavioral Problems. Iran J Psychiatry 2019; 14(3):211-220.,1919 Wang C, Li Y, Li K, Seo DC. Body weight and bullying victimization among US adolescents. Academic Accelerator 2018; 42(1):3-12.,3434 Tristão SKPC, Magno MB, Pintor AVB, Christovam IFO, Ferreira DMTP, Maia LC, Souza IPR. Is there a relationship between malocclusion and bullying? A systematic review. Prog Orthod 2020; 21(1):26.. Resultados de pesquisas no mundo todo revelam que adolescentes com sobrepeso e obesidade tiveram mais chances de se tornar vítimas de bullying4747 Day S, Bussey K, Trompeter N, Mitchison D. The impact of teasing and bullying victimization on disordered eating and body image disturbance among adolescents: a systematic review. Trauma Violence Abuse 2021; 23(3):985-1006..
Para os 13.583 participantes de um estudo nos Estados Unidos o peso também foi um fator associado com maior frequência de intimidação5252 Merril RM, Hanson CL. Risk and protective factors associated with being bullied on school property compared with cyberbullied. BMC Public Health 2016; 16:145.. No Brasil, Marcolino et al.22 Marcolino EC, Cavalcanti AL, Padilha WWN, Miranda FAN, Clementino FS. Bullying: prevalência e fatores associados à vitimização e à agressão no cotidiano escolar. Texto Contexto Enferm 2018; 27(1):e5500016. encontraram que adolescentes com excesso de peso apresentaram maiores chances de vitimização por bullying quando comparados aos com peso adequado. Estudo publicado em 2020 com dados da PeNSE 2015 encontrou resultado parecido, ou seja, os escolares de baixo peso, assim como os com sobrepeso ou obesidade, indicaram maior probabilidade de vitimização por bullying1212 Russo LX. Associação entre vitimização por bullying e índice de massa corporal em escolares. Cad Saude Publica 2020; 36(10):e00182819.. Mais recentemente, pesquisa de 2022 mostrou que ambos os sexos estão mais propensos a sofrer bullying quando acima do peso, reforçando que todo aluno fora de um padrão estético social está mais propenso a retaliações1111 Malta DC, Mello FCM, Prado RR, Sá ACMGN, Marinho F, Pinto IV, Silva MMAD, Silva MAI. Prevalência de bullying e fatores associados em escolares brasileiros, 2015. Cien Saude Colet 2019; 24(4):1359-1368.,1212 Russo LX. Associação entre vitimização por bullying e índice de massa corporal em escolares. Cad Saude Publica 2020; 36(10):e00182819.,5353 Cheng S, Kaminga AC, Liu Q, Wu F, Wang Z, Wang X, Liu X. Association between weight status and bullying experiences among children and adolescents in schools: An updated meta-analysis. Child Abuse Negl 2022; 134:105833..
Esse contexto reforça ainda mais que a obesidade, enquanto problema de saúde pública, agora associada ao bullying, precisa de uma atenção especial, uma vez que na adolescência esse tipo de violência pode gerar isolamento social, vômitos forçados, restrições alimentares e distúrbios de imagem4747 Day S, Bussey K, Trompeter N, Mitchison D. The impact of teasing and bullying victimization on disordered eating and body image disturbance among adolescents: a systematic review. Trauma Violence Abuse 2021; 23(3):985-1006.,5353 Cheng S, Kaminga AC, Liu Q, Wu F, Wang Z, Wang X, Liu X. Association between weight status and bullying experiences among children and adolescents in schools: An updated meta-analysis. Child Abuse Negl 2022; 134:105833.
54 Okada LM, Miranda RR, Pena GDG, Levy RB, Azeredo CM. Association between exposure to interpersonal violence and social isolation, and the adoption of unhealthy weight control practices. Appetite 2019; 142:104384.
55 Alves RL, Toral N, Gonçalves VSS. Individual and socioeconomic contextual factors associated with obesity in Brazilian adolescents: VigiNUTRI Brasil. Int J Environ Res Public Health 2022; 20(1):430.-5656 Moore Heslin A, O'Donnell A, Kehoe L, Walton J, Flynn A, Kearney J, McNulty B. Adolescent overweight and obesity in Ireland-Trends and sociodemographic associations between 1990 and 2020. Pediatr Obes 2023; 18(2):e12988..
Esses achados indicam a importância de se ter uma perspectiva mais ampla em relação ao fenômeno bullying, uma vez que implicações culturais, sociais e estruturais estão interligadas a esse problema de saúde pública1212 Russo LX. Associação entre vitimização por bullying e índice de massa corporal em escolares. Cad Saude Publica 2020; 36(10):e00182819.,2121 Reisen A, Viana MC, Santos-Neto ET. Bullying among adolescents: are the victims also perpetrators? J Bras Psiquiatr 2019; 41(6):518-529.,3939 Marcolino EC, Silva CRD, Dias JA, Medeiros SPC, Cavalcanti AL, Clementino FS, Miranda FAN. Violência escolar entre adolescentes: prevalência e fatores associados a vítimas e agressores. REME 2019; 23:e-1214.. Um olhar mais atento sobre este tema, para a proposição de políticas públicas adequadas para a faixa etária, que sejam assertivas e que melhorem as relações entre os estudantes, torna-se de extrema importância1111 Malta DC, Mello FCM, Prado RR, Sá ACMGN, Marinho F, Pinto IV, Silva MMAD, Silva MAI. Prevalência de bullying e fatores associados em escolares brasileiros, 2015. Cien Saude Colet 2019; 24(4):1359-1368.,1212 Russo LX. Associação entre vitimização por bullying e índice de massa corporal em escolares. Cad Saude Publica 2020; 36(10):e00182819.. Os esclarecimentos devem estar dentro e fora da sala de aula, fazendo com que professores e familiares se conscientizem sobre a importância de não haver esse tipo de violência dentro e fora da escola.
Os presentes resultados se mostram relevantes, pois investigam uma população específica, com individualidades, de maneira distinta de estudos de base nacional, em que características próprias de cada região podem ser perdidas, necessitando de um olhar mais minucioso a respeito dessas populações longe dos grandes centros.
Apesar de o presente estudo ter como base dados um censo escolar, este artigo apresenta limitações que precisam ser pontuadas: o fato de ser um estudo transversal, que impossibilita a análise das causas do bullying, e a possibilidade de causalidade reversa em algumas associações; o uso de um questionário autopreenchido pelos estudantes, podendo estar sujeito a vieses e falta de compreensão. Entretanto, este foi o primeiro estudo sobre bullying de base escolar com dados de uma amostra representativa de estudantes da rede municipal de ensino no Sul do Brasil. Além disso, chama-se atenção para a alta taxa de resposta (85,0% dos elegíveis), situação distinta à observada em estudos dessa natureza, nos quais o número de perdas e recusas costuma ser alto5757 Iepsen AM, Silva MC. Prevalência e fatores associados à insatisfação com a imagem corporal de adolescentes de escolas do Ensino Médio da zona rural da região sul do Rio Grande do Sul, 2012. Epidemiol Serv Saude 2014; 23(2):317-325..
Conclusão
O estudo observou elevada ocorrência de bullying entre adolescentes da rede municipal de ensino, com dados importantes para a região Sul do Brasil, revelando que o ambiente escolar, principalmente a sala de aula, tem sido palco para reprodução dessa violência. Os resultados mostraram a necessidade de um olhar mais atento dos educadores e da sociedade como um todo, além da proposição de medidas educativas urgentes que visem sua prevenção e redução, bem como a conscientização de toda a comunidade escolar, incluindo professores e familiares.
Sugere-se que estratégias assertivas sejam implementadas por parte das escolas, uma vez que o público adolescente precisa de um cuidado maior para que temas complexos sejam trabalhados. A compreensão de fatores que se associam a essa violência pode ajudar a comunidade a buscar tais medidas visando coibir a prática de bullying. Sugere-se ainda que mais estudos sejam realizados acerca do tema, com vistas a novas descobertas e melhores esclarecimentos de fatores que se associam a esse fenômeno.
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Editores-chefes:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
02 Fev 2024 -
Data do Fascículo
Fev 2024
Histórico
-
Recebido
09 Out 2022 -
Aceito
02 Jun 2023 -
Publicado
08 Jun 2023