Resumo
O objetivo do estudo foi analisar os fatores associados à recorrência da violência interpessoal contra crianças e adolescentes em Mato Grosso. Estudo com casos registrados no Sistema Informação de Agravos de Notificação no período de 2013 a 2019. A associação entre as variáveis foi estimada pela regressão logística, estratificada por faixa etária (crianças e adolescentes). A frequência da violência recorrente em crianças foi de 49,0%, e de 42,9% em adolescentes. Para ambos, a violência recorrente associou-se positivamente com ocorrência em residência, violência psicológica/moral, com mais de dois agressores envolvidos, agressores familiares e meio de agressão, ameaça. Para as crianças, negligência/abandono, sexo do agressor masculino ou ambos associaram-se positivamente com a recorrência da violência. Para adolescentes, baixa escolaridade, violência sexual e agressor parceiro íntimo estiveram associados positivamente à recorrência da violência, enquanto outros agressores e arma de fogo ou força corporal associaram-se negativamente. Os resultados trazem contribuições relevantes para o conhecimento dos fatores associados à violência recorrente, ainda pouco estudada na literatura nacional e internacional, sendo fundamental para apoiar estratégias de redução da recorrência da violência e de proteção às crianças e adolescentes.
Palavras-chave:
Violência; Criança; Adolescente; Recorrência
Abstract
This study examined factors associated with the recurrence of interpersonal violence against children and adolescents in Mato Grosso state, considering cases recorded in the Notifiable Diseases Information System, from 2013 to 2019. Associations between variables were estimated by logistic regression and stratified by age group (children and adolescents). The frequency of recurrent violence against children was 49.0% and, against adolescents, 42.9%. For both, recurrent violence was positively associated with occurrence at home, psychological or emotional violence, aggressors’ being more than two, their being relatives and threats being the means of aggression. Neglect or abandonment and male or both-sex aggressors were positively associated with recurrent violence against children. Against adolescents, poor education, sexual violence and intimate-partner aggressors were positively associated with recurrent violence, while other aggressors and firearms or physical force were negatively associated. The findings offer significant contributions to knowledge of factors associated with recurrent violence, which is still little studied in the national and international literature. This is essential in order to inform strategies to reduce the recurrence of violence and protect children and adolescents.
Key words:
Violence; Child; Adolescent; Recurrence
Introdução
A violência é um problema de saúde pública e representa uma das principais causas de óbitos na faixa etária de 0 a 19 anos, ocupando a segunda causa de mortalidade, com tendência crescente nos últimos anos11 Brasil. Ministério dos Direitos Humanos (MDH). Secretaria Nacional de Proteção dos Direitos da Criança e Adolescente. Letalidade infanto-juvenil: dados da violência e políticas públicas existentes. Brasília: MDH; 2018.,22 Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). As crianças têm direito à segurança onde quer que estejam [Internet]. 2020. [acessado 2021 jan 3]. Disponível em: https://www.unicef.org/end-violence
https://www.unicef.org/end-violence...
. Em 2012, foram 95.000 vítimas de homicídio nessa faixa etária, com o maior número de mortes concentrado na América Latina e Caribe33 Macedo DM, Foschiera LN, Bordini TCPM, Habigzang LF, Koller SH. Revisão sistemática de estudos sobre registros de violência contra crianças e adolescentes no Brasil. Cien Saude Colet 2019; 24(2):487-496..
A temática da violência, apesar de não ser recente em nossa sociedade, ainda é um assunto muito delicado, principalmente quando envolve crianças e adolescentes. A violência causa prejuízos individuais, coletivos e econômicos, gerando mundialmente um custo de 7 trilhões por ano relacionados apenas à violência contra crianças22 Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). As crianças têm direito à segurança onde quer que estejam [Internet]. 2020. [acessado 2021 jan 3]. Disponível em: https://www.unicef.org/end-violence
https://www.unicef.org/end-violence...
.
Os casos de violência infanto-juvenil são multicausais, portanto, não estão diretamente relacionados somente a raça, classe, religião ou cultura, todavia, a vulnerabilidade social está associada ao maior risco para a violência na infância44 Krug EG, Dahlberg LL, Mercy JA, Zwi AB, Lozano R, editors. World report on violence and health. Geneva: WHO; 2002.. As crianças estão entre os grupos mais vulneráveis à violência, em função de seu estágio de desenvolvimento e sua dependência do cuidado e proteção dos adultos55 World Health Organization (WHO). World report on child injury prevention. Geneva: WHO; 2008..
No Brasil, o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), criado na década de 1990, representa um grande avanço para o combate à violência infantil, posto que estabelece a obrigatoriedade de os profissionais de saúde denunciarem casos de maus-tratos66 Brasil. Presidência da República. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que institui o Estatuto da Criança e do Adolescente. Diário Oficial da União 1990; 16 jul.. Além disso, o Ministério da Saúde instituiu, em 2011, o Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA) como subsídio para as políticas públicas em saúde, contribuindo para a prevenção da violência e a promoção da cultura de paz por meio dos dados notificados pelos serviços de saúde77 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Viva: vigilância de violências e acidentes: 2013 e 2014. Brasília: Ministério da Saúde; 2017.. Sugere-se que os casos notificados são comumente os mais graves, resultantes de violências anteriores88 Farias MS, Souza CS, Carneseca EC, Passos ADC, Vieira EM. Caracterização das notificações de violência em crianças no município de Ribeirão Preto, São Paulo, no período 2006-2008. Epidemiol Serv Saude 2016; 25(4):799-806..
A recorrência da violência tem efeitos negativos múltiplos e significativos sobre as crianças e adolescentes99 Carnochan S, Rizik-Baer D, Austin MJ. Preventing the recurrence of maltreatment. J Evid Based Social Work 2013; 10(3):161-178., podendo deixar marcas invisíveis e imensuráveis, impactando diretamente em sua saúde e qualidade de vida1010 Piovezan LNC, Diniz LO, Calmeto MN, Fontella RB, Ferreira RSB, Vidal CEL. Análise das fichas de notificação de violência emitidas por serviços de saúde da região de Barbacena. Rev Med Minas Gerais 2018; 28(Supl. 5):e-S280502.
11 Sinimbu RB, Mascarenhas MDM, Silva MMA, Carvalho MGO, Santos MR, Freitas MG. Characterization of victims of domestic violence, sexual and/or other violence in Brazil - 2014. Rev Saude Foco 2016; 1(1):1-14.-1212 Mascarenhas MDM, Malta DC, Silva MMA, Lima CM, Carvalho MGO, Oliveira VLA. Violência contra a criança: revelando o perfil dos atendimentos em serviços de emergência, Brasil, 2006 e 2007. Cad Saude Publica 2010; 26(2):347-357..
A recorrência da violência expõe a criança à cronicidade do evento, comprometendo negativamente seu crescimento e desenvolvimento e aumentando sua chance de óbito1313 Hamilton LHA, Jaffe PG, Campbell M. Assessing children's risk for homicide in the context of domestic violence. J Fam Violence 2013; 28(2):179-189.,1414 Ferreira CLS, Côrtes MCJW, Gontijo ED. Promoção dos direitos da criança e prevenção de maus tratos infantis. Cien Saude Colet 2019; 24(11):3997- 4008.. Em adolescentes, a recorrência da violência está associada à maior transgressão de normas sociais, à menor capacidade de resiliência e à baixa autoestima1515 McGee ZT, Baker SR. Impact of violence on problem behavior among adolescents: risk factors among an urban sample. J Contemp Crim Justice 2002; 18(1):74-93.,1616 Yule K, Houston J, Grych J. Resilience in children exposed to violence: a meta-analysis of protective factors across ecological contexts. Clin Child Fam Psychol Rev 2019; 22(3):406-431..
Alguns fatores têm sido identificados como associados à recorrência da violência contra a criança e o adolescente1717 Kim K, Choi J, Jang H, Lee HJ, Jang H. Predictive model for intra-familial child maltreatment re-reports and recurrence in South Korea: analysis of national child protection services case records. Child Abuse Negl 2022; 125:105487.
18 Horikawa H, Suguimoto SP, Musumari PM, Techasrivichien T, Ono-Kihara M, Kihara M. Development of a prediction model for child maltreatment recurrence in Japan: a historical cohort study using data from a Child Guidance Center. Child Abuse Negl 2016; 59:55-65.
19 White OG, Hindley N, Jones DP. Risk factors for child maltreatment recurrence: an updated systematic review. Med Sci Law 2015; 55(4):259-277.
20 Ng QX, Yong BZJ, Ho CYX, Lim DY, Yeo WS. Early life sexual abuse is associated with increased suicide attempts: an update meta-analysis. J Psychiatr Res 2018; 99:129-141.
21 Leite FMC, Pinto IBA, Luis MA, Iltchenco Filho JH, Laignier MR, Lopes-Júnior LC. Violência recorrente contra adolescentes: uma análise das notificações. Rev Latino-Am Enferm 2022; 30 (Esp.):e3682.
22 Pedroso MRO, Leite FMC. Violência recorrente contra crianças: análise dos casos notificados entre 2011 e 2018 no Estado do Espírito Santo. Epidemiol Serv Saude 2021; 30(3):e2020809.-2323 Platt VB, Coelho ESB, Bolsonia C, Honickya M, Bordina GP, Camargo MAV. Sexual violence against children in the state of Santa Catarina, Brazil: characteristics and factors related to repetitive violence. Rev Paul Pediatr 2023; 41:e2022069. Estudo de revisão sistemática com pesquisas de coorte identificou que negligência, crianças mais jovens, casos envolvendo múltiplos tipos de maus tratos e fatores do ambiente familiar, como pobreza e problemas de saúde mental na família, foram associados a maiores frequências de recorrência1919 White OG, Hindley N, Jones DP. Risk factors for child maltreatment recurrence: an updated systematic review. Med Sci Law 2015; 55(4):259-277.. No Brasil, os estudos que investigaram a recorrência de violência contra crianças e adolescentes apresentam recortes por tipo de violência2323 Platt VB, Coelho ESB, Bolsonia C, Honickya M, Bordina GP, Camargo MAV. Sexual violence against children in the state of Santa Catarina, Brazil: characteristics and factors related to repetitive violence. Rev Paul Pediatr 2023; 41:e2022069 ou grupo específico, somente crianças2222 Pedroso MRO, Leite FMC. Violência recorrente contra crianças: análise dos casos notificados entre 2011 e 2018 no Estado do Espírito Santo. Epidemiol Serv Saude 2021; 30(3):e2020809. ou apenas adolescentes2121 Leite FMC, Pinto IBA, Luis MA, Iltchenco Filho JH, Laignier MR, Lopes-Júnior LC. Violência recorrente contra adolescentes: uma análise das notificações. Rev Latino-Am Enferm 2022; 30 (Esp.):e3682..
Logo, conhecer as características e os fatores de risco associados à violência recorrente em crianças e adolescentes torna-se relevante para apoiar as medidas de redução dessas recorrências e a tomada de decisão por profissionais e gestores. Este estudo objetivou analisar os fatores associados à recorrência da violência interpessoal contra crianças e adolescentes em Mato Grosso, no período de 2013 a 2019.
Método
Estudo realizado com dados de notificação de violência contra crianças e adolescentes de Mato Grosso no período de 2013 a 2019. Foram considerados crianças e adolescentes aqueles, respectivamente, com idade de 0 a 9 anos e 10 a 19 anos, conforme define a Organização Mundial da Saúde2424 World Health Organization (WHO). Adolescent health [Internet]. 2019. [cited 2023 jun 11]. Available from: http://www.who.int/topics/adolescent_health/en/
http://www.who.int/topics/adolescent_hea...
. Os dados foram disponibilizados pela Secretaria de Estado da Saúde de Mato Grosso e extraídos do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA), em seu componente Vigilância de Violência Interpessoal e Autoprovocada do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (VIVA-Sinan). A notificação de violências contra contra crianças e adolescentes é obrigatória para todos os estabelecimentos públicos e privados de saúde do país desde 20112525 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Viva: instrutivo notificação de violência interpessoal e autoprovocada. Brasília: MS; 2016.. Foram excluídos os registros de casos de lesão autoprovocada.
A variável dependente foi a violência recorrente, obtida a partir da pergunta sobre a violência notificada ter ou não ocorrido outras vezes (não; sim; ignorado). Dessa forma, todas as comparações realizadas neste estudo foram entre o grupo exposto à violência recorrente (categoria sim da variável “ocorreu outras vezes”) em relação ao grupo de violência não recorrente (categoria não), ou seja, o grupo de violência única. Os dados ignorados foram excluídos da análise (n = 1.018).
As variáveis independentes analisadas foram divididas em blocos, de acordo com a seguinte ordem: (1) características da vítima: sexo (feminino; masculino), raça/cor da pele (preta/parda; indígena; branca/amarela), escolaridade (analfabetismo/ ensino fundamental; ensino médio/ ensino superior), situação conjugal (casado/união estável; sem parceiro), deficiência/transtorno (sim, não). Foram consideradas deficiências física, intelectual, visual e auditiva, transtornos mentais, transtornos de comportamento, além de outras deficiências e outros transtornos; (2) características da violência: turno de ocorrência (diurno - manhã/tarde; noturno - noite/madrugada); local de ocorrência da violência (residência; bar ou similar; escola/ local de prática esportiva; via pública; outros locais - outros, comércio/serviços, indústrias/construção); (3) tipo de violência: física (sim; não), psicológica/moral (sim; não), sexual (sim; não), negligência/abandono (sim; não); (4) características do provável agressor: sexo (feminino; masculino; ambos), faixa etária do agressor - ciclo de vida do provável autor da violência (criança - 0 a 9 anos; adolescente - 10 a 19 anos; jovem - 20 a 24 anos; adulto - 25 a 59 anos; idoso - 60 anos ou mais), número de envolvidos (um; dois ou mais), consumo de bebida alcoólica pelo provável autor (sim; não), vínculo com a vítima (familiares - pai, mãe, padrasto, madrasta, irmão(ã) e filho(a); amigos/conhecidos - amigos/conhecidos, cuidadores, patrão/chefe; parceiros íntimos - cônjuge, ex-cônjuge, namorado(a) e ex-namorado(a); outros - desconhecidos, polícia, institucional, outros); e (5) características do meio de agressão: força corporal (sim; não); enforcamento (sim; não), objeto contundente (sim; não), objeto perfurocortante (sim; não), objeto/substância quente (sim; não), envenenamento (sim; não), arma de fogo (sim; não), ameaça (sim; não), outros meios que não os especificados anteriormente (sim; não). As variáveis tipo de violência e vínculo com a vítima permitem respostas múltiplas. As variáveis escolaridade e estado civil foram analisadas somente para os adolescentes.
A variável de estratificação foi a faixa etária, 0 a 9 - crianças e 10 a 19 anos - adolescentes.
Foi realizada a análise descritiva dos dados por meio de frequências absolutas e relativas. Foi calculada a frequência de violência recorrente contra crianças e adolescentes segundo as variáveis independentes. Para avaliar a associação entre violência recorrente contra crianças e adolescentes e as variáveis independentes foram realizadas análises univariadas e múltiplas, e foram estimados odds ratio (OR) com seus respectivos intervalos de confiança (IC95%) por meio de modelos de regressão logística. Para todas as análises comparou-se o grupo exposto à violência recorrente com o grupo não exposto à violência recorrente.
As variáveis com valor de p menor do que 0,20 na análise univariada foram incluídas no modelo múltiplo. Para o ajuste do modelo múltiplo foi usado a entrada hierarquizada das variáveis independentes, que foram organizadas em blocos de acordo com a seguinte ordem: (1) características da vítima; (2) características da violência; (3) tipo de violência, (4) características do provável agressor; e (5) características do meio de agressão.
Para cada nível hierárquico foi ajustado um modelo, excluindo-se as variáveis com maior valor de p, sendo o modelo reestimado após cada exclusão e assim sucessivamente até que todas as variáveis do mesmo nível permanecessem significativas a 5%. As variáveis dos níveis mais distais permaneceram como fatores de ajuste para os níveis hierarquicamente inferiores. No modelo final, adotou-se o nível de significância de 5% para determinação das variáveis associadas à violência de repetição. Todas as análises foram estratificadas por faixa etária (crianças e adolescentes). As análises foram feitas no software STATA, versão 12.
O projeto foi aprovado em 16 de junho de 2020 pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Mato Grosso, CAAE nº 30260420.9.0000.8124, Parecer no 4.091.189.
Resultados
No período de 2013 a 2019, foram registrados 5.742 casos de violência interpessoal contra crianças e adolescentes no estado de Mato Grosso, desses, 1.018 (18,3%) foram excluídos devido ao não preenchimento do campo referente à variável “ocorreu outras vezes”. Dos 4.553 casos nos quais se tinha registro desta variável, 44,7% (2.037) foram violência recorrente, sendo mais frequentes entre as crianças (49,0%), quando comparado ao grupo de adolescentes (42,9%).
No total dos casos notificados de violência interpessoal analisados (n = 4.553), a maioria das crianças e adolescentes era do sexo feminino, da raça/cor preta/parda, o local de ocorrência mais frequente era a residência, o principal agressor foi do sexo masculino e os meios de agressão mais usuais foram força corporal e ameaça. Para as crianças, o tipo de violência mais frequente foi sexual (61,5%), física (45,4%), psicológica/moral (37,3%) e negligência/abandono (10,0%), o agressor era amigo/conhecido (58,7%) e familiares (43,7%). Para os adolescentes, a violência física (60,7%) foi a mais frequente, seguida da sexual (48,6%), psicológica/moral (33,3%) e o agressor era amigo/conhecido (35,4%) (Tabela 1, 2 e 3).
Adolescentes do sexo feminino, com baixa escolaridade (analfabetismo/ensino fundamental) e casado/união estável apresentaram chance maior de recorrência de violência. A residência se revelou o local de maior chance de ocorrência para recorrência da violência tanto para crianças (OR = 2,43; IC95%: 1,62-3,64) quanto para adolescentes (OR = 2,44; IC95%: 1,94-3,06), enquanto a via pública e o bar/similar foram os locais de menor chance para os adolescentes. Em relação à natureza da violência, a recorrência associou-se positivamente com violência psicológica/moral, sexual e negligência para as crianças e adolescentes, e negativamente com a violência física para os adolescentes (Tabela 1).
No que se refere à associação de violência recorrente relacionada às características do agressor (Tabela 2), foi observada maior chance por agressor de ambos os sexos e sexo masculino. Quanto ao ciclo de vida do agressor, em crianças a chance de recorrência da violência cometida por idoso foi mais elevada em relação às outras faixas etárias (OR = 3,85; IC95%: 1,75-8,45), porém outros grupos se mostraram importantes, como adultos e jovens. Em adolescentes, a maior chance de ocorrência só foi verificada para adultos (OR = 2,36; IC95%: 1,02-5,44). Em relação ao número de agressores envolvidos, houve maior chance de repetição da violência em crianças quando essa foi cometida por dois ou mais agressores (OR = 1,40; IC95%: 1,06-1,86) e o agressor fez uso de bebida alcoólica (OR = 1,42; IC95%:1,05-1,91). Para os adolescentes, ter dois ou mais agressores (OR = 0,70; IC95%: 0,59-0,83) e o agressor ter feito uso de bebida alcoólica (OR = 0,72; IC95%: 0,61-0,85) estiveram associados à menor chance de violência recorrente. Quanto ao vínculo com o agressor, tanto para crianças quanto para adolescentes, foi observada maior chance de recorrência da violência quando o agressor era familiar e menor chance quando eram de outros vínculos. Para os adolescentes, a chance de recorrência da violência foi maior quando o agressor era parceiro íntimo (OR = 2,42; IC95%: 2,02-2,89).
A recorrência da violência em crianças esteve associada positivamente à ameaça (OR = 3,50; IC95%: 2,68-4,58), seguida por enforcamento (OR = 2,96; IC95%: 1,06-8,27) e força corporal (OR = 1,65; IC95%: 1,31-2,07), enquanto em adolescentes houve maior chance para ameaça (OR = 1,75; IC95%: 1,50-2,05) e outros meios (OR = 1,53; IC95%: 1,20-1,99). Por outro lado, associaram-se negativamente à violência recorrente a arma de fogo para ambos os grupos, outros meios para as crianças e força corporal e objeto perfurocortante para os adolescentes (Tabela 3).
Na análise ajustada (Tabela 4), as crianças apresentaram maior chance de sofrer violência recorrente se esta ocorreu na residência, o tipo de violência foi psicológica/moral ou negligência/abandono, quando os agressores eram familiares, do sexo masculino ou ambos, com mais de dois agressores envolvidos, e o meio de agressão foi força corporal ou ameaça. Os adolescentes apresentaram maior chance de recorrência da violência se tinham baixa escolaridade (analfabetismo/ensino fundamental), a violência ocorreu na residência, o tipo de violência foi psicológica/moral ou sexual, com mais de dois agressores envolvidos, quando os agressores eram familiares ou parceiros íntimos e a ameaça foi o meio de agressão. A menor chance de recorrência da violência foi observada quando o vínculo com agressor era outro e o meio de agressão foi arma de fogo ou força corporal para os adolescentes.
Discussão
Embora existam estudos que descrevam as características da ocorrência da violência contra crianças e adolescentes no Brasil, ainda há poucos registros na literatura nacional e internacional que abordem a recorrência da violência nessas populações2121 Leite FMC, Pinto IBA, Luis MA, Iltchenco Filho JH, Laignier MR, Lopes-Júnior LC. Violência recorrente contra adolescentes: uma análise das notificações. Rev Latino-Am Enferm 2022; 30 (Esp.):e3682.,2323 Platt VB, Coelho ESB, Bolsonia C, Honickya M, Bordina GP, Camargo MAV. Sexual violence against children in the state of Santa Catarina, Brazil: characteristics and factors related to repetitive violence. Rev Paul Pediatr 2023; 41:e2022069,2626 Tener D. The secret of intrafamilial child sexual abuse: who keeps it and how? J Child Sex Abus 2018; 27(1):1-21.
27 Hillis S, Mercy J, Amobi A, Kress H. Global prevalence of past-year violence against children: a systematic review and minimum estimates. Pediatrics 2016; 137(3):e20154079.
28 Trindade LC, Linhares SM, Vanrell JP, Godoy D, Martins JC, Barbas SM. Sexual violence against children and vulnerability. Rev Assoc Med Bras 2014; 60(1):70-74.-2929 Baptista RS, Franca IS, Costa CM, Brito VR. Caracterização do abuso sexual em crianças e adolescentes notificado em um Programa Sentinela. Acta Paul Enferm 2008; 21(4):602-608..
Este estudo revelou que a frequência da violência recorrente em crianças (49,0%) e adolescentes (42,9%) foi mais elevada do que a observada nos dados de notificação de adolescentes do Brasil de 2011 a 2017 (39,9%)3030 Pereira VOM, Pinto IV, Mascarenhas MDM, Shimizu HE, Ramalho WM, Fagg CW. Violências contra adolescentes: análise das notificações realizadas no setor saúde, Brasil, 2011-2017. Rev Bras Epidemiol 2020; 23(Supl. 1):e200004., de crianças no Espírito Santo de 2011 a 2018 (32,5%)2222 Pedroso MRO, Leite FMC. Violência recorrente contra crianças: análise dos casos notificados entre 2011 e 2018 no Estado do Espírito Santo. Epidemiol Serv Saude 2021; 30(3):e2020809. e entre outros municípios brasileiros em períodos diversos88 Farias MS, Souza CS, Carneseca EC, Passos ADC, Vieira EM. Caracterização das notificações de violência em crianças no município de Ribeirão Preto, São Paulo, no período 2006-2008. Epidemiol Serv Saude 2016; 25(4):799-806.,3131 Oliveira NF, Moraes CL, Junger WL, Reichenheim ME. Violência contra crianças e adolescentes em Manaus, Amazonas: estudo descritivo dos casos e análise da completude das fichas de notificação, 2009-2016. Epidemiol Serv Saude 2020; 29(1):e2018438.
32 Souto DF, Zanin L, Ambrosano MB, Flório FM. Violência contra crianças e adolescentes: perfil e tendências decorrentes da Lei nº 13.010. Rev Bras Enferm 2018; 71(Supl. 3):1237-1246.-3333 Von Hohendorff J, Patias ND. Violência sexual contra crianças e adolescentes: identificação, consequências e indicações de manejo. Barbaroi 2017; 49:239-257.. Em outros países, as frequências de recorrência de violência contra crianças e adolescentes também variaram, sendo 5,9% na Coreia do Sul1717 Kim K, Choi J, Jang H, Lee HJ, Jang H. Predictive model for intra-familial child maltreatment re-reports and recurrence in South Korea: analysis of national child protection services case records. Child Abuse Negl 2022; 125:105487., 24,7% no Japão1818 Horikawa H, Suguimoto SP, Musumari PM, Techasrivichien T, Ono-Kihara M, Kihara M. Development of a prediction model for child maltreatment recurrence in Japan: a historical cohort study using data from a Child Guidance Center. Child Abuse Negl 2016; 59:55-65. e em torno de 20% em diferentes estudos dos Estados Unidos1919 White OG, Hindley N, Jones DP. Risk factors for child maltreatment recurrence: an updated systematic review. Med Sci Law 2015; 55(4):259-277.. Verifica-se, assim, que não há consenso na literatura sobre a prevalência da violência recorrente, fato que pode ser justificado pelas diferenças metodológicas entre os estudos ou pelo ainda reduzido número de estudos que abordam o tema. Da mesma forma, a dificuldade de obtenção da informação, seja pelo não registro adequado ou pelo envolvimento de um responsável, em geral pai e mãe, pela comunicação do evento podem implicar divergências dos resultados entre os estudos2222 Pedroso MRO, Leite FMC. Violência recorrente contra crianças: análise dos casos notificados entre 2011 e 2018 no Estado do Espírito Santo. Epidemiol Serv Saude 2021; 30(3):e2020809.,3434 Medeiros KB. Resistências de crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica e a escola na rede de proteção [tese]. Itatiba: Universidade São Francisco; 2018..
A alta frequência de violência recorrente, revelada por este estudo, indica a vulnerabilidade social a que essa população está exposta, bem como a urgência de medidas de proteção a crianças e adolescentes. A violência é um fenômeno que transcende as diferentes esferas sociais, por sua magnitude e vulnerabilidade, que tornam crianças e adolescentes de baixa escolaridade, com condição social desfavorável, mais suscetíveis à violência recorrente2222 Pedroso MRO, Leite FMC. Violência recorrente contra crianças: análise dos casos notificados entre 2011 e 2018 no Estado do Espírito Santo. Epidemiol Serv Saude 2021; 30(3):e2020809.,3434 Medeiros KB. Resistências de crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica e a escola na rede de proteção [tese]. Itatiba: Universidade São Francisco; 2018..
Os resultados aportados refletem uma inquietude sobre os motivos que levam tempo para reconhecer ou revelar a violência contra crianças e adolescentes, sendo a residência o principal cenário da violência, e o autor da agressão alguém próximo à vítima. O principal agressor em crianças e adolescentes nos casos da violência recorrente foi um familiar, como pai, mãe, padrasto, madrasta, irmão(ã) ou filho(a), e para os adolescentes também o parceiro íntimo (ex-cônjuge, cônjuge e namorado). Este achado é semelhante a outros estudos encontrados na literatura88 Farias MS, Souza CS, Carneseca EC, Passos ADC, Vieira EM. Caracterização das notificações de violência em crianças no município de Ribeirão Preto, São Paulo, no período 2006-2008. Epidemiol Serv Saude 2016; 25(4):799-806.,2121 Leite FMC, Pinto IBA, Luis MA, Iltchenco Filho JH, Laignier MR, Lopes-Júnior LC. Violência recorrente contra adolescentes: uma análise das notificações. Rev Latino-Am Enferm 2022; 30 (Esp.):e3682.-2222 Pedroso MRO, Leite FMC. Violência recorrente contra crianças: análise dos casos notificados entre 2011 e 2018 no Estado do Espírito Santo. Epidemiol Serv Saude 2021; 30(3):e2020809., demonstrando que crianças e adolescentes convivem diariamente com seus agressores, aqueles que teriam a responsabilidade de protegê-los. Apontam ainda a necessidade de expansão da rede de proteção social, a fim de interromper o ciclo da violência em prol da proteção e do zelo a crianças e adolescentes.
A repetição do ato violento, em ambos os grupos, aumentou quando o número de envolvidos era dois ou mais agressores. Os perpetradores da violência foram majoritariamente do sexo masculino, no entanto, verificou-se também a participação conjunta de sexo masculino e feminino em relação às crianças. Esse perfil foi encontrado em outros estudos que analisaram a violência recorrente em crianças2222 Pedroso MRO, Leite FMC. Violência recorrente contra crianças: análise dos casos notificados entre 2011 e 2018 no Estado do Espírito Santo. Epidemiol Serv Saude 2021; 30(3):e2020809. e adolescentes2121 Leite FMC, Pinto IBA, Luis MA, Iltchenco Filho JH, Laignier MR, Lopes-Júnior LC. Violência recorrente contra adolescentes: uma análise das notificações. Rev Latino-Am Enferm 2022; 30 (Esp.):e3682.. O fato de a violência recorrente ser mais frequente no sexo feminino pode explicar a maior prevalência do sexo masculino como agressor, considerando os aspectos culturais que se refletem, desde cedo, na violência de gênero e revelando a dominação da mulher na cultura machista e naturalizando os atos de violência desde a infância2222 Pedroso MRO, Leite FMC. Violência recorrente contra crianças: análise dos casos notificados entre 2011 e 2018 no Estado do Espírito Santo. Epidemiol Serv Saude 2021; 30(3):e2020809.. Por outro lado, a participação de ambos os sexos como agressores sugere a participação dos pais no ato como modo de “educar” e “disciplinar”, resultado de relações baseadas no poder adultocêntrico2222 Pedroso MRO, Leite FMC. Violência recorrente contra crianças: análise dos casos notificados entre 2011 e 2018 no Estado do Espírito Santo. Epidemiol Serv Saude 2021; 30(3):e2020809.,3232 Souto DF, Zanin L, Ambrosano MB, Flório FM. Violência contra crianças e adolescentes: perfil e tendências decorrentes da Lei nº 13.010. Rev Bras Enferm 2018; 71(Supl. 3):1237-1246..
Vale ressaltar a associação positiva para a recorrência nos casos de violência psicológica para o grupo de crianças e adolescentes, negligência/abandono para crianças e violência sexual para adolescentes. Dois estudos anteriores que avaliaram as notificações de violência no Brasil mostraram associação positiva entre recorrência e violência psicológica e sexual entre crianças3535 Rates SMM, Melo EM, Mascarenhas MDM, Malta DC. Violence against children: an analysis of mandatory reporting of violence, Brazil 2011. Cien Saude Colet 2015; 20(3):655-665. e adolescentes3030 Pereira VOM, Pinto IV, Mascarenhas MDM, Shimizu HE, Ramalho WM, Fagg CW. Violências contra adolescentes: análise das notificações realizadas no setor saúde, Brasil, 2011-2017. Rev Bras Epidemiol 2020; 23(Supl. 1):e200004.. Santos et al. (2018)3636 Santos MJ, Mascarenhas MDM, Rodrigues MP, Monteiro RA. Caracterização da violência sexual contra crianças e adolescentes na escola - Brasil, 2010-2014. Epidemiol Serv Saude 2018; 27(2):e2017059., assim como os resultados deste estudo, destacam maior proporção de recorrência da violência sexual contra adolescentes. Estudos têm demonstrado que a negligência é um dos principais tipos de violência praticada contra crianças88 Farias MS, Souza CS, Carneseca EC, Passos ADC, Vieira EM. Caracterização das notificações de violência em crianças no município de Ribeirão Preto, São Paulo, no período 2006-2008. Epidemiol Serv Saude 2016; 25(4):799-806.,1919 White OG, Hindley N, Jones DP. Risk factors for child maltreatment recurrence: an updated systematic review. Med Sci Law 2015; 55(4):259-277.,3232 Souto DF, Zanin L, Ambrosano MB, Flório FM. Violência contra crianças e adolescentes: perfil e tendências decorrentes da Lei nº 13.010. Rev Bras Enferm 2018; 71(Supl. 3):1237-1246.-3333 Von Hohendorff J, Patias ND. Violência sexual contra crianças e adolescentes: identificação, consequências e indicações de manejo. Barbaroi 2017; 49:239-257.,3737 Sousa RP, Oliveira FB, Bezerra MLO, Leite ES, Maciel EJS. Caracterização dos maus-tratos contra a criança: análise das notificações compulsórias na Paraíba. Rev Espac Saude 2015; 16(4):20-28. e sua associação com a recorrência pode estar relacionado à maior vulnerabilidade das crianças à situação de maus-tratos, dada sua incapacidade para reagir física e emocionalmente.
Os meios mais utilizados para efetivar as agressões foram o uso da força corporal contra crianças, bem como a ameaça para os dois grupos, e associaram-se à violência de repetição. Resultado semelhante aos estudos realizados no Brasil com dados de notificação de violência contra adolescentes de 2011 a 20173030 Pereira VOM, Pinto IV, Mascarenhas MDM, Shimizu HE, Ramalho WM, Fagg CW. Violências contra adolescentes: análise das notificações realizadas no setor saúde, Brasil, 2011-2017. Rev Bras Epidemiol 2020; 23(Supl. 1):e200004. e contra crianças em 20123838 Assis SG, Avanci JQ, Pesce RP, Pires T de O, Gomes DL. Notificações de violência doméstica, sexual e outras violências contra crianças no Brasil. Cien Saude Colet 2012; 17(9):2305-2317., em que os meios mais utilizados para efetivar as agressões foram força corporal e ameaça.
É preciso salientar que, considerando a complexidade que envolve o tema, os resultados aportados podem não revelar o real cenário da recorrência da violência em crianças e adolescentes, já que existem muitos entraves no contexto das notificações, principalmente diante de situações das violências envolvendo esses grupos populacionais, e mais especificamente das violências não fatais. A violência ainda se apresenta como um tabu, norteado por construções socioculturais que se refletem sobre todas as sociedades. Portanto, é um desafio social complexo a ser encarado em suas diversas manifestações. Nesse contexto, este estudo pode colaborar para a produção de conhecimento, ao mesmo tempo em que dá visibilidade a um problema que por vezes é ignorado por aqueles que estão próximos ou que estão envolvidos no cuidado com crianças e adolescentes.
Os resultados deste estudo mostram que a violência ocorre principalmente em ambiente familiar e que o agressor é uma pessoa próxima da vítima. Esses fatos representam a esfera doméstica do problema da violência contra crianças e adolescentes e, por conseguinte, a premência de efetivar as estratégias de enfrentamento tendo em vista que a sua dimensão tem raízes profundas, entrelaçadas às construções socioculturais que precisam ser reconstruídas em uma sociedade consciente sobre todos os prejuízos da violência em nível individual, familiar e social. A literatura ainda destaca que as violências, quando ocorridas no espaço privado da residência, propiciam a subnotificação dos casos, a proteção aos agressores e o silêncio das vítimas1414 Ferreira CLS, Côrtes MCJW, Gontijo ED. Promoção dos direitos da criança e prevenção de maus tratos infantis. Cien Saude Colet 2019; 24(11):3997- 4008.,3535 Rates SMM, Melo EM, Mascarenhas MDM, Malta DC. Violence against children: an analysis of mandatory reporting of violence, Brazil 2011. Cien Saude Colet 2015; 20(3):655-665.,3939 Fornari LF, Sakata-So KN, Egry EY, Fonseca RMGS. As perspectivas de gênero e geração nas narrativas de mulheres abusadas sexualmente na infância. Rev Lat Am Enferm 2018; 26:e3078..
Nesse sentido, pode-se considerar uma limitação deste estudo, a subnotificação de casos de violência e/ou violência recorrente no grupo estudado, tendo em vista que a maioria ocorre no seio familiar, dificultando o acesso à revelação do fato, ou ainda pela possibilidade de as vítimas negarem as acusações por medo de perder o convívio com os familiares ou do que lhes acontecerá pós comunicação do evento1414 Ferreira CLS, Côrtes MCJW, Gontijo ED. Promoção dos direitos da criança e prevenção de maus tratos infantis. Cien Saude Colet 2019; 24(11):3997- 4008.,2323 Platt VB, Coelho ESB, Bolsonia C, Honickya M, Bordina GP, Camargo MAV. Sexual violence against children in the state of Santa Catarina, Brazil: characteristics and factors related to repetitive violence. Rev Paul Pediatr 2023; 41:e2022069,3535 Rates SMM, Melo EM, Mascarenhas MDM, Malta DC. Violence against children: an analysis of mandatory reporting of violence, Brazil 2011. Cien Saude Colet 2015; 20(3):655-665.,3939 Fornari LF, Sakata-So KN, Egry EY, Fonseca RMGS. As perspectivas de gênero e geração nas narrativas de mulheres abusadas sexualmente na infância. Rev Lat Am Enferm 2018; 26:e3078.. Além disso, a violência de ocorrência única pode ser ainda mais subnotificada, dado que aquela que acontece em maior frequência pode despertar na vítima a necessidade de procurar ajuda. Assim, é possível que a frequência de violência recorrente, entre todos os casos de violência, tenha sido superestimada.
Outra limitação está relacionada aos grupos de comparação, uma vez que o grupo exposto à violência de repetição foi comparado ao grupo de violência única, e não ao grupo de crianças e adolescentes que não sofreram violência. A comparação externa dos resultados deste estudo também foi dificultada pelo fato de a literatura ser ainda escassa sobre violência recorrente e por ser direcionada a grupos específicos, como violência contra a mulher e/ou crianças2121 Leite FMC, Pinto IBA, Luis MA, Iltchenco Filho JH, Laignier MR, Lopes-Júnior LC. Violência recorrente contra adolescentes: uma análise das notificações. Rev Latino-Am Enferm 2022; 30 (Esp.):e3682..
A violência e, sobretudo, os episódios recorrentes podem estar relacionados à naturalização da violência, pois essa naturalização propicia a ocorrência do ato violento naqueles mais frágeis, como as crianças e os adolescentes. Dessa maneira, é fundamental dar visibilidade à violência e enfrentá-la como um problema que pode ser evitado por meio de políticas públicas mais assertivas e eficazes. É imprescindível que, para além do dever do Estado, a sociedade, nas suas diversas formas de organização, se empenhe para assegurar os direitos de crianças e adolescentes.
Vale destacar a importância da consolidação das redes de proteção às vítimas em situação de violência com a ampliação da participação e a integração de sujeitos ativos dos setores da segurança pública, saúde pública, educação e cultura, entre outros. As redes de atenção às vítimas de violência devem ser fortalecidas, abrangendo também seus cuidados para com os profissionais que necessitam de preparo e de condições adequadas para desempenharem seu papel diante do enfrentamento da violência sem sobrecarga de trabalho e sem sentimentos de medo de ameaças e impotência diante do diagnóstico e encaminhamento da vítima.
Analisar o perfil das vítimas, das violências e dos agressores bem como os fatores associados à recorrência, traz contribuições relevantes para a melhor compreensão da violência contra crianças e adolescentes, possibilitando direcionar as políticas locais de prevenção e controle destes agravos.
Agradecimentos
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior pela bolsa de mestrado.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
01 Jul 2024 -
Data do Fascículo
Jul 2024
Histórico
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Recebido
05 Abr 2023 -
Aceito
01 Fev 2024 -
Publicado
22 Fev 2024