Resumo
O cuidador informal presta cuidados permanentes ou regulares a pessoas idosas em situação de dependência, sem remuneração. Objetivou-se identificar as percepções de cuidadores informais sobre motivações, necessidades e benefícios do cuidado ao idoso dependente. Estudo qualitativo realizado com 10 cuidadoras informais portuguesas, a partir de um instrumento com questões sobre o cuidado prestado ao idoso e suas percepções sobre o exercício dessa função. Os resultados revelaram como motivações para o cuidado: relação de proximidade e confiança, dever de cuidar, familiar mais disponível, proximidade da residência, inexistência de vagas e elevado custo das instituições de acolhimento e desejo do idoso permanecer na sua habitação. Os principais cuidados aos idosos são: hidratação, higiene, alimentação, administração terapêutica, companhia, apoio emocional, conforto, entretenimento, promoção da autonomia e dignidade. As necessidades identificadas pelas cuidadoras foram: apoio domiciliário, da segurança social e da entidade empregadora do cuidador, ajuda financeira, suporte psicológico e capacitação para cuidar do idoso. Os benefícios do cuidado informal para o idoso dependente apontados foram: celeridade do apoio familiar, segurança física e emocional, afeto e companheirismo. Este estudo dá voz a cidadãos cruciais.
Palavras-chave: Cuidador Informal; Idoso Dependente; Prestação de cuidados
Abstract
The informal caregiver provides non-remunerated permanent or regular care to dependent older adults. This qualitative study aimed to identify the perceptions of informal caregivers about motivations, needs, and benefits of caring for dependent older adults. It was conducted with ten Portuguese informal caregivers, based on an instrument with questions about the care provided to older adults and their perceptions about performing this role. The results revealed the following motivations for care: proximity and trust relationship, duty of care, more available family members, home proximity, lack of vacancies, high cost of shelter institutions, and older adults’ desire to remain in their homes. The primary care activities for older adults are hydration, hygiene, food, therapeutic administration, companionship, emotional support, comfort, entertainment, and promoting autonomy and dignity. The needs identified by the caregivers were home, social security, and the caregiver’s employer support, financial help, psychological support, and training to care for the older adults. The benefits of informal care for dependent older adults were prompt family support, physical and emotional security, affection, and companionship. This study gives voice to crucial citizens.
Key words: Informal Caregiver; Dependent Older Adult; Care Delivery
Introdução
Cuidar de idosos dependentes no domicílio poderá ser um processo complexo para o qual concorrem múltiplos fatores1. Em exemplo, a multiplicidade de tarefas executadas quotidianamente no apoio à pessoa em situação de dependência traduz-se nos níveis de sobrecarga intensa, impacta negativamente na vida do cuidador, sobretudo no seu estado de saúde, laboral e social, nocivas ao seu bem estar2. Isto se inclui no cuidar, nas relações interpessoais, nas expectativas do cuidado e na perceção de autoeficácia dos cuidados prestados3.
A oferta do cuidado integral à díade idoso dependente e cuidador demanda recursos assistenciais específicos do sistema de saúde centrados na atenção domiciliar, facilitadores do acesso ao apoio interprofissional qualificado, promotor de saúde e preventivo de doenças4,5 e, ainda, suporte emocional e aprendizagem de processos adequados6 essenciais para o cuidador e para quem é cuidado.
O papel de cuidador informal tem sido amplamente divulgado na atualidade, vários estudos comprovam que este papel geralmente é assumido na sua maioria por mulheres, o que corrobora com Cronemberger e Sousa7, quando afirmam que os cuidadores de idosos têm um perfil bem definido, ou seja, mulheres entre os 30 e 49 anos e idosos que cuidam de outras pessoas. Estudos também referem que o cuidador tem 50 ou mais anos, proximidade física e afetiva com o idoso, presta cuidados de forma continuada e isolada, não beneficiando de ajudas públicas, acarretando sofrimento e restrições na vida pessoal, sobrecarga de trabalho, adoecimento, desemprego e fraca interação social e afetiva5,8.
Os cuidadores informais são as pessoas que cuidam de forma regular ou permanente de outras pessoas que permaneçam numa situação de dependência. Os cuidados informais podem ser assumidos por amigos, mas habitualmente é a família que tem essa responsabilidade, tentando se organizar ou providenciar a assistência na prestação de cuidados1. Na verdade, à medida que as pessoas mais velhas permanecem nos seus domicílios, membros da família, amigos e vizinhos, não remunerados economicamente pelos cuidados que prestam, assumem cada vez mais o papel de cuidadores informais9.
A relação entre o cuidador e a pessoa cuidada é maioritariamente filial e conjugal10,11, onde perpetua a desigualdade de género e a inexistência de vencimento5,8. Apesar dos benefícios para o cuidador e para a pessoa cuidada, os desafios desta função afetam a qualidade de vida dos cuidadores, como o cansaço, esforço físico e psicológico diário, privação do sono, falta de lazer e tempo para o autocuidado, além da carga de cuidados domésticos adicionais gerados por familiares e idosos, tornando-se necessário que seja garantida a qualidade de vida das pessoas cuidadas e dos cuidadores7.
Em reconhecimento ao papel do cuidador do informal, vários países criaram legislação com o objetivo de mitigar as vulnerabilidades atinentes ao processo de cuidar. Por exemplo, o Reino Unido sustenta o aconselhamento, registro e capacitação do cuidador, exigindo que os hospitais identifiquem os cuidadores familiares, os quais são informados sobre os planos para alta do paciente familiar e formados para a prestação de cuidados12. Também Portugal e suas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira criaram o Estatuto do Cuidador Informal13-15.
O cuidador informal é entendido como a pessoa, familiar ou terceiro que, fora do âmbito profissional ou formal, cuida de outra pessoa, de forma não remunerada, preferencialmente no domicílio desta, devido a situações de doença crónica, incapacidade, dependência, total, parcial, transitória ou definitiva, ou em situação de fragilidade, necessidade de cuidados, ou sem autonomia para cuidar da sua vida quotidiana13-15. Porém, para ser reconhecido, o cuidador informal deverá satisfizer, cumulativamente, as seguintes condições: ter idade superior a dezoito anos, não ser portador de doença, deficiência física e/ou psíquica incapacitante, idoneidade e não ser remunerado para o exercício da atividade de cuidador da pessoa cuidada15.
Ser pessoa cuidada, depende de vários requisitos, tais como: pessoa, criança, jovem ou adulto, dependente que, por motivos de doença crónica, incapacidade, deficiência, demência ou doença do foro mental, sequelas pós-traumáticas, envelhecimento e/ou situação de fragilidade devidamente reconhecida através de declaração médica, recebe cuidados e apoio para a prática das atividades da vida diária15.
Vale realçar as grandes dificuldades que os cuidadores informais atravessam, que não podem ser descuradas, requerendo, portanto, a implementação de medidas excecionais de apoio e proteção. Além disso, o acentuado envelhecimento da população e consequente aumento dos níveis de dependência urge a intervenção dos cuidadores informais. Esta casuística da população idosa, a nível mundial, tem contribuído para o aumento de pessoas idosas com progressiva dependência funcional16. Esta problemática envolve perda de autonomia e independência e limita a capacidade de autocuidado, compromete a qualidade de vida e desencadeia relações de dependência que interferem nos processos de interação social do idoso17.
Face à relevância do papel de cuidador informal na vida das famílias e da sociedade, o presente estudo tem como objetivo identificar as percepções de cuidadoras informais sobre motivações, necessidades e benefícios do cuidado para o idoso dependente.
Método
Trata-se de um estudo exploratório, descritivo e fenomenológico, com abordagem qualitativa, desenvolvido de dezembro de 2020 a janeiro de 2021, numa região insular portuguesa demograficamente envelhecida - Ilha da Madeira. Como a conduta humana não pode ser percebida sem referência aos propósitos e aos significados que os indivíduos conferem às suas ações18, a opção metodológica recaiu sobre este modelo porque socorre-se dos valores, das crenças e das representações dos participantes, permitindo a identificação e a compreensão da essência de um fenómeno19. Faz parte de uma investigação mais alargada que aborda uma população de suma importância na atual sociedade envelhecida, os cuidadores informais de idosos dependentes, e deu origem à publicação Perceções de cuidadores informais sobre a experiência quotidiana no cuidado ao idoso dependente20 numa publicação do New Trends-Qualitative Research e ao capítulo Stress e coping em cuidadores informais portugueses21.
O instrumento de recolha de dados incluiu as variáveis sociodemográficas (sexo, idade, estado civil, profissão do cuidador informal, sexo, idade, tempo de dependência e grau de dependência do idoso). As experiências e as representações narradas pelos participantes e que confluem para a compreensão e a identificação da essência do fenómeno, afloraram nas respostas dadas às seguintes questões abertas do mesmo instrumento: Porque se tornou cuidador(a) informal de idoso dependente? Quais são os cuidados que presta ao idoso dependente? Quais são as necessidades do cuidador informal para a prestação de cuidados ao idoso dependente? Quais são os benefícios do “cuidado informal” para o idoso dependente?
Para avaliar o grau de dependência recorreu-se à escala de avaliação do estado funcional do idoso que permite avaliar a autonomia do idoso para realizar as atividades básicas e imprescindíveis à vida diária22.
Participaram do estudo 10 cuidadoras informais de idosos dependentes. A amostra, não probabilística e intencional, constituiu-se a partir da estratégia Bola de Neve23 que ocorre quando um informante-chave indica outros participantes que perfilam os critérios de inclusão. Ao se verificar alcançada a saturação dos dados, optou-se por não dar continuidade à aplicação do inquérito.
Face aos constrangimentos, às restrições sanitárias e ao isolamento social decorrentes da situação pandémica impostos pela COVID-19 para a recolha de dados, procedeu-se da seguinte forma: realização de um primeiro contacto social com uma informante-chave para apresentar o estudo e solicitar que indicasse outros cuidadores informais que pudessem contribuir para a composição da amostra; envio dos propósitos do estudo, do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e dos inquéritos a 13 cuidadores informais, bem como o pedido de devolução num envelope devidamente cerrado. A taxa de participação foi de 77%.
Foram cumpridos os procedimentos éticos, nomeadamente, proteção dos participantes relativamente a danos físicos e mentais, direito à privacidade do seu comportamento, participação integralmente voluntária e informação prévia dos objetivos do estudo24.
O estudo empírico, aprovado pelo Comité de Ética da Fundação Oswaldo Cruz, sob o parecer n.º 1.326.631. Foram considerados os seguintes critérios de inclusão: ser o principal cuidador de idoso dependente, ter idade superior a 18 anos, residir na ilha da Madeira e estar disponível para participar graciosamente no estudo.
Os dados obtidos foram tratados de forma anónima e confidencial, protegidos ao abrigo do Regulamento (EU) 2016/679, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 201625, e a Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto de 201926, que garante a sua execução na ordem jurídica nacional. De modo a garantir o anonimato e a confidencialidade dos dados, identificaram-se os inquéritos pela letra “Q” seguida da numeração do número das participante, por exemplo: “Q1” a “Q10”.
Para a análise dos dados, adotou-se a análise de conteúdo na modalidade temática27. Esta técnica toma em consideração o testemunho dos participantes, cujas unidades de sentido foram ordenadas, classificadas e analisadas segundo os pressupostos da hermenêutica-dialética. Das narrativas dos participantes, extraíram-se quatro categorias temáticas: razões para assumir o papel de cuidador informal do idoso dependente; cuidados prestados pelo cuidador informal ao idoso dependente; necessidades identificadas pelo cuidador informal na prestação de cuidados ao idoso dependente; e benefícios do “cuidado informal” para o idoso dependente.
Estas categorias foram definidas de acordo com os referenciais teóricos considerados e na sequência de ampla discussão e revisão das referências, de forma a maximizar o acordo entre os codificadores.
Resultados
Na análise dos resultados e relativamente às variáveis sociodemográficas, inferiu-se que a amostra do estudo integrou 10 cuidadoras informais, sendo a maioria com par (77%) e empregada (60%), no escalão etário variável de 35 a 79 anos (M=53,60; DP=11,52), prestadoras de cuidados a idoso dependente num tempo variável de 1 a 7 anos (1 ano = 1; 2 anos = 1; 3 anos = 3; 5 anos = 3; 7 anos = 2). Quanto ao grau de dependência do idoso (leve, moderada, severa e total), constataram-se 40% com dependência total, 30% com dependência moderada e outros 30% com dependência severa. Verificou-se que os idosos, 9 mulheres e um homem, encontravam-se na faixa etária de 65 a 95 anos (M=82,90; DP=7,68).
A componente qualitativa que emergiu da análise de conteúdo, numa narrativa analítica e subjetiva expõe sequencialmente as quatro categorias temáticas estabelecidas.
Razões para assumir o papel de cuidador informal do idoso dependente
Relativamente aos motivos que levaram as cuidadores informais a assumirem esse papel em relação ao idoso dependente, as representações enunciadas assinalam o grau de parentesco (9 filhas e 1 esposa), a relação de proximidade e de confiança, o dever de cuidar, ser o familiar mais disponível, a proximidade da residência, a coabitação, a inexistência de vagas em instituições de acolhimento a idosos dependentes, o elevado custo dessas instituições e o desejo do idoso permanecer na habitação própria:
Assumi essa função porque sou filha e vivo muito próximo da minha mãe (Q1).
Porque [a idosa] tornou-se dependente total de terceiros (Q6).
Pelo fato de ser minha mãe e eu ter mais disponibilidade [para cuidar dela] (Q9).
Porque sou filha, por termos uma relação muito forte e de grande confiança (Q5).
Porque o desejo da minha mãe foi passar a sua velhice na sua casa (Q7).
...porque não era possível colocar a idosa num lar devido ao preço estipulado (Q3).
...não existirem instituições que possam acolher pessoas com patologias severas e manifestações de demência e delírios noturnos a preços suportáveis (Q4).
Cuidados prestados pelo cuidador informal ao idoso dependente
No que concerne aos cuidados prestados pelo cuidador informal ao idoso dependente, verificou- se que as participantes sublinharam uma multiplicidade de cuidados, nomeadamente associados às necessidades básicas, tais como: hidratação, higiene pessoal, alimentação, administração terapêutica, companhia, apoio emocional, conforto, pernoite, tranquilidade, entretenimento, limpeza do domicílio, promoção da autonomia e dignidade.
Eu presto todos os cuidados possíveis devido ao grau de dependência total [da pessoa idosa], acamada e sem falar, tomar banho, comer na cama, beber água de seringa, esmagar toda a medicação. Preciso servir a 100%, porque [a pessoa idosa] não ajuda em nada, paralisia total (Q10).
Higiene pessoal, alimentação, administração de medicamentos, companhia e tranquilizar o idoso quando está com delírios noturnos (Q4).
Atender e respeitar os seus interesses [...] cumprimento do esquema terapêutico, promover a autonomia, promover um ambiente confortável e tranquilo e assegurar uma boa alimentação e hidratação (Q5).
...monitorização, cuidados médicos [consultas] e outros (Q6).
...apoio emocional (Q7).
...companhia, pernoitar... (Q8).
A calma é a base para bons cuidados (Q9).
Necessidades identificadas pelo cuidador informal na prestação de cuidados ao idoso dependente
As participantes enumeraram algumas das necessidades sentidas na prestação de cuidados ao idoso dependente, tais como: apoio domiciliário, da segurança social e da entidade empregadora do cuidador, ajuda financeira, suporte psicológico, alívio do cuidador e capacitação para cuidar adequadamente do idoso dependente:
Usufruir diariamente de apoio domiciliário (Q1).
Apoio da segurança social e da empregada (Q3).
Conciliar a atividade profissional com a prestação de cuidados (Q5).
Devido ao grau de severidade da dependência, que requer pelo menos uma pessoa por dia para ajudar a prestar os cuidados que são permanentes, dia e noite, é necessário e desejável incluir o idoso numa instituição onde pudesse auferir cuidados adequados e permanentes, com dignidade [...]. Apoio financeiro para pagar uma trabalhadora ou uma enfermeira e manter o idoso na sua casa (Q4).
É necessário haver um suporte psicológico. Muitas das vezes, o cansaço físico e emocional é muito desgastante e/ou por vezes insuportável (Q7).
Estar apto física e psicologicamente... (Q2).
Equilíbrio emocional e físico; disponibilidade... (Q8).
Manter-se focado, é a base [do cuidado ao idoso dependente] (Q9).
A necessidade de haver períodos de descanso (Q5).
Receber formação para desenvolver capacidade e adquirir competências para a prestação adequada de cuidados de saúde (Q5).
Benefícios do “cuidado informal” para o idoso dependente
Referente aos benefícios do cuidado informal prestado ao idoso dependente no seu domicílio, foram verificadas algumas alusões aos seguintes aspectos: celeridade do apoio dado pelo familiar, apoio no próprio domicílio e com os seus pertences, segurança dos cuidados ao idoso totalmente dependente, segurança emocional do idoso, afeto da família e companheirismo.
O idoso dependente tem a possibilidade de usufruir de apoio direto, mais rápido e beneficiar da ajuda de um familiar (Q1).
Manter-se no seu lar [a pessoa idosa], com os seus recursos / bens pessoais e o seu conforto (Q5).
Neste caso, os cuidados providenciados facultam a sobrevivência da idosa dependente. Sem ela não poderia sobreviver, uma vez que é dependente na totalidade (Q3).
Proporcionar uma vida equilibrada, tranquilizadora e preventiva, bem como evitar a solidão [da pessoa idosa] (Q5).
Estando a acompanhá-lo permanentemente e por ser parente próximo, há maior afinidade e dedicação com o idoso (Q6).
Os filhos estarem sempre presentes na vida da minha mãe [idosa]; o conforto, o sorriso; as conversas (Q7).
Está [a pessoa idosa] no seio da família onde há reciprocidade de afetos e confiança (Q4).
É, com certeza, estar junto dos nossos [idosos e familiares], e o que fazemos por amor, não chamaria benefícios, mas sim, companheirismo (Q9).
Discussão
As caraterísticas sociodemográficas das participantes apoiam outros estudos realizados recentemente5-7. Tratou-se de uma amostra intencional, totalmente constituída por cuidadoras informais do sexo feminino, com a média de idades de 55 anos, sendo que a idade mínima é de 35 anos e a máxima de 79 anos. A tarefa de cuidar, eminentemente feminina6,28, é assumida por familiares próximos do idoso dependente, concretamente, 9 filhas e 1 esposa idosa também ela idosa. Essa tarefa é invisível, não remunerada, afetando toda a sociedade5,29,30.
Relativamente ao grau de dependência dos idosos cuidados pelas cuidadoras informais, o estudo revelou níveis de dependência severa (30%) e total (40%), o que equivale a 70% da amostra. Estes resultados corroboram os dados do Instituto Nacional de Estatística31 sobre o envelhecimento demográfico da sociedade madeirense, cujo índice de envelhecimento situa-se nos 129,50% e o índice de dependência nos 24,30%. O reconhecimento da situação de dependência é efetuado através do sistema de verificação de incapacidades do sistema de segurança social.
No que concerne às razões que determinaram a assunção do papel de cuidadora informal de idoso dependente, os resultados indicam alguns fatores inerentes ao idoso, tais como o estado de saúde e recusa de institucionalização; fatores ligados ao cuidador, como o dever e obrigação, gratidão ou retribuição, dependência financeira, grau de parentesco, género, proximidade física e afetiva, estado civil, situação laboral e respeito pela vontade do idoso; e, fatores relacionados com a família, como a tradição familiar e ausência de outra resposta32.
Portanto, os achados do presente estudo apoiam a noção de que o principal motivo para se manter cuidador é a obrigação familiar/pessoal3,33. Os cuidadores alegam que o papel é favorecido pela relação forte e de confiança existente e respeito pelo cumprimento dos desejos do idoso dependente. Manter a pessoa idosa no domicílio advém da manifesta vontade do próprio, embora, muitas vezes, omita a delegação de competências do Estado para a família30. Neste sentido, as dificuldades económicas e financeiras das famílias e a prestação dos cuidados de modo precário e não renumerado5 são motivos justificativos do cuidado no domicílio.
Os cuidados prestados ao idoso dependente pelo cuidador informal ultrapassam o amparo, a prevenção e a vigilância de doenças34. Efetuam-se consoante o grau de dependência e conforme as necessidades da pessoa idosa, no que concerne à higiene, alimentação, terapêutica e companhia3. O estudo apoia a literatura mencionada e acrescenta outras razões, nomeadamente, a hidratação, a tranquilidade, o entretenimento, a limpeza do domicílio e a promoção da autonomia, indispensáveis à satisfação das necessidades básicas humanas e à manutenção de uma vida com dignidade.
As necessidades do cuidador informal para a prestação de cuidados ao idoso dependente surgem associadas à exigência que o cuidado impõe, à insuficiência das respostas formais e informais, aos problemas financeiros e à restrição da vida pessoal32. As participantes apontam a importância de manter aptidão física e psicológica como veículo para a disponibilidade no enfrentamento das adversidades conexas ao ato de cuidar do idoso dependente.
O desgaste físico e psicológico é muito maior quando cuidam de idosos com alterações cognitivas e comportamentais, quanto maior for o grau de dependência dos idosos maior sobrecarga para os cuidadores, falta de apoio de outros familiares, falta de orientação para atender às necessidades dos entes queridos, falta de tempo para si, foram referenciados por Cronemberger e Sousa7 obstáculos para o cuidador informal.
Este estudo realça a importância do apoio domiciliário diário público acrescido, isto é, com o sustentáculo de um cuidador profissional. Neste âmbito, a qualidade de vida e os múltiplos desafios que afetam a vida dos cuidadores, como cansaço, esforço físico e psicológico diário, privação do sono, falta de lazer e tempo para autocuidado, além da carga de cuidados domésticos adicionais, gerados por familiares de idosos7 poderiam ser mitigados.
Os desafios que envolvem o cuidado ao idoso dependente e as iniquidades sociais em saúde ampliam as vulnerabilidades do cuidador e do idoso, sobretudo quando a dependência funcional é total. Logo, confrontadas com os múltiplos e complexos desafios da função6,29,35, emersa em situações de conflito, tensões, desgaste físico e emocional, alterações de planos de vida, isolamento social e sobrecarga de trabalho32, também invocam a necessidade de institucionalização do idoso num lar ou, por outro lado, apontam dificuldades laborais e reclamam apoio monetário para suprir as despesas com um profissional de saúde.
Embora muitas das necessidades dos cuidadores de idosos dependentes pudessem ser sanadas por meio de apoio monetário, atenção à sua saúde física e psicológica, os depoimentos relatam outros determinantes intrínsecos ao próprio cuidador, alicerçados na sua disponibilidade, na manutenção do foco, incluindo a pausa no cuidar.
Foram assinalados desafios vivenciados pelos cuidadores informais que podem condicionar o seu bem-estar e a qualidade de vida do idoso dependente. Concretamente, a compatibilização entre o papel de cuidador de idoso dependente e a necessidade de capacitação para a prestação de cuidados corrobora o seguinte testemunho. Segundo Cronemberger e Sousa7, a necessidade de formação adequada dos cuidadores sobre a prevenção de quedas, administração terapêutica, alimentação e higiene do idoso são estratégias importantes para orientação e educação permanente para os cuidadores formais e informais.
Confrontados com os familiares idosos que perdem a sua autonomia física e independência, cognitiva, mental, emocional e social16,30, os cuidadores desenvolvem sobrecarga, desgaste emocional e minoração na qualidade de vida, reclamam atenção, apoio e capacitação6. Esta evidência apoia a literatura de referência, quando aponta a necessidade de cuidar de quem cuida de idosos dependentes como um imperativo que urge promover30, porque, em suma, a qualidade de vida do cuidador contribui para a qualidade de vida do idoso dependente35.
Quanto aos benefícios do “cuidado informal” ao idoso dependente, o estudo evidencia melhorias na qualidade de vida, permanência na própria residência e aspecto fundamental para a sobrevivência. Isto porque, o cuidador informal é um pilar imprescindível e crucial no apoio ao idoso em situação de dependência3. O familiar cuidador sublinha a importância dos afetos, do conforto e da companhia do familiar em quem o idoso confia36. Os testemunhos expostos, inerentes aos valores da família e da humanização dos cuidados à pessoa idosa37, realçam claramente os sentimentos das participantes, indicando que, apesar de a prestação de cuidados a idosos dependentes continuar a constituir um valor fundamental, é imperioso que seja assegurada a qualidade de vida quer da pessoa cuidada, quer do cuidador38.
Conclusão
As percepções das cuidadoras informais evidenciadas neste estudo revelam um quotidiano ocultado por enormes e complexos desafios para os quais não se sentiam capacitadas. Na realidade, o envelhecimento crescente da população idosa levou ao aumento das dependências reveladas nos 70%, muitas vezes negligenciados pelo serviço público, levando as famílias a assumirem os papéis de cuidadores informais, muitas delas sem capacitação, sem recursos e sem competência adequada para a função. Nesse sentido, foi possível identificar fragilidades decorrentes da prestação de cuidados que assinalam implicações negativas a nível da saúde física e psicológica das cuidadoras, as quais, além de sentimentos positivos, benéficos e gratificantes, vêm-se, numa ambivalência, assolados por um extenso manancial de sentimentos e emoções negativas.
Desta forma, o idoso é beneficiado por cuidados mais humanizados, no próprio lar e, sobretudo, numa relação de confiança e afeto. Por outro lado, este estudo, também descortina a importância do apoio domiciliário estatal, a criação de tecnologias educativas para a atenção ao idoso dependente, a conciliação da vida profissional e de cuidador, a dificuldade financeira, a necessidade de coadjuvação e de apoio psicológico, e a importância de educação para a saúde, sobretudo para o cuidado e relações de cuidado para com o idoso dependente.
Os achados apresentados emergiram de uma amostra de cuidadoras informais, todas do sexo feminino, residentes numa localidade insular, não podendo ser generalizados nem considerados representativos da população portuguesa.
O estudo identifica situações que são corroboradas por referenciais internacionais e podem ser transferíveis ou reequacionados noutros contextos semelhantes, em países demograficamente envelhecidos, onde os serviços públicos de saúde são escassos ou inexistentes. Contudo, este trabalho apresenta algumas limitações, entre as quais está o facto de o procedimento de seleção das participantes não ter sido aleatório, o que poderá dificultar a generalização dos resultados no próprio contexto. A coadjuvar esta aceção assoma o, reduzido número de participantes, todos do sexo feminino e a disparidade quanto aos respetivos escalões etários. Sugere-se um aprofundamento da pesquisa sobre as perceções de cuidadores informais de idosos dependentes com um número maior de participantes e, não exclusivamente feminino. Considera-se que um quantitativo maior de participantes, residentes noutros contextos geográficos, acresceria informação e contributos para a construção teórica em curso. Assim sendo, estudos transcontextuais, com amostras mais amplas são necessários para se conhecer as perceções de cuidadores informais sobre motivações, necessidades e benefícios do cuidado ao idoso dependente e que venham a contribuir para a nossa compreensão deste grupo. Entretanto, recomendamos que estudos futuros concentrem atenção na implementação e alargamento das políticas de saúde frequentemente negligenciadas na literatura sobre o cuidador informal do idoso dependente.
Em suma, este estudo deu voz a um grupo fundamental, emerso na face oculta da sociedade, podendo confluir para a criação, desenvolvimento e implementação de políticas sociais destinadas a potenciar a capacitação de cuidadores informais com saberes e recursos para lidarem de modo eficaz com a prestação de cuidados ao familiar idoso dependente.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
09 Ago 2024 -
Data do Fascículo
Ago 2024
Histórico
-
Recebido
10 Out 2023 -
Aceito
03 Abr 2024 -
Publicado
05 Abr 2024