Open-access Avaliação de estrutura da atenção primária à saúde materno-infantil. Roraima, região Norte e Brasil, 2012-2017

Resumo

A atenção primária à saúde é a principal porta de entrada e prioridade na gestão de saúde no Brasil. Contudo, existem desafios importantes na qualidade da atenção, em particular aos mais vulneráveis, especificamente na rede de saúde materna-infantil (RASMI). Esse fato é agravado pelas já conhecidas desigualdades regionais, que historicamente afetam mais as regiões Norte e Nordeste. O objetivo é avaliar no espaço-tempo a estrutura da RASMI em Roraima, na região Norte e no Brasil nos anos de 2012, 2014 e 2017. Para isso, a fonte de dados será o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB), Módulo I. Observou-se melhoria significativa nos indicadores de infraestrutura física, como ambiência/climatização; e na distribuição de insumos/equipamentos necessários à assistência materno-infantil, percebeu-se um crescimento progressivo entre 2014 e 2017. Por outro lado, notou-se piora na disponibilidade de medicamentos e diminuição de quantidade/carga-horária de recursos humanos. O estudo configurou uma importante análise longitudinal, comparativa entre a realidade estadual e nacional, que contribui para a formulação de políticas e programas relativos aos direitos reprodutivos e à assistência materno-infantil.

Palavras-chave: Saúde materno-infantil; Atenção primária à saúde; PMAQ-AB

Abstract

Primary healthcare is the main gateway and priority for healthcare management in Brazil. However, there are significant challenges in the quality of care, particularly for those most vulnerable, especially maternal and infant healthcare. This fact is exacerbated by regional inequalities, which have historically left the North and Northeast regions at a relative disadvantage. The study involves an analysis of the resources available for maternal and infant healthcare in the state of Roraima, the North region, and Brazil as a whole in 2012, 2014, and 2017, using data from Module I of the National Program for the Improvement of Access and Quality of Primary Care (PMAQ-AB). There was a significant improvement in physical infrastructure indicators (e.g., ventilation and air conditioning) as well as improvement in the distribution of supplies and equipment needed for maternal and infant care between 2014 and 2017. However, the availability of medicines and the number of human resources and hours worked diminished. The study offers a crucial longitudinal analysis, comparing the situation in Roraima and Brazil, whose findings could contribute to the development of programs and public policymaking for reproductive rights and maternal and infant health.

Key words: Maternal and infant health; Primary healthcare; PMAQ-AB

Introdução

A atenção primária à saúde (APS) é compreendida como uma estratégia de organização da atenção à saúde voltada para responder de forma regionalizada, contínua e sistematizada à maior parte das necessidades de saúde de uma população, integrando ações preventivas e curativas1.

A garantia de acesso aos cuidados de saúde integra o princípio da universalidade do Sistema Único de Saúde (SUS), ainda não efetivado para parte expressiva dos brasileiros, em particular para populações em situação de vulnerabilidade, fato agravado em grávidas, puérperas e neonatos, a despeito de serem áreas estratégicas para o Estado brasileiro1.

Nesse sentido, o Ministério da Saúde tem empreendido medidas e estratégias orientadas para a qualificação do modelo assistencial do SUS, tais como a consolidação da Estratégia de Saúde da Família (ESF), como prioridade para reordenamento da APS2. Dessa forma, a APS opera como porta de entrada, sendo o modelo prioritário de gestão de assistência no país, pois deve ser acolhedora e resolutiva para o conjunto das necessidades de saúde, além de coordenadora da continuidade do cuidado3.

Estudos sobre o acesso à APS no Brasil devem apreciar especificidades regionais, contemplando as dificuldades de acessibilidade, as iniquidades de acesso geográfico, a insuficiência de profissionais de saúde e a precariedade da rede física de unidades de saúde, condições que historicamente afetam mais as regiões Norte e Nordeste4,5. Especificamente, todos esses fatores vêm limitando a oferta regular da APS em Roraima6.

Nesse sentido, o presente estudo se volta para a importância da APS para a saúde materno infantil no estado de Roraima, no restante da região Norte e no Brasil. A delimitação geográfica do estudo se dá em virtude dos menores números de IDH dos estados do Norte perante o restante do Brasil4, sendo imprescindível averiguar se as unidades da APS na região têm estrutura física preparada para ofertar os serviços necessários à atenção materno-infantil. O estado de Roraima enfrenta inúmeras dificuldades na oferta de atendimento de qualidade à criança, à família e à comunidade, agravadas pela iniquidade na distribuição de recursos federais7, sendo que o repasse de recursos federais é inferior à média nacional e havendo capacidade restrita de gestão no âmbito municipal. Portanto, têm-se um conjunto de fatores que implicam a oferta insuficiente de rede da APS e a dificuldade de fixar trabalhadores de saúde e potencializar a concentração de serviços de média e alta complexidade7.

É nesse contexto que o Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) foi elaborado e executado. Com vigência nos anos de 2012, 2014 e 2017, seu objetivo foi ampliar o acesso aos serviços de atenção básica na saúde, estabelecer um padrão de qualidade nacional e incentivar os gestores locais do SUS a partir de parâmetros comparáveis, com monitoramento e avaliação permanentes8,9. Além disso, o PMAQ-AB busca incentivar gestores e equipes do SUS a melhorar o padrão de qualidade da assistência oferecida aos usuários nas unidades básicas de saúde, mediante processo de autoavaliação, desenvolvimento de melhorias e certificação externa.

Por esse motivo, o PMAQ-AB se mostra um instrumento valioso na avaliação da qualidade da RASMI, principalmente por ser importante fonte de informação sobre a estrutura da rede assistencial, uma vez que a maioria dos estudos sobre atenção à saúde materno-infantil analisa indicadores de processo (como número de atendimentos realizados)10 e de resultados (como mortalidade materna e infantil)11-13. Em geral, quanto a esses indicadores de resultado, os estudos evidenciam que a cada minuto morre no mundo uma mulher em virtude de complicações da gravidez e do parto, tendo ocorrido aumento de 11,9% no número absoluto de mortes maternas brasileiras e no coeficiente de mortalidade materna do país, de 52,29 para 65,13 mortes maternas por 100 mil nascidos vivos no ano de 2000 para 2009, o que constitui um grande desafio à saúde pública no país11-13, refletindo uma difícil situação sanitária quanto à qualidade da assistência à saúde materno-infantil14,15.

A avalição da distribuição e da magnitude da estrutura física disponível na região é essencial para superar tais déficits nos indicadores de saúde materno-infantil comentados acima e repensar estratégias de cuidado que alcancem as necessidades da população, bem como possibilitem conhecer a capacidade operacional disponível e sua adequação frente à demanda.

Dessa forma, o objetivo desta pesquisa é avaliar no espaço-tempo a estrutura da rede de atenção primária à saúde materno-infantil (RASMI) no estado de Roraima, na região Norte e no Brasil nos anos 2012, 2014 e 2017.

Metodologia

O presente estudo realizou: (1) análise espacial das unidades de saúde do estado de Roraima (RR) (via software QGIS), utilizando a malha digital do IBGE; (2) série histórica municipal da cobertura da atenção básica, via site e-gestor (https://egestorab.saude.gov.br/); (3) compatibilização dos instrumentos do módulo I do PMAQ (2012, 2014 e 2017 - Roraima, Região Norte e Brasil); e (4) análise dos indicadores de estrutura da RASMI.

Trata-se de estudo transversal, retrospectivo e analítico que utilizou dados secundários dos ciclos 1 (em 2012), 2 (em 2014) e 3 (em 2017) da avaliação externa do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB).

Para efetuar a análise dos indicadores de estrutura (física, equipamentos, insumos e medicamentos) relevantes para RASMI, a partir do PMAQ-AB de 2012, 2014 e 2017, as variáveis utilizadas foram selecionadas de acordo com a equivalência entre as perguntas do Módulo I entre os ciclos 1,2 e 3 do PMAQ-AB, dado que tanto perguntas quanto opções de respostas podem ter sofrido alterações de forma/conteúdo de um ciclo para outro. Para compatibilização, pormenorizada em Muzy e colaboradores (2021) na pesquisa sobre pacientes com diabetes16cobertura, estrutura, organização e oferta de serviços na APS relacionadas ao cuidado para DM no Brasil, segundo regiões, a partir da perspectiva das equipes de saúde da família e dos usuários. Foi realizada uma análise do grau de compatibilidade das questões do PMAQ-AB (2012, 2014 e 2017, foram utilizadas outras perguntas pré-existentes no mesmo módulo (I).

Os dados de caracterização dos municípios sobre gestão da atenção básica (cobertura da atenção primária à saúde, quantitativos de agentes comunitário de saúde, adesão ao PMAQ, equipes de saúde bucal e NASF) foram obtidos no site oficial do e-Gestor Atenção Básica, do Departamento de Saúde da Família (DESF) do Ministério da Saúde (https://egestorab.saude.gov.br).

Foi empreendida, ainda, uma análise espacial das unidades de saúde do estado de Roraima (via software QGIS 3.18), utilizando a malha digital do IBGE, de modo a mapear a distribuição geográfica das unidades de saúde que aderiram ao PMAQ-AB em cada um de seus respectivos ciclos, possibilitando aferir a expansão da adesão a partir da pesquisa de suas coordenadas geográficas, com base nos referidos códigos de cadastro nacional de estabelecimentos (CNES) de cada unidade aderida.

Compatibilização de questões

Os instrumentos do PMAQ-AB sofreram alterações no período analisado. Ao comparar o ciclo 1 (2012) com os ciclos 2 (2014) e 3 (2017), nota-se que algumas perguntas foram acrescidas, suprimidas ou modificadas, tornando necessária a sua compatibilização, com uma detalhada descrição dos critérios adotados. Foram utilizados alguns recursos de compatibilização entre os anos para garantir a maior comparabilidade possível, com o mínimo de perda de informações, conforme descrito a seguir: (a) uso de perguntas com sinônimos ou perguntas similares, sem alteração de sentido, ou com pequenas mudanças; (b) uso de perguntas com tipo de resposta diferente (mudança de resposta única para resposta múltipla, ou de resposta categórica para contínua); (c) uso de categorias de resposta complementares (se em um ano a pergunta é feita no sentido positivo, em outro é feita no negativo); e (d) uso de perguntas proxy do constructo aferido (quando as perguntas se referiam ao mesmo conceito ou a um conceito similar, mesmo que a população alvo seja diferente).

Na análise das perguntas compatibilizadas, realizou-se uma classificação quanto ao grau de comparabilidade das mesmas, sendo eles: (1) total: quando a formulação da pergunta é exatamente a mesma nos três ciclos; (2). alto: quando há pequenas alterações na forma de perguntar, mas não alterando seu sentido (como quando se utiliza sinônimos ou compatibiliza-se categorias de resposta similares/complementares); e (3) médio: quando há alterações significativas na forma de perguntar, mas ainda é possível comparar (quando os termos utilizados não são sinônimos mas se referem a um mesmo conceito/objeto de análise, ou quando se referem a um grupo populacional diferente). Perguntas com comparabilidade baixa, que exigem maior esforço para aproximação de conceitos ou com o objeto investigado foram excluídas da análise. Algumas perguntas foram mantidas mesmo estando disponíveis para apenas um ou dois ciclos, dada a relevância delas para o tema. A síntese dessa compatibilização entre os três ciclos para questões relativas à saúde materno-infantil encontra-se disponibilizada no Quadro 1, contendo ainda a classificação do grau de comparabilidade delas.

Quadro 1
Compatibilização das perguntas do módulo 1 (estrutura das UBS) do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB), entre os anos 2012, 2014 e 2017, para saúde materno-infantil.

Para análise estatística do item (4), “análise dos indicadores de estrutura da RASMI”, de modo a verificar a diferença entre as médias e proporções anuais entre os ciclos do PMAQ-AB, aplicou-se para varáveis categóricas o teste qui-quadrado de Pearson (ou o teste não paramétrico de Fisher, quando necessário, ou seja, quando o número de casos era pequeno); e para as variáveis contínuas, utilizou-se o teste ANOVA para diferenças de média para Brasil e região Norte; e o teste não paramétrico de Kruskall-wallys para Roraima. Todos os testes foram avaliados ao nível de significância (p-valor) de 5%, utilizando-se o software estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 21.

Por se tratarem de dados secundários de domínio público, o estudo foi dispensado de apreciação ética pelo Comitê de Ética em Pesquisa, segundo resolução do CONEP 466/201217.

Resultados

O estado de Roraima, localizado na região Norte do Brasil. é o mais setentrional do país. Está localizado na tríplice fronteira - Brasil, Guiana e Venezuela - e tem 1.922 km de fronteira com esses países, onde há duas cidades-gêmeas, Bonfim na fronteira com Lethem, na Guiana, e Pacaraima na fronteira com Santa Elena de Uairén, na Venezuela.

A APS é a porta de entrada dos serviços do SUS e representa para Roraima o maior volume entre os estabelecimentos de saúde. A distribuição espacial dos estabelecimentos, realizada com base nas coordenadas geográficas que localizam as EqSF que aderiram ao PMAQ-AB, evidencia uma concentração da oferta de serviços nas sedes dos municípios do estado de RR (Figura 1).

Figura 1
Georeferenciamento das unidades de saúde que aderiram ao PMAQ-AB. Roraima - 2012, 2014 e 2017.

A Figura 1 ilustra a evolução temporal do percentual de adesão ao PMAQ-AB, conforme o espalhamento geográfico das UBS (n = 26 em 2012; n = 55 em 2014; e n = 86 em 2017) em Roraima, favorecendo uma melhor cobertura estimada de equipes de Saúde da Família (eSF) e de equipes de Atenção Básica (eAB), com vistas ao fortalecimento do planejamento do SUS.

Observa-se, ainda, na Tabela 1, que a cobertura da APS foi de 100% nos três períodos estudados em seis municípios de Roraima. Por outro lado, em três municípios (Cantá, Caroebe e Uiramutá) o percentual de cobertura foi crescente ao longo dos anos, enquanto em outros (Amajari, Boa Vista, São João da Baliza e São Luiz) houve decréscimo entre 2012 e 2014 e entre 2014 e 2017 (Boa Vista, Normandia, Rorainópolis e São Luiz). No que se refere à criação dos NASFs, vê-se que figuram em 9 dos 15 municípios em 2014 (apenas um em cada município), evoluindo para todos os municípios de RR, exceto Cantá e Normandia, além de três em Boa Vista.

Tabela 1
Características de gestão e da atenção básica nos municípios de Roraima em 2012, 2014 e 2017.

Quanto à adesão das unidades de saúde do estado de Roraima ao PMAQ-AB, observou-se que: em 2012 foi de 18%; em 2014, 48%; e em 2017, cerca de 100%. Em específico para os municípios de RR, observou-se também aumento progressivo ao longo dos anos em 14 dos 15 municípios. Porém, no município de Amajari, a adesão cresceu entre 2012 e 2014, no entanto zerou em 2017. Apenas o município Bonfim alcançou 100% de adesão ainda em 2014, enquanto em 2017 somente dois municípios (Amaraji e Boa Vista) não apresentavam esse percentual (Tabela 1).

No processo de compatibilização das questões acerca da RASMI, a partir do Módulo I dos três ciclos do PMAQ-AB (referente à estrutura das UBS), identificou-se (Quadro 1) que a formulação das perguntas foi exatamente a mesma em 21 questões (comparabilidade total) das 45 investigadas, enquanto pequenas alterações de forma, e não de conteúdo, ocorreram em 20 questões (comparabilidade alta). Outros quatro itens tiveram alterações significativas, porém se referindo aos mesmos conceitos ao longo do tempo (comparabilidade média).

Em relação à distribuição dos itens de estrutura física relevantes para a assistência materno-infantil nas unidades de atenção primária de Roraima, região Norte e Brasil nos períodos investigados, nota-se que a quantidade de UBS em Roraima aumentou progressivamente entre 2012 e 2017, assim como na região Norte e no Brasil (Tabela 2). Por outro lado, a quantidade de profissionais de todas as categorias foi superior em Roraima nos anos de 2012 e 2014, em comparação aos demais territórios incluídos no estudo. Em 2017, esses indicadores acerca dos recursos humanos apresentaram queda substancial em RR, tornando-se inferiores ao cenário identificado na região Norte e no Brasil.

Tabela 2
Distribuição dos itens de estrutura física relevantes para assistência materno-infantil nas unidades de atenção primária de Roraima, Região Norte e Brasil. PMAQ-AB 2012, 2014 e 2017.

As condições de estrutura física apresentaram diferenças estatisticamente significativas no período correspondente entre 2012 e 2017. Destaca-se a positiva evolução verificada para RR, frente a região Norte e Brasil, onde figuravam percentuais inferiores em 2012, atingindo resultados que ultrapassaram os patamares da região Norte e do BR em 2017, por exemplo no que diz respeito à qualificação de ambiência, tais como: ambientes com boa ventilação/climatização, iluminação, acústica etc. (Tabela 2).

Quanto à infraestrutura, observou-se que para todas as áreas investigadas ocorreu uma relevante melhora na disponibilidade média de computadores na atenção básica (Tabela 2).

Com relação à distribuição de equipamentos, insumos e medicamentos relevantes para RASMI nas unidades de atenção primária de Roraima, região Norte e Brasil nos anos de 2012, 2014 e 2017 (Tabela 3), verificou-se que a disponibilidade de aparelhos de pressão para adultos, mesa para exame clínico e sonar ou estetoscópio de Pinard foi superior em Roraima, em comparação com a região Norte e o Brasil em todo o intervalo investigado. Outros equipamentos, como aparelho de nebulização, balança antropométrica e mesa para exame ginecológico, mostraram-se mais disponíveis em Roraima do que na região Norte, embora em quantidades inferiores ao do cenário brasileiro como um todo (Tabela 3).

Tabela 3
Distribuição dos equipamentos, insumos e medicamentos relevantes para assistência materno-infantil nas unidades de atenção primária de Roraima, Região Norte e Brasil. PMAQ-AB 2012, 2014 e 2017.

Especificamente quanto à disponibilidade dos insumos, em Roraima diminuiu entre 2012 e 2017; cenário similar foi identificado na região Norte e no Brasil, embora nesses territórios, em geral, o decréscimo tenha se mostrado menos substancial. O ano de 2014 mostrou-se como aquele em que a disponibilidade de insumos esteve maior em Roraima, na região Norte e no Brasil (Tabela 3).

Ainda na Tabela 3, observa-se que, quanto aos medicamentos, o ácido fólico, o sulfato ferroso e a cefalexina se mostraram menos disponíveis em Roraima em 2014. No entanto, em 2017 sua quantidade média tornou a aumentar, embora sem retornar aos níveis de 2012. Tanto na região Norte quanto no Brasil, verificou-se queda constante no período para esses medicamentos. Por outro lado, a distribuição de testes para sífilis aumentou substancialmente em Roraima de 2012 a 2014. Na região Norte e no Brasil essa variação foi menor, embora também crescente. Já a disponibilidade de testes para HIV foi reduzida entre 2014 e 2017 em Roraima, enquanto na região Norte e no Brasil sua distribuição cresceu no mesmo período.

Discussão

Neste artigo avaliou-se, em Roraima, na região Norte e no Brasil, utilizando-se os três ciclos disponíveis do PMAQ-AB, a distribuição de aspectos relevantes para a qualidade da RASMI, tais como: distribuição geográfica das UBS, estrutura física da rede, recursos humanos, disponibilidade de medicamentos, insumos e equipamentos.

Da análise dos resultados, percebe-se que o estado de Roraima apresenta cobertura total da APS em seis municípios nos três períodos do estudo. Das outras nove cidades roraimenses, Cantá, Carobé e Uiramutá demonstraram crescimento na APS. Em contrapartida, municípios como Amajari, Boa Vista, São João da Baliza e São Luiz perderam cobertura entre 2012 e 2014. De maneira similar, a APS também decresceu em Boa Vista, Normandia, Rorainópolis e São Luiz entre 2014 e 2017.

Em 2014, o Núcleo de Apoio à Saúde da Família estava presente em nove dos 15 municípios do estado. Em 2017, à exceção de Cantá e Normandia, todos os municípios de Roraima apresentaram um núcleo, sendo que apenas Boa Vista com mais de um, especificamente três NASFs, operando como um indicador da qualidade da atenção em saúde no estado. Busca-se, através do NASF, prover uma estratégia em saúde competente, multidisciplinar e abrangente, com a finalidade de potencializar a eficácia da APS, aumentando sua abrangência territorial e no âmbito dos serviços18.

O NASF, em Roraima como no Brasil, atua com equipes multidisciplinares de saúde. Além do médico de família, profissionais como assistentes sociais, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, médicos veterinários, enfermeiros sanitaristas e psicólogos atendem os núcleos familiares, com consultas compartilhadas com o médico e demais especialistas, quando necessário para colocar em prática as estratégias elaboradas. Além disso, oferece orientação para grupos de apoio de gestantes e palestras, apoio à inserção da ESF e na rede de atenção à saúde, mediante processos de territorialização e regionalização da assistência, a partir do fortalecimento das ações da APS19.

Concomitantemente à expansão do NASF, pode-se verificar que a adesão ao PMAQ-AB cresceu significativamente nos períodos analisados na pesquisa. Partindo de 18% em 2012, a adesão se aproximou da totalidade em 2017. Alguns municípios apresentaram desempenho peculiar. Entre 2012 e 2014, a adesão ao PMAQ cresceu em Amajari, no entanto, a mesma métrica decaiu para zero em 2017. Bonfim foi a primeira cidade a alcançar a adesão total, consolidada ainda em 2014, ao passo que os demais municípios atingem adesão total apenas em 2017, à exceção de Amaraji e Boa Vista. Destaca-se que tal configuração também foi verificada em termos nacionais, observando-se evolução crescente da adesão20, o que demonstra impactos positivos para a gestão, ampliando o acesso e melhorando a qualidade da atenção básica, fator que contribuiu para o desenvolvimento de um padrão de qualidade comparável em todo o país8,18.

Portanto, o PMAQ-AB é visto como uma iniciativa conectada às mudanças ocorridas no MS, principalmente para as regras na adesão ao programa, que apontam para a centralidade da atenção básica e o redesenho da regionalização e do financiamento do SUS como estratégias avaliativas2.

Na literatura, percebe-se uma concentração das unidades que aderiram ao PMAQ-AB nas regiões urbanas20, fato também ocorrido em RR em 2012, porém superado em 2017, quando a maioria dos municípios atingiram 100% de adesão. No entanto, é necessário notar que existe uma relação direta entre densidade populacional e oferta de serviços de saúde, o que de certa forma impacta a distribuição da adesão ao PMAQ-AB.

Segundo Garnelo e colaboradores (2018)6, em geral as instalações de saúde são implementadas de acordo com a densidade demográfica do território. Por conseguinte, tem-se um acesso à APS mais difícil nas zonas da Amazônia Legal, onde há menor densidade demográfica, o que prejudica o acesso à saúde, restando a esses pacientes a opção de custear o próprio transporte até as zonas de atendimento fluviais e ribeirinhas7socioeconômicos e de saúde, por meio do coeficiente de correlação de Spearman. Para o conjunto da região, a cobertura assistencial de equipes sediadas em área rural, urbana e urbana que declararam atender a populações rurais foi de 83,3%. Coberturas entre 90-100% foram encontradas para o Acre, o Amapá, Roraima e o Tocantins. Menores percentuais foram encontrados no Pará (50,5%.

Para Louzada e Ramos (2014)21, os principais obstáculos na atenção à saúde ofertada pelas unidades que aderiram ao PMAQ-AB são a localização e a distância das unidades em relação à residência dos pacientes, o que demanda a implementação de estratégias de transporte, por conseguinte elevando os custos. De maneira similar, o relevo da floresta e as peculiaridades geográficas do estado de Roraima oferecem resistência à logística e à distribuição dos insumos necessários à APS21.

Para a implementação de análise longitudinal do presente estudo, foi necessária a elaboração de um processo de compatibilização das diferentes versões de instrumentos do PMAQ-AB investigados. Nesse sentido, reporta-se alta comparabilidade na maioria das questões entre os ciclos, ou seja, a compatibilização das questões quanto à RASMI se demonstrou predominantemente alta, a despeito do fato que importantes questões sejam suprimidas ao longo dos ciclos.

Desse modo, a ausência de alguns dados, simultaneamente nos três ciclos, limitou a comparabilidade longitudinal do estudo no que se refere a tópicos relevantes na RASMI. Especificamente, só foi possível obter informações em 2012 acerca de aspectos como equipamentos de proteção individual (como luvas, óculos, máscaras, aventais e toucas); Ficha de gestantes do sistema de informação da atenção básica; ficha de requisição e resultado de exame citopatológico (SISCOLO); e ficha de atendimento pré-natal. Assim, o monitoramento de tais aspectos ficou comprometido, dificultando o planejamento futuro e a avaliação de temáticas importantes para a assistência de modo geral, ou seja, a disponibilização dessas informações de maneira precisa e pertinente ajudaria aos gestores na formulação de novas políticas públicas voltadas para a saúde da mulher22.

Com base nessa perspectiva, pode-se dizer que os indicadores evocam conhecimento, de forma a apresentar e a subsidiar as atividades de planejamento público e a formulação de políticas nas diferentes esferas de governo, possibilitando o monitoramento das condições de vida e bem-estar da população, permitindo assim o aprofundamento da investigação sobre a mudança social e os determinantes dos diferentes fenômenos sociais5.

Como resultados gerais do presente estudo, observou-se melhoria significativa nos indicadores relativos à infraestrutura física, como ambiência, climatização etc., bem como no que se refere à distribuição de instrumentos/equipamentos necessários à assistência materno-infantil em Roraima, percebendo-se um crescimento progressivo entre 2014 e 2017. Por outro lado, houve piora na disponibilidade de provisões imprescindíveis, a exemplo de medicamentos e outras ferramentas/insumos de trabalho, como os veículos destinados à visita domiciliar, além da diminuição da quantidade média de recursos humanos.

O monitoramento da disponibilidade de veículos destinados à visita domiciliar apresenta perda especialmente relevante no cenário de áreas como Roraima, como já descrito, onde a distância entre os pacientes e as unidades de saúde configura um importante desafio6.

Cabe destacar que tal cenário se deu em um período no qual ocorreu relevante migração de população Venezuelana e Guianense para Roraima, através de suas fronteiras terrestres, iniciada em 2015, com maior impacto em 201723,24. Dessa forma, RR recebeu um grande aporte populacional nesse período, possivelmente sobrecarregando o sistema de saúde, ocasionando o aumento do consumo de insumos, medicamentos e demais recursos de atenção à saúde, o que afeta a qualidade da assistência. Resultados similares foram encontrados no estudo aprofundado sobre o impacto da imigração venezuelana nos serviços de saúde locais de Roraima, como abordam Barreto et al. (2018) com base em outras fontes de dados que não o PMAQ-AB25,26.

Ainda assim, é possível afirmar que a infraestrutura de APS em Roraima melhorou sensivelmente entre 2012 e 2017 no que se refere à ambiência, como a acomodação para receber e atender pacientes. Além disso, observou-se nacionalmente aumento no número de computadores nas UBS, porém nem o PMAQ-AB ou a plataforma e-Gestor permitem vislumbrar informações mais detalhadas, como qualidade/quantidade de conexão à internet, para a plena discussão do tema.

Outro ponto de preocupação é a disponibilidade de medicamentos como cefalexina, ácido fólico e sulfato ferroso, que decaíram no estado em 2014, voltando a crescer apenas em 2017, sem, no entanto, atingir os números alcançados em 2012. Além disso, houve a problemática da aferição por sorteio em 2014 para a cefalexina. Nessa mesma época, apesar do aumento na testagem para sífilis entre 2012 e 2014, os testes para HIV tiveram redução não só em RR, mas em todo o país, no período 2014-2017.

Por fim, é pertinente observar o baixo percentual de testes para malária, principalmente ao considerar que se trata de região em que a patologia é endêmica, pois no Brasil a maioria dos casos de malária se concentram na região Amazônica, com aproximadamente 99,7% do total de casos do Brasil27. Portanto, é possível afirmar que esse é um ponto deficitário na estratégia em saúde no estado, primordialmente no que diz respeito à assistência a gestantes28causada por protozoários, transmitidos pela fêmea infectada do mosquito Anopheles. As espécies associadas à malária humana são o Plasmodium falciparum, P. vivax, P.malariae e P. ovale. Sua transmissão ocorre por meio da picada de fêmeas infectadas de mosquitos do gênero Anopheles, sendo mais importante a espécie Anopheles darlingi, cujos criadouros preferenciais são coleções de água limpa, quente, sombreada e de baixo fluxo. Após a picada, os parasitos chegam rapidamente ao fígado onde se multiplicam de forma intensa e veloz. Em seguida, já na corrente sangüínea, invadem os glóbulos vermelhos e, em constante multiplicação, começam a destruí-los. A partir desse momento, acorrem os primeiros sintomas da doença que são náuseas, êmese, mal-estar, cefaleia mialgia, calafrios, cansaço, febre alta e sudorese. O quadro clínico da malária pode ser leve, moderado ou grave, na dependência da espécie do parasito, da quantidade de parasitos circulantes, do tempo de doença e do nível de imunidade adquirida pelo paciente. As gestantes, as crianças e os primoinfectados estão sujeitos a maior gravidade, principalmente por infecções pelo P. falciparum, que podem ser letais. O diagnóstico precoce e o tratamento correto e oportuno são os meios mais adequados para reduzir a gravidade e a letalidade por malária. Tendo seu diagnostico clínico de difícil confirmação por ser confundido com outras doenças o mais eficaz a se fazer é o exame laboratorial da doença, pela microscopia da gota espessa de sangue ou por testes rápidos imunocromatográficos. No Brasil a maioria dos casos de malária concentram-se na região Amazônica (Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins, visto que a malária na gestação é uma condição potencialmente grave. Em termos mundiais, estima-se que a cada ano 50 milhões de mulheres grávidas são expostas ao risco dessa infecção, que pode afetar o curso da gestação e levar a vários desfechos negativos, como anemia, prematuridade, baixo peso ao nascer, perda fetal e morte materna29,30cross-border importation of malaria has become a challenge to malaria elimination. The border areas between Brazil and Venezuela have experienced high numbers of imported cases due to increased population movement and migration out of Venezuela. This study aimed to identify risk factors for imported malaria and delineate imported malaria hotspots in Roraima, Brazil and Bolivar, Venezuela between 2016 and 2018. Data on malaria surveillance cases from Roraima, Brazil and Bolivar, Venezuela from 2016 to 2018 were obtained from national surveillance systems: the Brazilian Malaria Epidemiology Surveillance Information System (SIVEP-Malaria.

Com relação às limitações do estudo, destaca-se que a análise das questões de saúde materno-infantil fica restrita à formulação e aos mecanismos de aferição específicos do instrumento PMAQ-AB, limitação que é padrão no uso de bases de dados secundárias, pois poucos dados detalhados são disponibilizados ao público no que se refere a insumos, medicamentos e equipamentos necessários ao atendimento dos pacientes.

A generalização dos resultados apresentados é função da adesão das instituições ao PMAQ-AB, porém, como exposto, esta evoluiu bastante e positivamente ao longo dos ciclos. Nesse sentido, espera-se obter comparações mais detalhadas para análise em estudos futuros.

Entende-se que a maioria dos estudos sobre atenção à saúde materno-infantil analisa indicadores de processo (como número de atendimentos realizados) e de resultado (como mortalidade materna e infantil), contudo, a avalição da distribuição e da magnitude da estrutura física disponível na região é essencial para superar déficits nos indicadores de saúde materno-infantil e para repensar estratégias de cuidado que alcancem as necessidades da população, bem como para conhecer a capacidade operacional disponível e sua adequação frente à demanda11,12,14.

A presente pesquisa tem como fundamento informações extraídas de bases de dados secundárias (públicas e disponíveis gratuitamente) de abrangência nacional, com possibilidade de desagregação por macrorregião e UF, e pretende colaborar com a comunidade científica ao servir de base para outros estudos. Assim, a reprodutibilidade deste estudo (de compatibilização das questões da RASMI de forma longitudinal) é extremamente viável, uma vez que a grande maioria das questões investigadas apresentou vasta compatibilidade entre os ciclos, podendo ser replicada para as demais unidades federativas, bem como para outras temáticas da área da saúde, como hipertensão arterial, saúde mental, cuidados preventivos, atendimento multidisciplinar etc.

As melhorias de infraestrutura na atenção em saúde em Roraima são evidentes, no entanto, contrastam severamente com o declínio no aporte de recursos humanos, em virtude do crescimento populacional vertiginoso percebido a partir de meados de 2015, o que enseja a necessidade de investigações futuras quanto à qualidade da assistência materno-infantil.

Por fim, é imprescindível destacar que esta mesma metodologia de compatibilização dos ciclos do PMAQ pode ser reaplicada para o Módulo II (Equipes de Atenção Básica) e Módulo III (Usuários) do PMAQ-AB, aferindo dessa forma o processo e os resultados da assistência nesses períodos e locais.

A despeito da possibilidade de replicação da presente metodologia para estudos futuros, tanto para a temática materno-infantil quanto para outras áreas, pautados no PMAQ-AB, verifica-se a opção do governo federal pela descontinuação desse importante programa em 2019. Muzy e colaboradores (2021)31 apontam que o encerramento do PMAQ-AB representa prejuízo sensível ao SUS, principalmente no que se refere ao tratamento e à prevenção de doenças crônicas, pois era a única ferramenta do SUS de monitoramento de alguns serviços preconizados, o que reforça as desigualdades regionais na APS. Isso interrompe a possibilidade de análises futuras dos indicadores de desempenho de abrangência nacional, que abordavam tanto aspectos da gestão como do cuidado em saúde na APS20.

Outro aspecto relevante no se refere à replicação da metodologia aqui proposta diz respeito ao fato de que a, a despeito da indução federal ao NASF-AB ter sido extinta em 2019 pela Portaria nº 2.979, que a substituiu pelo Programa Previne Brasil, trazendo mudanças no mecanismo de financiamento da APS, isso não redefine a proposta de indicadores para avaliação do cuidado em saúde materno-infantil, que é escopo deste artigo. Ou seja, a presente metodologia é replicável no futuro, considerando o monitoramento e a avaliação da atenção materno-infantil, caso ocorra a continuidade do PMAQ pelo Ministério da Saúde.

Portanto, o presente trabalho retrata uma importante análise e contribuição das ações dos direitos reprodutivos, consistindo em ferramenta para a elaboração de políticas públicas visando a melhoria da qualidade da assistência à saúde da mulher em Roraima. Além disso, possibilita a proposição de replanejamento da infraestrutura da APS, com vistas à compreensão do impacto do volume populacional sobre o acesso, a cobertura, as estruturas, os medicamentos e os insumos na organização e oferta de serviços da APS relacionadas à RASMI.

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  • Editores-chefes:
    Maria Cecília de Souza Minayo, Romeu Gomes, Antônio Augusto Moura da Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Out 2024

Histórico

  • Recebido
    31 Mar 2023
  • Aceito
    06 Out 2023
  • Publicado
    08 Out 2023
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