O livro Atuação do psicólogo na Educação Básica: concepções, práticas e desafios trata de temática da maior importância para a prática e estudos em Psicologia Escolar e Educacional, considerando as especificidades do contexto brasileiro. O texto se organiza a partir de uma perspectiva crítica, a qual desde o início dos anos de 1980 tem-se destacado por nortear estudos sólidos e pesquisas bem delineadas, contribuindo para o desvelar das mazelas que assolam a Educação brasileira e que acabam por culpabilizar os elos mais frágeis desse processo, no caso, os alunos e suas famílias, pelos contínuos fracassos que constituem o não aprender.
A partir de inquietações acerca do modo como os saberes produzidos na academia têm contribuído para os fazeres dos psicólogos atuantes na rede pública, que resvalam numa prática emancipatória frente às dificuldades enfrentadas na escola, em especial as relacionadas às queixas escolares e incluem as políticas públicas geradas por tais saberes foi delineada uma pesquisa em sete estados brasileiros - Acre, Bahia, Minas Gerais, Paraná, Rondônia, Santa Catarina e São Paulo, cujo objetivo foi conhecer a atuação de psicólogos na educação básica nesses locais. É importante ressaltar que as autoras reconhecem que os estados estudados não são suficientes para um entendimento da realidade nacioal; contudo, abrem espaços para novas investigações e discussões na área.
O primeiro capítulo, "O movimento de crítica em Psicologia Escolar: elementos para a compreensão da trajetória de uma área de atuação profissional", de autoria de Marilene Proença Rebello de Souza traça um breve histórico da Psicologia e a sua relação com inquietantes questões sociais que culminaram com o movimento de crítica a essa ciência da forma como se apresentava e, nesse aspecto, enfatiza a importância que assumiu a Psicologia Escolar e Educacional brasileira, com destaque às produções de Maria Helena Souza Patto e os seus desdobramentos nos anos de 1990, que impulsionaram novas opções metodológicas para a compreensão do fenomeno escolar, como a etnografia. A autora menciona as suas produções na área, que culminaram com a pesquisa aqui relatada. Em suma, trata-se de um texto bem fundamentado do ponto de vista histórico e que lança luz sobre alguns desafios a serem enfrentados e conhecidos por aqueles que se dedicam à Psicologia Escolar e Educacional.
No segundo capítulo, "A pesquisa: aspectos teóricos-metodológicos", as autoras Anabela Almeida Costa e Santos Peretta, Roseli Fernandes Lins Caldas e Juliana Sano de Almeida Lara apresentam os recursos metodológicos para a efetivação da pesquisa. Para tanto, mencionam a pertinência do uso de estratégias quantitativas e qualitativas, numa perspectiva de complementaridade. Referem-se de forma detalhada aos instrumentos utilizados e às formas de análise dos dados. Desse modo, o capítulo se constitui de vital importância para aqueles que se iniciam nos fazeres inerentes à pesquisa, bem como se mostra útil para pesquisadores mais experientes.
O terceiro capítulo, "Atuação do psicólogo na educação: o que pensam pesquisadores brasileiros sobre o tema", Marilene Proença e colaboradoras trazem um panorama da produção acadêmico-científica da Psicologia Escolar e Educacional tanto em nível teórico quanto prático, no período de 2000 a 2007. Nessa perspectiva, as autoras concluem que as produções analisadas trazem importantes elementos que devem ser vislumbrados pelos profissionais da Psicologia na Educação, em especial a consideração em seu todo, do contexto educacional.
A "Atuação do psicólogo na rede pública de educação do Acre", capítulo elaborado por Iracema Nemo Cecílio Tada e Maria Freire da Costa, apresenta dados sócio-demográficos da região e enfatiza a não existência do cargo de psicólogo no plano de carreira do Estado, esclarecendo que se trata de cargo de confiança, com contratos provisórios. A pesquisa empreendida com 11 psicólogas mostrou que a maioria das profissionais entrevistadas atua na Educação Especial, com um modelo de trabalho clínico, o que demonstra um certo distanciamento das discussões atuais sobre as possibilidades de atuação profissional, em especial, numa perspectiva crítica defendida pelas autoras.
A "Atuação do psicólogo na rede pública de educação de Rondônia", presente no capítulo 5 elaborado por Iracema Nemo Cecílio Tada e colaboradoras também apresenta os dados sócio-demográficos da região e acena que no Plano de Carreira, Cargos e Remuneração dos Profissionais da Educação Básica de Rondônia há a denominação do Psicólogo Educacional. Contudo, as autoras criticam as atividades de tal profissional especificadas no documento, expressas nos termos reEducação e ajustamento (p. 81). Em termos específicos de atuação, as autoras encontraram que a maioria dos 38 psicólogos participantes do estudo, busca o referencial clínico na fundamentação de suas práticas, em detrimento de uma Psicologia Escolar crítica, mais abrangente e emancipadora.
O capítulo 6, escrito por Lygia de Sousa Viégas, "Atuação do psicólogo na rede pública de educação da Bahia", se preocupa em apresentar a reallidade baiana no que respeita à educação pública e à psicologia local. Em termos educacionais, a autora destaca estatísticas que denunciam o "descaso histórico com a Educação na Bahia" (p.101). No que tange à própria Psicologiamenciona que, dos 28 psicólogos participantes, cerca de 39% apresentavam uma prática exclusivamente clínica. Desse modo, uma das conclusões do estudo apontada pela autora, refere-se a importância de "fortalecer a formação crítica em Psicologia Escolar e Educacional" (p. 111) em território bahiano.
Silvia Maria Cintra da Silva e colaboradoras mostram no capítulo 7 "Atuação do psicólogo na rede pública de educação de Minas Gerais" uma predominância dos profissionais da Psicologia na modalidade de atuação clínica e institucional, o que as levou a inferir que, "em alguma medida, os avanços da Psicologia Escolar vêm sendo incorporados às práticas dos psicólogos junto à Educação" (p. 122). Todavia, ressaltam a importância da capacitação profissional de modo contínuo, realizadas por meio de supervisões e cursos de pós-graduação na área.
O capítulo 8, "Atuação do psicólogo na rede pública de educação de São Paulo" escrito por Marilene Proença e colaboradores apresenta a realidade do estado paulista. Como nos demais estudos presentes no livro, os autores contextualizam a região com dados sócio-demográficos e esclarecem sobre o perfil dos psicólogos participantes. Em síntese, foi obsevado que, a despeito dos profissionais procurarem "realizar uma prática alicerçada em ações institucionais, a demanda escolar continua fortemente marcada pela solicitação de atendimento individual e clínico" (p. 169). Tal constatação reforça a necessidade de formação contínua dos psicólogos escolares e educacionais.
No capítuo 9, "Atuação do psicólogo na rede pública de educação do Paraná", as autoras Marilda Gonçalves Dias Facci, Sonia Mari Shima Barroco e Záira Fátima de Rezende Gonzalez Leal apresentam a situação paranaense. No mesmo formato dos demais relatos há a apresentação dos dados sócio-demográficos do Paraná e uma ampla caracterização do perfil profissional dos psicólogos atuantes na Educação. Um dado apontado pelas autoras e que chama a atenção acerca dos achados encontrados refere-se ao exíguo oferecimento da ênfase na área de Educação ou da própria Psicologia Escolar e Educacional nos currículos das Instituições de Ensino Superior ali localizadas. Trata-se de um dado da maior importância, quando se tem a perspectiva da disseminação de conhecimento e produção de saberes, a partir da academia.
O capítulo 10, "Atuação do psicólogo na rede pública de educação de Santa Catarina", Celso Francisco Tondin, Daniela Fernanda Schott e Irme Salete Bonamigo contextualizam o estado catarinense a partir de dados sócio-demográficos e concluem que, em termos de formação, "embora haja a presença de indícios de discursos e práticas críticas, a atuação" (p. 220) prioriza um fazer clínico que, segundo os autores, é psicopatologizante.
O capítulo 11, "Atuação do psicólogo na rede pública de Educação em sete estados brasileiros: caracterização, práticas e concepções", de autoria de Marilene Proença Rebello de Souza, Kátia Yamamoto e Camila Galafassi faz uma interessante comparação entre os dados que foram arrolados nos sete estados participantes, consolidando o caráter metodológico presente na pesquisa. Nesse sentido, fornece um panorama geral da atuação dos profissionais da Psicologia na Educação e que pela riqueza de detalhes pode compor um retrato do que se encontra em território nacional, muito embora o estudo não tenha abarcado todos os estados brasileiros.
No capítulo 12, "Da identificação da demanda a uma atuação institucional de psicólogos na educação", Marilene Proença e demais pesquisadores lançam um olhar sobre o modo como foram constituídos os serviços de Psicologia nos Estados participantes do estudo reiterando a importância dos "conhecimentos da Psicologia em uma perspectiva crítica, ao considerarem as dimensões emancipatórias da Educação" (p. 273), o que, segundo os autores, poderá propiciar uma atuação profissional capaz de auxiliar a escola no enfrentamento de suas finalidades.
Marilda Gonçalves Dias Facci e Silvia Maria Cintra da Silva assinam o capítulo 13, "Por uma formação para uma atuação crítica em Psicologia Escolar e Educacional", no qual analisam aspectos da formação do psicólogo e as especificidades da Psicologia Escolar e Educacional, destacando os aspectos de tal formação na emancipação humana. Enfatizam ainda, o fato de que a intervenção em Psicologia Escolar e Educacional deve contribuir "para que a escola cumpra com sua função de ensinar" (p. 282).
O capítulo final, "Desafios para uma atuação profissional de psicólogos frente à queixa escolar: compromisso ético, político e social" de Marilene Proença, apresenta, como o próprio título sugere, uma série de desafios a serem enfrentados para uma atuação considerando as políticas públicas e a tão presente medicalização da Educação. A autora ainda alerta sobre os baixos índices de qualidade apresentado pelas escolas brasileiras e conclui que a consolidação do referencial teórico-metodológico pode abrir novos caminhos para "dilemas e desafios postos pela realidade concreta à Psicologia".
Acredita-se que o livro "Atuação do psicólogo na Educação Básica: concepções, práticas e desafios" seja capaz de subsidiar novos trabalhos e práticas, contribuindo para uma maior e melhor inserção do psicólogo em contextos educacionais, indo além dos aqui pesquisados - educação básica, mas fornecendo subsídios para outros, como o do ensino superior, cujas políticas públicas de inclusão e outras necessitam da parceria e do olhar atento da Psicologia /Escolar e Educacional para a sua efetiva consolidação.
Finalizando, é importante destacar que o texto, ao contemplar simultaneamente aspectos de densa e bem estruturada fundamentação teórica, coma pesquisa, cuidadosamente desenhada, no que respeita à metodologia adequada e a apresentação dos resultados deve contribuir para práticas acadêmicas, tanto em cursos de graduação, quanto de pós-graduação, além de sua leitura oportunizar uma formação contínua para psicólogos atuantes ou interessados na construção de uma escola de qualidade e na qual se coloquem como importantes parceiros desse processo.
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Celia Vectore - Professora Titular junto ao Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia. Possui graduação em Psicologia, Nutrição e Pedagogia. Mestre e Doutora pelo Instituto de Psicologia da Universidade de Sao Paulo. Tem pós-doutorado pela Universita deli Studi di Ferrara (Itália) e pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
May-Aug 2015
Histórico
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Recebido
08 Jul 2015 -
Aceito
28 Jul 2015