O Plano Plurianual (PPA), com vigência de quatro anos, é o principal instrumento de planejamento orçamentário do governo federal ao definir diretrizes, objetivos e metas. É proposto pelo Poder Executivo, por meio de um projeto de lei, apreciado pelo Congresso Nacional e posteriormente sancionado pelo presidente da república. Durante sua vigência, o PPA norteia a elaboração das Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA), além de planos e programas nacionais, regionais e setoriais1.
A participação social, compreendida como a capacidade que a sociedade civil tem de atuar na gestão pública, propondo e avaliando ações e gastos estatais e garantindo o interesse da coletividade2, é um princípio do Sistema Único de Saúde (SUS)3,4. Embora seja reconhecida como estratégia central de defesa do SUS, ainda existem importantes desafios para sua efetivação na gestão do sistema de saúde brasileiro, como a luta por interesses próprios, o distanciamento entre representantes e representados, a deficiência de infraestrutura dos espaços deliberativos, entre outros5. Em contrapartida, um movimento recente – a 17ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 2023 – destacou a capacidade de mobilização e participação do movimento social na saúde6.
Em 2023, o governo federal retomou a estratégia da participação social na elaboração do PPA 2024-2027 por meio da plataforma virtual Brasil Participativo, que visou promover a participação da população na formulação e qualificação das políticas públicas7. Por meio dessa plataforma, foi possível propor e votar em ações de diferentes temas, entre elas, as relacionadas à saúde, sendo as vinte propostas mais votadas de cada temática encaminhadas para avaliação pelo respectivo ministério para serem incorporadas ao PPA7.
Entre os meses de maio e julho de 2023, foram coletadas as propostas da sociedade e mais de 1.400.000 pessoas participaram dessa etapa digital do PPA, tornando o Brasil Participativo a maior experiência de participação social na internet já realizada pelo governo federal brasileiro7.
Entre as vinte propostas mais votadas na área da Saúde, aproximadamente metade delas tinha ligação com diferentes categorias profissionais com pleitos sobre valorização profissional, piso salarial, carga horária, inclusão em equipes de saúde, etc8. Um exemplo recente e ainda em ebulição de mobilização e participação social de profissionais de Saúde é a que culminou na instituição do piso salarial da Enfermagem9.
Diante do exposto, é possível afirmar que o Brasil Participativo constituiu um amplo processo de participação social, marcado por pautas prioritárias para a saúde pública e que envolveu a defesa de interesses das categorias profissionais que compõem a força de trabalho em Saúde.
No SUS, as práticas corporais e atividades físicas (PCAF) são desenvolvidas, principalmente, na Atenção Primária à Saúde (APS) principalmente por meio de ações e programas específicos, como o Programa Academia da Saúde e o incentivo financeiro federal de custeio destinado à implementação de ações de atividade física (IAF)10-12. No terceiro trimestre de 2023, havia 3.400 polos do Programa Academia da Saúde, dos quais aproximadamente 1.600 estavam credenciados para o financiamento, contudo, apenas 1.400, em média, receberam os recursos de custeio no valor de R$ 3.000 mensais. Já em relação ao IAF, no mesmo período, havia pouco mais de 8.200 unidades de saúde credenciadas, sendo que em torno de 1.100 delas receberam recursos de custeio que variam de R$ 500 a R$ 2.000 mensais(d). O não recebimento de recursos pela totalidade de polos e unidades de saúde se deve ao não atendimento de condições normativas relacionadas ao cadastro de profissionais nesses estabelecimentos de saúde ou o não registro das ações nos sistemas de informações pertinentes.
No Brasil Participativo, por iniciativa de dois pesquisadores militantes do tema e autores do presente texto (Fabio Fortunato Brasil de Carvalho e Leonardo Araújo Vieira), entre as propostas relacionadas à Saúde, estava a de fortalecer as PCAF na Atenção Primária à Saúde do SUS13, a qual trazia os pleitos de:
Ampliar recursos para o Programa Academia da Saúde.
Aumentar o valor de custeio mensal por polo para R$ 4.000.
Aumentar o número de unidades de saúde recebendo recursos do IAF.
Em complemento, a proposta apresentou metas para o quadriênio, inclusive com quantitativo de incremento e estimativas de custo anual13.
Assim, a referida proposta visou fortalecer os programas comunitários de PCAF, em consonância com as recomendações internacionais14, e, de forma específica, teve o objetivo de ampliar o financiamento para a promoção das PCAF na APS, uma vez que este tem sido considerado insuficiente e apontado como um dos principais desafios para a pauta no SUS15.
A proposta recebeu 1.531 votos no Brasil Participativo, sendo a 18ª mais votada entre mais de 1.300 propostas relacionadas à saúde, o que levou o Ministério da Saúde a analisá-la8. Até onde temos conhecimento, esse foi o primeiro marco de mobilização e participação social de abrangência nacional relacionado às PCAF no SUS. Isso demonstra o fortalecimento da pauta na agenda do sistema de saúde brasileiro em busca de efetivar suas contribuições para a integralidade do cuidado em saúde.
Entre as estratégias de divulgação e mobilização, a principal foi a página @educacaofisicaesaudecoletiva, da rede social Instagram, gerida por um dos autores da proposta e do texto (Fabio Fortunato Brasil de Carvalho). Além disso, por meio de uma articulação entre os autores e instituições, também houve o apoio do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE), da Sociedade Brasileira de Atividade Física e Saúde (SBAFS) e da ACT Promoção da Saúde na divulgação da proposta, por meio de redes sociais virtuais e/ou lista de e-mails. Além disso, de forma orgânica a partir do engajamento de diferentes atores, a proposta foi compartilhada com gestores e trabalhadores de programas de promoção de PCAF no SUS e com membros do Conselho Federal de Educação Física (Confef), por meio, por exemplo, de grupos em aplicativos de mensagens e de redes sociais virtuais, em páginas pessoais. Ou seja, a partir do referido movimento pessoal iniciado por dois atores, houve uma mobilização mais ampla.
Por se tratar de práticas próximas ao núcleo profissional da Educação Física, ainda que não sejam exclusividade dele, é possível inferir que houve importante mobilização desta categoria enquanto profissionais presentes em diferentes programas e serviços de saúde do SUS16. Contudo, não se perde de vista que a inserção da Educação Física no SUS, apesar de ter pelo menos duas décadas, ainda é incipiente e com relevantes desafios17,18.
Cabe destacar que tal mobilização levou o pleito pelo fortalecimento das PCAF na APS do SUS a ser uma das propostas priorizadas19. Segundo o Ministério do Planejamento, a proposta foi parcialmente incorporada, tendo como meta ter três mil polos do Programa Academia da Saúde credenciados até 2027. Foi dado destaque, pelo referido órgão governamental, que a meta se refere ao quantitativo de polos credenciados, e não aos que efetivamente receberão recursos do Ministério da Saúde, uma vez que existem condições normativas que precisam ser cumpridas pela gestão municipal20. Não houve menção ao IAF.
De acordo com o projeto de PPA enviado ao Congresso Nacional, o Programa Esporte para a Vida objetiva:
[...] promover e ampliar o acesso da população [...] à atividade física ao longo da vida, por meio do sistema nacional de esporte, com foco na formação, no desenvolvimento e na qualidade de vida, em espaços apropriados e acessíveis [...] garantindo diversidade, inclusão social21.
Além disso, o programa está relacionado às agendas Mulheres; Crianças e Adolescentes; Igualdade Racial; Povos Indígenas; entre outras21.
Assim, ainda que não possa ser estabelecida uma relação inequívoca com a proposta no Brasil Participativo dada a vigência do PPA, a partir de 2024, a mobilização em torno das PCAF recebeu importantes sinalizações de êxito, como o acréscimo de R$ 6,4 milhões no orçamento do Programa Academia da Saúde na Lei Orçamentária Anual (LOA) 2024, chegando a R$ 56,7 milhões22, em comparação à LOA 202315, em um aumento de aproximadamente 12% (nominal)(e). Em complemento, houve o credenciamento de mais de 17 mil unidades de saúde ao IAF23.
Em conclusão, o pleito no Brasil Participativo ter sido priorizado no projeto do PPA, o aumento do orçamento do Academia da Saúde no PLOA e a expansão do IAF são resultados promissores do movimento de participação social, ocorrido por meio virtual, o que pode servir como inspiração para diferentes mobilizações em torno de outros temas da saúde e do SUS, em especial, utilizando a virtualidade como uma das estratégias para as divulgações de tais mobilizações.
Porém, ainda é preciso acompanhar e exercer o controle social, aproveitando ferramentas como a Lei de Acesso à Informação, e, se necessário, intensificar a mobilização para que sejam ratificados nas respectivas leis e efetivados no quadriênio, de forma a fortalecer a contribuição das PCAF para a integralidade do cuidado em saúde.
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(d)Informações acessadas em 5 de outubro de 2023, disponíveis no site de informação e gestão da atenção básica – e-Gestor Atenção Básica: https://egestorab.saude.gov.br/
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(e)Cálculo feito por meio da Calculadora do Cidadão, disponibilizada pelo Banco Central do Brasil: https://www3.bcb.gov.br/CALCIDADAO/publico/exibirFormCorrecaoValores.do?method=exibirFormCorrecaoValores
Agradecimentos
Aos/às participantes do Brasil Participativo que votaram na proposta objeto de reflexão no presente texto.
- Carvalho FFB, Sposito LAC, Vieira LA. Brasil Participativo: as práticas corporais e atividades físicas no Sistema Único de Saúde no Plano Plurianual 2024-2027. Interface (Botucatu). 2024; 28: e230524 https://doi.org/10.1590/interface.230524
References
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Editado por
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EditorAntonio Pithon CyrinoEditor associadoPedro José Santos Carneiro Cruz
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
13 Maio 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
24 Out 2023 -
Aceito
22 Jan 2024