Resumos
Este artigo discute como a formação de pesquisadores é influenciada pela dinâmica de produção e uso do conhecimento num determinado contexto de aplicação. Desenvolve-se o argumento de que a política de pós-graduação no Brasil, orientada à carreira e ao desempenho acadêmico, como impõe o modelo de avaliação da Capes, não é capaz de atender às novas competências e papéis esperados dos doutores no atual cenário de intensificação das relações e do intercâmbio científico, econômico e cultural no âmbito nacional e, especialmente, internacional.
Redes internacionais de pesquisa; Colaboração científica; Doutores; Avaliação dos programas de pós-graduação; Capes
This paper discusses how research education is influenced by the dynamics of knowledge production and use within a given context of application. It is argued that the graduate policy in Brazil, driven to academic career and performance as determined by Capes' evaluation model, does not enable the development of new competences and roles expected from doctorate holders in the current scenario marked by the intensification of relations and exchanges within scientific, economic and cultural realms, both nationally and mainly internationally.
International research networks; Scientific collaboration; Doctorate students; Graduate programs evaluation; Capes
ARTIGOS
Formação de doutores no Brasil: o esgotamento do modelo vigente frente aos desafios colocados pela emergência do sistema global de ciência
Doctoral education in Brazil: the weariness of the current model in face of the challenges posed by the emergence of the global system of science
Milena Yumi RamosI; Lea VelhoII
IAluna (doutorado) do Programa de Pós-Graduação em Política Científica e Tecnológica. Departamento de Política Científica e Tecnológica. Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Campinas, SP, Brasil. E-mail: milenaramos@ige.unicamp.br
IIProfessora Titular. Departamento de Política Científica e Tecnológica. Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Campinas, SP, Brasil. E-mail: velho@ige.unicamp.br
RESUMO
Este artigo discute como a formação de pesquisadores é influenciada pela dinâmica de produção e uso do conhecimento num determinado contexto de aplicação. Desenvolve-se o argumento de que a política de pós-graduação no Brasil, orientada à carreira e ao desempenho acadêmico, como impõe o modelo de avaliação da Capes, não é capaz de atender às novas competências e papéis esperados dos doutores no atual cenário de intensificação das relações e do intercâmbio científico, econômico e cultural no âmbito nacional e, especialmente, internacional.
Palavras-chave: Redes internacionais de pesquisa. Colaboração científica. Doutores. Avaliação dos programas de pós-graduação. Capes.
ABSTRACT
This paper discusses how research education is influenced by the dynamics of knowledge production and use within a given context of application. It is argued that the graduate policy in Brazil, driven to academic career and performance as determined by Capes' evaluation model, does not enable the development of new competences and roles expected from doctorate holders in the current scenario marked by the intensification of relations and exchanges within scientific, economic and cultural realms, both nationally and mainly internationally.
Key words: International research networks. Scientific collaboration. Doctorate students. Graduate programs evaluation. Capes.
1 Introdução
Este artigo trata da formação de pesquisadores no contexto da emergência do sistema global de ciência. A importância de se explorar esse assunto se coloca, hoje, mediante a revisão das políticas de formação e absorção de recursos humanos qualificados levada a cabo por vários países para fazer frente aos desafios da economia global baseada no conhecimento.
No campo científico, tais desafios referem-se a uma transformação no modo de produção do conhecimento. A tendência geral é de intensificação da cooperação científica, envolvendo múltiplas instituições de diversos países.
As medidas de estímulo à mobilidade internacional de estudantes, docentes e cientistas e à formação de redes de pesquisa que integram diferentes organizações e regiões do mundo passaram a compor as estratégias chave para adaptar os sistemas nacionais de ciência a essa nova realidade.
O foco da discussão aqui realizada são as transformações no modo de produção do conhecimento que levaram à emergência do sistema global de ciência e seus desdobramentos para a formação de pesquisadores. Também é objeto de análise o rebatimento dessas transformações na formação de doutores no Brasil, especificamente no que se refere às competências e atitudes induzidas pelo sistema Capes de avaliação dos programas de pós-graduação.
A seção 1 aborda a evolução das concepções sobre o modo de produção de conhecimento científico e mostra evidências sobre as transformações que ocorreram a partir do pós-guerra. Na seção 2, caracterizam-se alguns desdobramentos dessas transformações nas carreiras e no mercado de trabalho para doutores, com foco no perfil do talento científico contemporâneo. Uma pesquisa empírica breve foi conduzida para ilustrar essas transformações e evidenciar as competências e papéis valorizados atualmente por alguns dos mais importantes setores empregadores de doutores. Na seção 3, discute-se como a política de pós-graduação no Brasil, orientada quase que exclusivamente ao desempenho acadêmico, mostra-se ultrapassada para atender ao novo perfil esperado dos doutores. Por fim, nas considerações finais apresenta-se uma síntese das ideias desenvolvidas no artigo e apontam-se as implicações para a formação das futuras gerações de pesquisadores.
2 EMERGÊNCIA DO SISTEMA GLOBAL DE CIÊNCIA
Uma das transformações mais importantes que ocorreram na pesquisa científica no século XX foi ter crescido apoiada no ciclo virtuoso da relação entre comunidade científica e comunidade política. Nessa época, o conceito prevalecente de ciência era de uma atividade universal e socialmente neutra e catalisadora da inovação em prol do desenvolvimento socioeconômico (VELHO, 2010).
Essa visão de ciência, descrita por Vannevar Bush (1945) em seu famoso documento ao presidente dos Estados Unidos, argumentava que o esforço para promover a ciência em benefício da sociedade merecia amplo apoio governamental. A partir daí essa atividade teve sua escala significativamente aumentada, impulsionada por recursos públicos, e passou a conformar os sistemas nacionais de inovação como conhecemos hoje.
Esse processo se desenvolveu de maneira desigual no mundo, sendo protagonizado pelos países mais industrializados, representados pela tríade Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão. Eles construíram amplas e eficientes bases técnicas e institucionais e formaram estoques de pessoal altamente qualificado que os capacitaram a liderar o progresso científico.
Num contexto de intensificação da globalização da atividade econômica e de emergência de novas potências geopolíticas, a vanguarda absoluta da tríade na ciência começou a enfraquecer, abrindo espaço para a entrada de novos centros localizados em países como os do leste europeu e do bloco BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), particularmente da China. A consolidação dos processos de catch up nesses países permitiu-lhes constituir grande capacidade de pesquisa e desenvolvimento tecnológico segundo padrões de qualidade que avançam aos níveis internacionais (EUROPEAN COMMISSION, 2009; NAS, 1995).
Ainda segundo esses relatórios, outros fatores têm favorecido o aumento do número e diversidade de atores relevantes no debate científico assim como o fortalecimento da cooperação científica entre os países:
• A intensificação do debate político e a crescente urgência de encontrar soluções para questões globais como o desenvolvimento sustentável, as mudanças climáticas, a renovação da matriz energética, os serviços de saúde para atender a uma população envelhecida etc.;
• A dispersão das atividades de produção e inovação das empresas e a intensificação da mobilidade global de recursos financeiros, materiais e humanos;
• O envelhecimento da população, a queda no número de formandos em ciências e engenharias, e a redução do interesse dos jovens em carreiras científicas nos países desenvolvidos;
• A crescente necessidade de integração regional e o papel da ciência e tecnologia nas relações diplomáticas e na geopolítica global. Fatores internos à própria ciência reforçam essa tendência de crescimento da colaboração internacional. Entre os principais deles, destacam-se:
• A necessidade crescente de combinar recursos e expertise, induzida pela multiplicação das políticas de fomento à colaboração em pesquisa (MELIN; PERSSON, 1996), que possibilitem o desenvolvimento de contribuições relevantes ao corpo de conhecimentos existente (PRICE, 1963; BEAVER; ROSEN, 1978) 1;
• A nova organização da pesquisa científica, em que o pesquisador exerce papel de empreendedor e líder de grupo (BEAVER, 2000), movimentando-se em arenas transepistêmicas2, onde lida com atores, práticas e princípios muito heterogêneos, e produzindo conhecimento no contexto de aplicação (GIBBONS et al, 1994).
• O aumento dos incentivos e das recompensas institucionais relacionadas à produtividade científica. Nesse sentido, Lukkonen et al (1992) destacam o efeito dos fractional papers como forma de aumentar a contagem de publicações de coautores e da fertilização cruzada que ocorre na colaboração, estimulando o desdobramento da pesquisa. O fato de as revistas científicas de maior reputação e impacto apresentarem maior frequência de artigos colaborativos do que aquelas com impacto mediano, conforme aponta Beaver (2000), tende a reforçar esse comportamento;
• O desenvolvimento de modernas tecnologias de pesquisa baseadas na computação em rede avançada e nas grid technologies3, que permitem pesquisadores em diferentes partes do mundo trabalhar interativamente, em tempo real. Essas tecnologias têm impulsionado, desde o fim do século XX, o surgimento e expansão acelerada de novas especialidades científicas4 altamente colaborativas (BONNACORSI, 2008; BONNACORSI; VARGAS, 2010);
• A difusão de novas tecnologias, nomeadamente das tecnologias de informação e comunicação, bem como desenvolvimentos nos transportes, facilitando a interação presencial e à distância entre os pesquisadores (KATZ; MARTIN, 1997). As primeiras facilitam não só a comunicação entre os pesquisadores, mas especialmente o compartilhamento de grandes volumes de dados.
• A motivação individual dos cientistas para a interação social seja para atingir objetivos epistêmicos (estímulo à criatividade; à circulação de conhecimentos, especialmente tácitos; aumento da competitividade do grupo pela possibilidade de ajustar sua organização às necessidades técnicas e institucionais relacionadas ao trabalho; treinamento de novas gerações de pesquisadores), como sugerem Laudel (2001), Rogers (2000) e Duque et al (2005) ou pragmáticos e pessoais (acúmulo de capital científico ligado à reputação,5 prazer de interagir com outras pessoas e conhecer outras perspectivas), como sugerem Katz e Martin (1997), Beaver (2000) e Melin (2000).
Efeitos práticos dessas condições na pesquisa científica, conforme aponta Rogers (2000), incluem: o crescimento do número de publicações em coautoria internacional, a ampliação da divisão do trabalho científico em pesquisas experimentais de larga escala e a maior ocorrência de equipes multidisciplinares em centros de pesquisa.
Há inúmeros fatores que interferem nos padrões de colaboração observados na pesquisa científica: influência histórica, proximidade linguística/cultural e geopolítica e capacidade científica dos países parceiros (OKUBO et al, 1992), afinidade intelectual entre os colaboradores, natureza da pesquisa, entre outros.
Condicionadas pelos fatores mencionados acima, há evidências de que, a partir dos anos de 1990, rápidas mudanças estruturais na organização e dinâmica da pesquisa científica começaram a se desenvolver. Wagner (2004) sintetiza essas transformações no que considera ser a emergência do sistema global de ciência, no qual a colaboração internacional desempenha papel central. A unidade crítica de produção de conhecimento nesse paradigma deixa de ser a instituição científica e passa a ser a rede de cientistas (MELIN; PERSSON, 1996).
Uma das vertentes de análise deste novo paradigma foi elaborada por Gibbons et al (1994), com a introdução do conceito Modo 2 de produção do conhecimento e refere-se à emergência de sistemas de pesquisa altamente interativos e socialmente distribuídos. Enquanto a tradicional produção do conhecimento dava-se primordialmente em instituições científicas e estava estruturada em disciplinas, a nova produção do conhecimento baseia-se em locais, práticas e princípios muito mais heterogêneos. O conhecimento no Modo 2 é produzido no contexto de aplicação, via colaborações transepistêmicas6.
Para lidar com essa nova realidade, os países desenvolvidos e alguns países emergentes têm revisado suas políticas de ciência e tecnologia, inclusive no que tange à formação de recursos humanos. Embora estejam adotando abordagens diferentes, dadas as particularidades das dinâmicas institucionais locais, eles têm observado algumas medidas comuns: treinar mão de obra globalmente competente; estimular a mobilidade internacional, criar condições atrativas para o desenvolvimento de pesquisa internacionalmente competitiva, e conectar seus sistemas nacionais de pesquisa às redes globais de conhecimento.
A velocidade com que essas medidas são adotadas varia entre os países. De acordo com Hand (2010, p. 282, tradução nossa), "nunca houve uma época tão prolífica para a colaboração entre cientistas estrangeiros e a União Europeia está na liderança". De fato, em seus esforços para criar o Espaço Europeu de Pesquisa (ERA, na sigla em inglês), a União Europeia explicitamente inclui a colaboração internacional na maioria das políticas e programas de financiamento.
A National Science Foundation, nos Estados Unidos, também reconhece a importância de capacitar pesquisadores e educadores norte-americanos para desenvolverem seu trabalho em colaboração internacional, e a importância de ajudar a garantir que as futuras gerações de cientistas e engenheiros norte-americanos ganhem experiência profissional além das fronteiras da nação desde o início das suas carreiras. Por meio de bolsas e auxílios do Escritório Internacional de Ciência e Engenharia, a fundação promove novas parcerias entre cientistas e engenheiros norte-americanos e colegas estrangeiros ou novos projetos cooperativos entre parceiros já estabelecidos, recebendo consideração especial aquelas propostas de pesquisa e formação que incluem a participação de estudantes, recém-doutores, jovens docentes, mulheres, minorias e cientistas e engenheiros portadores de deficiências (NSF, 2010, tradução nossa).
A China tem adotado uma política agressiva de cooperação internacional, sobretudo no que diz respeito à capacitação de recursos humanos. O governo central lançou, em 2008, o Programa de Recrutamento de Especialistas Globais, conhecido por Qianren Jihua, com a meta de recrutar até dois mil especialistas do exterior durante cinco a dez anos. Eles trabalhariam nas universidades, institutos de pesquisa e empresas de alta tecnologia chinesas. Em breve, o programa pode contar com um novo componente, uma iniciativa para atrair para a China a cada ano até dez vencedores de prestigiados prêmios científicos internacionais - incluindo o Prêmio Nobel -, oferecendo o que pode ser a mais elevada recompensa já paga a pesquisadores individuais (XIN, 2011). Além disso, a China tem enviado grandes quantidades de estudantes, da graduação ao pós-doutorado para serem formados nos principais centros de ciência do mundo. Somente nos Estados Unidos, estavam matriculados no ensino superior, em 2009, quase 54 mil chineses, contra apenas 1.780 brasileiros (BURRELLI, 2010). Dentre os chineses, 33.750 estavam matriculados em programas de doutorado, 60% deles nas áreas de engenharia, matemática e ciências físicas.
Nota-se, enfim, a formação de um ciclo virtuoso de intensificação da colaboração científica internacional, favorecido por fatores histórico-sociais, científicos e políticos. A seguir, apresentam-se evidências quantitativas desse fenômeno.
2.1 Evidências da intensificação da colaboração internacional em ciência
A colaboração entre os cientistas é um conceito pouco desenvolvido pela pesquisa em estudos sociais da ciência e da tecnologia. Muitas vezes tratada simplesmente como processo que resulta na coautoria de artigos, a colaboração é, na verdade, muito mais ampla do que isso (KATZ; MARTIN, 1997) e se manifesta de muitas maneiras diferentes, conforme se argumenta no Quadro 1. Neste estudo, a colaboração científica refere-se ao processo de interação social que ocorre entre cientistas em contextos de pesquisa particulares. Nesse processo, os cientistas idealmente trabalham em conjunto durante todo ou boa parte do desenvolvimento da pesquisa, fazendo contribuições frequentes e substanciais. Entre os colaboradores incluem-se os proponentes e demais pesquisadores listados na proposta original de pesquisa; os responsáveis por uma ou mais tarefas importantes da pesquisa;7 os responsáveis pela fundamentação da pesquisa.8
A definição pouco precisa e não consensual, reflexo da complexidade e variabilidade da colaboração científica, impõe dificuldades e limitações à sua mensuração e leva necessariamente à redução do processo a fatos tangíveis e quantificáveis. A abordagem bibliométrica tornou-se predominante e baseia-se na contagem de publicações científicas com múltiplos autores (KATZ; MARTIN, 1997). Apesar de representar uma aproximação parcial da colaboração na produção de conhecimento (ver Quadro 1), a disponibilidade de dados, a viabilidade de análise e de reprodução da análise, e a possibilidade de gerar resultados estatisticamente significativos tornaram a coautoria o indicador preferencial de colaboração científica.
Tendo em conta os limites analíticos destacados no Quadro 1, estudos bibliométricos baseados nas coautorias internacionais proveem informações confiáveis e importantes sobre aspectos mais gerais da colaboração científica: sua estrutura e dimensão global, mudanças no grau de colaboração, diferenças nos perfis de colaboração entre áreas do conhecimento, instituições, países e regiões, evolução dos padrões de colaboração no tempo. Price (1963), por exemplo, observou com esse método que em meados do século passado havia um crescimento no número de artigos com mais de um autor e sugeriu que a ciência estava se tornando mais colaborativa. Posteriormente, outros autores confirmaram essa tendência, apesar de reconhecer diferenças de padrão entre as áreas do conhecimento (BEAVER; ROSEN, 1978; GLÄNZEL; SCHUBERT, 2004).
A mensuração da colaboração científica internacional usando coautorias é realizada a partir de artigos com dois ou mais autores filiados a instituições localizadas em diferentes países12. Embora afetados em alguma medida pelas restrições desse indicador, suas variantes e tratamentos aplicados, vários trabalhos apontam, com segurança, significativo crescimento também nesse tipo de colaboração (OKUBO et al, 1992; LUUKKONEN et al, 1993; MELIN; PERSSON, 1996; GLÄNZEL, 2001; WAGNER, 2004). Dados mais recentes revelam que essa tendência persiste (Gráfico 1), porém não de forma generalizada: Wagner (2004) verifica que durante o período 2000-2005, a rede global de colaborações parece ter reforçado a formação de um núcleo de aproximadamente 14 países mais ativos e coesos (Gráfico 2).
Esses países provavelmente usam com maior eficiência o conhecimento produzido pelo sistema global de ciência, uma vez que possuem sistemas nacionais mais capacitados, melhor adaptados à nova dinâmica de produção do conhecimento e apoiados por políticas seletivas de colaboração científica internacional. Os demais países que integram a rede estabelecem conexões científicas com os países do núcleo, mas não formam com eles relações estruturais. É o caso do Brasil. O país não parece figurar entre as opções mais atrativas quando se consideram fatores favoráveis à colaboração internacional, tais como: a combinação entre excelência em pesquisa e a escolha diplomática da região geográfica ou da escala e escopo da pesquisa com o potencial de contribuição para a competitividade em áreas específicas (EUROPEAN COMMISSION, 2009). Isso dito, uma investigação pormenorizada do caso brasileiro, que ajude a identificar os gargalos à colaboração internacional em pesquisa ainda está por ser feita.
Configura-se, assim, em nível mundial, uma hierarquia nas relações científico-tecnológicas (MEYER; KAPLAN; CHARUM, 2001; DAVENPORT, 2004; BALÁN, 2008) que conformam uma geopolítica global na qual os centros de excelência, concentrados nos países nucleares das redes, constituem-se nos espaços simbólicos mais propícios à atração de talentos científicos, a quem oferecem ativos científicos, sociais, culturais e econômicos.
Sem contar ainda com políticas e instituições mediadoras13, as redes globais de ciência existem hoje principalmente como sistemas auto-organizados, baseados na colaboração internacional. Elas conectam o pesquisador a um grupo mais amplo de contatos dentro da comunidade científica (KATZ; MARTIN, 1997), seja por canais formais ou informais, seja por comunidades de diáspora científica, redes globais virtuais ou comunidades profissionais que compartilham interesses comuns (THE ROYAL SOCIETY, 2011).
Fica evidente, assim, o papel central desempenhado pelo pesquisador e sua rede ad hoc no sistema global de ciência. As questões que se colocam, então, são: como criar essas conexões? Qual o papel do treinamento avançado do pesquisador nesse processo? Especificamente, qual a contribuição da formação doutoral? É disso que trata a próxima parte do artigo.
3 ELEMENTOS QUE COMPÕEM O TALENTO CIENTÍFICO NO NOVO PARADIGMA
A posição que um pesquisador ocupa no campo da ciência relaciona-se diretamente com o capital humano técnico e científico (capital humano de C&T) acumulado de que ele dispõe num determinado momento. O capital humano de C&T refere-se à soma de conhecimentos científicos, técnicos, sociais e gerenciais, habilidades e recursos incorporados pelo pesquisador, via educação formal, treinamento adicional, relações sociais e redes de interação que ele constrói ao longo de sua carreira (BOZEMAN; CORLEY, 2004).
Esses ativos são especialmente relevantes no campo científico, uma vez que, conforme propôs Bourdieu (2003), as relações de força nesse campo se realizam especialmente através das relações de conhecimento e de comunicação. Essas relações convertem o esforço de pesquisa em capital simbólico14, passível de ser mobilizado em disputas por posições mais qualificadas no campo científico.
A colaboração científica, como processo de interação social por meio do qual fluem os ativos de C&T, desempenha, portanto, papel crítico no acúmulo e difusão de capital humano de C&T. Um ponto crucial, então, é: como estabelecer laços de colaboração, de modo a possibilitar o acúmulo de capital humano de C&T?
Isso pressupõe atributos e disposições mínimos compartilhados entre os parceiros potenciais de vários tipos (BOZEMAN; CORLEY, 2004). Em survey recente com portadores de título de doutor em ciências e engenharia no Reino Unido, Lee, Miozzo e Laredo (2010) verificaram, por exemplo, que conhecimentos especializados são mais valorizados na pesquisa realizada por organizações acadêmicas e públicas; a conjunção de conhecimentos especializados (mas um tipo mais geral de conhecimento, não aquele especificamente desenvolvido na tese) e habilidades mais gerais e transferíveis são mais valorizadas no preenchimento de vagas no setor industrial; e habilidades mais gerais e transferíveis são mais valorizadas em ocupações não convencionais para pessoas com esse nível de instrução. Em termos absolutos, habilidades analíticas gerais e capacidade de resolver problemas são percebidas como valiosas nas três opções de carreira analisadas.
Com o objetivo de ilustrar essas competências, habilidades e atributos requeridos ou desejáveis pelos empregadores de doutores na atualidade, realizou-se uma breve pesquisa empírica de anúncios reais de emprego nas áreas de docência, pesquisa e política e gestão de C&T.
A pesquisa de anúncios ocorreu no período de 20 a 23 de maio de 2011 e concentrou-se nos portais especializados em carreiras científicas (Naturejobs.com e Science Careers), serviços online especializados na mobilidade de pesquisadores e nas carreiras de pesquisa (European Commission EURAXESS Jobs Portal) e em oportunidades divulgadas na lista de discussão mantida pelo U.S. NSF Science of Science and Innovation Policy Program (SciSIP), que representam veículos de referência com alcance internacional para os profissionais que atuam nas áreas aqui analisadas. No Brasil, foram pesquisados editais de processos seletivos públicos e concursos públicos de instituições de ensino e/ou pesquisa e de órgãos da administração pública dedicados à política e gestão de ciência, tecnologia e inovação.
Apesar de o foco deste artigo estar na carreira acadêmica, dada a ampliada atuação profissional daqueles que receberam treinamento em nível de doutorado nesse âmbito, pesquisaram-se perfis de opções de carreiras que vão além daquelas tradicionalmente absorvedoras de doutores. Tal opção se justifica pelo fato de já haver claros indícios de redução da concentração do emprego de doutores na educação no Brasil e de estar em curso no país um processo de dispersão do emprego de doutores para praticamente todos os demais setores de atividade, de acordo com dados do CGEE (2010). Ressalte-se ainda que em diversos países, tais como Estados Unidos e Alemanha, a depender da especialidade, há mais doutores empregados na indústria, em carreiras técnicas convencionais (relativas às funções de pesquisa, desenvolvimento, design ou produção) e crescentemente não convencionais (não relacionadas com pesquisa, tais como carreiras gerenciais, de consultoria de negócios ou de prestação de serviços especializados) do que no setor acadêmico (LEE; MIOZZO; LAREDO, 2010).
Os anúncios pesquisados, a exemplo dos três listados no Quadro 2, confirmam o perfil do talento científico indicado na literatura, que, em síntese, integra os seguintes atributos:
a) credenciais mínimas, dadas pela educação formal e pelo histórico acadêmico;
b) credenciais adicionais, dadas por treinamento contínuo e experiência de trabalho relevante;
c) habilidades relacionadas à liderança, comunicação e gestão;
d) disposições adequadas para trabalho em equipe, incluindo a percepção, valorização e integração de diferenças disciplinares, culturais, individuais e de gênero;
e) adaptabilidade à equipe pré-existente e ao contexto e normas institucionais vigentes;
f) capacidade de identificar e aproveitar oportunidades para estabelecer relações sociais duradouras, às quais possa recorrer no futuro para colaborações em pesquisa. Isso não se limita à esfera estritamente científica, mas estende-se a atores não científicos relevantes para o desenvolvimento da pesquisa, tais como financiadores, doadores individuais ou corporativos, empresas, organizações de pesquisa sem fins lucrativos etc.
g) habilidades linguísticas. Aqui, o domínio da língua franca da ciência, o inglês, é requisito indispensável; o domínio de outras línguas é um adicional de valor.
Note-se que a circulação internacional representa uma estratégia privilegiada para desenvolver esses atributos e fomentar a organização de colaborações em pesquisas transnacionais (BOZEMAN; CORLEY, 2004; WOLLEY et al, 2008; THE ROYAL SOCIETY, 2011). Além disso, considerando o "efeito Mateus"16, aqueles pesquisadores que se inserem nas redes globais de pesquisa e se saem bem, isto é, acumulam capital humano de C&T adicional, provavelmente terão maiores chances de acumular ainda mais capital desse tipo em futuras oportunidades.
Os novos componentes não estritamente científicos do perfil do talento científico contemporâneo estão fortemente associados ao aumento da demanda por um novo profissional. Além do fato de que doutores têm sido contratados por setores não tradicionais, até mesmo setores convencionais, como universidades e organizações públicas de pesquisa, estão empregando cada vez mais doutores não para fazer pesquisa, mas para desenvolver estratégias e políticas de pesquisa (LEE; MIOZZO; LAREDO, 2010). Levin (2011), vice-reitor adjunto de pesquisa da Universidade da Califórnia em Irvine refere-se à emergência do profissional de desenvolvimento da pesquisa, constituindo uma nova classe de profissionais dedicados à administração acadêmica, isto é, ao apoio a docentes e cientistas para o planejamento e atração de recursos para o desenvolvimento de seus projetos de pesquisa.
A necessidade desses novos profissionais parece estar relacionada com a emergência das redes globais de ciência, que transformaram o modo de fazer pesquisa, tornando-a mais interdisciplinar, colaborativa e internacional. Com complexidade muito maior, tornou-se inviável para o cientista maduro coordenar colaboradores, administrar, conduzir e publicar a pesquisa sozinho, principalmente porque além da pesquisa, o cientista normalmente acumula outras tarefas (ensino, extensão, organização de eventos científicos, participação em conselhos editoriais de periódicos científicos e em comitês assessores de agências de fomento à pesquisa etc.).
Por outro lado, a administração acadêmica exige um profissional não apenas preparado para administrar, mas também imerso na ciência. Ele deve ter familiaridade com as normas institucionais da ciência, seu sistema de valores, suas práticas, inclusive implícitas. A experiência de Levin (2011) mostra que a necessidade de fazer sua ciência particular levou-o a desenvolver habilidades tão valiosas e escassas que alteraram sua trajetória acadêmica permanentemente: de pesquisador a líder de um escritório universitário de desenvolvimento da pesquisa:
Eu comecei escrevendo projetos de pesquisa no MIT [...] Depois de algumas tentativas, tive um projeto aprovado no valor de $ 1 milhão [...]. Logo eu estava recrutando alunos de graduação, orientando estudantes de pós-graduação, comprando equipamentos de pesquisa, elaborando relatórios e apresentações e frequentemente apresentando meu (reconhecidamente ambicioso) projeto para públicos variados.
Com toda aquela atividade de gestão, eu dificilmente tinha tempo para desenvolver minha pesquisa. E quanto mais eu escrevia, apresentava e gerenciava aspectos administrativos do meu projeto, mais outros cientistas tomavam conhecimento e pediam ajuda na gestão de suas pesquisas. Em pouco tempo, eu passei a apoiar pesquisadores na renovação de bolsas e auxílios obtidos das agências de fomento, guiar visitas de doadores e financiadores, participar de comitês de infraestrutura em pesquisa e desenvolver páginas web. Eu sentia que estava contribuindo com algo valioso, e passei a me dedicar completamente a essas atividades. Dessa forma, passei a gerar um impacto maior e mais amplo do que a minha pesquisa individual jamais geraria.
No final de 2004 [...] eu criei um cargo no qual eu poderia apoiar o desenvolvimento e a gestão da pesquisa em tempo integral. Nos últimos seis anos, meu escritório cresceu de um funcionário em tempo integral para a atual equipe de sete, cinco deles detentores do título de doutor" (tradução nossa).
A análise das competências valorizadas e atividades delegadas pelos atuais empregadores de doutores evidenciam novos papéis que se esperam desse contingente de recursos humanos qualificados, com implicações inevitáveis para a formação doutoral. Novos modelos de formação de doutores têm sido desenvolvidos e adotados em alguns países em resposta a essas demandas. O Processo de Bologna e a Agenda de Lisboa, no âmbito da União Europeia (BASCHUNG, 2010), e os doutorados por projeto na Austrália (USHER, 2002), por exemplo, refletem as transformações no conteúdo e estrutura dos programas de pós-graduação contemporâneos.17 E no Brasil, como a intensificação do intercâmbio científico e tecnológico internacional e a diversificação das atividades e setores demandantes de doutores rebatem na formação oferecida no país? Será que a lógica da expansão da oferta de doutores em função da demanda de quadros para atender às necessidades da própria pós-graduação, em especial, e do sistema universitário em geral, bem sucedida por um longo período (CGEE, 2010), ainda é válida? Essas são as questões enfocadas na próxima seção.
4 DESAFIOS DA FORMAÇÃO DOUTORAL NO BRASIL FRENTE À INTENSIFICAÇÃO DA COLABORAÇÃO CIENTÍFICA INTERNACIONAL
No Brasil, a política de pós-graduação se impôs, desde os seus primórdios, como uma ação deliberada do Estado (CURY, 2004), tendo nos planos nacionais de pós-graduação a referência em termos de objetivos e metas e nas agências governamentais de financiamento e de amparo à pesquisa as estruturas necessárias de autorização, financiamento à formação de alto nível e à pesquisa e, mais tarde, de avaliação. Merece destaque a atuação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), cujo modelo de avaliação instituído tem
provocado significativos e intensos efeitos na organização dos programas de pós-graduação; nas atividades de ensino, pesquisa e orientação; nas subjetividades dos docentes e dos discentes; bem como nas relações estabelecidas entre os indivíduos e entre as instituições (MOREIRA, 2009, p. 24).
Esse modelo tem valorizado acentuadamente, sobretudo a partir da reforma de 1998, o incremento e a socialização dos produtos das pesquisas dos docentes e discentes em veículos qualificados18. Valoriza ainda participações em congressos, comissões e assessorias; vínculos internacionais; explicações detalhadas das propostas dos programas; redução do tempo de titulação do estudante.
Moreira (2009) inscreve o modelo de avaliação da pós-graduação brasileira, definido e executado pela Capes, no conceito de cultura de performatividade19, em que o foco é o desempenho mensurável dos programas. O autor argumenta que a disseminação dessa cultura tem alterado as relações entre os docentes/pesquisadores, que passaram a pautar-se pela competição (por quantidade de publicações, por convites para eventos e outras atividades acadêmicas, por verbas para pesquisa, por número de orientandos e bolsistas, por destaque no cenário acadêmico do país). "O compromisso do docente se exprime, então, dominantemente, pelo esforço por favorecer o alcance de resultados cuja mensuração poderá conduzir aos conceitos esperados" (p. 32).
Com forte influência norte-americana, esse modelo teve resultados muito positivos para a formação da comunidade científica nacional e o crescimento e presença internacional da ciência produzida no Brasil. Recentemente, porém, sinais de esgotamento são aparentes, como aponta Schwartzman (2010, p. 34):
ao dar prioridade ao desempenho acadêmico, através de um conjunto de instrumentos de regulação legal, incentivos e mecanismos de avaliação, acabou criando um sistema altamente subsidiado cuja principal função, na prática, é se auto-alimentar, e que, com as exceções de sempre, nem consegue produzir uma ciência de padrão internacional, nem consegue gerar tecnologia para o setor produtivo, nem consegue dar a prioridade devida aos que buscam formação avançada para o mercado de trabalho não acadêmico.
Num cenário em que já se evidencia no Brasil uma progressiva diversificação dos tipos de atividades econômicas que empregam doutores (CGEE, 2010), bem como novas competências e papéis que se espera deles, conforme discutido na seção 2, a mudança na política de pós-graduação, e nas estratégias das instituições de pós-graduação torna-se imperativa.
Não é possível manter o foco exclusivamente na produção e publicação acadêmica, sob o risco de esvaziar o planejamento e promoção de atividades vitais de formação e geração de conhecimento que não se relacionam diretamente com os indicadores de desempenho aceitos pelo sistema. Por exemplo, a formação de futuros pesquisadores para atuar na economia baseada no conhecimento não pode prescindir da inserção nas redes científicas globais, e isso depende do desenvolvimento de capital humano de C&T (científico, cultural e social) que se dá no curso do doutorado. Integram tal capital conhecimentos especializados avançados, habilidades artesanais e know-how20, o conhecimento tácito, habilidades gerenciais, além da constituição da rede de contatos com pesquisadores seniores, docentes e atores extracientíficos, tais como agentes de fomento e a indústria, e ativos simbólicos, como prestígio (KATZ; MARTIN, 1997; CAMPBELL, 2003; BOZEMAN; CORLEY, 2004).
Durante esse período, o estudante, exposto à orientação formal e ao processo informal de aculturação, faz a transição entre o ambiente relativamente controlado da graduação para o mundo indeterminado e contingente da pesquisa, tornando-se capaz de conduzir o trabalho científico com independência. Ele vivencia interações sociais baseadas na comunicação escrita, oral e reflexiva com seu orientador, outros estudantes, pesquisadores seniores e outros profissionais, num processo intersubjetivo de interpretação que o habilita a participar da comunidade de pesquisa e, mais amplamente, da sociedade local.
A relação com o orientador de doutorado é especial. Em processo de formação, o estudante ainda não é capaz de discernir os diversos critérios centrais para a decisão sobre o problema de pesquisa e o método apropriado para investigá-lo. Interagindo com o orientador através de um processo reflexivo de interpretação (CAMPBELL, 2003), o estudante solidifica seus conhecimentos e desenvolve com ele uma relação de confiança dentro do contexto de pesquisa em que atuam. A probabilidade de que essa relação se reverta em laços duradouros que se perpetuem por meio da colaboração futura em pesquisa é elevada. Às vezes, esse processo está associado à formação de colégios invisíveis (CRANE, 1972; KATZ; MARTIN, 1997).
Assim, o orientador representa muitas vezes o primeiro e principal colaborador do estudante, aquele que patrocina sua entrada nas redes sociais da ciência e que influencia suas escolhas na construção de uma carreira independente (LONG; MCGINNIS, 1985; CAMPBELL, 2003). Faz isso, por exemplo, expondo o estudante a vários desafios, diante dos quais tem que tomar decisões, às vezes acertadas, outras vezes falhas, obrigando-o a reinterpretar o problema e buscar alternativas. Com isso, ensina o estudante a considerar múltiplas perspectivas, a lidar com as contingências da pesquisa e aceitá-las como normais à prática científica.
Além disso, é comum que publique artigos em coautoria com o estudante, antes de sua titulação. Num sistema que incentiva a performatividade (MOREIRA, 2009), possuir um conjunto de artigos publicados em bons periódicos de circulação internacional na área constitui um ativo científico essencial para o estudante iniciar sua carreira de pesquisa independente.
Finalmente, o orientador aconselha e prepara o estudante para lidar com as diferentes opções (dentro e fora do setor acadêmico, com ou sem a condução de pesquisa) que podem surgir ao concluir sua formação doutoral, o que inclui conscientizá-lo das tensões internas da comunidade científica e desta com outros grupos sociais, como governo e indústria.
Todo esse potencial dos orientadores de influenciar a formação e desenvolvimento futuro da carreira dos estudantes não se realiza de maneira homogênea. Pelo contrário, as diferenças entre os orientadores − por exemplo, em termos de reputação, impacto da pesquisa e disposição para treinar e patrocinar seus estudantes produzem efeitos muito distintos sobre as experiências educacionais e ocupacionais imediatas deles. Os docentes que atuam como professores, colaboradores e patrocinadores de seus estudantes, denominados mentores por Long e Mcginnis (1985), exercem o papel de verdadeiros agentes de emprego, acionando seu capital humano de C&T em favor dos estudantes. Nesse caso, seja por atribuição (transferência de reputação) e principalmente por produção (colaboração na forma de coautoria de publicações), os orientadores promovem o desenvolvimento profissional de seus estudantes, especialmente na fase inicial de suas carreiras.
Em resumo, as atividades, processos e interações envolvidos na formação de doutores representam esforços complexos e centrais do sistema de pós-graduação, conjugados ao desenvolvimento de pesquisas e condicionados por circunstâncias locais e pelo contexto de aplicação, e não devem ser avaliados apenas por seus resultados diretamente observáveis e mensuráveis referenciados em padrões internacionais, como ocorre atualmente. Vozes já se levantam na comunidade científica contra a cultura da performatividade generalizada e em defesa da redução da centralização, do estímulo à autonomia e da diversificação dos programas e objetivos de formação pós-graduada (SCHWARTZMAN, 2010). Outras, em defesa do resgate da perspectiva humanista de formação para o exercício da pesquisa e do ensino, implicando uma práxis utilizável para intelectuais e acadêmicos que desejam saber o que estão fazendo, quais são seus compromissos como eruditos e, ainda, como conectar tais princípios com o mundo em que vivem como cidadãos (SAID, 2007 apud MOREIRA, 2009).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora traga novos custos à pesquisa coordenação e gestão de projetos complexos e reconciliação de diferenças acadêmicas, institucionais e culturais, gerenciamento do tempo, custos financeiros etc. −, a colaboração internacional estabeleceu-se como norma na ciência contemporânea. Isso decorre da crescente dispersão da capacidade científica e tecnológica pelo mundo e da crescente incorporação de conhecimento pelos setores produtivos. A ciência continua a ser produzida em centros de excelência localizados nas cidades líderes. Desde a década de 1990, o que tem acontecido é o aumento do número e do nível de interconexão entre esses centros, agora em países não tradicionais, tais como países do leste europeu, Coreia do Sul, China, e, em menor grau, Índia e Brasil, caracterizando a emergência do sistema global de ciência.
A inclusão desses novos centros na atividade científica e o aprofundamento da inter-relação ciência-tecnologia-economia significa a criação de novas oportunidades de trabalho para pesquisadores nos setores tradicionais (acadêmico e nas organizações públicas de pesquisa) em carreiras convencionais (docência e/ou pesquisa) ou emergentes (profissionais de desenvolvimento da pesquisa), em carreiras técnicas na indústria, ou em ocupações não convencionais em diversos setores econômicos −, em interação com novas visões, contextos e locais. Em outras palavras, requer conhecimento mútuo e o intercâmbio com novas culturas acadêmicas e sociais, com novas organizações e normas institucionais, com novas condições e necessidades de pesquisa.
Portanto, o pesquisador precisa desenvolver novas competências, em adição ao conhecimento científico especializado, que incluem habilidades e conhecimentos mais gerais e transferíveis, como capacidade de negociação coletiva, de coordenação de redes heterogêneas e dispersas de atores, de gestão do processo de pesquisa, de empreendedorismo e resolução de problemas, de apropriação intelectual e comunicação social dos resultados.
A formação doutoral começa a evoluir para alinhar-se a esse contexto, ampliando as opções de modelos e objetivos, porém mantendo sua condição inerente de possibilitar o acúmulo inicial de capital científico, cultural e social que habilita o estudante a fazer a transição para uma carreira independente.
No Brasil, ainda predomina o modelo único de formação doutoral orientado à carreira e ao desempenho acadêmico. Em vista da recente diversificação do emprego de doutores detectada no país e dos questionamentos sobre sua efetividade para o sistema nacional de inovação e para a inserção futura dos pesquisadores brasileiros nas redes internacionais, tal modelo dá claros sinais de esgotamento. Reforçam a fragilidade desse modelo as críticas da própria comunidade científica em relação ao desvirtuamento da finalidade fundamental da pesquisa, de fazer avançar o conhecimento, ao tratar seus produtos tangíveis em fins absolutos. Enfim, mantê-lo não significa outra coisa senão perder a oportunidade de o país recuperar a capacidade de gerar as competências e habilidades necessárias para seu desenvolvimento no longo prazo.
Recebido: 20 out. 2012
Aprovado: 06 dez. 2012
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
12 Mar 2013 -
Data do Fascículo
Mar 2013
Histórico
-
Recebido
20 Out 2012 -
Aceito
06 Dez 2012