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Editorial

Um dos fenômenos contemporâneos mais preocupantes é a crescente comercialização da vida humana em geral. A educação constitui um aspecto de enorme importância no programa de mercantilização imposta ao mundo todo pelos países ricos, notadamente pelos Estados Unidos. De modo especial, neste momento, avançam as tratativas para a aprovação do TiSA (Trade in Services Agreement – Acordo sobre o Comércio de Serviços) a ser debatido e possivelmente aprovado na reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC) que se realizará em Nairobi, entre 15 e 18 de dezembro deste 2015. Isso mesmo: no âmbito da OMC, a educação é considerada um serviço e tratada comercialmente como um serviço qualquer. Em consequência, a educação deixa de ser um bem público. Ainda mais: sendo um serviço regulado pelas normas e leis do comércio internacional no âmbito da OMC, extingue-se também o conceito de autonomia nacional, pois todo e qualquer tratamento dado a uma instituição deve ser estendido às demais, sejam públicas ou privadas, nacionais ou internacionais. O comércio global impõe o modelo único de educação. A aprovação definitiva do TiSA, versão mais dura do GATS (General Agreement on Trade in Services: Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços), de 2003, já vem sendo amaciada por vários mecanismos que estão sendo largamente praticados. Dentre eles se contam o Processo de Bolonha, os rankings, a acreditação internacional, a educação transnacional, os cursos on-line etc. A par de processos práticos efetivos, os países ricos e seus atores internacionais hegemônicos desenvolvem estratégias ideológicas para justificar a mercantilização da educação no quadro mais amplo da economia global. Temas e conceitos tradicionais sofrem mudanças conceituais e passam a cooperar para o êxito de novas linguagens, lógicas, estratégias e práticas. Expressões e procedimentos usuais no mundo dos negócios se aplicam naturalmente na educação superior (e também nos demais níveis educacionais): índices de desenvolvimento, rentabilidade, cálculos de custos-benefícios, taxas de crescimento de matrículas, números de produção científica, patentes, capacidade de captação de recursos, empregabilidade etc. O conceito de desenvolvimento humano está sendo substituído pelo conceito restritivo de desenvolvimento econômico. Na educação superior se privilegia a competência, a eficácia mercantil, a quantidade, em vez da equidade, da democratização, da qualidade social e científica. Com a desconstrução do público e o predomínio do privado, ganham terreno o individualismo e a fragmentação. Esforços de coesão social desmancham-se em disputas e fraturas.

Esta revista tem acompanhado o transcurso dessas transformações, ao longo de seus 20 anos, em seu âmbito e de acordo com suas possibilidades e limitações. Sempre se posicionou a favor da educação como bem público e social, em defesa da universidade democrática, pertinente e relevante para a sociedade. Já se lê no primeiro texto desta edição, de autoria de José Dias Sobrinho: “A educação e o conhecimento são bens públicos e direitos humanos essenciais e precisam apresentar qualidade com sentido científico e social. Um direito humano jamais deveria ser negligenciado, tampouco sonegado a parcelas da população e nem restringir-se aos aspectos pragmáticos e utilitários da vida”. Mais adiante: “A responsabilidade primeira da universidade é construir, no dia a dia, a qualidade dos processos sem perder de vista os seus fins essenciais. Isto significa cumprir suas atividades de formação e de trato com o conhecimento com o maior grau possível de qualidade acadêmica, científica, técnica, moral, política e social. Em outras palavras, o eixo da responsabilidade das instituições educativas deve consistir essencialmente na formação de indivíduos-cidadãos dotados de valores cívicos e conhecimentos técnica e cientificamente relevantes e socialmente pertinentes.”. E na conclusão, alerta que a técnica é importante, mas não é tudo: “sem as Humanidades e um amplo pensamento crítico, reflexivo e antibarbárie, a universidade desperdiça as melhores chances de construção de um futuro digno da Humanidade. Sem valor público e social, uma empresa de educação superior é só uma organização, um simulacro, não uma verdadeira universidade.” Robert Verhine argumenta em seu artigo que avaliação e regulação são processos distintos.Podem ser complementares, mas muitas vezes também se apresentam antagônicos e geradores de distorções, quando não bem compreendidas as especificidades de cada processo. O autor analisa a aplicação desses processos no âmbito do SINAES e reflete sobre a proposta de criação do Instituto Nacional de Avaliação e Supervisão da Educação Superior (INSAES). Conclui ressaltando a necessidade de que sejam asseguradas a autonomia e a independência da avaliação e da regulação. Renata Meira Veras, Denise Vieira da Silva Lemos e Brian Teles Fonseca Macedo argumentam que a criação dos Bacharelados Interdisciplinares, pautada no sistema de ciclos, na UFBA, busca responder às atuais demandas de integração do conhecimento. José Carlos Rothen, Gladys Beatriz Barreyro, Aryane de Paula Prado e Leticia Prado Raiani Cristina Cavachia analisam a divulgação e uso dos resultados de avaliação por parte do jornal Folha de S. Paulo e das revistas Veja e Época, no período de 1995e 2010. Concluem que as mídias analisadas têm contribuído para a legitimação da avaliação da educação e reforçam a ideia de que a avaliação é uma prova que permite controlar a qualidade da educação. Octavio Ribeiro de Mendonça Neto, Maria Thereza Pompa Antunes e Almir Martins Vieira abordam os dispositivos de vigilância, controle e adestramento (dressage) da prática docente introduzidos no ambiente educacional pelos modelos gerencialistas presentes na gestão universitária, utilizando-se de conceitos de Foucault e proposições de Moeglin. Segundo os autores do artigo, gestores escolares se esquecem de que, ao instituírem novas práticas para o trabalho docente, se deparam com outras já existentes, imbricadas na figura do professor. José Mancinelli Lêdo do Nascimento, Rosires Catão Curi, Wilson Fadlo Curi e Cleber Brito de Souza apresentam os resultados de uma pesquisa que buscou construir uma metodologia para avaliar a responsabilidade social das Universidades públicas. Essa proposta de metodologia resultou em sete critérios e vinte e sete subcritérios acompanhados de atributos que, segundo os autores, permitem avaliar qualitativamente a responsabilidade social da Universidade. Ana Maria Falsarella apresenta as tendências e gerações na avaliação de políticas e programas sociais. A autora destaca que “a pesquisa qualitativa, no decorrer do tempo, ganha espaço no universo da pesquisa social ao reconhecer a influência das relações intersubjetivas e dos valores das pessoas envolvidas. Conclui sobre a complementaridade de métodos quantitativos e qualitativos”. Elisabete M. A. Pereira, Ana Maria Carneiro e Mirian Lúcia Gonçalves, após tratarem da questão da formação geral como ênfase curricular adotada por universidades em várias partes do mundo, apresentam resultados parciais da avaliação do “Programa de Formação Interdisciplinar Superior” desenvolvido pela Unicamp. Esse processo de avaliação está sendo desenvolvido com professores, estudantes e coordenador de curso. Ricardo Antonio Gonçalves Teixeira, Francislê Neri de Souza e Rui Marques Vieira buscam compreender o perfil dos docentes brasileiros de programas de pós-graduação em relação ao uso de recursos tecnológicos, mais especificamente os computacionais, no âmbito de suas investigações. Concluem os autores que “foi possível identificar concentração dos programas de mestrados e doutorados em Educação, de excelência, na Região Sudeste do Brasil; presença de novos docentes, em tempo no programa e em idade; forte correlação entre a idade dos docentes inquiridos com o período de formação em nível de graduação, com correlação reduzida em nível de mestrado e não confirmada em nível de doutorado; utilização de bases eletrônicas de dados pela maioria absoluta dos docentes pesquisados, e de softwares no âmbito de suas pesquisas, valendo-se de pesquisas mistas (quali-quantitativa), com apoio de recursos informatizados”. Xiomara Cabrera Cabrera e Raquel Diéguez Batista apresentam um modelo para a dinâmica formativa sociojurídica dos estudantes universitários, como parte de uma pesquisa realizada numa Universidade cubana, utilizando métodos e técnicas de investigação científica, corroborados em diferentes cursos daquela instituição. Por fim, Johannes Kniffki e Christian Reutlinger tratam da construção do conhecimento transnacional no marco do Projeto RELETRAN da União Europeia. Os autores salientam as dificuldades e desafios que uma composição altamente complexa engendra quando se trata de construir algo em comum.

Bom final de ano e feliz 2016!

José Dias Sobrinho
Editor

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov 2015
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Publicação da Rede de Avaliação Institucional da Educação Superior (RAIES), da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e da Universidade de Sorocaba (UNISO). Rodovia Raposo Tavares, km. 92,5, CEP 18023-000 Sorocaba - São Paulo, Fone: (55 15) 2101-7016 , Fax : (55 15) 2101-7112 - Sorocaba - SP - Brazil
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