Open-access Credenciar-se ou não na pós-graduação: a percepção de docentes de uma instituição pública

Habilitación o no en estudios de posgrado: la percepción de los docentes en una institución pública

Resumo

O objetivo deste estudo foi identificar a percepção de servidores doutores em relação à sua atuação na pós-graduação articulada a fatores motivacionais, pessoais e organizacionais. Aplicou-se um questionário a 502 professores doutores de programas de pós-graduação de uma instituição pública de ensino superior, obtendo-se 113 respostas válidas. Analisaram-se os dados utilizando o software estatístico R. Os resultados indicaram que a vinculação à pós-graduação está ligada à dimensão afetiva, visto que gostar do que faz (motivacional) e o relacionamento com os alunos (organizacional) foram os fatores mais destacados. Quando questionados sobre o que os levaria a se descredenciar, destacou-se a dimensão individual nos aspectos relacionados à falta de realização pessoal com a atividade e ao adoecimento pessoal ou familiar. Também indicaram questões estruturais, embora não predominantes. A forte vinculação da motivação docente relacionada a fatores pessoais e motivacionais pode explicar por que, em condições adversas, esses profissionais optam por permanecer credenciados na pós-graduação.

Palavras-chave: motivação; afetivo; precarização; professores; carreira

Resumen

El objetivo de este estudio fue identificar la percepción de los servidores doctores con respecto a su participación en el posgrado, articulado a factores motivacionales, personales y organizacionales. Se aplicó un cuestionario a 502 profesores doctores de programas de posgrado en una institución pública de educación superior, obteniéndose 113 respuestas válido. Los datos fueron analizados utilizando el software estadístico R. Los resultados indicaron que la vinculación a el posgrado está relacionada con la dimensión afectiva. Cuando se les preguntó sobre lo que los llevaría a desvincularse, se destacó la dimensión individual en aspectos relacionados con la falta de realización personal con la actividad y problemas de salud personal o familiar. También se señalaron cuestiones estructurales, aunque no predominantes. La fuerte conexión de la motivación docente con factores personales y motivacionales, puede explicar por qué estos profesionales optan por permanecer habilitados en posgrado en condiciones adversas.

Palavras clave: motivación; afectivo; precarización; professores; carrera

Abstract

The objective of this study was to identify the perception of doctoral staff members regarding their involvement in graduate programs considering motivational, personal, and organizational factors. A questionnaire was administered to 502 PhD professors from graduate programs at a public institution of higher education, obtaining 113 valid answers. The data were analyzed using the statistical software R. The results indicated that the affiliation to the graduate programs is linked to the affective dimension, as enjoying what they do (motivational) and their relationship with students (organizational) were the most highlighted factors. When asked about what would lead them to self-discredit, the individual dimension was emphasized, particularly concerning aspects related to a lack of personal fulfillment with the activity and personal or family health issues. Structural issues were also indicated, although not predominant. The strong connection of the professors' motivation related to personal and motivational factors may explain why these professionals choose to remain accredited in graduate programs in adverse conditions.

Keywords: motivation; affective; precariousness; professors; career

1 Introdução

No Brasil, a pesquisa possui forte ligação à universidade e ao sistema de pós-graduação, assumindo um papel importante para a formação de pesquisadores e produção de conhecimentos e tecnologias. Dessa forma, o desenvolvimento de programas de pós-graduação (PPG) em instituições de ensino superior é fundamental para a melhoria das competências científicas e tecnológicas nacionais e regionais (ALVES; MARICATO; MARTINS, 2015).

Segundo Alves, Maricato e Martins (2015), há duas principais razões que levaram à criação da pós-graduação no Brasil: a primeira, embasada na constatação da carência de pessoal altamente qualificado na época para gerir projetos para o desenvolvimento do país; e a segunda, relacionada com a expansão do ensino superior, que gerou a necessidade de aperfeiçoar o corpo docente. Esse processo se materializou entre 1930 e 1960, quando foram criadas a Universidade de São Paulo, em 1934, e a Universidade de Brasília, em 1961 (BALBACHEVSKY, 2005). Nesse mesmo período foi criada a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Em 1965 ocorreu uma institucionalização desse processo, quando o parecer Sucupira 977, aprovado pelo Conselho Nacional de Educação, reconheceu a pós-graduação como um nível de ensino (Nobre; Freitas, 2017). Foi nesse cenário, em meados da década de 1970, que a pós-graduação passou a ocupar um lugar privilegiado no desenvolvimento científico e tecnológico, com aporte financeiro da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNCT) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) (BALBACHEVSKY, 2005).

Nesse período, os recursos eram destinados diretamente aos professores na tentativa de contornar as dificuldades burocráticas de gerenciamento deles por parte das universidades, acarretando assimetrias em relação à distribuição desse financiamento (BALBACHEVSKY, 2005). O pesquisador passou a assumir um lugar de destaque, principalmente aqueles que têm acesso a recursos de pesquisa.

Em 1975 foi criado o Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG), com o objetivo de estruturar os sistemas de pesquisa e estabelecer a aproximação com o sistema produtivo e o setor público. Esses planos são revistos a cada quatro anos e paulatinamente estabelecem critérios de avaliação que estruturam os padrões de qualidade e da carreira acadêmica. Esse processo foi formalizado em 1976 quando a Capes foi reformulada e passou a utilizar critérios de avalição mais transparentes, com uma forte tendência quantitativa, tomando como referência os padrões internacionais (HOSTINS, 2006).

Em 1998 a Capes (2020) criou o Qualis, que estabeleceu critérios de avaliação e pontuação da produção acadêmica por meio da estratificação dos periódicos alimentando o sistema de coleta de dados. Além disso também criou um aplicativo denominado Coleta Capes1 (SCHERER et al., 2012, p. 57)) que passou a ser uma das referências no processo de avaliação dos programas e dos docentes a eles vinculados (BALBACHEVSKY, 2005). Também em 1998 foi criada a Plataforma Lattes, lançada em 6 de agosto de 1999, que passou a ser o padrão de registro das atividades acadêmicas dos pesquisadores do país (NOBRE; FREITAS, 2017). Sendo assim, esse período foi marcado pelo processo de institucionalização do processo de avaliação da pós-graduação stricto sensu no Brasil e os docentes vinculados aos programas passaram a ter suas atividades orientadas por essas diretrizes.

A atuação do docente no magistério superior não se restringe ao sistema de pós-graduação. Segundo Correa e Lourenço (2015), a atuação abrange vários aspectos, tais como: o desenvolvimento de atividades de pesquisa, extensão, formação e capacitação, participação e organização de eventos, publicações, avaliações de trabalhos científicos, cargos administrativos, entre outros. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) estabelece que a carga horária mínima dos docentes do magistério superior é de oito horas semanais de aulas. As demais horas são utilizadas para completar a carga horária de trabalho necessária, conforme o regime de trabalho estabelecido, para realização das atividades de pesquisa, extensão e orientação (BRASIL, 1996). Inclusive os processos de progressão na carreira docente, no caso das universidades públicas, de acordo com a Lei nº 12.772/2012, está relacionado a metas ligadas ao ensino, pesquisa, extensão e atividades administrativas (BRASIL, 2012).

As formas de avaliação da Capes (2020) privilegiaram critérios quantitativos de avaliação que Vosgerau, Orlando e Meyer (2017) denominam produtivismo acadêmico. Sguissardi e Silva Júnior (2009) acrescentam ainda como essa lógica que se impõe ao trabalho acadêmico descontrói o conceito de indissociabilidade, visto que, ao valorizar a pesquisa, coloca em segundo plano as atividades de extensão, que, por sua vez, recebem cada vez menos financiamento. A competência do docente deveria estar associada a essa complexidade de concepção do que seja o fazer universitário, ou seja, não há distanciamento entre as dimensões ensino, pesquisa e extensão, mas há entre elas um diálogo dinâmico no qual os discentes estão envolvidos (SIQUEIRA et al., 2012). A hierarquia criada entre ensino, pesquisa e extensão fragmenta o fazer, contudo a cobrança pela indissociabilidade se mantém presente, inclusive na Constituição de 1988, nas demandas de trabalho desse profissional.

Sguissardi e Silva Júnior (2009) destacam que os reflexos do produtivismo acadêmico desencadeiam intensificação e precarização do trabalho dos docentes-pesquisadores na pós-graduação brasileira. Os autores encontraram evidências de que a precarização das condições de trabalhos de docentes em PPG faz com que eles optem por atividades de pesquisa, deixando em segundo plano o ensino e a extensão, mostrando essa separação de pesquisa e docência. Outro aspecto destacado por Godoi e Xavier (2012) é a competição presente nos programas entre os docentes nas instituições de ensino superior, estendendo-se aos discentes, acirrando disputas internas e criando um ambiente de trabalho estressante.

Nunes e Torga (2020) se alinham a essa perspectiva da precarização do trabalho docente, afirmando que ao mesmo tempo que o ambiente da pós-graduação proporciona prestígio/status ao docente, pois tem o potencial de contribuir com a solução de problemas apresentados pela sociedade, é permeado de cobranças por produtividade, competição entre os docentes e, por vezes, assédio moral, inclusive com discentes.

Nesse contexto que considera a complexidade do trabalho docente e os riscos psicossociais decorrentes das formas de avaliação e sobreposição de atividades que ele envolve, destacam-se a seguir alguns estudos sobre a temática.

Nyquist, Hitchcock e Teherani (2000), evidenciando a complexidade do trabalho docente, desenvolveram um estudo com professores de cursos de medicina nos Estados Unidos, por considerá-los importantes no processo de melhoria da qualidade de vida e longevidade da população. Os autores descreveram as atividades dos professores e abordaram o que afetava sua satisfação. Evidenciaram que o docente educa e treina médicos, desenvolve pesquisa, tecnologias e procedimentos, bem como atende a pacientes, muitas vezes, pobres e com grandes enfermidades. Os autores apresentam um modelo de análise abrangente para mostrar os fatores de satisfação do corpo docente médico acadêmico apoiado no modelo da Sociedade de Medicina Interna Geral (SGIM) (GERRITY et al., 1997) e o modelo de Blackburn e Lawrence (1995) de trabalho docente.

O modelo de Blackburn e Lawrence (1995) foi baseado em um estudo das características do corpo docente da universidade e seu trabalho. Os dados evidenciaram que o autoconhecimento e o conhecimento social podem afetar o comportamento e a produtividade em atividades dessa natureza. O autoconhecimento inclui autoeficácia, interesse, esforço, capacitação e ambição pessoal. O conhecimento social foi composto pelo apoio institucional e pelo esforço que os docentes acreditam que sua instituição deseja. Para os autores, o modelo busca evidenciar como o autoconhecimento e a satisfação com o trabalho são influenciadas por fatores organizacionais, profissionais e pessoais, e ao mesmo tempo são importantes na produtividade e retenção desses profissionais em suas atividades. Sendo assim, o perfil desse profissional envolve a percepção de sua capacidade em articular a indissociabilidade prevista, inclusive, nos instrumentos legais da educação.

Moro et al. (2013) desenvolveram estudo para identificar os fatores motivacionais (intrínsecos) e higiênicos (extrínsecos) considerados relevantes na visão dos alunos e professores em uma instituição pública de ensino, em que a produtividade dos indivíduos é fundamental para o desenvolvimento e a sobrevivência dos PPG. Nos fatores higiênicos que previnem a insatisfação, foram considerados aspectos relativos ao trabalho, como salário e benefícios, relacionamento e condições de trabalho. Nesses dois grupos, os resultados evidenciaram aspectos importantes da motivação, tais como o crescimento e a realização pessoal e profissional, dando ênfase a gostarem do que fazem. Os docentes consideraram fatores higiênicos importantes, como o apoio financeiro e o relacionamento com os colegas e alunos.

Alves, Maricato e Martins (2015) pesquisaram os fatores que levam pesquisadores a se credenciarem (ou não) em programas dessa natureza. Constataram que quase a totalidade pesquisada tem interesse em participar, porém as limitações se dão devido a fatores organizacionais, embora possam existir alguns fatores favoráveis combinados entre si relacionados ao trabalho, à organização e ao pessoal.

Esses estudos revelam que o envolvimento em atividades de pós-graduação se apresenta quase sempre vinculado a cenários contraditórios, pois, ao mesmo tempo que esse tipo de atuação permite acesso a recursos (objetivos e subjetivos), também traz uma sobrecarga de trabalho que contribui para a precarização do trabalho.

O cenário que se desenhou com a institucionalização da pós-graduação como local privilegiado da pesquisa nas instituições de ensino e, ao mesmo tempo, a mercantilização da relação das universidades públicas e privadas respondendo aos interesses do mercado, tem tido como resultado a intensificação do trabalho docente (GUIMARAES; CHAVES, 2015).

Nesse contexto, o docente não tem obrigatoriedade formal de participar da pós-graduação e, diante da natureza e complexidade que sua atividade profissional assume ao tomar tal decisão, mesmo considerando o produtivismo e a precarização do trabalho que ocorre com os docentes envolvidos com essa atividade, questiona-se: quais fatores influenciam na decisão do profissional de se credenciar e quais o fariam se descredenciar de programas de pós-graduação? O objetivo foi identificar a percepção dos servidores doutores em relação à atuação na pós-graduação articulada a fatores motivacionais, pessoais e organizacionais.

Esta pesquisa se diferencia da de Moro et al. (2013), pois é centrada em docentes doutores, diferentemente do estudo citado, que incluiu docentes e discentes. Em relação ao estudo de Alves, Maricato e Martins (2015), esta pesquisa utilizou os fatores motivacionais e organizacionais, ampliando as variáveis incluindo algumas de Moro et al. (2013). Além disso, buscou compreender fatores pessoais que poderiam influenciar na decisão de se desligar do programa. Esse aspecto se mostra relevante, uma vez que a pesquisa foi desenvolvida em período anterior à pandemia e com o cenário de cortes de recursos públicos para a educação e crise financeira no país. Assim, este estudo pode trazer alguns insights de fatores ligados a essa possível decisão de docentes de se desligarem de programas.

Os resultados deste trabalho poderão contribuir para que as instituições de ensino superior elaborem políticas visando à estabilidade de seu corpo docente que atua em PPG e, dessa forma, impulsionar essa dimensão do ensino, pesquisa e extensão.

2 Materiais e métodos

Trata-se de um estudo descritivo que utiliza como fonte de dados documentos relacionados às normatizações da pós-graduação presentes nos sítios dos PPG da instituição pública federal pesquisada, em institutos de pesquisa como o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e fundações ligadas ao governo, como a Capes. Também se foi utilizado um questionário aplicado a professores doutores da instituição atuantes nos PPG. Para preservar a identidade da instituição e dos respondentes, optou-se pela não identificação.

Os dados da pesquisa foram coletados a partir dos fatores apresentados nos estudos de Alves, Maricato e Martins (2015) e Moro et al. (2013), complementados por outros. O questionário foi elaborado com base nos fatores indicados, e foi testado previamente com três docentes externos à universidade pesquisada. Feitas as adequações indicadas, o questionário foi hospedado no Google Formulários.

A Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas forneceu uma lista com 483 servidores ativos na instituição que possuíam título de doutor. Constatou-se que faltavam alguns docentes na lista e foram buscados nos sítios dos PPG nas faculdades e em publicações, chegando-se a 502 endereços de e-mail institucionais e pessoais. O instrumento foi enviado quatro vezes no período de 1º de abril até 7 de maio de 2019 para os e-mails identificados, explicando a pesquisa e os convidando a participar.

Os servidores atuantes nos PPG stricto sensu receberem um e-mail explicando a pesquisa com o link do questionário e, ao abrirem, era apresentado o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) para que pudessem declarar se aceitavam ou não participar da pesquisa. Na sequência, o formulário apresentava quatro questões, das quais duas eram sobre a influência que os fatores motivacionais e organizacionais exerciam sobre os docentes que pretendiam permanecer no(s) PPG stricto sensu, e duas sobre os fatores pessoais e organizacionais e o nível de influência que eles teriam em um possível desligamento do(s) PPG stricto sensu (Quadro 1).

As questões apresentavam motivos e o respondente devia expressar o nível de influência de acordo com a escala tipo Likert: (1) não influencia (NI); (2) influencia pouco (IP); (3) neutro (N); (4) influencia muito (IM); e (5) influencia totalmente (IT).

Também foi questionada a experiência do docente em PPG, tanto internos quanto externos à universidade, a categoria de participação nos programas e onde se localiza(m) o(s) programa(s) que o docente está atuando. Além destas questões, constaram outras sobre perfil, experiência docente e experiência docente na pós-graduação anterior ao ingresso na universidade. Para a análise de dados e a geração de gráficos, o software estatístico R (R CORE TEAM, 2020) foi utilizado.

Quadro 1
Fatores que influenciam na permanência ou desligamento de docentes na pós-graduação separados por categorias

O Quadro 1 evidencia as categorias de análise (fatores motivacionais, pessoais e organizacionais) e as questões relacionadas a cada um deles. A indicação numérica que está colocada ao final de cada questão se refere à fonte do instrumento de pesquisa da qual foi adaptada: neste caso, o número (1) se refere a Moro et al. (2013) e (2) a Alves, Maricato e Martins (2015).

Moro et al. (2013), apoiados nos debates propostos por Herzberg, Bergamini e Broxado, definem os fatores motivacionais como aqueles que ocorrem na dimensão intrínseca, visto que atribuem sentido para a ação e promovem satisfação. Alves, Maricato e Martins (2015) definem os fatores organizacionais como os recursos disponibilizados pela organização para realização das atividades inerentes ao trabalho. Nesse sentido, tanto a disponibilidade como a ausência de recursos podem influenciar positiva ou negativamente na motivação do trabalhador. Dessa forma, os fatores organizacionais deveriam oferecer um ambiente motivador e desafiador que favorecesse à satisfação dos indivíduos. Os fatores pessoais dizem respeito à relação entre a dinâmica da vida cotidiana e as demandas do mundo do trabalho (ALVES; MARICATO; MARTINS, 2015).

3 Resultados e discussão

Na instituição pesquisada não foi possível identificar o número exato de docentes com título de doutor que atuam em PPG stricto sensu na instituição ou fora dela. Em um levantamento prévio de uma das pró-reitorias da instituição, aproximadamente 50% estavam envolvidos com pós-graduação. Do total de 502 servidores doutores, foram obtidas 113 respostas válidas (45%) em que os respondentes declararam ser participantes de PPG stricto sensu.

Constatou-se que, dentre os respondentes, prevaleceu o sexo masculino, com 61,9%, e 38,1% são do sexo feminino. No que tange à atuação no(s) programa(s), 77% atuam como permanente, 12,4% como colaborador e 10,6% como permanente e colaborador. Sobre os programas, 79,6% afirmaram que participam de programa(s) interno(s) à universidade, e na mesma faculdade em que está lotado; 10,6% afirmaram que participam de programa(s) interno(s) à universidade, mas em outra faculdade; 4,4% afirmaram que participam de programa(s) externos à universidade; e 5,3% afirmaram que participam em programa(s) interno(s) e externo(s) à universidade. Esses dados revelam que os docentes têm uma vinculação orgânica com os programas, visto que 77% são professores permanentes, 79,6% participam de programas internos, evidenciando um compromisso institucional, ou seja, a atividade na pós-graduação se insere no seu cotidiano laboral.

Quando perguntados sobre a intenção de permanecer no PPG stricto sensu, 57,5% afirmaram que pretendem permanecer até a aposentadoria, 41,6% têm intenção de permanecer por mais algum tempo e 0,9% afirmaram não terem intenção de permanecer. Portanto, embora as condições de trabalho, influenciadas pelo produtivismo acadêmico (GUIMARÃES; CHAVES, 2015; SGUISSARDI; SILVA, 2009; VOSGERAU; ORLANDO; MEYER, 2017) possam ser fatores que comprometem a motivação dos docentes, ainda assim, existe uma forte adesão à permanência nos programas.

No Gráfico 1 são apresentados os resultados referentes ao nível de influência dos fatores motivacionais na decisão de permanecer no(s) PPG stricto sensu. A escala Likert seguiu os níveis e adotaram-se siglas: (1) não influencia (NI); (2) influencia pouco (IP); (3) neutro (N); (4) influencia muito (IM); e (5) influencia totalmente (IT).

Gráfico 1
Nível de influência de fatores motivacionais na decisão de permanecer no(s) programa(s)

Após análise resultante do Gráfico 1, pode-se perceber que o fator motivacional de maior importância é “gosto do que eu faço”, em que 73% dos servidores responderam total influência e 20% muita influência. Esses dados confirmam os encontrados por Moro et al. (2013) visto que a maioria considerou que gostar do que faz é algo importante para a motivação. Souto et al. (2017) também encontroaram resultados semelhantes, pois, em um estudo qualitativo sobre a perspectiva de docentes de pós-graduação quanto aos sentimentos de prazer e sofrimento no exercício da atividade, encontram como “sentimento de prazer” a identificação com a prática docente, relacionada à vocação. Este resultado é análogo ao que é tratado neste artigo como “gosto de que faço”. Souto et al. (2017) também identificaram o fator “reconhecimento” como um elemento da constituição do prazer no trabalho, citando o sentimento de uma posição de prestígio dos docentes diante da sociedade. Este resultado também corrobora o aqui encontrado, com 50% dos profissionais identificando o reconhecimento profissional fora do PPG como fator de muita ou total influência, neste sentido, embora os docentes estejam organicamente vinculados ao programa, a projeção positiva de sua imagem para aqueles que estão fora dessa atividade também é relevante.

Constatou-se também que 22,7% dos respondentes consideraram que todos os fatores motivacionais apresentados no Gráfico 1 influenciam moderadamente. Também se pode perceber que nenhum dos fatores listados foi considerado como não influente ou pouco influente por mais de 30% da amostra. Esses dados ajudam a compreender por que os professores declararam inicialmente que pretendem continuar atuando nos PPG.

No Gráfico 2 são apresentados os resultados referentes ao nível de influência dos fatores organizacionais na decisão de permanecer no(s) PPG stricto sensu.

Gráfico 2
Nível de influência de fatores organizacionais na decisão de permanecer no(s) PPG

No Gráfico 2 se destaca que o relacionamento com os alunos é o fator de maior influência para os servidores, com 39% dos respondentes afirmando ter influência total e 30% afirmando ter muita influência. Esses dados se alinham aos achados de Davoglio, Spagnolo e Santos (2017), os quais, ao hierarquizarem os dez principais fatores que motivam os docentes para permanecerem na carreira, elencaram a relação com os alunos como primeiro. Ainda na perspectiva da valorização da relação entre orientador e orientado na pós-graduação, Modkovski e Ferraz (2012) concluem que quando ocorre de forma positiva contribui para a autoeficácia dos alunos e, dessa forma, para melhorar a qualidade do conhecimento produzido pelo programa, ou seja, também confirmam os dados desta pesquisa sobre a importância da relação com os discentes.

O apoio financeiro, as instalações físicas, o horário de trabalho, os materiais necessários e equipamentos necessários são aqueles em que a maioria expressou não influenciarem ou têm pouca influência sobre a decisão de permanência, contrapondo os achados de Alves, Maricato e Martins (2015). Esses dados se alinham ao estudo realizado por Colares et al. (2019), que identificaram que os docentes da pós-graduação em ciências contábeis valorizam mais o prestígio do que os benefícios financeiros.

Quando indagados sobre as motivações para o desligamento do programa, o Gráfico 3 apresenta os resultados referentes aos fatores pessoais que levariam ao servidor participante desligar-se do(s) PPG stricto sensu.

Gráfico 3
Nível de influência de fatores pessoais que levariam a deixar de atuar no(s) PPG

Referente aos fatores pessoais que mais contribuem para o desligamento do(s) PPG, foram identificados a “pouca realização pessoal” e “dificuldades relacionadas a saúde”. A realização pessoal tem um componente importante na atuação do docente, por ser a forma de retorno que recebem pela sua dedicação. Cabe destaque para o aspecto da saúde, pois esse é um fator que pode estar relacionado ao trabalho e não necessariamente a aspectos pessoais de forma isolada. Forattini e Lucena (2015), Moura (2019) e Penteado e Souza (2019) são alguns autores que têm debatido o adoecimento de docentes relacionado à precarização das condições de trabalho. Desta forma, as questões de saúde podem ser relacionadas diretamente ao trabalho e não somente à dimensão pessoal, sendo esta uma questão que poderia ser melhor aprofundada em estudos futuros.

O fator que teve o item “não influencia” mais expressivo foi o “baixo reconhecimento profissional”, destoando da pesquisa realizada por Colares et al. (2019), ao identificarem que o reconhecimento profissional é um fator relevante. O Gráfico 4 apresenta os resultados referentes ao nível de influência que os fatores organizacionais teriam na decisão de não mais atuar no(s) PPG stricto sensu.

Gráfico 4
Nível de influência de fatores organizacionais que levariam a deixar de atuar no(s) PPG

Os fatores organizacionais que influenciariam na decisão de desligamento dos PPG stricto sensu são “problemas relacionados a relações pessoais”, “ausência de políticas de incentivo na universidade”, “inexistência de linhas de pesquisa de interesse” e “sobrecarga do trabalho atual”, considerados por mais 50% dos respondentes como tendo muita ou total influência. O fator “falta de remuneração adicional” foi considerado por 57% da amostra como não tendo ou tendo pouca influência. A sobrecarga de trabalho para os docentes de pós-graduação é apontada por vários autores que discutem a questão do produtivismo acadêmico (GUIMARÃES; CHAVES, 2015; SGUISSARDI; SILVA, 2009; VOSGERAU; ORLANDO; MEYER, 2017) e de alguma forma incorpora a ausência de políticas e incentivo. O que aparece como um fator não indicado em outros estudos se refere a problemas de relações pessoais.

A síntese dos resultados da pesquisa é apresentada nos Quadros 2 e 3. O Quadro 2 apresenta os fatores que influenciam na decisão de permanecer no(s) PPG stricto sensu com nível de influência maior que 50%.

Quadro 2
Fatores que mais influenciam na decisão de permanecer no(s) PPG

Por outro lado, o Quadro 3 mostra os fatores que influenciam na decisão de deixar de atuar no(s) PPG stricto sensu com nível de influência maior que 50%.

Quadro 3
Fatores que influenciam na decisão de deixar de atuar no(s) PPG

Observa-se no Quadro 2 que os fatores com maior peso na decisão de permanecer no programa são aqueles relacionados à satisfação pessoal, ou seja, aspectos motivacionais. Essa perspectiva alinha-se ao estudo de Pizzio e Klein (2015), ao indicar que mesmo em condições estruturais desfavoráveis quando o projeto de vida do docente está alinhado com seu trabalho, maior é a qualidade de vida no trabalho. Esse resultado talvez explique por que a adesão aos programas é significativa (NUNES; TORGA, 2020). No caso desta pesquisa, os entrevistados declararam intenção de permanecer nos cursos de pós-graduação, aproximadamente 90% dos docentes atuantes, mesmo em condições de trabalho desfavoráveis, como indicado no Quadro 3.

Esses dados também podem indicar que a precarização do trabalho docente enfrenta dificuldades a serem superadas, pois como o prazer pela atividade é preponderante em relação às condições de trabalho, a busca por melhorias estruturais pode ser prejudicada, algo que se assemelha ao que La Boétie (2020) denominou de servidão voluntária, tema que poderia ser aprofundado em estudos futuros.

4 Considerações finais

O objetivo deste estudo foi identificar a percepção dos servidores doutores em relação à atuação na pós-graduação articulada a fatores motivacionais, pessoais e organizacionais.

A literatura abordada chama a atenção para a precarização do trabalho, que tem influenciado significativamente o adoecimento dos docentes. Ainda que a vinculação à pós-graduação traga novas demandas laborais, monitoradas externamente por instituições governamentais e de fomento e internamente pelas coordenações e colegiados dos programas, para aqueles que optam por essa atividade, os dados revelam dimensões afetivas para tal intento, visto que no campo motivacional “gostar do que faz” e no organizacional o “relacionamento com os alunos” foram os fatores mais destacados pelos respondentes.

Mesmo que a grande maioria tenha declarado que pretende permanecer no programa, ainda por algum tempo ou até sua aposentadoria, quando questionados sobre o que os levaria a se descredenciar, novamente a dimensão individual foi destacada, quando mencionam a falta de realização pessoal com a atividade e o adoecimento pessoal ou familiar. Questões estruturais foram indicadas, contudo, não de forma tão predominante como as relacionadas ao cotidiano dos sujeitos.

Os resultados parecem indicar que as condições estruturais para que os docentes permaneçam nas atividades da pós-graduação não são determinantes, pois o vínculo que se estabelece está no plano afetivo e da carreira, ambos na busca de uma realização pessoal. De alguma forma, essa forte vinculação da motivação docente relacionada a fatores pessoais e motivacionais explica por que, em condições tão adversas, esses profissionais ainda optam por se manter nessa atividade, podendo, então, estar relacionada a outros aspectos.

Os achados deste estudo trazem alguns questionamentos:

  • - Se a pesquisa traz tão relevantes contribuições ao desenvolvimento da sociedade e da universidade, por que os docentes que contribuem para este desenvolvimento não possuem diferenciação em suas carreiras?

  • - Se a atuação dos docentes na pós-graduação se dá mais pela realização pessoal do que pelo retorno financeiro, por que, mesmo assim, permitem-se adoecer em decorrência da carga de trabalho?

As limitações do trabalho se relacionam à sua amplitude, por ter sido feito em uma instituição relativamente jovem, sendo assim, os PPG e a composição de seu quadro docente ainda estão em fase de consolidação, o que de alguma forma pode contribuir para compreender a forte adesão.

Para estudos futuros, sugere-se a análise dos aspectos da relação entre a precarização do trabalho em contraposição ao prazer pela atividade docente, e ainda sobre a existência de traços de servidão voluntária nesse contexto. Outra sugestão se relaciona à compreensão dos problemas de saúde recorrentes em profissionais da educação e sua relação com os aspectos da precarização do trabalho.

  • 1
    “O Coleta de Dados CAPES é um aplicativo fornecido pela CAPES para a avaliação dos Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu do Brasil (PPGs). Todos os anos, as Instituições que oferecem mestrados e/ou doutorados devem preencher esse aplicativo para que seus cursos sejam avaliados. Seu correto preenchimento influenciará numa boa avaliação”.
  • Texto revisado por: Marco Aurélio Furno Oliveira E-mail: marcoaurelio@ifes.edu.br

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    20 Jan 2022
  • Aceito
    07 Ago 2023
  • Revisado
    29 Ago 2023
location_on
Publicação da Rede de Avaliação Institucional da Educação Superior (RAIES), da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e da Universidade de Sorocaba (UNISO). Rodovia Raposo Tavares, km. 92,5, CEP 18023-000 Sorocaba - São Paulo, Fone: (55 15) 2101-7016 , Fax : (55 15) 2101-7112 - Sorocaba - SP - Brazil
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