Resumo
Introdução A utilização de indicadores válidos na avaliação do estado nutricional populacional é muito importante.
Objetivo Avaliou-se a concordância entre medidas aferidas e autorrelatadas de peso corporal, estatura e IMC, e identificou-se fatores que exercem influência sobre o autorrelato.
Método Estudo transversal de base populacional de adultos da Região Metropolitana de SP (N=766). Cálculo dos coeficientes de correlação intraclasse e análises gráficas de Bland & Altman foram conduzidos, avaliando a concordância dessas medidas.
Resultados Na amostra total, e para ambos os sexos, foram subestimados o peso corporal autorrelatado e, consequentemente, o IMC, enquanto a estatura autorrelatada foi superestimada. A imprecisão no autorrelato foi influenciada pelo sexo, idade, escolaridade e estado nutricional. A confiabilidade encontrada entre as medidas foi elevada em ambos os sexos e na amostra total (peso corporal CCI 0,951/IC 0,938-0,961; estatura CCI 0,870/IC 0,597-0,939; IMC CCI 0,865/IC 0,677-0,928). A prevalência de excesso de peso pelas medidas autorrelatadas mostrou-se subestimada (13%), quando comparada àquela calculada através das medidas aferidas.
Conclusão O autorrelato pode ser influenciado por diversos fatores, produzindo medidas imprecisas. Sua utilização em inquéritos populacionais pode acarretar em uma importante subestimativa do risco de adoecimento e mortalidade prematura por doenças cardiovasculares e metabólicas associados ao excesso de peso.
Palavras-chave: autorrelato; estado nutricional; antropometria; índice de massa corporal; depressão
Abstract
Background The use of valid indicators for the evaluation of the nutritional status of the population was very important.
Objective The concordance between measured and self-reported data of body weight and height and BMI were evaluated and the factors that exert influence on the self-report.
Method This is a cross-sectional population-based study of adults from the Metropolitan Region of SP (N=766). Calculation of the intraclass correlation coefficients and graphical analyzes of Bland & Altman were conducted, evaluating the agreement of these measures.
Results In the total sample and for both genders, the self-reported body weight and the BMI were underestimated, while the self-reported height was overestimated. The imprecision in self-report was influenced by gender, age, school level,and nutritional status. The agreement between the measures was high in both genders and in the total sample (weight ICC 0.951/CI 0.938-0.961; height ICC 0.870/CI 0.597-0.939; BMI ICC 0.865/CI 0.677-0.928). The prevalence of overweight by self-reported measures was underestimated (13%) when compared to that calculated by the measured data.
Conclusion Self-report can be influenced by several factors, producing imprecise measures. Its use in population surveys may lead to an important underestimation of the risk of illness and premature mortality for cardiovascular and metabolic diseases associated with overweight.
Keywords: self report; nutritional status; anthropometry; body mass index; depression
INTRODUÇÃO
Listada entre as cinco principais causas de morte no mundo1, a obesidade consiste, atualmente, em importante problema de saúde pública associado a diversas doenças crônicas como diabetes, doenças cardiovasculares, câncer e a mortalidade prematura2. Estudos transversais também têm documentado uma forte associação entre obesidade e depressão ou sintomas depressivos3. Para sua identificação em populações, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a utilização do Índice de Massa Corporal (IMC)4, cuja estimativa deriva das medidas de peso corporal e estatura e indica o estado nutricional do indivíduo.
Embora essas medidas antropométricas sejam de fácil obtenção, algumas limitações podem inviabilizar a sua aferição, como custo, tempo de execução, treinamento de avaliadores, padronização de técnicas e transporte de equipamentos5, tornando-se necessário o emprego de métodos simplificados em estudos de base populacional. Uma alternativa para contornar essas dificuldades é a utilização do peso corporal e estatura autorrelatados, cuja estimativa envolve a autopercepção dessas medidas6.
No Brasil, o programa de Vigilância dos Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) tem empregado informações sobre peso corporal e estatura autorrelatados, ao monitorar a frequência e a distribuição dos principais determinantes das doenças crônicas não transmissíveis, com abrangência nacional7. Também em outros países, medidas antropométricas autorrelatadas são utilizadas para a avaliação da saúde da população geral, como no Inquérito Nacional de Saúde de Portugal8, o National Health Interview Survey9, e o National Health and Nutrition Examination Survey10, conduzidos nos Estados Unidos.
Contudo, para que essas medidas autorrelatadas sejam utilizadas na avaliação do estado nutricional dos indivíduos, devem apresentar bons níveis de concordância em relação aos valores reais. Essa questão vem sendo abordada por diversos estudos que buscam validar informações autorrelatadas em comparação com informações aferidas11-13.
Carvalho et al.14 identificaram uma alta concordância entre os valores aferidos e autorrelatados de peso corporal e estatura em indivíduos adultos da cidade de São Paulo. Conde et al.15 analisaram um grupo de indivíduos participantes da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) e do Vigitel 2008-2009, e encontraram forte correlação e concordância dos valores de IMC calculados a partir das medidas autorrelatadas com relação aos obtidos a partir das medidas aferidas. Entretanto, a confiabilidade das informações autorrelatadas apresenta variabilidade em função de características individuais, como sexo, escolaridade, idade e estado nutricional6,11,16.
Considerando a importância da utilização de indicadores válidos para a avaliação do estado nutricional, sobretudo em amostras de base populacional, cuja representação é reduzida na literatura, este estudo objetiva avaliar a concordância entre as medidas aferidas e autorrelatadas de peso corporal e estatura, e do IMC delas resultante, em adultos residentes na região metropolitana de São Paulo. Pretende-se também identificar se fatores demográficos, socioeconômicos e a presença de sintomas depressivos influenciam a autopercepção dessas medidas antropométricas.
MÉTODO
Foram utilizados dados do Estudo Epidemiológico dos Transtornos Mentais São Paulo Megacity (SPMC), um estudo de corte transversal de base populacional que faz parte de um consórcio da OMS – World Mental Health Survey (WMH Survey)17. Foi avaliada a morbidade psiquiátrica em uma amostra probabilística da população geral com 18 anos ou mais, residente na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), composta pela cidade de São Paulo e 38 municípios subjacentes17.
O estudo foi dividido em duas fases. Na primeira, foram realizadas entrevistas domiciliares utilizando-se o Composite International Diagnostic Interview (CIDI 3.0), adaptado para o português vigente no Brasil18 e aplicado por entrevistadores treinados, sem formação prévia em ciências da saúde, em que foram obtidos os dados autorrelatados de peso corporal e estatura17. Na segunda fase, uma subamostra dos indivíduos entrevistados nos domicílios foi convidada para múltiplas avaliações no âmbito hospitalar, onde as medidas de peso corporal e estatura foram aferidas por avaliadores treinados19.
A amostra populacional foi selecionada através de um processo probabilístico multiestratificado, sem substituição, totalizando 5.037 indivíduos entrevistados nos domicílios entre maio/2005 e abril/2007. A coleta de dados da fase hospitalar ocorreu entre junho/2005 e dezembro/2007, avaliando uma subamostra de 766 respondentes (438 mulheres e 328 homens), selecionada dentre os indivíduos avaliados nos domicílios. A apresentação detalhada dos métodos de seleção, amostragem e coleta de dados, nos domicílios e no hospital, foi descrita em publicações prévias17,19.
Para o cálculo do IMC a partir das medidas autorrelatadas, foram excluídas 27 mulheres, por não haver alguma das informações de peso corporal ou estatura (n=411), totalizando 739 respondentes nas análises que envolveram essa variável.
A avaliação hospitalar ocorreu no Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Os indivíduos foram pesados e medidos descalços e com roupas leves. Foi realizada a aferição do peso corporal com balança antropométrica digital Toledo® (capacidade de pesagem de até 200kg) e, para a medida da estatura, utilizou-se estadiômetro acoplado a balança antropométrica (régua medindo de 1 a 2m, com escala de 0,5cm), e ambas as aferições foram realizadas de acordo com as técnicas recomendadas pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC)20.
Para avaliação do estado nutricional, calculou-se o IMC, dividindo-se o peso corporal em quilogramas pelo quadrado da estatura em metros, classificado de acordo com a OMS4: ≤18,49 kg/m2 (baixo peso); 18,5 a 24,99 kg/m2 (eutrofia); 25 a 29,99 kg/m2 (sobrepeso); 30 a 34,99 kg/m2 (obesidade grau 1); 35,0 a 39,99 kg/m2 (obesidade grau 2); e ≥40 kg/m2 (obesidade grau 3). Ao se utilizar o termo excesso de peso, foram agrupadas as categorias de sobrepeso e obesidade graus 1, 2 e 3.
Foram ainda avaliadas características demográficas, incluindo a idade (18-34, 35-49, 50-64 anos) e sexo (masculino/feminino), socioeconômicas como escolaridade (em anos de estudo: 0-4, 5-8, 9-11, e ≥12) e renda. A renda anual per capita foi dividida em quintis: baixa (0 a R$ 2.186,40), média-baixa (R$ 2.191,20 a R$ 3.906,00), média (R$ 3.966,00 a R$ 6.248,00), média-alta (R$ 6.252,00 a R$ 11.319,00) e alta (R$ 11.404,80 a R$ 180.012,00).
A presença de sintomas depressivos nos últimos 30 dias foi investigada usando o módulo de depressão do CIDI 3.0, conforme critérios diagnósticos do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – 4ª edição (DSM-IV).
As análises estatísticas foram realizadas utilizando o programa Stata 13.0, adotando-se um nível de significância de 5%. A normalidade da distribuição das variáveis numéricas foi verificada através do teste Shapiro-Wilk. Avaliou-se se houve distribuição diferencial por sexo através do teste do Qui-Quadrado, para variáveis categóricas, e de Mann-Whitney para variáveis numéricas.
Utilizou-se ainda o teste de Kruskal-Wallis para avaliar as diferenças entre as medidas aferidas e autorrelatadas do peso corporal, estatura e IMC, em função das variáveis demográficas, socioeconômicas e estado nutricional, analisadas separadamente por sexo. O teste de Mann-Whitney foi utilizado para analisar essas diferenças em função da presença de sintomas depressivos.
Foi calculado o coeficiente de correlação intraclasse (CCI), e o intervalo de 95% de confiança (95% IC) para a avaliação da concordância entre as medidas aferidas e autorrelatadas de peso corporal, estatura e IMC, na amostra total e por sexo, em relação às variáveis demográficas, socioeconômicas e à presença de sintomas depressivos. O CCI é uma medida relativa que indica a proporção da variância total que se deve à diferença entre os indivíduos da amostra, sendo que o 1-CCI indica a proporção da variância devida à discrepância entre as medidas aferidas e autorrelatadas21; embora uma proporção não possa assumir valores negativos, isso pode ocorrer por imprecisão da aproximação de valores no cálculo22,23. Já a concordância entre as categorias de IMC calculado a partir das medidas aferidas e a partir dos dados autorrelatados foi avaliada pelo coeficiente Kappa, com ponderação. A concordância entre os dados aferidos e autorrelatados também foi demonstrada através das análises gráficas de Bland & Altman, que identificam a diferença entre essas medidas e mostram os limites de concordância de 95%24.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (processo 792/03).
RESULTADOS
Um total de 766 respondentes foi avaliado em ambas as fases do estudo. Essa amostra é composta em sua maioria por mulheres (n=438; 57.2%), adultos com idade entre 35-49 anos (n=358; 46,8%) e com escolaridade entre 9-11 anos de estudo (n=273; 35,6%) (Tabela 1).
Caracterização da amostra total e por sexo segundo variáveis demográficas, socioeconômicas, estado nutricional e sintomas depressivos em participantes do Estudo Epidemiológico dos Transtornos Mentais São Paulo Megacity (SPMC). São Paulo, 2005-2007
Quando comparada a distribuição populacional entre os sexos, houve diferença significativa para a variável socioeconômica, na qual se observa maior percentual de homens entre os maiores quintis de renda. Por outro lado, o percentual de mulheres é maior entre os menores quintis, quando comparado ao dos homens. A presença de sintomas depressivos também difere significativamente, encontrando-se maior prevalência entre as mulheres (Tabela 1).
Tanto os homens quanto as mulheres subestimaram o peso corporal e superestimaram a estatura. No entanto, essas discrepâncias foram maiores entre as mulheres (Tabela 1).
A prevalência de excesso de peso nessa população, considerando as medidas de peso corporal e estatura aferidas, foi de 63,9% (n=486) para a amostra total, 66,8% (n=219) entre homens e 60,9% (n=267) entre mulheres. Porém, ao considerar as medidas autorrelatadas, o excesso de peso está presente em 50,9% (n=376) dos participantes (34,9% de sobrepeso e 16% de obesidade), 56,4% (n=185) dos homens e 46,5% (n=191) das mulheres. Essa subestimativa é estatisticamente significativa tanto na amostra total (13,0%; p=0,000), como entre os homens (10,4%; p=0,008) e entre as mulheres (14,5%; p=0,000), e representa uma redução relativa na prevalência de excesso de peso de 20,4%, 15,6% e 23,8%, respectivamente.
Considerando a mudança no valor do IMC calculado a partir das medidas aferidas, 34,1% das mulheres e 27,2% dos homens encontravam-se, de fato, em 1 ou 2 categorias acima da classificação que foi calculada a partir das medidas autorrelatadas, e 4,9% das mulheres e 5,7% dos homens, em 1 categoria de IMC abaixo.
Ao analisar as diferenças obtidas entre o peso corporal aferido e autorrelatado em homens (Tabela 2), observou-se padrão contrário entre os extremos das categorias de estado nutricional, ou seja, há uma superestimativa de peso corporal autorrelatado em indivíduos com baixo peso (p<0,01) e uma subestimativa crescente nas outras categorias, dos indivíduos eutróficos para aqueles com obesidade grau 3. Essa mesma tendência foi observada em relação ao IMC, isto é, quanto maior o grau de excesso de peso, maior a subestimação do IMC calculado a partir das medidas autorrelatadas (p<0,01). Para as demais variáveis não foram encontradas diferenças significativas (Tabela 2).
Distribuição (Média e desvio-padrão/DP) da diferença1 1 Valores negativos indicam superestimativa e valores positivos, subestimativa das medidas; entre os dados aferidos e autorrelatados de peso corporal, estatura e IMC, segundo variáveis demográficas, socioeconômicas, estado nutricional e sintomas depressivos, em participantes do sexo masculino do estudo Estudo Epidemiológico dos Transtornos Mentais São Paulo Megacity (SPMC). São Paulo, 2005-2007
Entre as mulheres, uma tendência semelhante foi observada (Tabela 3). Quanto maior o grau de excesso de peso, mais subestimado é o peso corporal autorrelatado (p<0,01) e, consequentemente, o valor de IMC obtido através dessa medida (p<0,01), e ambos são mais superestimados no outro extremo da categoria de classificação de IMC (baixo peso). Observou-se também uma magnitude crescente da superestimativa da estatura com o aumento da idade (p=0,025) e a diminuição da escolaridade (p=0,031) (Tabela 3).
Distribuição (Média e desvio-padrão/DP) da diferença1 1 Valores negativos indicam superestimativa, e valores positivos, subestimativa das medidas; entre os dados aferidos e autorrelatados de peso corporal, estatura e IMC, segundo variáveis demográficas, socioeconômicas, estado nutricional e sintomas depressivos, em participantes do sexo feminino do Estudo Epidemiológico dos Transtornos Mentais São Paulo Megacity (SPMC). São Paulo, 2005-2007
A concordância entre as medidas aferidas e autorrelatadas de peso corporal, estatura e IMC foi elevada, como indicado pelos valores do CCI em ambos os sexos (Tabela 4) e na amostra total (valores não apresentados na tabela: peso CCI 0,95% IC 0,94-0,96; estatura CCI 0,87 95% IC 0,60-0,94; IMC CCI 0,87 95% IC 0,68-0,93). Com base na sobreposição dos intervalos de confiança, não houve diferenças significativas na concordância entre os valores aferidos e autorrelatados nas categorias das variáveis demográficas, socioeconômicas, estado nutricional e presença de sintomas depressivos. Também não foram observadas diferenças entre homens e mulheres (Tabela 4).
Coeficiente de Correlação Intraclasse (CCI), segundo variáveis demográficas, socioeconômicas, estado nutricional e sintomas depressivos, em participantes do Estudo Epidemiológico dos Transtornos Mentais São Paulo Megacity (SPMC). São Paulo, 2005-2007
Esses resultados podem ser visualizados através do método de plotagem de Bland & Altman (Figura 1), que mostra diferenças de pequena magnitude entre as medidas autorrelatadas e aferidas. Isso é visualizado pelo traçado das linhas horizontais que se situam próximas do valor zero. Além disso, a posição dessas linhas em relação ao valor zero mostra a tendência de subestimativa do peso corporal e do IMC e de superestimativa da estatura.
Diferença entre medidas aferidas e autorrelatadas: Peso corporal (A), Estatura (B) e IMC (C). São Paulo, 2005-2007.
A concordância encontrada entre as categorias de IMC calculado a partir das medidas aferidas e a partir das autorrelatadas foi avaliada pelo coeficiente de Kappa com base na classificação de Landis & Koch21, e mostrou-se quase perfeita, tanto na amostra total (Kappa ponderado 0,85) como em ambos os sexos (mulheres 0,84; homens 0,87).
DISCUSSÃO
Este estudo identificou índices elevados de concordância entre as medidas autorrelatadas e aferidas de peso corporal e estatura, ainda que tenha havido uma subestimativa do peso corporal e superestimativa da estatura, tanto em homens como entre as mulheres, influenciando a avaliação do estado nutricional através do cálculo do IMC. Esse padrão de discrepância na autoavaliação independente do sexo também foi observado em outros estudos12,13,16. No entanto, a magnitude dessas discrepâncias é maior entre as mulheres, como observado por outros autores6,16. Esse achado pode ser decorrente da maior valorização do estereótipo feminino alto e magro na cultura ocidental25 e da insatisfação com a imagem corporal, maior entre as mulheres quando comparadas aos homens26.
A subestimativa de peso corporal mostra-se diretamente proporcional ao peso real, tanto em homens como entre mulheres, observando-se uma relação do tipo dose-resposta, em que quanto maior o grau de excesso de peso, maior a subestimação. Já entre indivíduos mais leves, há uma superestimativa do peso corporal em ambos os sexos. Estes resultados foram encontrados em outros estudos, tanto na população adulta11 como também entre idosos27 e adolescentes28.
Mulheres de maior idade e menor escolaridade superestimaram mais a sua estatura, possivelmente por desconhecimento da medida atual pela perda decorrente do processo de envelhecimento29, para aquelas mais velhas, ou pela falta de aferição e compreensão dessa informação, para aquelas menos escolarizadas.
Vale destacar que a avaliação da confiabilidade de informações antropométricas autorrelatadas em indivíduos que preencheram critérios diagnósticos para depressão nos últimos 30 dias não foi realizada em nenhum outro estudo de que se tenha conhecimento. Assim, pode-se afirmar que a presença de sintomas depressivos não teve impacto diferencial na capacidade de autopercepção e autorrelato do peso corporal e estatura em relação àqueles sem depressão, em ambos os sexos.
Os resultados deste estudo devem ser analisados à luz de algumas considerações. O tempo decorrido entre a entrevista domiciliar, em que as informações de peso corporal e estatura foram autorrelatadas, e a coleta de dados em âmbito hospitalar, onde essas medidas foram aferidas, não foi considerado na análise, podendo ter ocorrido alguma variação real do peso corporal dos respondentes avaliados entre uma fase e outra. No entanto, não haveria justificativa para considerar que essa variação tenha sido diferencial em função do tempo decorrido, podendo, portanto, resultar em variação positiva ou negativa e, assim, não introduzir erros sistemáticos. Além disso, amostra avaliada na fase hospitalar, objeto desta análise, deriva de um estudo transversal de base populacional, representativo da população adulta residente na Região Metropolitana de São Paulo. Esta subamostra não diferiu significativamente da amostra de origem com relação à distribuição por sexo, faixa etária, escolaridade, renda per capita, prevalência de depressão atual e de qualquer transtorno mental comum. Ainda, considerando que esta subamostra não foi selecionada com base nos objetivos propostos neste estudo, verificou-se que esse tamanho amostral garante valores de poder estatístico nas análises de CCI conduzidas (e apresentadas na Tabela 4) maiores do que 80% (erro tipo II de 20%) em todas as comparações realizadas, com significância de 5%, de acordo com o método de cálculo de tamanho amostral para estudos de confiabilidade usando o CCI30. Assim, este estudo apresenta um diferencial em relação a estudos anteriores, que avaliaram a validade do uso de medidas autorrelatadas em amostras clínicas ou de conveniência e não na população geral. Por fim, não foram identificados e excluídos da análise respondentes com problemas graves de saúde que pudessem causar perda de peso abruptamente, mas considerando que não se trata de uma amostra clínica, é esperado que a prevalência desse tipo de ocorrência seja baixa e, portanto, não teria impacto significativo nos achados deste estudo, que seria na direção de reduzir a subestimativa do peso autorrelatado, pois a informação domiciliar foi colhida anteriormente à aferição hospitalar.
Apesar da concordância elevada entre as medidas individuais aferidas e autorrelatadas de peso corporal e estatura, também demonstrada por outros autores16,31, o cálculo do IMC delas decorrente e a subsequente classificação do estado nutricional produzem estimativas da prevalência de sobrepeso e obesidade significativamente díspares, com uma importante subestimativa do excesso de peso populacional (13% para a amostra total, 10,4% entre os homens e 14,5% entre as mulheres). Isso decorre da tendência à superestimativa da estatura11 e à subestimativa do peso corporal13, sendo esta última ainda mais pronunciada entre os respondentes com obesidade.
Assim, a utilização de medidas autorrelatadas na identificação da prevalência de sobrepeso e de obesidade nas populações, como é frequente em inquéritos populacionais, incorre em uma importante subestimativa do risco populacional de morbidade, incapacitação e mortalidade prematura por doenças cardiovasculares e metabólicas associadas ao excesso de peso. Seria, portanto, necessário considerar características específicas e individuais que influenciam diretamente o autorrelato dessas informações para a construção de modelos matemáticos de ajuste dos valores autorrelatados, aumentando, assim, a sua fidedignidade. Considerando que a utilização de dados autorrelatados é uma importante fonte de informação, já que não é factível a aferição direta de medidas antropométricas em inquéritos populacionais, essas estratégias de correção permitiriam uma melhor caracterização do estado nutricional e avaliação do excesso de peso, que caracterizam e determinam, em muitos aspectos, as condições de saúde da população.
Apesar da concordância elevada entre as medidas autorrelatadas e aferidas de peso corporal e estatura, o autorrelato pode ser influenciado por diversos fatores e resultar, respectivamente, em subestimativa e superestimativa dessas medidas. Assim, a utilização do IMC calculado a partir dos dados autorrelatados em inquéritos populacionais produz uma importante subestimativa do excesso de peso na população geral e, consequentemente, do risco de morbimortalidade por doenças a ele associadas. Nesse sentido, a construção e aplicação de equações de correção das medidas autorrelatadas pode se constituir em estratégia relevante do ponto de vista da saúde pública.
AGRADECIMENTOS
O Estudo Epidemiológico dos Transtornos Mentais São Paulo Megacity foi apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP 03/00204-3), e o desenvolvimento de instrumentos foi apoiado pelo Fundo de Apoio à Ciência e Tecnologia de Vitória (FACITEC 002/2003). O estudo São Paulo Megacity faz parte de um consórcio da Organização Mundial da Saúde (World Mental Health Survey) e das Universidades de Harvard e Michigan.
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Trabalho realizado na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) – Vitória (ES), Brasil.
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Fonte de financiamento: nenhuma.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
27 Jun 2019 -
Data do Fascículo
Apr-Jun 2019
Histórico
-
Recebido
22 Maio 2018 -
Aceito
13 Dez 2018