Resumo
Introdução O baixo peso em idosos se relaciona a vários comportamentos e condições de saúde, e sua prevalência é pouco disponível na literatura. Os diferentes pontos de corte, usualmente utilizados, assim como a definição etária dessa população, dificultam comparações.
Objetivo Estimar as prevalências de baixo peso para todas as capitais brasileiras, Distrito Federal e regiões, considerando-se diferentes recortes de idade e pontos de corte para o Índice de Massa Corporal (IMC).
Método Foram utilizados os dados do inquérito telefônico Vigitel de 2015 para idosos com idade ≥ 60 anos (n = 18.726) e ≥ 65 anos (n = 13.349). Foram estimadas as prevalências e os respectivos intervalos de confiança de 95% para valores de IMC < 18,5 kg/m2, ≤ 22,0 kg/m2 e ≤ 23,0 kg/m2.
Resultados Para os idosos com idade ≥ 60 anos, as prevalências de baixo peso para os pontos de corte < 18,5 kg/m2, ≤ 22,0 kg/m2 e ≤ 23,0 kg/m2 foram de 2,6%, 14,7% e 21,7%, respectivamente. Entre aqueles com idade ≥ 65 anos, as prevalências foram de 3,5%, 16,1% e 22,9%, respectivamente, para os referidos pontos de corte.
Conclusão As prevalências de baixo peso foram similares por recorte etário, independentemente do critério considerado. No entanto, elas divergiram de forma importante, a depender do ponto de corte utilizado para a classificação do IMC.
Palavras-chave: idoso; índice de massa corporal; peso corporal; prevalência; inquérito de saúde
Abstract
Background Underweight in the older adults is associated with various behaviors and health conditions, and information on its prevalence is little available in the literature. The different cutoff points used as well as the age definition of this population make comparisons difficult.
Objective To estimate the prevalence of underweight in older adults for all Brazilian state capitals, the Federal District, and regions considering different age groups and cutoff points for Body Mass Index (BMI).
Method We used data from the Vigitel Brasil 2015 telephone survey for older adults aged ≥60 (n=18,726) and ≥65 years (n=13,349). We estimated the prevalence rates and respective 95% confidence intervals (95% CI) for BMI values <18.5, ≤22.0 and ≤23.0 kg/m2.
Results For Brazilian older adults aged ≥60 years, the underweight prevalence rates for cutoff points <18.5, ≤22.0 and ≤23.0 kg/m2 were 2.6, 14.7 and 21.7%, respectively. Among those aged ≥65 years, prevalence rates of 3.5, 16.1 and 22.9% were observed for these cutoff points.
Conclusion The underweight prevalence rates were similar for each age group regardless of the criterion considered; however, they differed significantly depending on the cutoff point used for BMI classification.
Keywords: older adults; body mass index; body weight; prevalence; health survey
INTRODUÇÃO
O envelhecimento é um processo heterogêneo que envolve mudanças metabólicas, psicológicas e sociais que podem impactar no estado de saúde e nutrição dos idosos1,2. Condições frequentes, como perda de apetite, dificuldade de deglutição, dependência para se alimentar, uso excessivo de medicamentos, entre outras, constituem fatores de risco para a desnutrição nos idosos3.
O baixo peso e a perda de peso também aumentam o risco de desnutrição2, associada à diminuição da capacidade funcional, da qualidade de vida, maior prevalência de fragilidade, sarcopenia, infecções e mortalidade3,4. No Canadá, um estudo de coorte de base populacional com adultos e idosos (≥ 40 anos) verificou que, independentemente da porcentagem de gordura corporal, o risco de óbito era maior nos subgrupos com baixo Índice de Massa Corporal (IMC): mulheres classificadas nos quintis 1 (≤ 22,52 kg/m2) e 2 (22,53-24,99 kg/m2) e homens no quintil 1 (≤ 23,85 kg/m2) da distribuição do IMC5. Em países europeus, o tratamento da desnutrição e das doenças relacionadas em idosos, demanda parte importante dos recursos destinados à saúde6,7.
O baixo peso e a desnutrição vinculam-se às desigualdades nas condições de vida, refletindo-se nas oportunidades de acesso à educação, renda, serviços de saúde de qualidade, alimentação saudável, políticas públicas de promoção da saúde e apoio social8,9. A avaliação e o monitoramento do estado nutricional dos idosos brasileiros tornam-se essenciais em um país marcado pela desigualdade social e coexistência de condições nutricionais relacionadas a carências e excessos, bem como pelo acelerado crescimento populacional desse segmento etário.
Diante da importância do baixo peso como indicador de condição de vida e saúde, em idosos a falta de consenso na definição do ponto de corte para o baixo peso com base no IMC se reflete em diferenças na sua prevalência. Pontos de corte distintos e definição etária dessa população dificultam comparações. O objetivo deste trabalho foi estimar as prevalências de baixo peso para todas as capitais brasileiras, Distrito Federal e regiões, considerando-se diferentes recortes de idade e pontos de corte para o IMC.
MÉTODO
Foram utilizados os dados de indivíduos com idade ≥ 60 anos (n = 18.726) e ≥ 65 anos (n = 13.349) do inquérito telefônico Vigitel de 2015, realizado nas capitais brasileiras e no Distrito Federal. Trata-se de um estudo transversal de base populacional com a seleção de amostra probabilística de adultos e idosos (≥ 18 anos) residentes em domicílios servidos por pelo menos uma linha de telefone fixo.
O sistema define um tamanho amostral mínimo de aproximadamente 2.000 indivíduos em cada uma das cidades para estimar, com coeficiente de confiança de 95% e erro máximo de 2%, a frequência de qualquer fator de risco nessa população10. O processo amostral da pesquisa foi realizado em duas etapas, cujo detalhamento se encontra publicado11.
Considerando-se que a amostra foi extraída a partir do cadastro das linhas telefônicas residenciais existentes em cada cidade, foi possível fazer inferências populacionais para a população adulta e idosa residente em domicílios cobertos pela rede de telefonia fixa, que, embora crescente, não é universal, podendo ser menor em algumas localidades e em subgrupos com menor nível socioeconômico11,12. A descrição do processo de ponderação para a obtenção do peso amostral, assim como do uso de um peso de pós-estratificação calculado pelo método rake13 – que objetiva a inferência estatística dos resultados para população com idade ≥ 18 anos de cada cidade –, está disponível em publicação divulgada pelo Ministério da Saúde11. Ressalta-se que o peso pós-estratificação permite igualar a composição sociodemográfica estimada para a população adulta e idosa com telefone de cada cidade com a composição sociodemográfica que se estima para a população total (≥ 18 anos)11.
A prevalência de baixo peso foi estimada de acordo com os pontos de corte propostos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) (IMC < 18,5 kg/m2)14, Lipschitz (IMC ≤ 22,0 kg/m2)15 e Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) (IMC ≤ 23,0 kg/m2)16. Foram utilizadas as medidas de peso e altura, ambas autorreferidas pelas questões “O(a) sr.(a) sabe seu peso (mesmo que seja valor aproximado)?” e “O(a) sr.(a) sabe sua altura?”, levando-se em conta os pesos relativos ao delineamento amostral complexo do inquérito.
Durante o contato telefônico, os indivíduos foram informados sobre os objetivos da pesquisa, e o consentimento livre e esclarecido foi substituído pelo consentimento verbal. O estudo foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa em Seres Humanos, do Ministério da Saúde, sob Parecer nº 355.590, de 26 de junho de 2013.
Para os casos em que os entrevistados desconheciam/não quiseram informar o seu peso ou altura (7,7% e 11,2%, respectivamente), foram atribuídos valores mediante o uso da técnica de imputação simples hot deck, usada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O procedimento consiste na identificação das variáveis associadas à ausência de resposta. Para tanto, foi investigada a associação entre a ausência de resposta e as variáveis idade, sexo, escolaridade e raça/cor. O modelo resultante permite a criação de grupos de respondentes e não respondentes com características semelhantes para as variáveis preditoras de não resposta. Finalmente, em cada capital, é selecionada aleatoriamente, dentro de cada grupo, uma pessoa com informações conhecidas, cujos dados serão replicados para o não respondente do mesmo grupo11.
RESULTADOS
Na Tabela 1, são apresentadas as prevalências de baixo peso para as capitais dos estados brasileiros, para o total das capitais nas regiões e Distrito Federal, e para o conjunto das capitais do Brasil, classificadas segundo o recorte etário e o IMC. Para os idosos com idade ≥ 60 anos, a prevalência para os pontos de corte < 18,5 kg/m2, ≤ 22,0 kg/m2 e ≤ 23,0 kg/m2 foram de 2,6% (IC95%: 2,1-3,4), 14,7% (IC95%: 13,5-16,0) e 21,7% (IC95%: 20,3-23,2), respectivamente. Naqueles com idade ≥ 65 anos, as prevalências foram de 3,5% (IC95%: 2,7-4,6), 16,1% (IC95%: 14,6-17,6) e 22,9% (IC95%: 21,2-24,6), respectivamente, para os referidos pontos de corte.
Prevalência de baixo peso em idosos para as capitais dos estados brasileiros, para o total das capitais nas regiões e Distrito Federal, e para o conjunto das capitais do Brasil, de acordo com os pontos de corte para o IMC e a idade. Vigitel, 2015
DISCUSSÃO
As prevalências de baixo peso, de acordo com o recorte etário, foram similares, independentemente do critério considerado. No entanto, elas divergiram de forma importante, a depender do ponto de corte utilizado. O ponto de corte proposto pela OMS para a população adulta em geral determinou as menores prevalências de baixo peso nos idosos. Já os pontos de corte que consideram as mudanças na composição corporal decorrentes do envelhecimento resultaram em maiores prevalências de baixo peso, principalmente o da OPAS. No Brasil, o Ministério da Saúde/SISVAN17 recomenda o critério de Lipschitz para a classificação do IMC de idosos (≥ 60 anos).
O IMC é uma medida indicada para o rastreamento e o diagnóstico inicial do estado nutricional da população17. A escolha de critérios com pontos de corte mais elevados para definir baixo peso permite o rastreio de um conjunto maior de idosos, restringindo a perda de casos na população investigada. Desse modo, o uso de pontos de corte mais altos terá implicações na prevenção de agravos à saúde decorrentes do baixo peso, como a desnutrição e a mortalidade. Em avaliações populacionais do estado nutricional, as condições de vida e saúde do idoso devem ser consideradas. Um maior ponto de corte pode superestimar a prevalência de baixo peso, no entanto também maior será a inclusão de indivíduos na categoria de risco que podem se beneficiar de orientações e intervenções para a melhoria de sua condição nutricional.
Entre as limitações deste estudo, deve ser considerado o uso de medidas autorreferidas de peso e altura, porém essa informação é utilizada na pesquisa epidemiológica, tanto no contexto nacional quanto internacional18,19, assim como a restrição da amostra aos indivíduos que possuíam linha telefônica residencial fixa e as menores coberturas de serviços de telefonia nas regiões Norte e Nordeste. Nas regiões metropolitanas do Sul, Sudeste e Centro-Oeste com cobertura telefônica acima de 70%, os vícios observados, excluindo-se domicílios sem telefone fixo, são desprezíveis12. O peso de pós-estratificação de cada indivíduo, calculado pelo método rake, usa procedimentos iterativos com sucessivas comparações entre estimativas da distribuição de cada variável sociodemográfica na amostra e na população total das cidades consideradas13, permitindo que as estimativas sejam extrapoladas para a totalidade11.
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Como citar: Francisco PMSB, Assumpção D, Borim FSA, Bacurau AGM, Malta DC. Baixo peso em idosos segundo idade e pontos de corte do Índice de Massa Corporal. Cad Saúde Colet, Ano; Ahead of Print. https://doi.org/
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Trabalho realizado no Departamento de Saúde Coletiva, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) - Campinas (SP), Brasil.
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Fonte de financiamento: nenhuma.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
23 Ago 2021 -
Data do Fascículo
Sep-Oct 2021
Histórico
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Recebido
02 Jan 2019 -
Aceito
02 Mar 2020