Resumo
Introdução A educação alimentar e nutricional é um campo de conhecimento e de prática contínua e permanente, que objetiva promover hábitos alimentares saudáveis.
Objetivo Apresentar desafios e fortalezas das ações de educação alimentar e nutricional realizadas no Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A em municípios de Minas Gerais, no contexto da Atenção Primária à Saúde.
Método Estudo transversal realizado em 105 municípios. Participaram 202 profissionais, enfermeiros e nutricionistas, que responderam a um questionário on-line.
Resultados Falta de adesão, dificuldade de acesso à população, ausência de referência técnica e do profissional nutricionista, falhas nas atividades em grupos, apoio insuficiente da gestão municipal, da comunidade e da liderança da referência do Programa foram algumas das dificuldades relatadas quanto à realização das ações da educação alimentar e nutricional. Como ponto positivo, foi identificada a realização de ações de apoio à amamentação exclusiva.
Conclusão Os resultados apontam para importantes elementos para subsidiar a tomada de decisão na Atenção Primária à Saúde em relação às ações educativas no campo da alimentação e nutrição.
Palavras-chave: educação alimentar e nutricional; deficiência de vitamina A; atenção primária à saúde
Abstract
Background Food and nutrition education is a field of knowledge and continuous and permanent practice, which aims to promote healthy eating habits.
Objective to present challenges and strengths of food and nutrition education actions carried out in the National Vitamin A Supplementation Program in municipalities of Minas Gerais, in the context of Primary Health Care.
Method This is a cross-sectional study carried out in 105 municipalities. A total of 202 professionals, nurses, and nutritionists participated, who answered an online questionnaire.
Results Lack of adherence and difficulty in accessing the population, lack of technical and professional nutritionist reference, failures in group activities, insufficient support from the municipal management, the community, and the leadership of the Program's reference were some of the difficulties reported in terms of achievement actions of food and nutrition education. As a positive point, actions to support exclusive breastfeeding were identified.
Conclusion The results point to important elements to support decision-making in primary health care about educational actions in the field of food and nutrition.
Keywords: food and nutrition education; vitamin A deficiency; primary health care
INTRODUÇÃO
Enquanto prática organizadora, a educação alimentar e nutricional (EAN) surgiu no Brasil na década de 1930, porém de maneira descontextualizada e visando atender estritamente à necessidade biológica dos indivíduos. Até a década de 1990, por causa dessa abordagem fora de contexto, embasada em práticas que apenas valorizavam a dimensão nutricional dos alimentos e desconsideravam os aspectos culturais e sensoriais, a EAN era frequentemente questionada e pouco valorizada no âmbito das políticas públicas. Entretanto, o acúmulo de evidências científicas que enfatizam a relação entre os hábitos alimentares e o aumento, em todo o mundo, das doenças crônicas, como as doenças cardiovasculares, diabetes, hipertensão arterial e alguns tipos de câncer, fez com que a EAN fosse reconhecida como uma medida necessária para a formação e a proteção de hábitos saudáveis1,2.
Atualmente, a Promoção da Alimentação Adequada e Saudável é uma das diretrizes da Política Nacional de Alimentação e Nutrição3 e integra um eixo estratégico da Política Nacional de Promoção da Saúde4. Com o intuito de enfatizar a teoria e de respaldar a prática, em 2012 a Coordenação Geral de Educação Alimentar e Nutricional, do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, desenvolveu o Marco de Referência de Educação Alimentar e Nutricional para as Políticas Públicas, documento que define a EAN como “campo de conhecimento e de prática contínua e permanente, transdisciplinar, intersetorial e multiprofissional que visa promover a prática autônoma e voluntária de hábitos alimentares saudáveis”1.
Nos últimos anos, o desenvolvimento de discussões sobre a EAN tem se aprofundado, tornando-se objetivo compartilhado por diferentes ministérios. Todavia, Greenwood e Fonseca2 e França e Carvalho5 vêm chamando atenção que, mesmo diante de avanços e acúmulos de conhecimento sobre a EAN, seu campo de atuação não está claramente definido, fazendo-se necessária uma deliberação política para o desenvolvimento das ações de EAN dentro da Atenção Primária à Saúde (APS), com descrição dessas atividades nos planos municipais de saúde e no planejamento das práticas educativas. Para isso, é preciso maior investimento em estudos que favoreçam a promoção de práticas no âmbito da EAN.
No Brasil, as carências de micronutrientes estão entre os desvios nutricionais de grande preocupação da saúde pública, demandando, além de intervenções para aumentar a disponibilidade de alimentos e acesso a eles, investimento em programas de EAN. Entre essas carências, a deficiência de vitamina A (DVA) se destaca como importante problema nutricional no público infantil. A Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher, único inquérito realizado em 2006 que avaliou a dosagem sérica de retinol, revelou prevalência de 17,4% de níveis inadequados de vitamina A (VA) entre crianças de 6 a 59 meses, com diferenças regionais marcantes6. Estudos mais recentes apontam que a DVA continua sendo um problema de saúde pública no país, encontrando prevalências dessa deficiência de 19,19% entre crianças de 6 a 12 meses em Viçosa, Minas Gerais7, de 14% em Goiânia8, de 16,1% entre menores de 5 anos em Pernambuco9, de 27,8% entre crianças de 7 a 14 anos em Salvador, Bahia10, e de 18% em crianças de 12 a 15 meses em Rio Branco, Acre11.
Desde a década de 1980, o Ministério da Saúde (MS) promove ações para a prevenção e o controle da DVA. Ao longo dos anos, essas ações foram expandidas e fortalecidas, culminando na criação, em 2005, do Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A (PNSVA), que regulamenta as ações de EAN para a prevenção da DVA e a suplementação profilática medicamentosa de VA para crianças de 6 a 59 meses12.
Apesar dos avanços da implantação do PNSVA para a superação da DVA, incluindo a valorização da EAN para a promoção do consumo alimentar adequado, Rodrigues e Roncada13, ao investigarem a trajetória da EAN nos programas oficiais de controle da DVA no país, revelaram que, ao longo dos últimos 40 anos, essas ações não se efetivaram ou sofreram interrupções, ocorrendo de forma temporária e sem avaliação. De acordo com os autores, a EAN não recebeu a mesma divulgação e investimento nas políticas públicas de saúde voltadas à prevenção da deficiência no país quando comparada a outras ações, como o enriquecimento ou a fortificação de alimentos e a distribuição periódica de suplementos de VA13.
Diante da importância da EAN no contexto da prevenção da DVA, a presente investigação teve por objetivo apresentar os desafios e as fortalezas das ações de EAN realizadas no PNSVA em municípios do estado de Minas Gerais, no contexto da APS.
MÉTODO
Estudo transversal realizado com profissionais enfermeiros e nutricionistas da APS de municípios de Minas Gerais, nos meses de setembro e outubro de 2017. A definição dos municípios convidados a participar desta investigação levou em consideração o interesse da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES/MG) naqueles municípios em que as ações para a prevenção da DVA foram implantadas ainda na década de 1980, quando foram iniciadas as ações de controle da DVA no país. Tal cenário contemplou 177 municípios pertencentes ao Vale do Jequitinhonha, Mucuri e região norte do estado.
Para a elaboração do instrumento de coleta, foi realizado previamente um estudo de avaliabilidade (EA) do PNSVA14. O EA, que teve como propósito planejar a avaliação, possibilitou compreender a intervenção em profundidade e planejar a forma e o foco das avaliações posteriores. Esse estudo foi realizado em 2017 a partir da análise de documentos técnicos e do arcabouço legal das ações de controle da DVA realizadas no país, visitas à SES/MG para verificar como era a operacionalização do Programa nos municípios e a identificação de stakeholders que poderiam contribuir para a avaliação e apoiá-la14.
Os resultados do EA subsidiaram a elaboração de perguntas avaliativas referentes à estrutura e à realização das atividades pretendidas no contexto do Programa, além de uma pergunta relacionada à categoria profissional. Essas perguntas foram dispostas em dois questionários, uma vez que se considerou a necessidade da participação de diferentes atores envolvidos com o PNSVA em nível municipal para respondê-las: um direcionado à gestão do Programa (a ser respondido pela referência técnica do PNSVA no município, ou seja, o gestor municipal do Programa) e outro direcionado à assistência (profissionais enfermeiros e nutricionistas da APS). As perguntas tiveram seu conteúdo validado pela técnica Delphi, que contou com a participação de doutores e especialistas no campo da nutrição e representantes do Programa no Ministério da Saúde, na SES/MG, nas Gerências Regionais de Saúde (GRS) e em municípios de Minas Gerais. Após a validação, o questionário destinado à gestão do Programa contemplou 29 questões, e aquele destinado aos profissionais, 37 questões, abordando aspectos de estrutura e processo do PNSVA14.
Após a validação, os questionários foram encaminhados via e-mail por meio do software LimeSurvey, em que as respostas eram salvas automaticamente, para as referências técnicas e profissionais enfermeiros e nutricionistas dos 177 municípios mineiros. Para a divulgação da investigação, foi realizado contato prévio da SES/MG com as Secretarias Municipais de Saúde, além de convite direto aos possíveis participantes pelas referências técnicas do Programa nas GRS. Foi realizado contato com os participantes via telefone pelos pesquisadores e quatro tentativas de encaminhamento via e-mail dos questionários. A partir do quarto convite, caso não respondido, o indivíduo era excluído da amostra.
A presente investigação, ao interessar-se pela temática de EAN no contexto do PNSVA, teve como foco as perguntas que contemplaram o assunto. Foram analisadas 16 perguntas, incluídas no questionário destinado à assistência, sendo 3 questões abertas e 13 de múltipla escolha que abordavam: a disponibilidade de materiais de apoio; as dificuldades encontradas para a realização de ações de EAN; a realização de capacitações; a frequência de apoio à amamentação exclusiva e continuada e ao consumo de alimentos fonte de VA pela gestante e crianças em atividades educativas individuais e coletivas; a percepção de apoio às ações do PNSVA por parte do serviço de saúde do município e da comunidade; e a avaliação da liderança da referência técnica municipal do Programa.
Foram realizadas análises descritivas, e, para verificar a associação entre a formação profissional e a frequência de realização de ações de EAN, foi feito o teste exato de Fisher, adotando um nível de significância de < 0,05, com o auxílio do Statistical Package for the Social Sciences (SPSS). As respostas às questões abertas foram agrupadas em diferentes temas, a partir das respostas dos profissionais sobre as dificuldades encontradas para a realização das ações de EAN.
A avaliação do PNSVA no estado de Minas Gerais foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto René Rachou, Fiocruz Minas (CAAE: 57957316.6.0000.5091). Além do questionário, foi encaminhado a cada possível participante o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, respondido virtualmente, sendo o anonimato garantido por meio do uso de códigos para a identificação.
RESULTADOS
Participaram do estudo 202 profissionais da APS que responderam ao questionário em sua completitude, pertencentes a 105 municípios mineiros, sendo que 172 (85%) eram enfermeiros e 30 (15%) eram nutricionistas.
Questionados a respeito da frequência, no último ano, de capacitações, cursos ou oficinas sobre a alimentação saudável abordando a prevenção da DVA, 170 (84%) profissionais alegaram não ter recebido qualquer tipo de capacitação, 30 (15%) relataram ter recebido de uma a duas capacitações e 2 (1%) receberam de três a quatro capacitações.
Entre os profissionais que receberam alguma capacitação, mais da metade (60%) alegou que ela foi oferecida por profissionais da GRS à qual o município pertence e os demais alegaram que foram capacitados por profissionais da APS do município, incluindo a referência técnica do Programa e nutricionista.
Em relação à disponibilidade de materiais de apoio para a realização das ações de EAN nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), 107 (53%) profissionais relataram não haver disponibilidade. Naquelas unidades em que havia algum material, foram citados cartazes, cartilhas, panfletos e manuais.
Na Tabela 1 está apresentada a frequência de ações de EAN realizadas pelos profissionais nutricionistas e enfermeiros dos municípios investigados. É possível observar que a ação com maior frequência foi o apoio à amamentação exclusiva durante consultas de acompanhamento de crescimento e desenvolvimento infantil. Foi consenso entre os enfermeiros (89%) e nutricionistas (80%) que esse apoio era sempre feito na rotina do serviço.
Frequência de ações de educação alimentar e nutricional (EAN) realizadas por profissionais da Atenção Primária à Saúde (APS) em municípios de Minas Gerais, 2017
Em contrapartida, entre as ações menos frequentes na rotina dos profissionais, é possível destacar o apoio ao responsável para a inclusão de alimentos fonte de VA na alimentação complementar da criança, a amamentação continuada e a inclusão de alimentos fonte de VA na alimentação da gestante durante as atividades realizadas em grupos. De forma geral, foi observada menor frequência de realização de atividades de EAN direcionadas para grupos de gestantes ou mães em comparação às consultas individuais.
Não houve diferença estatisticamente significativa na frequência de ações de EAN entre as categorias profissionais (Tabela 1).
Na Figura 1 estão apresentadas as frequências das respostas às questões abertas que foram agrupadas em: falta de material de apoio, falta de capacitação, falta de adesão às ações pelos responsáveis pelas crianças, falta de empenho dos profissionais, dificuldade de acesso à população, falta de referência técnica no município, falta do profissional nutricionista e baixo poder aquisitivo da população.
Dificuldades relatadas pelos profissionais de saúde para a realização de ações de educação alimentar e nutricional (EAN) para a prevenção da deficiência de vitamina A (DVA), Minas Gerais, 2017
Entre os profissionais, 83 (41%) relataram que a falta de material de apoio, sendo citados cartazes, cartilhas, panfletos e vídeos, era uma grande dificuldade para a execução das ações de EAN na APS desses municípios. A falta de capacitação, tanto por parte da GRS quanto do município, foi citada como um dificultador para a realização dessas ações por 49 (24%) dos profissionais. Dificuldades quanto à adesão da população, especialmente para as atividades realizadas em grupos, foram identificadas por 26 (13%) entrevistados. Foram reconhecidos ainda outros dificultadores para a realização da EAN: falta de empenho e envolvimento dos demais profissionais da APS com as ações de EAN; dificuldade de acesso à população, uma vez que a zona rural de parte dos municípios era muito extensa e o transporte público era inexistente ou precário; falta da identificação de referência técnica que respondesse pelas ações do Programa no município; ausência do profissional nutricionista; e ainda baixo poder aquisitivo da população.
A percepção de apoio às ações do PNSVA, relatada pelos profissionais quanto ao serviço de saúde do município e à comunidade, além da avaliação da liderança da referência técnica do Programa, está apresentada na Figura 2.
Percepção de apoio às ações do Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A (PNSVA) relatada pelos profissionais em relação ao serviço de saúde do município e à comunidade e avaliação da liderança da referência técnica municipal do Programa, Minas Gerais, 2017
O apoio para a realização das ações de EAN recebido do serviço municipal de saúde e da comunidade foi considerado ausente ou parcial por parte considerável dos entrevistados, 38% e 50%, respectivamente. A liderança da referência técnica municipal do PNSVA, por sua vez, foi classificada como regular ou ruim também por parte importante dos profissionais (39%).
DISCUSSÃO
No atual contexto, em que a promoção de práticas alimentares saudáveis prevalece como atividade estratégica para prevenção e controle de agravos nutricionais, a EAN apresenta-se como campo de conhecimento fundamental a ser contemplado pelos programas públicos de saúde. No âmbito do PNSVA, o presente trabalho permitiu identificar importantes desafios e fortalezas para a implementação de ações de EAN.
A falta de capacitação para a EAN com foco na prevenção da DVA foi reconhecida como importante dificultador para a efetivação das ações educativas. O Marco de Referência de EAN reforça que a educação permanente (EP) promove a valorização do tema de alimentação e nutrição pelos profissionais de saúde, favorecendo um olhar diferenciado sobre sua prática e a troca de saberes por meio de uma construção coletiva, além de possibilitar a mobilização da sociedade, a autonomia e a produção de materiais de apoio1.
Os desafios para a efetivação da EP voltada para a EAN, entretanto, são muitos, entre os quais está a escassez de profissionais aptos ao desenvolvimento dessas ações, a falta de compromisso dos profissionais e de envolvimento dos gestores locais, a pouca divulgação das experiências bem-sucedidas, a fragilidade no planejamento e na avaliação das ações de EP, a manutenção da prática tecnicista, as dificuldades no estabelecimento de parcerias com outros setores e universidades1,15, além da troca recorrente da gestão municipal de saúde, uma vez que as políticas ainda são vistas como partidárias ou de governo, e não como políticas públicas de Estado16.
A capacitação dos profissionais da APS sobre o PNSVA é uma responsabilidade compartilhada entre estado e município, sendo o estado responsável pela capacitação de recursos humanos para ações educativas de orientação alimentar e nutricional inerentes à prevenção e ao controle das carências nutricionais, e ao município cabe a responsabilidade de capacitação para a operacionalização do PNSVA12. O compartilhamento de tal responsabilidade foi observado no presente estudo. Apesar da pouca frequência, quando são realizadas capacitações sobre a EAN, elas são oferecidas pelas GRS ou por profissionais da APS dos municípios.
Outro desafio identificado para a realização das atividades educativas foi a falta de materiais de apoio, reconhecidos pelos profissionais como cartazes, cartilhas, panfletos e vídeos. Foi observado que os entrevistados sentiram falta de materiais meramente informativos. Apesar de a transmissão de informações fazer parte do processo de comunicação, a EAN é muito mais ampla, contemplando uma comunicação dialógica pautada na construção partilhada de saberes, de práticas e de soluções com a valorização do conhecimento, da cultura e do patrimônio alimentar1. É interessante perceber ainda que o alimento em si, objeto de trabalho da EAN, não foi considerado como uma ferramenta, um material de apoio, para a elaboração das ações.
Em relação às ações de EAN realizadas pelos profissionais, foi notada maior dificuldade na realização de ações em grupos, justificada, segundo relato dos profissionais, pela difícil adesão às ações em grupos por parte da população, pela falta de empenho dos demais profissionais da APS com as ações de EAN e ainda pela dificuldade de acesso à população. A intervenção coletiva vem se tornando prática valorizada de atenção em saúde, prevendo construção compartilhada que exige do profissional preparo e habilidade para o planejamento, assim como desenvolvimento e avaliação da intervenção educativa em alimentação e nutrição, que pode ser respaldada pelo uso do marco de referência17.
Segundo Nogueira et al.18, a efetividade de grupos de educação em saúde é influenciada pela organização do serviço, motivação e liderança dos profissionais envolvidos e pela consolidação de diálogo entre eles com o reconhecimento das necessidades afetivas, sociais e de saúde.
Ainda no que se refere às ações de EAN realizadas pelos profissionais, chama atenção que, apesar de o nutricionista ser o profissional com formação na área, não houve diferença estatisticamente significativa de sua atuação em relação ao profissional enfermeiro. Esse achado pode ser justificado pelo número insuficiente de nutricionistas na APS19,20, evidenciado, inclusive, no presente estudo, em que apenas 15% dos entrevistados eram nutricionistas, e a falta desse profissional foi citado como dificultador das ações educativas. Desta forma, esses profissionais têm como desafio o cuidado de uma população numerosa, comprometendo a efetividade das ações de alimentação e nutrição21.
Associada a esse desafio está a reconhecida fragilidade na formação do nutricionista em nível de graduação e pós-graduação, ocasionada, por exemplo, pela hegemonia da abordagem biomédica, insuficiência de métodos de ensino específicos para a EAN, financiamento reduzido destinado à pesquisa e, consequentemente, pouca produção científica e estudos de impacto sobre o assunto1.
Em contrapartida, a exploração das ações de EAN realizadas pelos profissionais apontou para uma importante fortaleza, o apoio à amamentação exclusiva durante consultas de acompanhamento de crescimento e desenvolvimento infantil. A relação entre a prática da amamentação exclusiva e o apoio do serviço de saúde é bem explorada na literatura. Ações da APS, como visita puerperal, favorece a manutenção da amamentação exclusiva; por outro lado, a falta ou as fragilidades no apoio, como a banalização das angústias maternas pelos profissionais de saúde, favorecem o desmame precoce22,23.
O apoio insuficiente para a realização das ações de EAN por parte do serviço municipal de saúde e da comunidade é preocupante, uma vez que um importante fator que favorece a efetividade de intervenções de EAN é o apoio da gestão do local de trabalho24, e a fragilidade de apoio da comunidade pode levar à baixa adesão de ações educativas, como identificado pelos profissionais entrevistados. Figueroa Pedraza e Santos25, ao investigarem o perfil e a atuação de nutricionistas na APS, encontraram que 53% desses profissionais estavam satisfeitos com o vínculo com a secretaria de saúde dos municípios e 79% estavam satisfeitos com o relacionamento com a comunidade.
A presente investigação apresenta limitações inerentes ao método de coleta de dados, o questionário on-line, que, apesar de possibilitar maior alcance de possíveis participantes, leva a perdas amostrais consideráveis. A metodologia quantitativa aponta achados importantes, mas é essencial a realização de estudos para compreender com maior profundidade a vivência dos profissionais da APS com a EAN com foco na prevenção da DVA.
Reconhecendo-se a EAN como um desafio no contexto do PNSVA e que tal fato implica prejuízos para a implantação do Programa nos municípios estudados, os resultados encontrados mostram a necessidade de maior investimento em EP abordando a EAN, a melhoria na formação dos profissionais enfermeiros e nutricionistas, reforçando a EAN, a incorporação de um maior número de nutricionistas na APS e a necessidade de maior apoio às ações de EAN por parte do serviço de saúde municipal e comunidade.
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Trabalho realizado no Instituto René Rachou (Fiocruz Minas) – Belo Horizonte (MG), Brasil, Brasil.
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Fonte de financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
10 Jan 2022 -
Data do Fascículo
Oct-Dec 2021
Histórico
-
Recebido
04 Jun 2019 -
Aceito
10 Ago 2020