Open-access Fatores associados à percepção de pais/cuidadores com relação à necessidade de tratamento ortodôntico em escolares de 12 anos de idade: estudo transversal na cidade de Juiz de Fora

Factors associated with the perceptions of parents/caregivers regarding orthodontic treatment in 12-year-old schoolchildren: a cross-sectional study in the city of Juiz de Fora

Resumo

Introdução  Dados de autopercepção da saúde bucal são importantes para a avaliação do paciente de forma integral.

Objetivo  Investigar a relação entre as percepções dos pais/cuidadores quanto à necessidade de tratamento ortodôntico em escolares de 12 anos de escolas públicas de Juiz de Fora e os fatores associados, incluindo acesso aos serviços de saúde bucal.

Método  Foi realizado um estudo transversal (n = 311), no qual os pais/cuidadores responderam sobre a necessidade de tratamento ortodôntico dos escolares, nível socioeconômico, grau de instrução do chefe da família e acesso aos serviços de saúde bucal. Para avaliar a necessidade normativa de tratamento ortodôntico dos escolares, foi utilizado o índice de estética dental e foi direcionada a eles uma pergunta sobre sua percepção em relação à necessidade de tratamento. Nas análises estatísticas, foram realizados o teste qui-quadrado de Pearson, o teste exato de Fisher ou qui-quadrado de tendência linear e a regressão logística, com nível de significância p < 0,05.

Resultados  A necessidade normativa de tratamento ortodôntico (p = 0,001) e a autopercepção da necessidade de tratamento ortodôntico pelo escolar (p < 0,001) foram associadas estatisticamente à percepção da necessidade de tratamento ortodôntico pelos pais/cuidadores.

Conclusão  A percepção da necessidade de tratamento ortodôntico, tanto pelos pais/cuidadores quanto pelos escolares, foi expressivamente maior que a necessidade normativa de tratamento ortodôntico.

Palavras-chave: má oclusão; ortodontia; pais; percepção; escolares

Abstract

Background  self-perception data on oral health are important for comprehensive patient’s assessment.

Objective  to investigate the relationship between parents/caregivers’ perceptons on the need of orthodontic treatment in 12-year-old schoolchildren of public schools of Juiz de for a, and associated factors, including access to oral health services.

Method  cross-sectional study (n=311). Parents/caregivers answered questions about their perceptions on the need of orthodontic treatment in schoolchildren, socioeconomic level, head of familiy’s education level, and access to oral health services. Schoolchildren’s normative orthodontic treatment need was assessed tbased on the Dental Aesthetic Index. Schoolchildren also provided their perceptions on the need of orthodontic treatment. Pearson Chi-square, Fisher Exact test or Linear by Linear Association were used for statistical analysis, in addition to logistic regression with significance level p<0.05.

Results  normative orthodontic treatment need (p=0.001) and the schoolchildren’s perception on their orthodontic treatment need (p<0.001) were statistically associated with parents/caregivers perceptions regarding orthodontic treatment need.

Conclusion  Parents/caregivers and children’s perceptions on the need of orthodontic treatment were significantly greater than children’s normative orthodontic treatment need.

Keywords: malocclusion; orthodontics; parents; perception; schoolchildren

INTRODUÇÃO

A necessidade de tratamento ortodôntico pode ser determinada a partir do ponto de vista de um cirurgião-dentista por meio da utilização de inúmeros índices oclusais (necessidade normativa) que permitem a avaliação da gravidade da má oclusão de um indivíduo1. Uma ferramenta amplamente utilizada com essa finalidade é o índice de estética dental (IED), o qual avalia 10 características oclusais, sendo um índice bastante útil em levantamentos epidemiológicos com o intuito de se identificar a necessidade de tratamento ortodôntico de uma população, possibilitando determinar a prioridade de oferta de tratamento para indivíduos com discrepâncias mais severas2. Todavia, a necessidade normativa não é obrigatoriamente uma condição decisiva para a realização do tratamento ortodôntico1. Enquanto alguns pacientes podem ignorar ou ser relativamente indiferentes quanto às alterações oclusais mais pronunciadas, outros podem expressar relevante preocupação com uma pequena irregularidade3.

Indubitavelmente, mesmo quando um paciente é avaliado profissionalmente e diagnosticado com má oclusão, a natureza eletiva da intervenção para essa condição implica o envolvimento dele e, na maioria das vezes, de seus pais no processo de tomada de decisão para iniciar o tratamento ou não4. Desse modo, é apropriado considerar, em conjunto com a necessidade normativa, a opinião dos indivíduos jovens e a dos seus pais na avaliação ortodôntica, uma vez que eles podem ter percepções diferentes e, portanto, influenciar a decisão para a realização de um tratamento4.

Nesse sentido, vêm sendo verificadas evidências científicas atuais sobre critérios subjetivos e critérios objetivos que influenciam a necessidade de tratamento ortodôntico5. Além disso, outro foco de avaliações recentes é a relação entre a autopercepção da necessidade de tratamento ortodôntico por crianças/adolescentes e seus pais e o diagnóstico da necessidade de tratamento ortodôntico estabelecido por profissionais5,6. Sabe-se, todavia, que estudos que buscam investigar a percepção dos pais/cuidadores e a necessidade de tratamento ortodôntico de escolares, incluindo na análise variáveis sociodemográficas e de acesso aos serviços de saúde bucal nas regiões estudadas, são ainda escassos no Brasil.

Diante do exposto e considerando a importância da discussão atual entre as necessidades normativas e as percepções dos indivíduos com relação às necessidades de tratamento (necessidades autopercebidas em saúde)4, o objetivo deste estudo foi comparar a percepção da necessidade de tratamento ortodôntico pelos pais/cuidadores e pelos escolares com a necessidade normativa de tratamento ortodôntico, além de investigar se existe uma associação entre a percepção da necessidade de tratamento ortodôntico pelos pais/cuidadores e as seguintes variáveis independentes: gênero, nível socioeconômico, grau de instrução do chefe da família, acesso do escolar aos serviços de saúde bucal, necessidade normativa de tratamento ortodôntico, autopercepção da necessidade de tratamento ortodôntico pelo escolar, alterações oclusais avaliadas pelo IED e presença ou não de mordida cruzada posterior.

MÉTODO

Delineamento do estudo

Foi realizado um estudo observacional transversal analítico com escolares de 12 anos de idade, matriculados no ensino fundamental na rede de ensino público da cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais, no ano de 2015, bem como com seus pais/cuidadores.

Procedimentos éticos

Para a realização do estudo, foram solicitadas e concedidas autorizações da Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais por meio da Superintendência Regional de Ensino de Juiz de Fora e da Secretaria de Educação de Juiz de Fora.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Juiz de Fora (CEP-UFJF), mediante o Parecer nº 1.084.097. Posteriormente, foram realizadas modificações, e o estudo foi aprovado novamente, por meio do Parecer nº 1.173.634. Foram enviados os seguintes termos aos participantes da pesquisa: Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE) ao menor participante e Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) aos pais/cuidadores, autorizando a participação do menor na pesquisa.

Critérios de inclusão

Os critérios de inclusão para a participação do escolar na pesquisa foram os seguintes: assinar o TALE, ter 12 anos de idade, estar matriculado e frequentando as escolas públicas da cidade de Juiz de Fora e os pais/cuidadores assinarem o TCLE.

Critérios de exclusão

Os critérios de exclusão foram os seguintes: indivíduos que já tinham sido ou estavam sendo submetidos a qualquer tipo de tratamento ortodôntico e indivíduos portadores de malformações craniofaciais ou síndromes.

Seleção da amostra

Para o cálculo da amostra, foram utilizados o Programa Epi Info, versão 6, e os dados populacionais levantados pelo SB Brasil 20107, considerando-se a prevalência de má oclusão de 37,6% para indivíduos com 12 anos na região Sudeste do país. Foi detectado que o número de alunos com essa idade matriculados no ensino fundamental em Juiz de Fora em 2014 foi de 5.840 em escolas municipais, estaduais e federais8. Portanto, o tamanho amostral necessário, utilizando-se de um intervalo de confiança de 95%, foi de 341 indivíduos.

A amostragem do estudo foi por conglomerado, por meio da realização de sorteios proporcionais9. Foi sorteada uma escola participante em cada região geográfica da cidade de Juiz de Fora (norte, nordeste, centro, oeste, leste, sudeste e sul). Nas regiões em que não houve número suficiente de participantes em razão das recusas de participação, foi realizado novamente o sorteio de uma nova escola na região. Ao final do estudo, foram incluídas 13 escolas (norte = 2; nordeste = 2; centro = 5; oeste = 1; leste = 1; sudeste = 1; sul = 1). O número de escolares participantes por região foi proporcional ao número total de escolares matriculados em cada região. Na sequência, foi realizado o sorteio proporcional das turmas e, finalmente, por intermédio de listas de cada turma selecionada, foi conduzido o sorteio dos escolares por meio de envelopes lacrados com os nomes dos alunos.

Variáveis

A variável dependente investigada foi a percepção da necessidade de tratamento ortodôntico pelos pais/cuidadores. As variáveis independentes foram as seguintes: gênero; nível socioeconômico; grau de instrução do chefe da família; acesso do escolar aos serviços de saúde bucal; necessidade normativa de tratamento ortodôntico; autopercepção da necessidade de tratamento ortodôntico pelo escolar; dentes incisivos, caninos e pré-molares superiores perdidos; dentes incisivos, caninos e pré-molares inferiores perdidos; apinhamento na região dos incisivos superiores e inferiores; espaçamento na região dos incisivos superiores e inferiores; diastema entre os incisivos centrais superiores; maior irregularidade dos dentes anteriores superiores; maior irregularidade dos dentes anteriores inferiores; overjet superior; overjet inferior; mordida aberta anterior; relação anteroposterior de molar; mordida cruzada posterior. As categorizações conferidas às variáveis estão apresentadas nas Tabelas 1 e 2.

Tabela 1
Distribuição das frequências absolutas e relativas das variáveis estudadas, Juiz de Fora, Brasil, 2015
Tabela 2
Associações bivariadas e múltiplas entre a variável dependente e as variáveis independentes, Juiz de Fora, Brasil, 2015

Instrumentos utilizados para a coleta dos dados

Aos pais/cuidadores, além dos termos e da carta-convite, foi enviado, por meio dos escolares, um questionário sobre o nível socioeconômico da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP)10. Além disso, com o intuito de caracterizar o acesso aos serviços de saúde bucal por parte do menor, foi questionado aos pais/cuidadores se o escolar já tinha consultado o cirurgião-dentista ao menos uma vez na vida11, sendo que as opções de resposta eram “não” ou “sim”. Por fim, visando detectar a percepção dos pais/cuidadores sobre a necessidade de tratamento ortodôntico do menor, com as opções de resposta “não” e “sim”, foi feita a seguinte pergunta9: “O senhor(a) acha que o menor pelo qual é responsável tem necessidade de tratamento ortodôntico, ou seja, do uso de aparelho nos dentes?”.

Já aos escolares, foi realizada a seguinte pergunta, adaptada de Almeida9, objetivando avaliar a autopercepção do escolar sobre a necessidade de tratamento ortodôntico, com as opções de resposta “não” e “sim”: “Você acha que tem necessidade de tratamento ortodôntico, ou seja, do uso de aparelho nos dentes?”. Além disso, foram anotadas as informações sobre idade e gênero. Ao final, foi realizado o exame clínico ortodôntico utilizando o IED.

Mensuração da necessidade normativa de tratamento ortodôntico

Foi realizado nos escolares um exame clínico para avaliar a má oclusão e então determinar a necessidade normativa de tratamento ortodôntico, por meio da utilização do IED. Esse índice, usado em muitos estudos anteriores 6,12-18, tem sua confiabilidade estabelecida para a mensuração da má oclusão e da necessidade normativa de tratamento ortodôntico.

De acordo com o IED são avaliadas as seguintes condições: dentes incisivos, caninos e pré-molares superiores e inferiores perdidos, apinhamento na região dos incisivos superiores e inferiores, espaçamento na região dos incisivos superiores e inferiores, diastema entre os incisivos centrais superiores, maior irregularidade dos dentes anteriores superiores, maior irregularidade dos dentes anteriores inferiores, overjet superior, overjet inferior, mordida aberta anterior e relação anteroposterior de molar; cada uma das características é então pontuada e multiplicada pelo seu respectivo coeficiente (peso), e os resultados são totalizados com a adição de uma constante de valor 132. O registro do IED menor ou igual a 25 representa oclusão normal ou má oclusão leve, sem necessidade ou com ligeira necessidade de tratamento; o registro de 26 a 30 representa má oclusão definida com necessidade de tratamento eletivo; já o registro de 31 a 35 indica má oclusão severa com necessidade de tratamento altamente desejável; e o registro igual ou maior a 36 denota má oclusão muito severa ou incapacitante, com necessidade de tratamento obrigatório2. Ao final, foi realizada uma dicotomização dessa variável em: sem necessidade de tratamento (IED ≤ 25) e com necessidade de tratamento (IED > 25)15.

Os exames clínicos foram realizados por uma profissional cirurgiã-dentista (AMC) que passou por um treinamento teórico e uma calibração prévia para a utilização do IED. Essa calibração foi realizada por um profissional padrão ouro, doutor em odontopediatria e especialista em ortodontia (EGOG), utilizando-se de sete modelos de estudo com más oclusões variadas. O teste Kappa foi utilizado a fim de se verificar a concordância interexaminadores (Kappa = 0,80).

Estudo-piloto

Previamente foi realizado um estudo-piloto com 15 escolares, os quais não foram incluídos no estudo principal, objetivando o teste da metodologia a ser usada. O teste Kappa foi então utilizado para se verificar a concordância intraexaminador para a mensuração do IED (Kappa = 0,90).

Durante o estudo-piloto e o estudo principal, os escolares foram examinados em uma cadeira, defronte a uma janela, ao lado de uma mesa contendo os materiais de consumo. Para a realização dos exames clínicos e mensuração do IED, foram utilizados palitos de madeira descartáveis (Theoto, Jundiaí, São Paulo, Brasil), lapiseira com ponta 0,5 mm (CIS Fog2), compasso de ponta seca (MK Life, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil) e régua milimetrada de aço (Maquira, Maringá, Paraná, Brasil). O examinador utilizou jaleco, luvas de látex descartáveis, óculos de proteção, gorro e máscara durante os exames, seguindo as normas de biossegurança19.

Análise estatística

A análise foi conduzida utilizando o programa Statistical Package for the Social Sciences - SPSS® Statistics (SPSS for Windows, Version 22.0., Armonk, New York, USA) e incluiu distribuições de frequências absolutas e relativas e testes de associação. A fim de se verificar a associação da variável dependente com as variáveis independentes, foram realizadas análises bivariadas por meio do teste qui-quadrado de Pearson, e quando necessário, o teste exato de Fisher ou qui-quadrado de tendência linear.

Na sequência, foram executadas análises de regressão logística binária (não ajustada), e, em seguida, aquelas variáveis com significância estatística (p < 0,20) foram inseridas em um modelo de regressão logística múltipla (ajustada), utilizando o nível de significância de 5%.

RESULTADOS

Participaram do estudo 311 pares de escolares e seus pais/cuidadores. Os motivos da perda de 30 participantes foram a não devolução do termo de consentimento assinado ou a falta nos dias dos exames.

A amostra foi composta por 146 (46,9%) escolares do sexo masculino e 165 (53,1%) do sexo feminino. No que se refere à categorização por condição socioeconômica da amostra, 292 (93,9%) pais/cuidadores responderam ao questionário de forma adequada, permitindo a análise pelo pesquisador. Foi feita a opção por dicotomizar essa variável por meio da utilização da mediana como ponto de corte, em nível socioeconômico baixo e alto. Nesse sentido, foi observado que 139 (44,7%) pertenciam ao nível socioeconômico baixo, e 153 (49,2%), ao alto.

Com relação ao grau de instrução do chefe da família, 307 (98,7%) pais/cuidadores responderam a essa pergunta, e foi verificado que 111 (35,7%) possuíam menos de 8 anos de estudo, e 196 (63%), mais de 8 anos. Com relação ao acesso ao serviço de saúde bucal dos escolares avaliados, foi verificado que 274 (88,1%) já haviam consultado um dentista pelo menos uma vez na vida.

A prevalência de má oclusão ou necessidade normativa de tratamento ortodôntico (IED > 25) foi de 61,4%. Foi percebido ainda, pela observância das frequências das variáveis, que a grande maioria dos escolares participantes (94,2%) e seus pais/cuidadores (92,6%) apresentou percepção favorável à necessidade de tratamento ortodôntico (Tabela 1).

A Tabela 2 mostra que dois modelos de regressão logística múltipla foram realizados. Foi feito o teste Hosmer and Lemeshow para o modelo 2, no qual permaneceram as variáveis significativas e não significativas (p = 0,585), e para o modelo 3, no qual permaneceram somente as variáveis significativas (p = 0,645). Esse último mostrou-se mais bem ajustado.

As variáveis necessidade normativa de tratamento ortodôntico (p = 0,001) e autopercepção da necessidade de tratamento ortodôntico pelo escolar (p < 0,001) foram associadas estatisticamente à percepção da necessidade de tratamento ortodôntico pelos pais/cuidadores. Já as variáveis gênero, nível socioeconômico, grau de instrução do chefe da família, acesso do escolar aos serviços de saúde bucal, alterações oclusais e mordida cruzada posterior não foram associadas estatisticamente à variável dependente (p > 0,05) (Tabela 2).

É relevante observar ainda, por meio da interpretação do odds ratio obtido para as variáveis significativas citadas, que a chance de os pais/cuidadores de escolares com necessidade de tratamento ortodôntico normativo terem a percepção de que os escolares realmente necessitavam de tratamento ortodôntico foi 5,347 vezes maior em relação aos pais/cuidadores de escolares que não tinham essa necessidade. Da mesma forma, a chance de os pais/cuidadores de escolares com autopercepção da necessidade de tratamento ortodôntico terem a percepção de que os escolares realmente necessitavam de tratamento ortodôntico foi 15,750 vezes maior em relação aos pais/cuidadores de escolares que tinham a autopercepção da não necessidade de tratamento (Tabela 2).

DISCUSSÃO

Foi verificado neste estudo que as variáveis necessidade normativa de tratamento ortodôntico e autopercepção da necessidade de tratamento ortodôntico pelo escolar foram associadas estatisticamente à percepção da necessidade de tratamento ortodôntico pelos pais/cuidadores.

O resultado de associação entre a autopercepção da necessidade de tratamento ortodôntico pelo escolar e a percepção da necessidade de tratamento ortodôntico pelos pais/cuidadores está em consonância com os achados de outro estudo realizado também com escolares de 12 anos de idade e com a utilização do IED. Similarmente, este estudo encontrou uma associação entre a autopercepção dos escolares sobre a necessidade de tratamento ortodôntico e a percepção das mães acerca dessa necessidade em relação aos seus filhos18. Uma explicação plausível para essa concordância é a relação direta de necessidade de tratamento ortodôntico e estética, que é certamente determinada por questões culturais e sociais, o que sugere uma concordância entre a percepção dos pais e seus filhos a respeito do que é julgado satisfatório com relação à estética dos dentes18.

A associação entre a necessidade normativa de tratamento ortodôntico e a percepção da necessidade de tratamento ortodôntico pelos pais/cuidadores também é um achado interessante. Marques et al.16 observaram em seu estudo que a percepção dos pais acerca da necessidade de tratamento de seus filhos foi o fator que mais influenciou a busca pelo tratamento ortodôntico para os indivíduos jovens.

A prevalência da necessidade normativa de tratamento ortodôntico encontrada no estudo foi alta (61,4%). Esse achado está em concordância com outras pesquisas realizadas na população brasileira para a mesma faixa etária, que também encontraram prevalências altas, como 65,6%6 e 76,3%18. Resultados similares também foram observados em estudos brasileiros que incluíram indivíduos com faixas etárias mais abrangentes, como prevalências de 62,6% em indivíduos de 11 a 12 anos12, de 52,2% em jovens de 10 a 14 anos15 e de 65,6% em indivíduos de 11 a 14 anos17. Diante desse cenário de alta prevalência de necessidade de tratamento ortodôntico, e levando-se em consideração os princípios previstos na constituição brasileira de integralidade e equidade, é indiscutivelmente necessário inserir o tratamento ortodôntico no âmbito dos programas públicos de saúde bucal20.

A percepção da necessidade de tratamento ortodôntico, tanto pelos pais/cuidadores quanto pelos escolares, foi maior que a necessidade normativa de tratamento ortodôntico. Esse achado está em concordância com estudos anteriores, também realizados em Minas Gerais, nas cidades de Juiz de Fora e Belo Horizonte. O primeiro, realizado para a mesma faixa etária, detectou que a necessidade de tratamento percebida pelo responsável foi de 85,6%, e pelo escolar, de 83,8%, enquanto a necessidade normativa foi de 65,6%6. O segundo, apesar de englobar indivíduos em uma faixa etária maior, de 10 a 14 anos de idade, também verificou que a necessidade percebida pelos pais (82,9%) foi substancialmente maior que a necessidade normativa (52,2%)15. Uma justificativa provável para isso, assim como relatado no trabalho de Marques et al.15, também realizado em uma instituição pública, é o fato de os escolares poderem ser encaminhados para a lista de espera para tratamento na Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Juiz de Fora. Certamente, isso pode ter influenciado os responsáveis em relação à sua opinião acerca da necessidade de tratamento ortodôntico dos escolares15.

Além do mais, a maior necessidade de tratamento percebida pelos pais/cuidadores e pelos escolares pode possivelmente ser reflexo de um maior acesso a esse tipo de tratamento no país, o que, de certo modo, adiciona um valor social e cultural ao uso do aparelho ortodôntico6. Ademais, o fato de o escolar em tratamento ortodôntico poder ser reconhecido por seus pares é um fator motivador; no entanto, esse reconhecimento pode significar uma inversão preocupante da real finalidade do aparelho ortodôntico, que frequentemente é desejado pelos pacientes apenas como um mero bem de consumo, em detrimento da sua função terapêutica9.

O delineamento transversal do estudo configura-se como uma de suas limitações principais. Esse tipo de delineamento é pertinente para responder sobre questões relacionadas às frequências do fator de risco e do desfecho, bem como verificar se existe associação entre os dois21. Todavia, o fato de existir uma relação de associação não sugere, obrigatoriamente, uma relação de causalidade22. Além do mais, os dados deste estudo são válidos apenas para a cidade onde ele foi executado. Portanto, as inferências feitas nesta pesquisa são direcionadas à população estudada. Outra limitação deste trabalho foi a não inclusão das escolas privadas no município estudado. Isso ocorreu por causa da recusa de grande parte dessas escolas em participar do estudo. No entanto, como o presente estudo pretende colaborar, sobretudo, para a discussão da inclusão de procedimentos ortodônticos no setor público de saúde, a seleção de estudantes unicamente ligados à rede de ensino pública23 minimizou essa limitação.

Diante do exposto, as medidas subjetivas poderiam ser incorporadas aos critérios clínicos para a determinação da necessidade de tratamento ortodôntico atualmente utilizados15. Nesse sentido, há a compreensão de que, por exemplo, para as crianças mais novas, as opiniões dos pais podem ser, de fato, o elemento mais importante para o início do tratamento4. Desse modo, previamente ao desenvolvimento do plano terapêutico, é necessária a utilização de um questionário pessoal que inclua a percepção dos escolares e seus pais acerca da necessidade de tratamento ortodôntico, possibilitando, assim, uma abordagem mais integralizada e que atenda às expectativas do paciente18.

A percepção da necessidade de tratamento ortodôntico, tanto pelos pais/cuidadores quanto pelos escolares, foi expressivamente maior que a necessidade normativa de tratamento ortodôntico.

Os pais/cuidadores de escolares com necessidade de tratamento ortodôntico normativo e que tinham a autopercepção da necessidade de tratamento apresentavam maior chance de ter a percepção de que os escolares necessitavam do tratamento.

AGRADECIMENTOS

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES, Financial Code 001).

  • Como citar: Couto AM, Leite ICG, Abreu LG, Góis EGO, Chaves MGAM. Fatores associados à percepção de pais/cuidadores com relação à necessidade de tratamento ortodôntico em escolares de 12 anos de idade: estudo transversal na cidade de Juiz de Fora. Cad Saúde Colet, 2021; Ahead of Print. https://doi.org/10.1590/1414-462X202129030407
  • Trabalho realizado no Programa de Pós-Graduação em Odontologia da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) – Juiz de Fora (MG), Brasil.
  • Fonte de financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES, Financial Code 001).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    05 Set 2018
  • Aceito
    27 Jul 2020
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