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Aspectos psicossociais do suicídio em mulheres do sertão do Rio Grande do Norte, Brasil

Psychosocial aspects of suicide in women from the backwoods of Rio Grande do Norte, Brazil

Resumo

Introdução

O suicídio é um grave problema de saúde pública mundial. No que tange aos estudos de suicídio em mulheres, há ainda que se avançar no conhecimento desse fenômeno, especialmente em municípios distantes das capitais brasileiras.

Obejtivo

Identificar os aspectos psicossociais do suicídio de mulheres no sertão do Rio Grande do Norte.

Método

Trata-se de pesquisa qualitativa com o método de autópsia psicossocial. A coleta dos dados ocorreu entre março e junho de 2018 por meio de um roteiro de entrevista semiestruturada. Foram entrevistados familiares de cinco mulheres que morreram por suicídio. O material coletado foi analisado por meio de análise temática de conteúdo.

Resultados

Emergiram três categorias analíticas: “comportamento suicida feminino”, “transtornos mentais e relações com suicídio” e “violência de gênero e conflitos familiares”. Ao longo da vida das mulheres que morreram por suicídio, constataram-se enunciação suicida, sinais depressivos, esquizofrenia, violência de gênero e cerceamento do modo de vida feminino.

Conclusão

No decorrer da vida dessas mulheres, observou-se o desejo de morrer vinculado a fatores emocionais, transtornos mentais, conflitos familiares e violência de gênero.

Palavras-chave:
suicídio; mulheres; gênero e saúde

Abstract

Background

Suicide is a public health problem worldwide. Regarding the studies of suicide in women, it is still necessary to advance the knowledge of this phenomenon, especially in cities far from Brazilian capitals.

Objective

This study aimed to identify the psychosocial aspects of suicides of women in the country town of Rio Grande do Norte, Brazil.

Method

This is qualitative research using the psychosocial autopsy method. Data collection took place between March and June 2018 and a semi-structured interview script was used. Seven relatives of five women who died by suicide were interviewed. The collected material was analyzed through thematic content analysis.

Results

Three analytical categories emerged: “female suicidal behavior”, “mental disorders and relationships with suicide” and “gender violence and family conflicts”. Suicidal enunciation was found throughout the life of women who died from suicide, depressive signs, schizophrenia, gender violence, and curbing the female way of life.

Conclusion

Throughout the life of these women, there was a desire to die linked with emotional factors, mental disorders, family conflicts, and gender violence.

Keywords:
suicide; women; gender and health

INTRODUÇÃO

O suicídio é um ato deliberado e intencional de infligir a morte a si próprio. É um fenômeno social complexo e um grave problema de saúde pública, além de figurar entre as três principais causas de morte de pessoas entre 15 e 44 anos de idade, sendo a razão de óbito de cerca de 800 mil pessoas no mundo anualmente11 Shneidman ES. Comprehending suicide: landmarks in 20th century suicidology. Washington: American Psychological Association; 2001. http://dx.doi.org/10.1037/10406-000.
http://dx.doi.org/10.1037/10406-000...
,22 WHO: World Health Organization. Preventing suicide: a global imperative [Internet]. 2014 [citado em 2019 Ago 29]. Disponível em: www.who.int/mental_health/suicide-prevention/world_report_2014/en/
www.who.int/mental_health/suicide-preven...
.

Os fatores relacionados ao suicídio são multideterminados e variam de acordo com questões culturais, etárias, étnicas, políticas, biológicas, momentos históricos e grupos sociais22 WHO: World Health Organization. Preventing suicide: a global imperative [Internet]. 2014 [citado em 2019 Ago 29]. Disponível em: www.who.int/mental_health/suicide-prevention/world_report_2014/en/
www.who.int/mental_health/suicide-preven...
. No Brasil, entre 2011 e 2015, a taxa de mortalidade por suicídio em mulheres chegou a 3,8/100 mil habitantes na faixa etária entre 50 e 59 anos33 Brasil. Ministério da Saúde. Suicídio. Saber, agir e prevenir. Brasília (DF): Ministério da Saúde/Secretaria de Vigilância em Saúde; 2017. (Boletim epidemiológico)., dados que podem estar subestimados, tendo em vista a carga estigmatizante que uma morte por suicídio carrega na sociedade. Essa subnotificação de casos ocorre, principalmente, em localidades menos desenvolvidas44 Queiroz BL, Freire FHMA, Gonzaga MR, Lima EEC. Estimativas do grau de cobertura e da mortalidade adulta (45q15) para as unidades da federação no Brasil entre 1980 e 2010. Rev Bras Epidemiol. 2017;20(20 Suppl 1):21-33. http://dx.doi.org/10.1590/1980-5497201700050003. PMid:28658370.
http://dx.doi.org/10.1590/1980-549720170...
.

Pontua-se que as mulheres constituem a parcela da população mais afetada por ideação e tentativas de suicídio, cujos comportamentos estão atrelados também ao modo de vida feminino e aos papéis da mulher na sociedade55 Beautrais AL. Women and suicidal behavior. Crisis. 2006;27(4):153-6. http://dx.doi.org/10.1027/0227-5910.27.4.153. PMid:17219746.
http://dx.doi.org/10.1027/0227-5910.27.4...
,66 Meneghel S, Hesler LZ, Ceccon RF, Trindade AG, Pereira S. Suicídio de mulheres: uma situação limite? Athenea Digit. 2013 jul;13(2):207-217. http://dx.doi.org/10.5565/rev/athenead/v13n2.1116.
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. Dessa forma, ao enfatizar o suicídio de mulheres, procura-se explorar questões psicossociais que se integram a fatores pessoais que se presentificam em contextos sociais específicos, e estes estabelecem nexos entre subjetividades e biografias77 Shneidman ES. Suicide, lethality and the psychological autopsy. In: Shneidman ES, Ortega M, editors. Aspects of depression. Boston: Little Brown; 1969.,88 Lester D, Thomas CC. Why people kill themselves: a 2000 Summary of Research on Suicide. Springfield IL: Charles C Thomas; 2000..

Destaca-se que o suicídio de mulheres está retratado na literatura como um fato relacionado: à presença de violências física, sexual e intrafamiliar sofridas durante a vida; às doenças físicas e mentais, principalmente depressão; à privação social, mortes e perdas afetivas de cônjuges e filhos; ao isolamento social; à baixa resiliência; e ao abortamento55 Beautrais AL. Women and suicidal behavior. Crisis. 2006;27(4):153-6. http://dx.doi.org/10.1027/0227-5910.27.4.153. PMid:17219746.
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,99 Meneghel SN, Moura R, Hesler LZ, Gutierrez DMD. Suicide attempts by elderly women – from a gender perspective. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20(6):1721-30.,1010 Minayo MCS, Cavalcante FG. Estudo compreensivo sobre suicídio de mulheres idosas de sete cidades brasileiras. Cad Saude Publica. 2013;29(12):2405-15. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00048013. PMid:24356687.
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.

Todavia, apesar de ser um fenômeno desafiador, especialmente para a saúde pública, o suicídio de mulheres tem sido um tema pouco explorado em estudos brasileiros55 Beautrais AL. Women and suicidal behavior. Crisis. 2006;27(4):153-6. http://dx.doi.org/10.1027/0227-5910.27.4.153. PMid:17219746.
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,66 Meneghel S, Hesler LZ, Ceccon RF, Trindade AG, Pereira S. Suicídio de mulheres: uma situação limite? Athenea Digit. 2013 jul;13(2):207-217. http://dx.doi.org/10.5565/rev/athenead/v13n2.1116.
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,1010 Minayo MCS, Cavalcante FG. Estudo compreensivo sobre suicídio de mulheres idosas de sete cidades brasileiras. Cad Saude Publica. 2013;29(12):2405-15. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00048013. PMid:24356687.
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. Ademais, quando se pensa o suicídio com enfoque nessa população, exploram-se questões fundamentais sobre gênero que, neste artigo, são abordadas de acordo com o conceito de Joan Scott1111 Scott JW. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educ Real. 1995;2(2):1-29., que o considera categoria socialmente construída, em que existem diferenças de poder entre os sexos masculino e feminino, cujas distinções são de caráter social, e não biológicas.

Nesse sentido, este estudo oferece visibilidade acadêmica e social às questões de gênero, potenciais características do fenômeno do suicídio entre mulheres1111 Scott JW. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educ Real. 1995;2(2):1-29.. Dessa maneira, pretendeu-se responder à questão norteadora: quais aspectos psicossociais circunscreveram as mortes por suicídio de mulheres do interior do Rio Grande do Norte? Para tanto, objetivou-se identificar os aspectos psicossociais de suicídios de mulheres no sertão do Rio Grande do Norte.

METODOLOGIA

Trata-se de estudo com abordagem qualitativa, em que se adotou o método de autópsia psicossocial1212 Cavalcante FG, Minayo MCS, Meneghel SN, Silva RM, Gutierrez DMD, Conte M, et al. Autópsia psicológica e psicossocial sobre suicídio de idosos: abordagem metodológica. Cien Saude Colet. 2012;17(8):2039-52. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232012000800015. PMid:22899145.
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13 Minayo MCS, Grubits S, Cavalcante FG. Observar, ouvir, compartilhar: trabalho de campo para autópsias psicossociais. Cien Saude Colet. 2012;17(8):2027-38. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232012000800014.
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-1414 Minayo MCS, Cavalcante FG, Souza ER. Methodological proposal for studying suicide as a complex phenomenon. Cad Saude Publica. 2006;22(8):1587-96. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2006000800007. PMid:16832530.
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, o qual evoca, em perspectiva ampla, retrospectiva dos fatos que antecederam às mortes por suicídio. Assim, compreendem-se os aspectos socioculturais e emocionais de pessoas que morreram por suicídio por meio dos relatos de pessoas próximas.

O cenário da pesquisa foi o município de Caicó, localizado no sertão do Rio Grande do Norte, região Nordeste do Brasil, distante 280 km da capital, Natal, marcado pela forte seca, aridez do clima e forte presença de tradições religiosas e culturais. Apesar de estar localizada em área remota do país1515 Tavares TRP, Melo LP. “A gente vive em cima da corda bamba”: experiência de profissionais da saúde que trabalham com o HIV/aids em uma área remota do Nordeste brasileiro. Cad Saude Publica. 2018;34(11):1-11. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00063618. PMid:30427411.
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, é a cidade polo de uma microrregião do estado, em termos comerciais e de atenção à saúde. Possui cobertura de 100% da Estratégia Saúde da Família, além de contar com Centros de Atenção Psicossocial, Hospital Geral, Centro de Referência Especializado em Assistência Social e Centro de Valorização da Vida.

A entrada no campo de pesquisa ocorreu a partir do mês de março de 2018. A primeira etapa da produção dos dados, no intuito de rastrear os casos de suicídio, foi de caráter documental, utilizando-se dados de laudos de necropsias do Instituto Técnico de Perícia e Criminalística e do setor de vigilância de óbitos do município, adotando-se os seguintes critérios para eleição dos casos: tempo retroativo do caso de suicídio de dois a cinco anos (2012-2016) e ato fatal ter ocorrido no município estudado. O tempo de, no mínimo, dois anos seguiu precursores do método1212 Cavalcante FG, Minayo MCS, Meneghel SN, Silva RM, Gutierrez DMD, Conte M, et al. Autópsia psicológica e psicossocial sobre suicídio de idosos: abordagem metodológica. Cien Saude Colet. 2012;17(8):2039-52. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232012000800015. PMid:22899145.
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13 Minayo MCS, Grubits S, Cavalcante FG. Observar, ouvir, compartilhar: trabalho de campo para autópsias psicossociais. Cien Saude Colet. 2012;17(8):2027-38. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232012000800014.
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-1414 Minayo MCS, Cavalcante FG, Souza ER. Methodological proposal for studying suicide as a complex phenomenon. Cad Saude Publica. 2006;22(8):1587-96. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2006000800007. PMid:16832530.
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, que julgam esse tempo mais adequado para tentar aproximação com familiares enlutados por suicídio e, no máximo, cinco anos para minimizar o víeis de memória. Dessa etapa, 18 casos foram selecionados.

Após seleção dos casos de suicídio de mulheres e avaliação da elegibilidade, iniciou-se o rastreamento dos familiares para participação da pesquisa. Para serem elegíveis à entrevista, os familiares precisavam ter 18 ou mais anos de idade, julgarem-se capazes de relatar aspectos importantes e detalhados das trajetórias de vidas que antecederam à morte dos componentes familiares e residirem no município de estudo. Contataram-se sete familiares de cinco casos de suicídio, selecionados de modo intencional, não havendo recusa de qualquer familiar contatado.

Ao aceitarem o convite, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e relataram os momentos que antecederam às mortes por suicídio das cinco mulheres. Os locais das entrevistas foram agendados com antecedência por meio de contato telefônico e auxílio de profissionais da Estratégia Saúde da Família, que facilitaram a localização exata dos endereços e o contato interpessoal entre entrevistador e entrevistadas.

As entrevistas foram norteadas pelo roteiro semiestruturado para autópsia psicológica e psicossocial1212 Cavalcante FG, Minayo MCS, Meneghel SN, Silva RM, Gutierrez DMD, Conte M, et al. Autópsia psicológica e psicossocial sobre suicídio de idosos: abordagem metodológica. Cien Saude Colet. 2012;17(8):2039-52. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232012000800015. PMid:22899145.
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, seguindo os seguintes passos: a) caracterização social; b) retrato e modo de vida da mulher; c) avaliação da atmosfera do ato de suicídio; d) estado mental que antecedeu ao suicídio; e) reflexão da família sobre o ato. As entrevistas em profundidade duraram, em média, 72 minutos. As falas foram gravadas em áudio e, posteriormente, transcritas integralmente. Além disso, utilizou-se de memorandos, nos quais se relatavam as impressões do pesquisador imediatamente após cada entrevista.

A saída do cenário do estudo aconteceu em junho de 2018. Para o processo analítico, optou-se pela análise de conteúdo temática1616 Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2011.. Desta maneira, organizou-se o corpus para iniciar a pré-análise. Nessa etapa, realizaram-se a leitura flutuante do material das entrevistas e a organização dele, a fim de conhecer melhor o contexto das falas, articulando-se o objetivo do estudo com os relatos das informantes e retomando as impressões registradas nos memorandos.

Na segunda fase, a codificação inicial consistiu na análise dos fragmentos dos dados, e identificaram-se as seguintes unidades de análise: depressão, enunciação constante do desejo de suicídio, conflitos familiares, tentativas prévias de suicídio, violência de gênero e baixa tolerância a frustrações. Na última fase, procedeu-se à interpretação, articulando-a com os pressupostos da pesquisa, emergindo, assim, três categorias temáticas: 1) “Quando menos esperasse, ia amanhecer morta”: comportamento suicida feminino; 2)A gente sabia que era coisa da cabeça dela”: transtornos mentais e suas relações com o suicídio; 3) “Ela chegava toda machucada”: violência de gênero e conflitos familiares.

Para garantia do anonimato das participantes entrevistadas, empregaram-se nomes de flores para identificá-las. Os aspectos éticos foram seguidos nesta pesquisa. Obteve-se parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Hospital Universitário Onofre Lopes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, nº 2.527.285, de 6 de março de 2018, atendendo às recomendações da Resolução nº 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As cinco mulheres que morreram por suicídio tinham entre 29 e 59 anos de idade, das quais duas eram separadas, duas viviam em união estável e uma era viúva. Três concluíram o ensino médio; uma completou o ensino fundamental; e uma não cursou por completo o fundamental. Duas delas eram católicas; uma, evangélica; e duas, sem religião. Duas delas eram donas de casa; uma, costureira; uma, artesã; e uma, auxiliar de serviços gerais. Todas morreram por enforcamento no local onde residiam.

Nos momentos em que antecederam às mortes por suicídio, a renda média familiar das mulheres era de um salário mínimo. Todas elas tinham filhos. Uma delas morava sozinha; duas moravam com os filhos; e duas, com companheiro e filhos. Nenhuma delas fazia acompanhamento psicológico, e uma estava em tratamento psiquiátrico.

Os sete familiares entrevistados nesta pesquisa tinham entre 32 e 62 anos de idade e eram componentes familiares das mulheres que cometeram suicídio: duas eram tias; quatro, irmãs; e uma, filha.

Quando menos esperasse, ia amanhecer morta”: comportamento suicida feminino

Esta categoria temática trata da presença da enunciação do desejo de morrer e de tentativas de suicídio. O comportamento suicida inclui, predominantemente, ideias e tentativas de suicídio. Os sinais de não querer mais existir foram expressos pelas mulheres, contendo informações quanto ao meio de perpetração desejado e os locais de realização do suicídio.

Ela dizia que, quando menos se esperasse, ia amanhecer morta, mas a gente nunca espera que a pessoa vá se matar (Rosa); Sempre falava que tinha vontade de sumir, que nada estava prestando, dava a entender que ela estava desanimada (Petúnia); Vez ou outra, ela dizia para a gente que ia se enforcar em casa e a gente encontraria ela pendurada (Violeta).

Nas dinâmicas sociais, incluindo a familiar e a comunidade, o comportamento suicida ainda é enxergado e entendido de forma estigmatizada. No contexto de cidades interioranas e distantes das capitais, os tabus envoltos a essa temática/problemática são muito impregnados1717 Silva RM, Sousa GS, Vieira LJES, Caldas JMP, Minayo MCS. Suicidal ideation and attempt of older women in Northeastern Brazil. Rev Bras Enferm. 2018;71(Suppl 2):755-62. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0413. PMid:29791641.
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, silenciando e oprimindo ainda mais quem considera o suicídio como a única forma de escapar de um sofrimento psíquico intenso.

Quando ela estava mais triste, eu perguntava se ela estava aperreada (nervosa) com alguma coisa do filho, e ela só dizia que queria sumir e que queria morrer. Eu sempre dizia: ‘mulher, não diga essas coisas negativas, que só atrai coisa negativa’ (Hortênsia).

Não obstante, pode-se afirmar que a presença do comportamento dessas mulheres representa um continuum suicida: de um lado, pela presença de ideias persistentes de morte; de outro, pela forma perplexa que esse comportamento é enxergado, que impede a aproximação dos familiares e pessoas próximas do fenômeno e de um possível suporte social e comunitário.

As tentativas de suicídio também fizeram parte das trajetórias de vida de duas mulheres que morreram por suicídio. Nas tentativas que antecederam ao ato fatal, ambas fizeram uso de intoxicação por medicação. Além disso, verificou-se que era comum não haver atendimento hospitalar após uma tentativa, pois, além do suicídio ser estigmatizante para a pessoa que o tenta é também para os familiares. No contexto interiorano há sempre o receio de que outras pessoas saibam de problemas intrafamiliares, os quais podem afetar negativamente a visão da comunidade sobre os entes familiares

Encontramos ela caída, desmaiada, tinha tomado um monte de comprimido, mais de uma cartela de uma vez, nós não levamos ela para o hospital, botamos ela para vomitar em casa mesmo e ela só dormiu muito (Camélia); Nesse dia, ela tomou uns dez comprimidos de um tipo de remédio para dormir (Margarida); A gente a deixou dormindo em casa mesmo, porque se fôssemos para o hospital, todo mundo ia ficar fofocando, ela já tinha até vomitado em casa (Rosa).

Tais relatos são importantes para a compreensão de como é ser mulher no sertão nordestino, bem como sua ligação ao contexto em que estão inseridas e às marcas culturais existentes1818 Azevedo AKS, Dutra EMS. Era uma vez uma história sem história: pensando o ser mulher no Nordeste. Pesqui. prát. Psicossociais. 2019;14(2):1-14.. Em relação ao fato de essas mulheres apresentarem o comportamento suicida e haver um silêncio marcante sobre essa questão, pontua-se a possibilidade de continuidade de suicídios femininos na comunidade, tendo em vista o velamento que se dá a essa problemática.

Ainda sobre as tentativas de suicídio, é relevante lembrar que estas representam um dos principais fatores de risco para uma morte por suicídio. Prevê-se que a cada suicídio consumado, ocorrem, em média, vinte tentativas na população geral1919 Botega NJ. Comportamento suicida: epidemiologia. Psicol USP. 2014;25(3):231-6. http://dx.doi.org/10.1590/0103-6564D20140004.
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e esse fenômeno é frequente na vida feminina, principalmente por meio de intoxicações exógenas. Essas tentativas de suicídio mediante uso de psicofármacos, estão atreladas ao conhecimento largo da população acerca dos efeitos, tidos como rápidos e fortes no tocante à indução do sono e à diminuição de funções vitais, principalmente quando ingeridos em grandes quantidades2020 Santos SA, Legay LF, Lovisi GM, Santos JFC, Lima LA. Suicídios e tentativas de suicídios por intoxicação exógena no Rio de Janeiro: análise dos dados dos sistemas oficiais de informação em saúde, 2006-2008. Rev Bras Epidemiol. 2013 jun;16(2):376-87. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2013000200013. PMid:24142009.
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Apenas uma a cada três pessoas que tenta suicídio é atendida em pronto-socorro/hospital, revelando a face cruel dos estigmas envoltos ao comportamento suicida que impedem a identificação precoce do risco suicida, já que, entre as pessoas que tentam suicídio, 10% conseguem se matar nos próximos 10 anos, e essa mortalidade suplanta em até cem vezes a observada na população geral2121 Botega JN, Marín-Leon L, Oliveira HB, Barros MBA, Silva VF, Dalgalarrondo P. Prevalências de ideação, plano e tentativa de suicídio: um inquérito de base populacional em Campinas, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica. 2009;25(12):2632-8. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2009001200010. PMid:20191154.
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. Ou seja, o estigma pode impedir uma oportunidade de abordagem profissional adequada, além de dificultar o apoio social.

“A gente sabia que era coisa da cabeça dela”: transtornos mentais e suas relações com o suicídio

Nesta categoria, expressa-se algumas relações dos transtornos mentais com o suicídio em mulheres, tendo em vista que esses estiveram presentes nas trajetórias de vida das mulheres que morreram. Neste ínterim, merece atenção as relações sociais instituídas a partir das vivências com os transtornos mentais.

Houve um relato sobre a vivência de uma possível depressão em uma mulher:

Geralmente, quem tem depressão, vive muito trancada, de tudo mesmo, e ela vivia assim; segundo ela, médico nenhum tinha como curar a depressão dela;

Minha mãe já vivia com essa depressão há 20 anos, era uma pessoa triste (Violeta).

Embora a referida mulher tratasse a depressão como um diagnóstico médico e a própria família enxergasse dessa maneira é salutar afirmar que os sintomas relacionados a um quadro depressivo nem sempre se configuram como doença. O fato que se sobrepõe a um diagnóstico médico no relato supramencionado é a desesperança, que enfraquece os esforços da pessoa para se adaptarem as dificuldades e os desafios cotidianos da vida2121 Botega JN, Marín-Leon L, Oliveira HB, Barros MBA, Silva VF, Dalgalarrondo P. Prevalências de ideação, plano e tentativa de suicídio: um inquérito de base populacional em Campinas, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica. 2009;25(12):2632-8. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2009001200010. PMid:20191154.
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Apesar de ser considerado um importante fator de risco para o surgimento do comportamento suicida, enfatiza-se que nem toda pessoa que tira a própria vida tem um transtorno mental. Os transtornos mentais mais comumente associados ao suicídio são a depressão, o transtorno afetivo bipolar, a esquizofrenia e o uso nocivo de álcool e outras drogas1919 Botega NJ. Comportamento suicida: epidemiologia. Psicol USP. 2014;25(3):231-6. http://dx.doi.org/10.1590/0103-6564D20140004.
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. Ainda assim, é necessário vislumbrar o transtorno mental em contexto social dinâmico e não pode ser entendido como única e verdadeira razão para o surgimento de ideias e tentativas de suicídio.

Neste estudo, uma das mulheres que morreu por suicídio apresentava diagnóstico de esquizofrenia. A vivência dessa mulher na cidade do estudo indicava algumas nuances sobre o desconhecimento dessa doença, inclusive sobre as alucinações, características marcantes na esquizofrenia.

Ela dizia que uma voz mandava ela se matar, inclusive, outro dia, eu disse a ela que aquilo não existia, a gente sabia que era coisa da cabeça dela (Tulipa); Às vezes ela dizia que estava vendo alguma coisa onde não tinha, a gente pensava que era alucinação mesmo, coisa da cabeça dela, ela criava aquilo; ela também dizia que uma voz mandava ela se matar (Petúnia).

De maneira geral, na sociedade, há grande desconhecimento das pessoas em relação aos transtornos mentais, bem como das reais circunstâncias psicossociais que os envolve, gerando um dos motivos da origem do preconceito e estigma que os rodeia2222 Corrigan PW, Larson JE, Rüsch N. Self‐stigma and the “why try” effect: impact on life goals and evidence ‐based practices. World Psychiatry. 2009;8(2):75-81. http://dx.doi.org/10.1002/j.2051-5545.2009.tb00218.x. PMid:19516923.
http://dx.doi.org/10.1002/j.2051-5545.20...
. Geralmente, quem sofre de transtorno mental é visto de forma negativa, sendo-lhe atribuídos adjetivos como violento, perigoso e agressivo2323 Barros OC, Serpa OD Jr. Ouvir vozes: um estudo etnográfico de ambientes virtuais para ajuda mútua. Physis. 2017;27(4):867-88. http://dx.doi.org/10.1590/s0103-73312017000400002.
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. Além disso, o fato de pessoas com esquizofrenia conviverem ouvindo vozes costuma ser uma experiência perturbadora que pode perdurar por longos períodos2424 Monnerat S. Relatos sobre suicídios e vozes: um estudo etnográfico. Rev Equatorial. 2017;4(7):161-75. http://dx.doi.org/10.21680/2446-5674.2017v4n7ID14977.
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.

Entretanto, as construções de novas narrativas do próprio indivíduo com essas experiências auditivas podem trazer a visão de que o problema principal não é exatamente ouvir as vozes, mas a dificuldade de conviver com elas em sociedade, especialmente quando trazem esse teor autoaniquilante2323 Barros OC, Serpa OD Jr. Ouvir vozes: um estudo etnográfico de ambientes virtuais para ajuda mútua. Physis. 2017;27(4):867-88. http://dx.doi.org/10.1590/s0103-73312017000400002.
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,2424 Monnerat S. Relatos sobre suicídios e vozes: um estudo etnográfico. Rev Equatorial. 2017;4(7):161-75. http://dx.doi.org/10.21680/2446-5674.2017v4n7ID14977.
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A depender de questões socioculturais as pessoas procuram apoio e cura para os transtornos mentais de diferentes maneiras. Em diversas localidades do Brasil, especialmente no sertão nordestino, há um fator cultural enraizado à cura de doenças na perspectiva do saber tradicional das rezadeiras2525 Coutinho AL. Conhecimento e utilização de plantas mágico-religiosas por rezadeiras do semiárido paraibano. [dissertação] João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba; 2018..

Ela costumava ir todos os dias para a rezadeira, ela dizia que se sentia bem quando essa vizinha rezava nela; Inclusive, nesse dia da morte dela, ela saiu de casa dizendo que iria passar na rezadeira, mas a gente nunca deixou ela abandonar os remédios (Petúnia).

Nesse contexto, a cura relacionada às práticas das rezadeiras tem associação com a cultura própria da comunidade em que a mulher estava inserida; portanto, não se pode ignorar que as práticas do saber tradicional, não estando de acordo com os preceitos da medicina institucional, deixam de ter lógica, função e sua própria eficácia2525 Coutinho AL. Conhecimento e utilização de plantas mágico-religiosas por rezadeiras do semiárido paraibano. [dissertação] João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba; 2018.. Dessa maneira, observou-se uma vivência multidimensional com o transtorno mental, pois, além do tratamento farmacológico a mulher tinha experiências positivas ao buscar ajuda da rezadeira.

Ainda assim, neste artigo, faz-se um contraponto a estudos que afirmam que, normalmente, as mulheres reconhecem mais precocemente sinais de depressão e sofrimento mental e apresentam maior disposição em procurar ajuda em momentos de crise99 Meneghel SN, Moura R, Hesler LZ, Gutierrez DMD. Suicide attempts by elderly women – from a gender perspective. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20(6):1721-30.,2626 Marquetti FR, Marquetti FC. Suicídio e feminilidades. Cadernos Pagu. 2017;15(49):1-20.,2727 Minayo MCS, Meneghel SN, Cavalcante FG. Suicídio de homens idosos no Brasil. Cien Saude Colet. 2012;17(10):2665-74. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232012001000016.
http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232012...
. No cenário estudado, apesar das afirmações e enunciações do desejo de morrer, a procura e a utilização dos serviços de saúde eram negadas pelas mulheres, provavelmente por questões referentes ao sofrimento psíquico intenso.

Meu irmão sempre marcava consulta para ela com esse pessoal, psicólogo, esse povo da área, mas ela nunca quis” (Violeta);

Eu sempre insisti para ela se tratar dessa depressão e do alcoolismo, tinha postinho de saúde aqui perto, mas ela não ia (Hortênsia).

Apesar das vivências das mulheres com transtorno mental estivessem inseridas em um contexto interiorano do Rio Grande do Norte, a cidade em questão conta com Rede de Atenção Psicossocial robusta para os moldes brasileiros, incluindo dois Centros de Atenção Psicossocial tipo III. Porém, mesmo após a Reforma Psiquiátrica brasileira, que reorientou o modelo de atenção em saúde mental, é importante enfatizar que o auto-estigma e o tabu envoltos aos transtornos mentais ainda impedem a procura das pessoas pelos serviços de saúde.

Ademais, nos bairros em que as mulheres que morreram por suicídio residiam há cobertura integral da Estratégia Saúde da Família. Isso é pontuado por que o cuidado em saúde mental engloba diversos serviços de saúde que vão além do hospital psiquiátrico, assim, torna-se evidente o papel importante da atenção básica à saúde, que deve funcionar, incluindo a saúde mental, na perspectiva da construção de uma lógica baseada na territorialização, corresponsabilização e integralidade das práticas.

“Ela chegava toda machucada”: violência de gênero e conflitos familiares

Nesta categoria aborda-se as experiências conjugais/ familiares das mulheres e de que maneira os conflitos e as desigualdades de gênero afetaram os vínculos afetivos e podem relacionar-se com o comportamento suicida.

Na vida adulta das mulheres no sertão nordestino, é comum o desempenho de papéis de gênero tradicionais, em que as mulheres se ocupam pelo cuidado da casa e dos filhos e pela organização da vida conjugal. Para muitas delas, o casamento e a gravidez são obrigações impostas pela família e sociedade1818 Azevedo AKS, Dutra EMS. Era uma vez uma história sem história: pensando o ser mulher no Nordeste. Pesqui. prát. Psicossociais. 2019;14(2):1-14.. Quando essas regras são supostamente quebradas, há também frustração de expectativas.

Ela se separou do marido por que ele queria ter filhos e ela não quereria; ela já tinha dois filhos de outro casamento, mas, dele, ela não queria ter filho, é engraçado, você gostar de um homem e não querer ter filho dele (Margarida).

A sociedade patriarcal impõe às mulheres a manutenção de uma família como obrigatoriedade, pois, nesse modelo social vigente, é por meio do casamento e da maternidade que é assegurada à mulher um lugar como pessoa1818 Azevedo AKS, Dutra EMS. Era uma vez uma história sem história: pensando o ser mulher no Nordeste. Pesqui. prát. Psicossociais. 2019;14(2):1-14.. Outrossim, é naturalizado o fato de que elas abdiquem de suas próprias vontades e desejos para satisfazer os interesses dos homens2626 Marquetti FR, Marquetti FC. Suicídio e feminilidades. Cadernos Pagu. 2017;15(49):1-20., fato que cerceia o modo de vida feminino, (re)produz sofrimentos e iniquidades de todas as ordens, refletir no surgimento de comportamento suicida.

Quando as situações expostas se referem a mulheres do interior do Nordeste brasileiro, é importante destacar que o isolamento do sertão, as circunstâncias locais de povoamento, as condições ambientais de clima e a formação dessa sociedade patriarcal altamente estratificada, podem motivar e influenciar o surgimento do comportamento suicida1818 Azevedo AKS, Dutra EMS. Era uma vez uma história sem história: pensando o ser mulher no Nordeste. Pesqui. prát. Psicossociais. 2019;14(2):1-14..

Entende-se que a desigualdade de poder entre os gêneros constitui-se como violência2828 Stark E. Coercive control: how men entrap women in personal life. Oxford: Interpersonal Violence Oxford/Oxford University Press; 2007.. Neste estudo, identificaram-se diferentes tipos de violência sofrida pelas mulheres que se mataram.

Ela tinha conseguido um emprego para ser professora, e, para não deixar ela ir trabalhar, meu pai rasgou todos os documentos dela (Violeta);

Um dia, ela arrumou um homem e ele fazia muita pressão nela, ela sofria violência psicológica, era muita pressão (Petúnia);

Ela chegava toda machucada na minha casa, o marido era muito violento, ela apanhou muito dele, ela não falava que apanhava, mas a gente via, dava para ver as marcas no corpo (Camélia).

Há fortes evidências na literatura científica que demonstram a relação entre comportamento suicida e exposição prolongada a situações violentas, pois a mulher que sofre violência passa por um processo de baixa autoestima, medo, sentimento de impotência e sofrimento psíquico, capaz de reverberar em ansiedade, sintomas depressivos, Trasntorno do Estresse Pós-Traumático e pode culminar em desejo intenso de morrer2929 Sagot M. Ruta critica de lãs mujeres afectadas por La violência intrafamiliar em América Latina: estúdios de casos de diez países. Washington: OPAS; 2000..

Além disso, no seio familiar, as desigualdades produzidas por gênero são as principais causas determinantes das relações violentas que se constituem, ou seja, a face misógina do poder masculino na sociedade é representada na vida privada3030 Saffioti HIB. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Editora Perseu Abramo; 2004.. No cenário estudado, embora se reconheçam os atos violentos, o silenciamento e a opressão gerada por tais atos colaborava para a continuidade dos processos violentos, vulnerabilizando as mulheres e intensificando os processos de sofrimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observou-se que, ao longo da vida de mulheres que morreram por suicídio em um município do sertão do Rio Grande do Norte, houve enunciação do desejo de morrer, relacionada a fatores emocionais, transtornos mentais, conflitos familiares e presença de violência de gênero. O cerceamento do modo de vida feminino foi capaz de trazer prejuízos no campo subjetivo e da história de vida, vulnerabilizando e potencializando o comportamento suicida.

Ressalta-se a importância do surgimento e implementação de políticas e estratégias eficazes de prevenção ao suicídio em áreas remotas do Brasil. Aponta-se para a necessidade de esforços e ações que passem necessariamente pela Rede de Atenção Psicossocial, pela educação da população sobre transtornos mentais e pelo fortalecimento da Atenção Primária em Saúde. Nesse sentido, este estudo colaborou para fornecer maior visibilidade ao suicídio de mulheres em um contexto psicossocial.

As limitações deste estudo dizem respeito aos vieses de memória e informação, pois reconhece-se a dificuldade, envolta de tabus, de evocar enunciados estigmatizantes. Portanto, as informações fornecidas podem conter algumas omissões ou lacunas históricas e temporais para a compreensão do fenômeno. No entanto, as estratégias metodológicas e a experiência dos pesquisadores procuraram dirimir esses aspectos.

  • Como citar: Dantas ESO, Silva GWS, Guimarães J. Aspectos psicossociais do suicídio em mulheres do sertão do Rio Grande do Norte, Brasil. Cad Saúde Colet, 2022; Ahead of Print. https://doi.org/10.1590/1414-462X202230020077
  • Trabalho realizado no município de Caicó (RN), Brasil.
  • Fonte de financiamento: financiamento próprio dos autores.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    06 Mar 2020
  • Aceito
    28 Out 2020
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