Resumo
Introdução: O Toxoplasma gondii, parasito intracelular obrigatório, é o agente etiológico da toxoplasmose, a qual acomete cerca de um terço da população mundial.
Objetivo: Analisar a frequência da infecção por Toxoplasma gondii em gestantes em Foz do Iguaçu e verificar possíveis fatores de associação a infecção.
Método: Foi realizado um estudo transversal retrospectivo (dados de 2017) que avaliou exames sorológicos, pesquisa de anticorpos IgG e IgM para T. gondii durante a gestação e possíveis fatores de associação a infecção, a partir das fichas de pré-natal das gestantes em unidades de saúde, Foz do Iguaçu/PR. O teste do χ2 para tendência foi utilizado para análise dos dados e, o odds ratio (OR) para estimar a chance de associação entre as variáveis.
Resultados: Das 1.000 fichas de pré-natal analisadas, 78,1% apresentaram registro de sorologia para T. gondii, das quais, 34,0% eram imunes ao T. gondii, 3,9% apresentaram anticorpos IgG e IgM e 66,0% eram suscetíveis. A maioria das gestantes iniciaram o pré-natal no primeiro trimestre 467 (60,0%). Houve predominância de gestantes com mais de uma gestação 200 (44,0% — p=0,00001), brasileiras 259 (35,1% — p=0,0112), idade >41 anos 7 (63,6%), ensino médio completo 125 (37,8% — p<0,05) e de cor da pele branca 140 (38,5% — p=0,0164).
Conclusões: Os fatores associados a frequência da infecção nas gestantes devem ser considerados durante o pré-natal para a prevenção da infecção.
Palavras-chave: toxoplasma; toxoplasmose; gestantes; suscetibilidade a doenças; diagnóstico pré-natal
Abstract
Background: The Toxoplasma gondii, an obligatory intracellular parasite, is the etiological agent of toxoplasmosis, which affects approximately one third of the world's population.
Objective: To analyze the frequency of Toxoplasma gondii infection in pregnant women in Foz do Iguaçu and possible factors associated with the infection.
Method: A retrospective cross-sectional study (2017 data) was carried out, which evaluated serological tests, IgG and IgM antibodies for T. gondii during pregnancy and possible factors associated the infection, based on the prenatal records of pregnant women in health units, Foz do Iguaçu/PR. The χ2 test for trend was used for data analysis, and the odds ratio (OR) to estimate the chance of association between variables.
Results: Of the 1,000 prenatal records analyzed, 781 (78.1%) had serology records for T. gondii, of which 265 (34.0%) were immune to T. gondii, 31 (3.9%) had IgG and IgM antibodies, and 516 (66.0%) were susceptible. Most pregnant women started prenatal care in the first trimester 467 (60.0%). There was a predominance of pregnant women with more than one pregnancy 200 (44.0% — p=0.00001), Brazilian 259 (35.1% — p=0.0112), aged >41 years old 7 (63.6%), complete high school 125 (37.8% — p<0.05), and of white skin color 140 (38.5% — p=0.0164).
Conclusions: An average frequency of infection was identified among pregnant women. The associated factors evidenced should be considered during prenatal care, along with educational actions to prevent infection.
Keywords: toxoplasma; toxoplasmosis; pregnant women; disease susceptibility; prenatal diagnosis
INTRODUÇÃO
A toxoplasmose é uma doença parasitária negligenciada, causada pelo protozoário Toxoplasma gondii e considerada uma importante zoonose com ampla distribuição ao redor do mundo, especialmente no Brasil. Estima-se que 75% da população brasileira tenha memória imunológica anti-T. gondii1, sendo que, nas regiões Sudeste e Sul do país, a soroprevalência varia entre 31 a 64,4%2. No norte do Paraná, Londrina, em 2015 foi registrado um surto de toxoplasmose em uma instituição de pesquisa; de 674 pessoas investigadas, 73 (10,8%) apresentaram evidências de toxoplasmose aguda3. Em Foz do Iguaçu, em 2020, de 332 pacientes investigados, portadores do vírus da imunodeficiência humana acompanhados no Serviço de Assistência Especializada, 111 (33,4%) apresentaram sorologia para toxoplasmose4.
Do ponto de vista epidemiológico, os gatos, por serem os hospedeiros definitivos do T. gondii, são considerados os reservatórios mais importantes na cadeia de transmissão da toxoplasmose em animais e humanos5. Assim sendo, a toxoplasmose pode ser transmitida na forma adquirida ou congênita5, e as principais formas de contágio são: ingestão de carne crua ou malcozida contendo cistos teciduais; ingestão de oocistos presentes na água e alimentos, ou por transmissão direta, pelo manuseio da terra e areia contaminadas com fezes de gatos6,7; e, ainda pela transplacentária por taquizoítos8. Dados relatam que a forma congênita tem sido registrada anualmente com cerca de 200 mil novos casos e uma incidência de aproximadamente 1,5 casos por 1.000 nascidos vivos9.
A transmissão transplacentária ocorre em casos de primo-infecção e recrudescimento (retorno dos sintomas de uma doença de forma mais grave), devido imunodeficiência ou imunossupressão10. Dependendo do trimestre em que a infecção ocorre, as consequências são irreversíveis para o feto, uma vez que, durante o primeiro trimestre de gestação, a infecção pode ser mais grave devido ao desenvolvimento ontogenético do feto. Além disso, 20,0% deles podem apresentar sinais clínicos significativos, tais como lesões do sistema nervoso central11 ou até mesmo morte intrauterina12.
Não obstante, o risco de transmissão fetal aumenta consideravelmente com a evolução da idade gestacional, chegando a variar de 4,5-17% no primeiro trimestre a 65-75% no terceiro11,13. Caso a transmissão aconteça no terceiro trimestre, as lesões neurológicas podem ser ausentes, porém alguns recém-nascidos infectados apresentam infecção subclínica com risco de desenvolver lesões oculares em algum momento de sua vida11,12.
Quanto ao diagnóstico da toxoplasmose, ainda existem dificuldades relacionadas ao início tardio do pré-natal, o que prejudica a detecção da doença. As formas usadas para realizar a detecção precoce consistem no método clínico, com sintomas inespecíficos, comuns a outras doenças, e no laboratorial, por métodos indiretos, relacionados a presença ou não de anticorpos IgG (memória imunológica) e IgM (infecção aguda/ativa) anti-T. gondii, sendo que a pesquisa dos anticorpos IgG e IgM deve ser realizada logo no primeiro trimestre da gestação para definir o esquema de tratamento e impedir a transmissão fetal14.
Não obstante, o estudo da toxoplasmose gestacional em Foz do Iguaçu, Brasil, município fronteiriço com o Paraguai e a Argentina, se faz importante em virtude do acesso aos serviços de saúde a pacientes estrangeiros moradores ou não no município15.
Além disso, o município abrange 81 nacionalidades, dentre elas, a paraguaia é quem lidera o ranking, seguido da chinesa, libanesa e argentina16, associadas a uma grande diversidade cultural e diferentes hábitos higiênicos, corroborando para a fragilidade das condições sanitárias17, resultando em preocupação para a saúde pública iguaçuense.
Dentro desse contexto, estudos que investiguem a presença de anticorpos anti-T. gondii em gestantes, principalmente em região fronteiriça, contribuem como instrumento de apoio ao Sistema Único de Saúde, seja para estabelecimento de prioridades ou para alocação de recursos ou orientação programática18.
Além do mais, podem proporcionar bases no sentido de potencializar a ação dos profissionais de saúde na atenção e vigilância da toxoplasmose gestacional, sendo que as ações devem ocorrer de forma conjunta e integrada com as diferentes áreas — saúde da mulher, saúde da criança e assistência farmacêutica — para o estabelecimento de medidas. Tais medidas devem abranger o diagnóstico precoce da toxoplasmose e o tratamento direcionado à gestante e/ou ao recém-nascido, no intuito de se evitar a infecção e a morte fetal19.
Dessa forma, este estudo objetivou determinar a frequência da infecção por T. gondii em gestantes atendidas em Unidades Básicas de Saúde dos cinco distritos sanitários de Foz do Iguaçu e verificar possíveis fatores de associação que contribuam para a positividade da infecção pelo parasito.
MATERIAIS E MÉTODOS
Trata-se de um estudo transversal e de caráter quantitativo, baseado na revisão retrospectiva dos resultados sorológicos para toxoplasmose. Para tanto, foram analisados dados secundários coletados a partir das fichas de pré-natal de 100% das gestantes cadastradas (n=1.000) na Atenção Primária a Saúde composta pelo conjunto integral das Unidades Básicas de Saúde (UBS) (n=27) em todos os distritos sanitários (Norte, Nordeste, Leste, Oeste e Sul) do município de Foz do Iguaçu, Paraná20.
Foz do Iguaçu é uma cidade brasileira localizada na Região Oeste do estado do Paraná. Sua área geográfica é de 617,7 km², composta por uma população de 256.088 mil habitantes21.
Os critérios de inclusão foram todas as fichas de pré-natal com registro de resultados de sorologias para toxoplasmose das gestantes cadastradas nas UBS durante o período gestacional e que residiam no município de Foz do Iguaçu. A coleta de dados teve início após autorização do Coordenador(a) geral, da(o) enfermeira(o) e do(a) gerente de cada UBS, e foi realizada em uma única etapa, no mês abril de 2018, considerando o período de janeiro a dezembro de 2017. Foram excluídos os prontuários das gestantes sem registro de resultados de exames de sorologia para toxoplasmose e de anos anteriores a 2017.
Para a obtenção dos dados foi utilizado um instrumento de coleta estruturado e pré-testado para avaliar as variáveis dependentes e independentes presentes na ficha de pré-natal:
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Variável dependente: resultados de exames sorológicos pelo método ELISA (enzyme linked immnosorbent assay), que detectam anticorpos da classe IgM e/ou IgG específicos para toxoplasmose durante a gestação, sendo o ponto de corte 11,0 UI/mL para a pesquisa de IgG e de 0,9 UI/mL para IgM, ambos da Katal (Interteck®). Os resultados foram expressos como reagentes ou não reagentes, tanto para a IgG quanto para a IgM, podendo ser encontradas as seguintes situações: sororeatividade (IgG reagente/IgM reagente; IgG reagente/IgM não reagente; IgG não reagente/IgM reagente) e susceptibilidade (IgG não reagente/IgM não reagente);
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Variáveis independentes: características sociodemográficas da gestante: nacionalidade, idade, cor da pele, situação conjugal (com companheiro/sem companheiro), escolaridade; e obstétricas: data do início do pré-natal, número de consultas e número de gestações. Para a tabulação dos dados, foi utilizado o software Excel® (Microsoft Office 2013, Microsoft Corporation, EUA), sendo possível a realização da estatística descritiva com produção de números absolutos, percentuais e médias. A associação entre o estado parasitado (variável dependente) e as variáveis independentes foram avaliadas com o teste qui-quadrado (χ2) de Pearson22. Todas as variáveis que obtiveram p≤0,20 na análise de qui-quadrado foram incluídas na análise multivariada Odds Ratios (OR), intervalo de confiança 95%, α<0,05. As análises foram realizadas utilizando o software BioEstat versão 5.0®.
O desenvolvimento da pesquisa se deu após a aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos (CEP) da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, segundo o parecer de número 2.676.035.
RESULTADOS
Ao avaliar os dados das gestantes que realizaram exames de pré-natal para toxoplasmose no ano de 2017, percebeu-se que das 1.000 fichas de pré-natal pesquisadas, em 219 (22,0%) não havia registro da situação sorológica no pré-natal; desta forma, foram excluídas do estudo, restando 781 prontuários, indicando assim uma limitação do estudo.
A soropositividade de anticorpos IgG e/ou IgM anti-T.gondii estimada em 781 gestantes foi de 265 (340%) e destas 31 (3,9%) apresentaram anticorpos IgG e IgM reagentes. A suscetibilidade, ou seja, gestantes não infectadas, foi encontrada em 516 (66,0%) da amostra (Tabela 1).
Resultados de sorologias para toxoplasmose em gestantes de Foz de Iguaçu, Paraná, Brasil, 2017
Ao avaliar a captação precoce, verificou-se que 467 (600%) gestantes iniciaram o pré-natal no primeiro trimestre, com mediana de 10 semanas (intervalo interquartil: 8-17 semanas).
O número de consultas de pré-natal foi de sete ou mais para 493 (63,0%) gestantes, quatro a seis para 154 (20,0%) e uma a três para 95 (12,0%). Não foi possível identificar o número de consultas de pré-natal para 39 (5,0%) mulheres, visto que o preenchimento das fichas de pré-natal estava falho (Tabela 2).
Número de consultas de pré-natal de gestantes cadastradas nas Unidades Básicas de Saúde de todos os distritos sanitários de Foz do Iguaçu, Paraná, Brasil, 2017
Ao avaliar o número de gestações, observou-se predomínio de gestantes que tiveram mais de uma gestação, reagentes a presença de anticorpos IgG e/ou IgM, 200/454 (44,0%) (p=0,00001) (Tabela 3).
Associação de características obstétricas à infecção pelo T. gondii em gestantes de Foz de Iguaçu, Paraná, Brasil, 2017
Com relação aos aspectos sociodemográficos, na Tabela 4 observou-se predomínio de gestantes brasileiras 259/737 (35,1%) (p=0,0112), idade >41 anos 7/11 (63,6%), ensino médio 125/330 (37,8%) (p<0,05) e cor da pele branca 140/363 (38,5%) (p=0,0164).
Associação de características sóciodemográficas a infecção pelo T. gondii em gestantes de Foz de Iguaçu, Paraná, Brasil, 2017
Foram incluídas todas as variáveis com p≤0,20 para a realização da análise logística multivariada. No modelo final, permaneceram três fatores associados, no entanto, somente um estava diretamente associado à infecção por T. gondii em gestantes cadastrada nas UBS de Foz do Iguaçu (Tabela 5).
Análise multivariada das características obstétricas e sóciodemográficas associadas à infecção pelo T. gondii em gestantes de Foz do Iguaçu, Paraná, Brasil, 2017
Para a variável “Número de gestação”, foi observado que gestantes que tiveram “>que 01 gestações” apresentam 3,3 vezes mais chance de adquirir a infecção por T. gondii quando comparado aquelas que tiveram uma gestação (p=0,0011) (Tabela 5).
DISCUSSÃO
A soropositividade de anticorpos IgG e/ou IgM anti-T. gondii identificada na população estudada (34,0%), esteve próxima às de outras regiões do Brasil, como no município de Divinópolis-Minas Gerais, que encontrou soropositividade de 45 e 38% de anticorpos IgG anti-T. gondii, durante 2013 e 2014, respectivamente23, em Aracaju, Sergipe, com 48,09%, no período de janeiro de 2014 a setembro de 201524.
Por outro lado, os resultados encontrados no presente estudo foram inferiores aos da Maternidade Climério de Oliveira, da Universidade Federal da Bahia, onde a soropositividade foi de 51,0%25, no município de Ponta de Pedras, Pará, que encontrou prevalência de 68,3%26. No entanto, algumas regiões possuem índices ainda mais altos de infecção, como no estudo realizado no Oiapoque, Amapá, com prevalência de 73,4%27 e em Caxias, Maranhão onde a prevalência foi de 77,9%28.
A explicação mais possível para tais diferenças na soropositividade da infecção por T. gondii pode ser devido a diferenças de status socioeconômico, populações amostradas, idade23,24, ou ainda nível de alfabetização dos participantes do estudo25, exposição ambiental26 e carência de informações sobre as medidas de prevenção e agravos da doença29.
No presente estudo, a soropositividade de anticorpos IgG e IgM de 31 (3,9%), indicando uma provável infecção em curso, vai de encontro com a evidenciada em Aracaju-, Sergipe onde foi observada prevalência de 1,5% de infecção ativa (IgM) nas gestantes, no período de janeiro de 2014 a setembro de 201524.
O percentual de gestantes vulneráveis ao T. gondii identificado no presente estudo, é superior ao evidenciado por Avelar et al.25 na Bahia, 350 (50,0%); Morais et al.26 no Pará, 176 (31,7%); Miranda et al.27 no Amapá, 221 (22,3%) e Câmara et al.28 no Maranhão, 124 (22,1%), requer a necessidade da implantação de medidas de prevenção primária devido à possibilidade de acontecer a soroconversão e infecção aguda durante o período gestacional. Contextualizando, um estudo realizado em Foz do Iguaçu no ano de 2019, avaliou conhecimento de gestantes sobre toxoplasmose e, verificou que, de um total de 82 gestantes investigadas, aproximadamente 79,2% não responderam às perguntas de conhecimentos gerais sobre a doença30.
Dessa forma, tendo em vista os diferentes mecanismos de transmissão do T. gondii, ingestão de alimentos, frutas e verduras contaminados com oocistos, ingestão de carne crua ou malpassada contendo cistos teciduais6,7 e, transmissão transplacentária por meio de taquizoítos8, é importante que a população estudada esteja orientada quanto a realização da higienização das frutas, legumes e verduras em água corrente antes do consumo, de acordo com as seguintes instruções: lavar os alimentos, individualmente, em água potável corrente; desinfectá-los através da imersão em solução clorada por 10 minutos: diluir uma colher de sopa de água sanitária em um litro de água; lavar os alimentos novamente, individualmente, em água potável corrente; congelar carne antes do preparo em freezer doméstico a uma temperatura de 18°C negativos, por no mínimo sete dias e, evitar o consumo da carne crua ou malcozida, cozinhando-a pelo menos a 67°C31.
Visto que este trabalho, objetivou identificar a presença ou a ausência de anticorpos específicos para T. gondii, não foram usados os valores dos títulos na apresentação dos resultados. Os mesmos foram substituídos por sinal de regente (+ positivo) ou não reagente (- negativo) desses anticorpos. Uma vez que as fichas de pré-natal analisadas utilizavam esse padrão de resultado.
No presente estudo, pouco mais da metade das gestantes iniciaram o pré-natal no primeiro trimestre. Esse percentual indica a reflexão sobre a realização ao pré-natal no município de Foz do Iguaçu, que, embora não esteja próximo ao preconizado pelo Ministério da Saúde32, foi superior ao percentual observado em Maceió, Alagoas (34,5%)33.
O diagnóstico de infecção pelo T. gondii, durante a gestação é de suma importância para definir o esquema de tratamento e reduzir a chance de transmissão fetal32. De acordo com a recomendação do programa “Rede Mãe Paranaense”34, implantado em 2012 pela Secretaria de Estado do Paraná, a sorologia para toxoplasmose deve ser realizada no início do primeiro trimestre de gestação (IgG e IgM) e repetida no início do segundo e terceiro trimestre, caso a gestante for suscetível (IgM e IgG não reagente). Logo, gestantes com infecção aguda (IgM positivo e IgG negativo), em qualquer período gestacional, devem iniciar tratamento com espiramicina imediatamente34.
O número de gestações esteve relacionado com a soropositividade da infecção, indicando probabilidade de 3,3 vezes mais chance de adquirir a doença (p=0,0011). Em uma cidade do Nordeste do Brasil, observou-se que as mulheres em sua terceira gestação apresentaram 1,9 vezes mais chances de adquirir a infecção pelo T. gondii (86/102 — p<0,05) quando comparadas às gestantes primigestas soropositivas para anticorpo IgG29.
A nacionalidade também esteve relacionada a soropositividade da infecção entre as gestantes, sendo a maioria brasileiras (p=0,0112), com idade, embora não significante, >41 anos. Uma investigação com 47 gestantes atendidas em uma Unidade de Saúde da Família, na cidade de Maceió, Alagoas, Brasil, mostrou que quanto maior a idade da gestante, maior é a chance da soropositividade, pois há o aumento do tempo de exposição aos fatores de risco por T. gondii e, prevalência de anticorpos de fase crônica IgG33. A observação de gestantes com maior idade também foi evidenciada em um estudo desenvolvidos com gestantes em Ponta de Pedras, no Estado do Pará27, e com gestantes atendidas na Maternidade Climério de Oliveira, da Universidade Federal da Bahia26.
Ao contrário, quanto menor a idade, maior é a probabilidade da doença em sua forma aguda (IgM), o que gera preocupação, pois as gestantes com infecção aguda ou com a reativação da doença por queda na imunidade apresentam risco de transmitir o agravo via transplacentária, sendo as taxas de transmissão 25,0% no primeiro trimestre, 54,0% no segundo e 65,0% no terceiro35. Nesse contexto, um estudo mostrou que dentre as gestantes soropositivas, 36% estavam na faixa etária entre 13 a 20 anos, 56,5% com escolaridade de nove a 11 anos de estudo, e 89,6% se declararam de cor parda36.
Detectou-se relação da cor da pele com a soropositividade da infecção (p=0,0164), associando-se a um estudo realizado em Coacal, Rondônia, que observou, dentre 30 gestantes soropositivas da amostra investigada, 60,0% eram de cor branca, 36,67% parda e 3,33% preta, indicando vulnerabilidade da cor branca ao contágio por T. gondii35.
A escolaridade indicou relação (p=0,0553) com a soropositividade da infecção, sendo o grau de escolaridade ensino médio completo, indicando possível relação com a ausência de informação, como mostra um estudo realizado em Maceió, Alagoas, revelando que 79,3% da amostra total eram gestantes com baixa escolaridade (ensino fundamental e ensino médio incompleto)33, em Salvador, Bahia, também foi observado que 64,0% eram gestantes com baixa escolaridade26.
Quanto a limitação evidenciada no presente estudo, o preenchimento correto das fichas de pré-natal é fundamental para que se possa ter o registro de sorologia para o T. gondii33. Dessa forma, a ausência do preenchimento de 22,0% das fichas de pré-natal observada no presente estudo, requer necessidade de maior a atenção do profissional da saúde no momento do preenchimento da ficha, afim de se reduzir tal limitação.
CONCLUSÃO
Conclui-se que foi médio o número de gestantes com sorologia positiva para T. gondii. No entanto, mais de 60,0% das gestantes investigadas apresentam risco para infecção e possível transmissão fetal. Houve predominância de gestantes com duas ou mais gestações, nacionalidade brasileira, cor da pele branca, faixa etária >41 anos e ensino médio completo. Pouco mais da metade das gestantes iniciaram o pré-natal no primeiro trimestre.
O estudo indica a necessidade de reforçar as orientações educativas em saúde e acompanhamento às gestantes. Ressalta-se, que as orientações devem ser realizadas durante todo o acompanhamento gestacional, destacando os fatores de risco e medidas de prevenção para todas gestantes, em especial às gestantes suscetíveis, no intuito de reduzir a possibilidade de soroconversão e transmissão fetal durante a gestação.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
08 Dez 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
-
Recebido
01 Mar 2021 -
Aceito
26 Jul 2021