Resumo
Introdução: O envelhecimento populacional está entre as transformações globais mais importantes. Na população idosa, há prevalência aumentada de condições crônicas que comprometem a autonomia relacionadas ao comprometimento cognitivo.
Objetivo: Este estudo buscou estimar a prevalência de comprometimento cognitivo e os fatores associados em uma população de idosos.
Método: Trata-se de pesquisa transversal analítica envolvendo idosos com 60 anos ou mais, cadastrados na Estratégia Saúde da Família de Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. Para caracterização dos fatores sociodemográficos, hábitos de vida e condições de saúde, utilizou-se o instrumento Brazilian Older Americans Researches and Service Multidimensional Function Assessment Questionnaire; para avaliação cognitiva, o Mini Exame do Estado Mental, e os resultados, ajustados por escolaridade na análise de regressão logística binária, com apresentação de odds ratio (OR) e intervalos de confiança (IC) de 95%.
Resultados: Dos 1.746 idosos avaliados, 11,5% apresentaram comprometimento cognitivo. Os fatores de risco associados foram idosos acima de 80 anos (OR=4,463; IC95% 3,160–6,304); analfabetos (OR=3,996; IC95% 2,716–5,791); sem companheiro (OR=1,989; IC95% 1,388–2,850); sedentários (OR=1,777; IC95% 1,208–2,613) e com histórico de Acidente Vascular Cerebral (OR=3,635; IC95% 2,213–5,971).
Conclusões: Comprometimento cognitivo foi associado a variáveis passíveis de ações preventivas, como o acesso à escolarização e hábitos de vida saudáveis.
Palavras-chave: saúde do idoso; disfunção cognitiva; prevalência
Abstract
Background: Population aging is among the most important global transformations. In the elderly population, there is an increased prevalence of chronic conditions that compromise autonomy, related to cognitive impairment.
Objective: This study sought to estimate the prevalence of cognitive impairment and associated factors in an elderly population.
Method: This is a cross-sectional and analytical survey involving elderly people aged 60 years old or older, registered with the Family Health Strategy of Montes Claros, Minas Gerais, Brazil. To characterize sociodemographic factors, life habits and health conditions, the Brazilian Older Americans Researches and Service Multidimensional Function Assessment Questionnaire was used; for cognitive evaluation, the Mini Mental State Examination, and the results adjusted for education in the binary logistic regression analysis, with the presentation of odds ratios (OR) and 95% confidence intervals (CI).
Results: Of the 1,746 aged individuals evaluated, 11.5% presented cognitive impairment. The associated risk factors were elderly over 80 years old (OR=4.463; 95%CI 3.160–6.304); illiterate (OR=3.996; 95%CI 2.716–5.791); without companion (OR=1.989; 95%CI 1.388–2.850); sedentary (OR=1.777; 95%CI 1.208–2.613), and with a history of stroke (OR=3.635; 95%CI 2.213–5.971).
Conclusions: Cognitive commitment was associated with variables susceptible to preventive actions, such as access to schooling and healthy living habits.
Keywords: health of the elderly; cognitive dysfunction; prevalence
INTRODUÇÃO
O envelhecimento populacional está entre as transformações globais mais importantes. Dados recentes demonstram que 12% da população mundial tem 60 anos ou mais e, em meados deste século, chegará a 21,5%1,2. No Brasil, estima-se que as pessoas com 60 anos ou mais representem cerca de 13,4% da população total e que, em 2.060, os idosos serão 32,2% da população brasileira3.
Na população idosa, há prevalência aumentada de condições crônicas que comprometem a autonomia, relacionadas ao comprometimento cognitivo4. Quando o comprometimento cognitivo é leve (CCL), ele não necessariamente preenche os parâmetros clínicos para diagnóstico de demência, apesar de corresponder a declínio em pelo menos um dos domínios cognitivos e poder gerar prejuízo na capacidade de realizar tarefas complexas. Entretanto, o CCL pode corresponder a uma etapa incipiente de uma das modalidades de demência, como Alzheimer5. Atualmente, estima-se que entre 5 e 8% da população mundial acima de 60 anos, ou 50 milhões de pessoas, tenha demência. A projeção é de que, em 2030, serão 82 milhões de pessoas, e em 2050, 152 milhões com essa condição5.
As demências são uma das condições mais incapacitantes e onerosas à saúde6. Em torno de 60% dos idosos com demência vivem em países de baixa e média renda, onde a prevalência desse transtorno está se expandindo rapidamente5,6. Os custos relacionados a esse problema foram estimados em 818 milhões de dólares em 2015, ou 1,1% do Produto Interno Bruto global5.
A manifestação clínica característica da demência é um declínio cognitivo importante a partir de nível anterior de desempenho em um ou mais domínios cognitivos (atenção complexa, função executiva, aprendizagem e memória, linguagem, preceptomotor ou cognição social), o que seria suficiente para causar comprometimento social ou ocupacional7.
Os testes de rastreamento podem identificar pessoas com demência não diagnosticada e assim permitir que os pacientes e suas famílias recebam cuidados em estágio inicial da doença. Dessa forma, o diagnóstico precoce contribui para a redução de danos, e estabelecendo abordagens terapêuticas que retardem a velocidade da evolução do comprometimento cognitivo8.
Os testes de rastreamento são ferramentas que podem ser usadas no contexto da Atenção Primária para avaliação da pessoa idosa, pois fornecem uma indicação da extensão do problema cognitivo e monitoram o nível de desempenho cognitivo ao longo do tempo9.
Assim, o objetivo deste estudo foi estimar a prevalência de comprometimento cognitivo e fatores associados em uma população de idosos.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo transversal e analítico realizado no município de Montes Claros, ao norte de Minas Gerais, Brasil. Sua população estimada é de 400 mil habitantes3. O Índice de Desenvolvimento Urbano do município é considerado alto pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, com indicadores semelhantes aos da média nacional10.
A amostra populacional foi constituída por idosos cadastrados e acompanhados pelas equipes urbanas da Estratégia Saúde da Família (ESF), vinculadas à Residência Médica em Medicina de Família e Comunidade. Foram definidos como critérios de inclusão: apresentar idade igual ou superior a 60 anos e ser cadastrado e acompanhado por equipe de ESF urbana. Como critérios de exclusão, foram definidos: idosos gravemente enfermos e acamados que não tivessem condições de responder ao questionário ou idosos hospitalizados durante o período de coleta de dados.
O cálculo amostral foi feito pela fórmula para população infinita. O tamanho da amostra foi definido a partir da população estimada de 33.930 pessoas com 60 anos ou mais, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Considerou-se a frequência do evento estudado de 50%, por se tratar de uma frequência conservadora, que produz um tamanho amostral maior. O nível de confiança definido foi de 95%, a margem de erro amostral de 3% e, ao final, o valor obtido foi multiplicado por um fator de correção pelo efeito do desenho (“deff”) igual a 2. Ao valor obtido, foi acrescido um percentual de 10% para compensação de possíveis perdas. Assim, estimou-se a participação de, no mínimo, 1.708 idosos.
A seleção da amostra foi do tipo probabilística por conglomerados em dois estágios. No primeiro estágio, foi realizado o sorteio dos polos regionais de saúde, tomadas como unidades conglomeradas; já no segundo estágio, foram sorteadas as equipes da Estratégia de Saúde da Família (ESF)/microáreas assistidas, em que todos os idosos residentes foram convidados a participar do estudo (Figura 1).
Organograma para seleção da amostra de idosos, conglomerados em dois estágios. ESF e microáreas
Definiram-se como perdas idosos não localizados em suas residências após, pelo menos, três visitas em dias e horários diferentes, mesmo após agendamento prévio. A coleta de dados foi realizada por entrevistadores previamente capacitados — em estudo piloto — e ocorreu entre setembro de 2016 e maio de 2017, nos domicílios dos participantes.
O instrumento utilizado para a coleta de dados foi o Brazilian Older Americans Researches and Service Multidimensional Function Assessment Questionnaire (BOMFAQ), adaptado e validado no Brasil11. Esse instrumento é constituído por 60 questões que analisam dados sociodemográficos, capacidade funcional, saúde física e saúde mental, a utilização de serviços de saúde, além da integração social. A partir desse instrumento, foram identificadas as variáveis sociodemográficas (sexo, raça/cor autodeclarada, faixa etária, estado conjugal, renda familiar mensal e escolaridade), hábitos de vida (tabagismo e atividade física regular), condições de saúde (hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, internação hospitalar nos últimos seis meses e Acidente Vascular Cerebral — AVC). A variável faixa etária foi categorizada em 60 a 79 anos e 80 e mais anos; estado conjugal categorizada em sem companheiro e com companheiro; renda familiar mensal em <1 salário mínimo, 1 a 2 salários mínimos e maior que 2 salários mínimos; e escolaridade em analfabeto, baixa/média (ensino básico e médio) e alta (ensino superior).
Para a avaliação cognitiva, foi utilizado o Mini Exame do Estado Mental (MEEM), também conhecido como Mini Mental12, contido no BOMFAQ. Neste estudo, foram utilizados os escores propostos por Bertolucci et al.13, que são 13 para caso e 14 para não caso em idosos analfabetos; 18 para caso e 19 para não caso em idosos com baixa e média escolaridade (oito anos incompletos); e 26 para caso e 27 para não caso em idosos com alta escolaridade (oito anos ou mais).
Os dados foram analisados por meio do software Statiscal Package for the Social Science, versão 20® (IBM SPSS Statistics for Windows, Chicago, EUA). Inicialmente, realizou-se a análise descritiva mediante a apresentação de valores absolutos e percentuais. Para verificar a associação entre comprometimento cognitivo e as variáveis sociodemográficas, hábitos de vida e condições de saúde foi realizada a análise bivariada por meio do teste χ2 de Pearson. As variáveis que apresentaram p menor ou igual a 0,05 na análise bivariada foram incluídas na análise de regressão logística binária, em que foram estimados os valores de odds ratio (OR), ajustadas com intervalos de confiança (IC) de 95%.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética Institucional (# 1.NN [eliminado para efeitos da revisão por pares]).
RESULTADOS
Houve 2,2% de perda de respondentes, resultando em 1.746 idosos avaliados. Entre os entrevistados, observou-se maior percentual de mulheres (63,4%), de indivíduos na faixa etária entre 60 e 79 anos (81,1%); raça/cor autodeclarada parda (50,3%); com baixa e média escolaridade (69,9%); com companheiro (54,2%) e com renda familiar média mensal entre um e dois salários mínimos — entre R$ 954,00 e R$ 1.908,00 — (35,9% da população). Quanto aos hábitos de vida, a maioria (92,4%) relatou não fumar. Em relação à prática de atividade física, 66,6% dos participantes relataram não praticar atividade física regular. No que se refere às condições de saúde, a maioria nega internação hospitalar nos últimos seis meses (93%) e histórico de AVC (93,8%). Dentre os participantes, 20,6% declararam apresentar diabetes mellitus e 70,9%, Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS).
Dos idosos avaliados, 11,5% apresentaram resultados compatíveis com comprometimento cognitivo (Tabela 1), sendo que a maior prevalência foi observada entre as mulheres (12,7%; p=0,033); os idosos com faixa etária acima de 80 anos (28,4%; p=0,000); analfabetos (17,5%; p=0,000); e entre os que vivem sem companheiro (16,0%; p=0,000) (Tabela 2). No que se refere aos hábitos de vida, houve maior prevalência de comprometimento cognitivo entre os idosos que relataram não praticar atividade física regular (13,6%; p=0,000) (Tabela 3). Quanto ao histórico de saúde, houve associação entre comprometimento cognitivo e AVC (32,4%; p=0,000) (Tabela 4).
Prevalência de comprometimento cognitivo nos idosos cadastrados nas Equipes de Estratégia Saúde da Família da área urbana, Montes Claros-MG
Análise bivariada do comprometimento cognitivo dos idosos cadastrados nas Equipes de Estratégia Saúde da Família na área urbana, Montes Claros-MG, em relação às variáveis sociodemográficas
Análise bivariada do comprometimento cognitivo dos idosos cadastrados nas Equipes de Estratégia Saúde da Família da área urbana, Montes Claros-MG, segundo fatores relacionados aos hábitos de vida
Análise bivariada do comprometimento cognitivo dos idosos cadastrados nas Equipes de Estratégia Saúde da Família da área urbana, Montes Claros-MG, segundo fatores relacionados à situação de saúde
Na análise de regressão logística binária, os fatores de risco que permaneceram associados ao declínio cognitivo foram idosos acima de 80 anos (OR=4,463; IC95% 3,160–6,304); analfabetos (OR=3,996; IC95% 2,716–5,791); sem companheiro (OR=1,989; IC95% 1,388–2,850); sedentários (OR=1,777; IC95% 1,208–2,613) e com histórico de AVC (OR=3,635; IC95%2,213–5,971) (Tabela 5).
Análise de regressão logística multinominal. Distribuição dos idosos cadastrados nas Equipes de Estratégia Saúde da Família da área urbana, Montes Claros-MG, de acordo com sexo, faixa etária, escolaridade, estado conjugal, atividade física e Acidente Vascular Cerebral, com relação ao comprometimento cognitivo
DISCUSSÃO
A prevalência de comprometimento cognitivo entre os idosos avaliados neste estudo foi estimada em 11,5%, considerando pessoas acima de 60 anos. Isso é equivalente ao relatado em outros estudos internacionais2,14,15. Apesar de o comprometimento cognitivo leve não preencher os critérios clínicos definidos para diagnóstico de demência, ele pode constituir-se de uma fase inicial da mesma5. Portanto, essas duas situações clínicas, apesar de distintas clinicamente, envolvem comprometimento cognitivo entre idosos, tema central do atual estudo.
No que diz respeito às estimativas da Organização Mundial de Saúde para demências, essas atingem aproximadamente de 5 a 8% da população com mais de 60 anos16. De 1990 a 2010, o número de anos perdidos em virtude da incapacidade como resultado da demência aumentou mais de 200%17. No mesmo período, o número de mortes atribuído à demência aumentou 526%, tornando-a a causa de morte que mais cresce nas últimas duas décadas18, com variação conforme região geográfica.
No cenário nacional, verificaram-se variações de resultados em diferentes regiões. Em Viçosa-MG, a prevalência de comprometimento cognitivo foi estimada em 26%19; em Pouso Alegre-MG, 4,9%20; em Dourados-MS, 42,7%21; e em Bagé-RS, 34,1%22. A discrepância entre as prevalências do comprometimento cognitivo nos estudos brasileiros pode ser atribuída aos pontos de corte utilizados, ao processo de coleta de dados, assim como à seleção das amostras dos estudos.
A demência é uma das principais causas de incapacidade e dependência entre as pessoas idosas em todo o mundo16. Essa doença compromete o tempo de sobrevida dos idosos, como apresentado no estudo prospectivo, realizado em Taiwan, com idosos mais velhos com doença de Alzheimer, recém-diagnosticados, admitidos em um estabelecimento residencial de longa permanência e que observou que o tempo de sobrevida média global foi de 3,5 anos a partir do momento do diagnóstico23.
No presente estudo, a idade avançada foi considerada um fator associado ao comprometimento cognitivo. Lebrão e Laurent24, durante o estudo SABE, cujo objetivo foi coletar informações sobre as condições de vida dos idosos residentes em áreas urbanas da América Latina e Caribe, identificaram um aumento linear das perdas cognitivas com o avançar da idade. Castro-Costa et al.25, em um estudo de base populacional, identificaram uma maior prevalência de declínio cognitivo mais acelerado nos idosos. A relação entre o avanço da idade e a diminuição dos resultados no MEEM foi encontrada também em outros estudos9,24–26. A idade avançada também esteve associada à demência em idosos chineses15. Garre-Olmo27 ressalta que, diante do envelhecimento progressivo da população e do aumento da expectativa de vida, o número de casos de demência aumentará nas próximas décadas.
Além da idade, outra associação encontrada foi entre baixos níveis educacionais e desempenho cognitivo, resultado que está em concordância com a literatura nacional e internacional24,26,28,29. O efeito da escolaridade sobre o desempenho do MEEM pode ser compreendido analisando-se a estrutura desse instrumento: é uma escala composta por itens que avaliam orientação temporal e espacial, registro de palavras, atenção e cálculo, lembrança de palavras, linguagem e capacidade construtiva visual. Sendo assim, sobretudo o tópico de linguagem, para o qual se exigem leitura, escrita, atenção e cálculo, seria item difícil de ser respondido por pessoas de pouca ou nenhuma escolaridade29.
Segundo Ardila et al.30, baixos níveis educacionais comumente se associam a uma maior exposição a condições precárias de vida, como nutrição inadequada e escassa estimulação psicomotora, fatores que prejudicam o desenvolvimento cerebral, refletindo na vida adulta em pior performance cognitiva. Em contrapartida, elevado nível educacional é considerado como fator protetor quanto ao desenvolvimento de quadros demenciais30. Segundo Katzman31, a educação formal aumentaria a intensidade de associação entre diferentes áreas cerebrais e, dessa forma, diminuiria o impacto das agressões ao sistema nervoso central, conferindo uma maior resistência e flexibilidade ao cérebro contra quadros demenciais.
A associação entre viver sem companheiro e comprometimento cognitivo foi observada neste estudo. Resultados semelhantes foram observados entre os idosos na China e nos Estados Unidos15,32.
O aumento da prevalência de comprometimento cognitivo entre os idosos com histórico de AVC corrobora resultados de Lopes33 e Magalhães et al.34. O AVC pode estar fortemente associado à demência de diferentes maneiras: pode ser a causa principal do quadro demencial ou compartilhar fatores etiológicos em comum. Como causa principal, o AVC está associado à demência de múltiplos infartos ou vascular, que por sua vez se associa ao controle precário de outros riscos cardiovasculares35,36.
Assim como em outros estudos36–38, a prática de atividade física teve efeito protetor sobre a cognição de idosos. Para a doença demência, em artigo de meta-análise, Norton et al.28 apontam uma associação consistente entre essa doença e sedentarismo. Da mesma forma, na avaliação de benefícios da atividade física, Lafortune et al.39, em artigo de revisão sistemática, encontraram resultados que sugerem que a atividade física possa reduzir o risco de doenças crônicas, incluindo a demência. Alguns autores40,41 sugerem ainda que esse efeito protetor se daria por meio da redução do risco de problemas vasculares, que tendem a piorar o desempenho cognitivo, culminando na demência.
No que diz respeito ao sexo, apesar de o comprometimento cognitivo ter sido mais frequente no sexo feminino, após análise de regressão, não houve associação significativa, estando em concordância com outras pesquisas33,42,43. Uma possível explicação para esse fato é a maior expectativa de vida do sexo feminino, e não algum fator de risco específico relacionado ao sexo44.
Por ser a demência uma prioridade de saúde pública, medidas globais têm sido propostas para o seu enfrentamento. As ações incluem aumentar a conscientização sobre esta condição; estabelecer iniciativas favoráveis à demência; reduzir o seu risco; realizar diagnóstico, tratamento e cuidados para as pessoas com demência e suporte para os seus cuidadores16. Reconhece-se ser possível, por meio de estratégias de prevenção primária e secundária, com ênfase nos fatores de risco potencialmente modificáveis para demência, a diminuição do ônus da demência para a saúde pública no futuro27,45.
Como limitação do estudo, aponta-se o caráter transversal que impossibilita a avaliação longitudinal das variáveis investigadas, sendo que as associações encontradas não devem ser interpretadas como causa e efeito. O estudo foi conduzido em município de grande porte de Minas Gerais, com uma amostra robusta de idosos, respeitando os critérios metodológicos quanto ao tamanho e seleção dos participantes, e fundamenta-se em tema importante no campo da saúde coletiva.
CONCLUSÕES
Constata-se uma alta prevalência de comprometimento cognitivo entre idosos, em relação à estimativa da Organização Mundial de Saúde. Os fatores associados ao desfecho foram: maior idade, menor escolaridade, não execução de atividade física regular, histórico de AVC e entre os que vivem sem companheiro(a). Sugerem-se novas investigações com caráter longitudinal para verificação desses fatores como risco relacionado ao comprometimento cognitivo.
Os resultados do atual estudo podem subsidiar planejamento de ações na atenção primária à saúde, a partir da constatação de que há fatores associados ao comprometimento cognitivo em idosos que são modificáveis e passíveis de ações preventivas, tais como ampliação do acesso à educação e incorporação de hábitos de vida saudáveis relacionados à atividade física de forma regular. Quanto às ações coletivas, programas de atividade física para idosos devem ser implantados/reforçados na Estratégia de Saúde da Família, com incorporação/manutenção de profissional preparador físico na assistência à saúde para pessoas da terceira idade. Sugere-se, também, que gestores públicos propiciem instalação de equipamentos em praças públicas e criem espaços saudáveis que possam estimular a prática de exercícios físicos, como parques para caminhadas, que conciliam saúde com lazer. Os profissionais de saúde podem, também, estabelecer ações importantes quanto à promoção de saúde a partir da educação, da realização de diagnóstico o mais precoce possível, do tratamento adequado a cada caso e, com oferta de apoio àqueles que assumem cuidar de idosos com comprometimento cognitivo, que muitas vezes não se encontram preparados, técnica e emocionalmente, para tal função.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
08 Dez 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
-
Recebido
12 Out 2020 -
Aceito
07 Ago 2021