Resumo
Introdução: Fatores socioeconômicos e demográficos dos municípios podem afetar os serviços da atenção primária, influenciando na satisfação dos usuários.
Objetivo: Verificar a relação entre a satisfação do usuário com a atenção primária e as condições socioeconômicas e demográficas dos municípios brasileiros.
Método: Estudo transversal baseado nas entrevistas de usuários das equipes de atenção básica participantes do 2º Ciclo do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica, realizado em 2013 e 2014. A análise da satisfação do usuário considerou questões organizacionais e aspectos assistenciais. A avaliação foi distribuída em seis estratos municipais, considerando fatores socioeconômicos e demográficos. Realizou-se análise de variância objetivando comparar as médias de satisfação dos usuários entre os estratos.
Resultados: Usuários de municípios com pior condição socioeconômica e população menor que 10 mil habitantes apresentaram maior satisfação que a média em relação à maioria dos aspectos organizacionais. Nas questões assistenciais, participantes de municípios com melhor condição socioeconômica ou com população maior que 500 mil habitantes se mostraram mais satisfeitos em relação ao cuidado do diabetes e da hipertensão arterial.
Conclusões: A satisfação dos usuários é maior nas questões organizacionais do que nas subdimensões assistenciais, ensejando a necessidade de investimento para melhorar a prestação do cuidado.
Palavras chave: atenção primária à saúde; comportamento do consumidor; avaliação de programas e projetos de saúde; Sistema Único de Saúde
Abstract
Background: Socioeconomic and demographic factors in municipalities can affect primary care services, influencing user satisfaction.
Objective: To verify the relationship between user satisfaction with primary care and socioeconomic and demographic conditions in Brazilian municipalities.
Method: Cross-sectional study based on interviews with users of primary care teams participating in the 2nd Cycle of the National Program for Improving Access and Quality of Primary Care, in 2013 and 2014. The analysis of user satisfaction considered organizational issues and care aspects. The assessment was distributed into six municipal strata, considering socioeconomic and demographic factors. Analysis of variance was carried out in order to compare the averages of user satisfaction between the strata.
Results: Users from municipalities with worse socioeconomic conditions and populations of less than 10 thousand inhabitants showed greater satisfaction than the average in relation to most organizational aspects. Regarding care issues, participants from municipalities with better socioeconomic conditions or with a population greater than 500 thousand inhabitants were more satisfied with regard to diabetes and hypertension care.
Conclusions: User satisfaction is greater in organizational issues than in the sub-dimensions of care, implying the need for investment to improve the provision of care.
Keywords: primary health care; consumer behavior; program evaluation; Unified Health System
INTRODUÇÃO
Considera-se que a avaliação da satisfação dos usuários dos serviços de saúde é ferramenta importante para subsidiar o processo de decisão compartilhada, repensar práticas profissionais, reorganizar o processo de trabalho desenvolvido, realocar recursos, readequar ações e redefinir objetivos1. Os estudos de satisfação de usuários se destacaram na década de 1970, nos Estados Unidos e na Inglaterra, inseridos no paradigma do consumismo e na cultura da qualidade2. No Brasil, os estudos de satisfação passaram a ser mais difundidos na década de 1990.
De modo geral, destacam-se dois grandes grupos de fatores relacionados à satisfação. Um relativo ao serviço e aos seus provedores e outro inerente aos próprios usuários3. A literatura diverge bastante no que se refere aos determinantes relativos aos usuários.
Trabalhos desenvolvidos na Suécia, Noruega, Estados Unidos e Arábia Saudita indicam que a satisfação do paciente está associada a características individuais como idade, sexo e estado de saúde, entre outros4,5. Esses estudos indicam que os idosos estão mais satisfeitos com o atendimento recebido. Outras pesquisas6,7 também mostram diferenças significativas em relação a características como sexo feminino, idade avançada, melhor saúde mental, pacientes com maior apego à prática, pacientes com maior autoavaliação de sua saúde e menos dor/desconforto8. Indivíduos com essas características demonstram mais satisfação com os serviços de saúde.
Vários estudos afirmam que a satisfação do usuário, além de refletir, obviamente, certas peculiaridades da qualidade percebida na prestação do serviço, também depende das características do indivíduo e poderia ser determinada, em parte, pelas peculiaridades de seu ambiente social. Foram identificados indicadores de tipo socioeconômico, como Produto Interno Bruto (PIB) per capita, gasto per capita com serviços de saúde, taxa de população sem estudos e proporção de postos de saúde por número de habitantes9,10,11.
No Brasil vários estudos indicam que a satisfação com a Atenção Primária à Saúde (APS) é bem elevada, com níveis acima de 80%12,13. O acesso é a dimensão de maior importância para definir o grau de satisfação, seguida pela relação usuário-profissional e pela informação que é ofertada ao usuário14. Em outro estudo afirma-se que a satisfação do usuário está associada à frequência do uso de serviços, à efetividade do tratamento e ao estado geral de saúde desse usuário15. No entanto, no Brasil, estudos que relacionam aspectos socioeconômicos com satisfação de usuários ainda são incipientes.
Estudos feitos utilizando dados do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) constataram que usuários de Unidades Básicas de Saúde (UBS) com menos recursos estruturais, onde há falta de materiais e equipamentos, tendem a ter opinião menos positiva sobre o atendimento16,17,18. Estudo de 2014, realizado por meio dos dados do PMAQ-AB constatou que o usuário resolver seus problemas na unidade de saúde e sentir-se respeitado pelos profissionais são os fatores mais importantes quanto à satisfação em todas as regiões do Brasil19.
O PMAQ-AB possui um módulo que avalia a satisfação do usuário considerando distintas dimensões. Dado que a literatura sobre satisfação do usuário ainda não está totalmente estabelecida em relação às condições sociodemográficas, este artigo pretende traçar um panorama da satisfação dos usuários com a atenção primária no Brasil e verificar a relação entre a satisfação do usuário e as condições socioeconômicas e demográficas dos municípios brasileiros.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo observacional, transversal, com abordagem quantitativa. Foram utilizados os dados da avaliação externa das equipes aderidas ao 2º Ciclo do PMAQ-AB, realizada em 2013 e 2014, sob iniciativa do Ministério da Saúde, em parceria com instituições de ensino superior do país20.
Foram entrevistados 114.615 usuários, pacientes de 92,3% das equipes de saúde existentes no país em 2013 e 2014, utilizando as informações do Módulo III da avaliação externa do PMAQ-AB21. Esse módulo foi estruturado pelo Ministério da Saúde para avaliar, na visão do usuário, as condições de acesso, utilização de serviços de saúde e satisfação com o cuidado recebido. O instrumento foi aplicado a até quatro usuários de cada uma das Equipes de Saúde da Família ou Equipes de Atenção Básica Parametrizadas que aderiram ao programa. A amostra intencional foi obtida a partir da aceitação de convite verbal. Como critérios de inclusão para seleção dos entrevistados foram considerados: utilização do serviço há menos de 12 meses; idade maior ou igual a 18 anos; não ter sido atendido em consulta previamente à entrevista; e entrevista de, no mínimo, uma mãe ou responsável de crianças menores de dois anos e um idoso22.
A análise foi realizada considerando a satisfação do usuário em dois grandes blocos. O primeiro bloco, relacionado às questões organizacionais, envolve as seguintes subdimensões: acesso aos serviços; marcação de consultas e acolhimento à demanda espontânea; atenção integral à saúde; vínculo, responsabilização e coordenação do cuidado; visita domiciliar; satisfação com o cuidado e satisfação do usuário; e mecanismo de participação e interação com o usuário. O segundo bloco refere-se ao aspecto assistencial e considera ações direcionadas à saúde da mulher; gravidez, parto e puerpério; hipertensão arterial e diabetes.
Inicialmente, as variáveis que compõem cada subdimensão de cada bloco foram distribuídas segundo a resposta positiva ou negativa dos usuários. Em seguida, o percentual de respostas positivas para cada item foi classificado em: avaliação satisfatória (70% ou mais de respostas positivas) e não satisfatória (menos de 70% de repostas positivas). Algumas variáveis foram agrupadas, e os resultados apresentados como média, quando os conteúdos das variáveis eram similares, para permitir uma melhor compreensão do assunto. Foram apresentadas as situações nos dois grandes blocos quanto à satisfação do usuário.
A seguir, as médias de cada subdimensão quanto à satisfação do usuário foram distribuídas conforme os seis estratos municipais utilizados pelo PMAQ-AB. Esses estratos foram estruturados pelo Ministério da Saúde com o intuito de assegurar maior equidade na comparação das Equipes de Atenção Básica (eAB) no processo de certificação. Os municípios foram distribuídos em estratos que levam em conta aspectos sociais, econômicos e demográficos. O Ministério da Saúde construiu um índice que variava de zero a dez, composto por cinco indicadores23 (Quadro 1):
Estrato 1: pontuação menor que 4,82 e população de até 10 mil habitantes;
Estrato 2: pontuação menor que 4,82 e população de até 20 mil habitantes;
Estrato 3: pontuação menor que 4,82 e população de até 50 mil habitantes;
Estrato 4: pontuação entre 4,82 e 5,4 e população de até 100 mil habitantes; e pontuação menor que 4,82 e população entre 50 e 100 mil habitantes;
Estrato 5: pontuação entre 5,4 e 5,85 e população de até 500 mil habitantes; e pontuação menor que 5,4 e população entre 100 e 500 mil habitantes;
Estrato 6: população acima de 500 mil habitantes ou com pontuação igual ou superior a 5,85.
No segundo ciclo do PMAQ-AB, 5.073 municípios do país tiveram equipes inscritas no programa. A distribuição dos municípios por estrato foi: Estrato 1: 1.882 municípios (37,1%); Estrato 2: 1.017 municípios (20,0%), Estrato 3: 682 municípios (13,4%), Estrato 4: 1.006 municípios (19,8%); Estrato 5: 348 municípios (6,9%); Estrato 6: 138 municípios (2,7%)21.
A seguir, foi realizada uma inferência estatística através da análise de variância, objetivando comparar as médias de satisfação dos estratos para verificar se esses possuem médias iguais ou não, tendo como referência a média geral. Em todas as análises adotou-se valor p<0,001. Todos os pressupostos estatísticos foram testados para a execução das análises. Nesta etapa de análise foram excluídos os dados de 48 respondentes para os quais não foi possível verificar em qual estrato o município do usuário estava classificado. Portanto, foram avaliadas as respostas de 114.567 respondentes, correspondendo a 99,96% do total de respondentes inicial.
O estudo teve a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG pelo parecer 28804 de 30/05/2012 (CAAE: 02396512.8.0000.5149).
RESULTADOS
Os resultados da Tabela 1 demonstram que os usuários avaliam que o cuidado que recebem da ESF é em 82,2% bom ou muito bom; recomendam para outras pessoas ou para familiares em 86,0% das vezes e não mudariam de equipe ou unidade em 82,1%. Ao detalhar os aspectos que possuem uma avaliação majoritariamente satisfatória, destacam-se itens relativos ao acesso do usuário, à visita domiciliar e à avaliação dos diversos membros da ESF e satisfação com o cuidado. Por outro lado, a marcação de consulta e os mecanismos de participação e interação do usuário foram avaliados somente de forma não satisfatória. As demais circunstâncias apresentaram itens julgados tanto satisfatória quanto não satisfatoriamente.
Classificação dos itens relativos ao bloco de questões organizacionais segundo o percentual de avaliação positiva, Brasil, 2014
Observa-se que, no acolhimento, os itens avaliados de forma não satisfatória referem-se a alguns procedimentos que não são realizados e ao fato de a unidade não atender sem consulta marcada; no que se refere à saúde integral, somente um item relacionado ao exame físico recebeu avaliação não satisfatória. Quanto ao vínculo, responsabilização e coordenação, observa-se que a atenção primária já se constitui como porta de entrada da rede de atenção à saúde, com vínculo constituído na avaliação dos usuários: a maioria relata possuir o mesmo médico para seu atendimento, com tempo suficiente para a realização das consultas, são chamados pelo nome e têm a unidade básica como referência para tirar dúvidas. No entanto, transitar para outros níveis de complexidade do sistema ainda é problemático: a maioria relata dificuldades para marcar consultas especializadas. Também são relatados problemas na estruturação da atenção primária nesta dimensão: há pouca abordagem familiar; quando o paciente não vai à consulta, a unidade não o procura e não ocorrem facilidades para tirar dúvidas.
Na Tabela 2, no que se refere à saúde da mulher, o tempo de espera para a mamografia de até um mês foi observado em 67,7% das mulheres, e, quanto ao preventivo de câncer do colo do útero, 78,3% das mulheres recebem orientação. No entanto, observam-se vários itens ainda preocupantes: 47,3% das mulheres recebem informação sobre métodos para não engravidar e 43,3% realizam exames de mama.
Classificação dos itens relativos ao bloco de questões assistenciais segundo o percentual de avaliação positiva, Brasil, 2014
Na gravidez e no pós-parto, encontram-se muitos itens de qualidade do atendimento: exames realizados, continuidade de atendimento pelo mesmo profissional e com agenda protegida, mais de 6 consultas de pré-natal, orientações e exames físicos envolvendo medição de circunferência abdominal e aferição de pressão arterial, hábitos alimentares, cuidado com mamas, amamentação e cuidado com as crianças. No entanto, uma avaliação mais global da saúde da mulher apresentou os piores resultados nessa subdimensão (examinaram sua boca, examinaram sua mama, fizeram exame preventivo de câncer de colo do útero e exame ginecológico), assim como orientação sobre planejamento familiar e tempo de espera para a realização de diversos exames fundamentais. Também as questões relativas ao puerpério são problemáticas.
No que se refere à saúde da criança, os itens não satisfatórios foram aqueles relativos à informação sobre certidão do nascimento, atendimento da criança até 7 dias de vida e orientação sobre a posição para dormir.
Quanto à hipertensão e diabetes, observou-se que, respectivamente, 78,6% e 83,0% dos pacientes realizaram consultas nos últimos seis meses. É importante ressaltar os itens: quanto à verificação de pressão arterial, com 98,2% de respostas positivas e, em contrapartida, o item realização de exames (creatinina, perfil lipídico e eletrocardiograma), com 55,4% de respostas positivas, ou seja, não satisfatório. Já no acompanhamento de usuários diabéticos, observa-se a realização de exames de glicemia com 87,7% de respostas positivas e somente 30,1% com realização de exames dos pés.
Na análise das subdimensões por estratos, expressa na Tabela 3, observa-se que os menores índices são verificados na marcação de consultas; mecanismos de participação, acolhimento e vínculo; e responsabilização e coordenação do cuidado com, respectivamente, 45,5, 37,2, 50,6 e 55,48%. Os demais apresentam resultados superiores a 80,4%.
Distribuição da percepção de satisfação dos usuários da atenção primária em relação às subdimensões do bloco de questões organizacionais por estratos de municípios — PMAQ-AB, com análise de variância, Brasil, 2014
Observa-se que, ao realizar a distribuição por estratos sociodemográficos, ocorrem diferenças estatisticamente significativas (p<0,001) entre os estratos existentes. No geral, as equipes do estrato 1 apresentam valores maiores que a média dos estratos, com exceção do acesso aos serviços de saúde. Os resultados relativos ao acolhimento à demanda espontânea possuem a maior diferenciação, com as equipes do estrato 1 apresentando valores de 63,18% e de forma progressiva até chegar nos 42,35% nas equipes do estrato 6. Mesma tendência é observada na realização da visita domiciliar, saindo de 87,77% nas equipes do estrato 1 para 78,17% nas equipes do estrato 6.
A Tabela 4 indica que, em relação às questões assistenciais, o nível de satisfação do usuário corresponde, em média, a 54,53%, com a saúde da mulher apresentando o pior resultado (44,10%), enquanto a hipertensão arterial possui a maior média (65,53%). Também nessas subdimensões assistenciais, observou-se a presença de diferenças estatisticamente significativas (p<0,001) entre os estratos.
Distribuição da percepção de satisfação dos usuários da atenção primária em relação às subdimensões do bloco de questões assistenciais por estratos de municípios — PMAQ-AB, com análise de variância, Brasil, 2014
Quanto às subdimensões avaliadas, o estrato 1 é o que apresenta um nível melhor de satisfação do que a média em relação a saúde da mulher, gravidez e pré-natal/pós-parto e criança (46,23, 55,41 e 54,98%, respectivamente). No que diz respeito ao âmbito hipertensão arterial sistêmica e diabetes mellitus, foram os participantes do estrato 6 que se mostraram mais satisfeitos (68,80 e 60,38%, respectivamente).
DISCUSSÃO
A qualidade da APS no Brasil, na percepção dos usuários atendidos pelas Estratégias Saúde da Família (ESFs), está em processo de estruturação, ainda não atingindo 70% no que se refere a aspectos organizacionais. No entanto, um longo caminho já foi percorrido, com os usuários encontrando-se satisfeitos com o cuidado recebido. A APS tem propiciado acesso aos serviços de saúde, acolhendo os usuários mesmo em momentos que necessitam de cuidados agudos e de urgência, com atenção integral às suas necessidades e com vínculos estabelecidos com a ESF, além de contarem com visita domiciliar. No entanto, os usuários ainda percebem problemas relevantes no que se refere ao processo de marcação de consultas, com relato de muita demora e filas, e aos diversos mecanismos de participação social, além de problemas para marcar consultas para outros níveis de complexidades do sistema. Alguns procedimentos que poderiam ser realizados na APS também não são ofertados, não sendo estes pacientes acolhidos na APS (como para retirada de furúnculo, unha, corpo estranho e realização de suturas). Também os processos muito estruturados das unidades ainda não permitem que os usuários as percebam como lugares que podem ser acessados facilmente quando não tem agenda.
Quando os processos assistenciais são detalhados, a situação é mais crítica, conseguindo 54,3% de aprovação, apesar de os usuários relatarem, de um modo geral, estarem satisfeitos com a APS no país — mais de 80% dos usuários fazem essa afirmação. As melhores avaliações referem-se aos processos assistenciais voltados para hipertensos e diabéticos, e as subdimensões que possuem as piores avaliações são saúde mulher, seguida de gravidez, parto e pré-natal e de acompanhamento e desenvolvimento da criança. Neste estudo, observou-se também que os usuários de pequenos municípios com piores condições socioeconômicas avaliam melhor a qualidade da APS ofertada no país.
Portanto, este estudo da percepção do usuário quanto à atenção primária no Brasil a partir dos dados do PMAQ-AB constatou que os usuários avaliam bem o cuidado recebido16,17,18,19. No entanto, ao detalhar sua percepção quanto a aspectos específicos de organização do cuidado e de aspectos assistenciais, a situação adquire outras complexidades e contornos.
Os estudos envolvendo o PMAQ-AB no que se refere à satisfação do usuário também apontam esta direção. Estudos anteriores constataram diversos fatores envolvidos: usuários resolverem seus problemas na unidade de saúde e se sentirem respeitados pelos profissionais são fatores importantes19, assim como a satisfação se mostra mais associada à assistência humanizada do que às condições estruturais e de funcionamento24. Por outro lado, um estudo de 2017 indica que a estrutura das unidades está associada à satisfação do usuário18.
No estudo aqui apresentado, no que se refere aos aspectos de organização da atenção primária, são os aspectos relativos à marcação de consultas, mecanismos de participação e interação social e estruturação do acolhimento que evidenciaram os piores resultados. No que tange à assistência, o que chama a atenção é o fato de que, considerando as dimensões analisadas (mulher, criança, diabetes e hipertensão), o valor médio obtido foi de 54%, enquanto mais de 80% dos usuários afirmam que estão satisfeitos com o cuidado.
Vários aspectos podem estar envolvidos nessa satisfação. Segundo estudos em países europeus, avaliações positivas foram encontradas em pacientes mais velhos, com maior apego à prática, com maior autoavaliação de sua saúde, com menos problemas de saúde mental e menos dor/desconforto5,9,11. A frequência do uso de serviços de saúde, a efetividade do tratamento, determinadas idades, sexo e estados de saúde estão relacionados com a satisfação do usuário.
Quanto às características socioeconômicas e demográficas dos municípios, expressas nos estratos, observou-se que existem diferenças entre os diversos estratos. Foi possível constatar que, nas subdimensões relacionados a aspectos organizacionais, é no estrato 1 que se nota a maior satisfação, com exceção da subdimensão acesso, que tem comportamento inverso.
No que se refere aos aspectos assistenciais, são as subdimensões relacionadas à saúde da mulher, gravidez e pós-parto que apresentam melhores satisfações no estrato 1, enquanto para diabetes e hipertensão, os melhores índices estão no estrato 6. Quanto à saúde da criança, ambos se aproximam.
Observa-se que o estrato 1 é composto de municípios que possuem até 10.000 pessoas e com condições socioeconômicas piores — sendo nestes que se encontram as melhores avaliações dos usuários com a atenção primária de um modo geral, assim como na maioria das subdimensões. Estudos já demonstram que outros aspectos não necessariamente vinculados à experiência do cuidado e variáveis individuais estão inseridos na percepção do usuário quanto aos serviços de saúde4,5,6. Nesse sentido, um estudo realizado em 1990 já apontava que o nível socioeconômico interferia na satisfação do paciente, com avaliações mais positivas nas rendas mais altas10. Posteriormente, diversos estudos na Europa constataram que a satisfação do usuário pode estar relacionada a aspectos socioeconômicos tais como percentual de PIB, nível de estudo da população, gasto per capita com saúde, número de postos de trabalho em saúde e renda4,5.
Já um estudo realizado na Espanha em 2016 concluiu que a satisfação do usuário apresenta uma distribuição heterogênea entre as comunidades autônomas e as características sociodemográficas, assim como foi constatado neste estudo em relação aos estratos populacionais11. Naquele constatou-se que as pessoas que vivem em regiões com elevadas taxas de população sem estudos e de desemprego de longa duração estavam mais insatisfeitas. Uma maior proporção de médicos de cuidados primários por habitante foi associada a menor frequência de insatisfação. Na análise das tendências, pode-se observar que, ao aumentar taxas de mortalidade, população sem estudos, desemprego de longa duração, a insatisfação também o faz. Pelo contrário, PIB per capita, índice de cobertura total do Serviço Nacional de Saúde e gasto per capita com serviços de saúde são inversamente proporcionais à prevalência de pessoas insatisfeitas11.
Outro estudo da Espanha demonstrou que o gasto per capita no setor de saúde está associado à maior satisfação. Nele observou-se que a taxa de população sem estudos é preditor da satisfação. Em geral, população sem estudos avalia pior os serviços de saúde11.
Um estudo realizado em Andalucia, por sua vez, afirma que o tamanho do núcleo em que o usuário vive influencia a satisfação, ocorrendo maior satisfação em pequenos municípios8. No Brasil, observa-se uma concomitância entre municípios com piores condições socioeconômicas e pequenos municípios, o que pode justificar este achado, apontando necessidade de estudos posteriores.
No Brasil, alguns estudos, assim como este, identificaram que os fatores que levam à satisfação não são homogêneos entre as regiões12,14,17. Observou-se também — assim como este estudo — que são os pacientes com piores situações socioeconômicas que apresentam melhores níveis de satisfação18.
Esta pesquisa demonstrou que, na visão dos usuários, no que se refere a aspectos fundamentais da APS como ordenadora da Rede de Atenção à Saúde (RAS), já existe um caminho percorrido pela APS no país, com sua estruturação como porta de entrada do sistema, possibilitando e ampliando o acesso, ofertando atenção integral, estabelecendo vínculos com os usuários e garantindo a longitudinalidade. No entanto, no que se refere à coordenação do cuidado e o acesso a outros níveis de complexidade do sistema, ainda há um longo caminho a ser trilhado. Nesse percurso da APS, os usuários constatam, ainda, problemas significativos no processo de marcação de consultas (gerando filas e insatisfações) e nos mecanismos de participação social, aspectos plenamente passíveis de serem reorganizados no âmbito da estruturação da APS. Processos de incorporação tecnológica e melhor estruturação de agendas podem propiciar condições de a APS aumentar a satisfação dos usuários, assim como a ampliação de mecanismos de participação social.
Também no que se refere à assistência, nota-se que, nos principais grupos de pacientes atendidos, os usuários detectam um conjunto de atividades que, apesar de preconizadas pela APS, não estão, na prática, ocorrendo, necessitando de um processo de planejamento mais bem estruturado do que tem ocorrido até o momento, por parte de ESF e de gestores. Os usuários conseguem dizer o que efetivamente tem ocorrido, permitindo identificarmos as grandes lacunas nas diversas área de estruturação da APS. Apesar disso, o SUS é muito bem avaliado na APS pelos seus usuários, demonstrando um apoio precioso ao seu processo de estruturação.
Considerando as mudanças substantivas nas novas políticas de APS no Brasil, que ocorreram a partir de 2017 — envolvendo novas formas de financiamento, estruturação do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), flexibilização de equipes, criação da Agência de Desenvolvimento da Atenção Primária (ADAPS) e reconfiguração das equipes de saúde da família, particularmente em relação à participação de agentes comunitários de saúde (ACS) na sua composição25,26 —, os resultados deste estudo apontam que os usuários aprovam e estão satisfeitos com as APS no Brasil advindas do modelo implementado no país desde a implantação do Programa Saúde da Família em 1994, no entanto, conseguem apontar de forma precisa suas debilidades.
Entre os limites deste estudo, dois aspectos se destacam. No caso da avaliação externa do PMAQ-AB, pode ter ocorrido um viés de seleção. Conforme apontado por outros autores24, os usuários que foram entrevistados durante a avaliação externa do PMAQ são usuários que já estão inseridos no contexto da atenção básica, recebendo cuidado das equipes. Nesse sentido, é possível inferir que esses usuários possam ter uma percepção mais positiva do cuidado recebido, uma vez que já romperam a barreira do acesso, e ocasionar uma superestimativa da satisfação. Outra dimensão importante refere-se ao conceito de estrato socioeconômico, estruturado a partir de distintos dados dos municípios envolvendo indicadores socioeconômicos, que têm como referência o município, que possui alta heterogeneidade socioeconômica em sua abrangência geográfica.
CONCLUSÃO
O usuário da atenção primária no Brasil encontra-se satisfeito com o cuidado recebido. No entanto, vários aspectos assistenciais fundamentais, quando verificada a visão e experiência do usuário em relação a estes, denotam uma situação preocupante, com somente um pouco mais da metade da assistência ofertada sendo avaliada positivamente nas áreas de saúde da mulher, gravidez e pós-parto, atenção à criança, hipertensão e diabetes. Ocorrem diferenças estatisticamente significativas entre a satisfação do usuário quando esta é distribuída pelos seis estratos socioeconômicos. Os usuários dos municípios menores e com piores condições socioeconômicas encontram-se mais satisfeitos na maioria das subdimensões avaliadas.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
04 Out 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
10 Nov 2018 -
Aceito
18 Out 2021