Resumo
Introdução: Os desafios inerentes do início da vida adulta, somados às pressões advindas da graduação, podem predispor os universitários a problemas mentais, tais como a depressão.
Objetivo: Analisar a associação entre indicativo de depressão e variáveis sociodemográficas, acadêmicas e de hábitos de vida em universitários.
Método: Trata-se de um estudo transversal, realizado com graduandos da Universidade Estadual de Londrina. A coleta de dados ocorreu no período de abril a junho de 2019, por meio de um questionário online. O desfecho, indicativo de depressão, foi definido como escore≥9 mensurado pelo Patient Health Questionnaire-9. Para verificar os fatores associados, realizou-se a regressão de Poisson ajustada com variância robusta, considerando-se estatisticamente significativo p<0,05.
Resultados: Entre 3.163 respondentes, 73,9% apresentavam indicativo de depressão, associado positivamente com sexo feminino; não ser heterossexual; inatividade física; maior consumo de tabaco; insatisfação com o tempo disponível para lazer; dependência de mídias sociais; insatisfação com o curso e com o desempenho acadêmico.
Conclusão: Os resultados apresentaram uma elevada prevalência do desfecho, associada a diversos fatores inerentes ao ambiente universitário e aos hábitos de vida desses estudantes, evidenciando a necessidade de direcionar a prestação de atividades assistenciais por grupos de apoio psicológico na universidade.
Palavras-chave: depressão; saúde mental; universidades; adulto jovem
Abstract
Background: The challenges inherent in early adulthood, added to the pressures arising from graduation, can predispose undergraduates to mental problems such as depression.
Objective: To analyze the association between the indication of depression and sociodemographic and academic profile and lifestyle habits in undergraduate students.
Method: Cross-sectional study, carried out with undergraduate students from the State University of Londrina. Data collection took place from April to June 2019, through an online questionnaire. The outcome, indicative of depression, was defined as a score≥9 measured by the Patient Health Questionnaire-9. To verify the associated factors, Poisson regression adjusted with robust variance was performed, considering a statistically significant p<0.05.
Results: A frequency of 73.9% of indication of depression was found among the 3,163 respondents, positively associated with female sex; not being heterosexual; physical inactivity; higher tobacco consumption; dissatisfaction with available leisure time; dependence on social media; dissatisfaction with the course and with academic performance.
Conclusion: The results showed a high prevalence of the outcome, associated with several factors inherent to the academic environment and lifestyle habits of the students, highlighting the need to direct the care provided according to the psychological support groups of the university.
Keywords: depression; mental health; universities; young adult
INTRODUÇÃO
O início da vida adulta representa uma fase de adaptação e desafios1, e está associado a um maior percentual de estresse psicológico e depressão em indivíduos de 18 a 25 anos, em comparação a faixas etárias mais velhas2. Não se sabe se o aumento da prevalência de depressão é decorrente do aumento da prevalência da doença, se está ocorrendo um processo de diagnóstico de condições de saúde antes tidas como normais3, ou se decorre do aumento do acesso aos serviços de saúde. Contudo, a evolução das gerações e o avanço tecnológico introduzem novos elementos no tecido social. Questões antes pouco debatidas, tais como o impacto da orientação sexual4 e o uso de mídias sociais5, fazem com que diferentes cenários se desenhem de acordo com cada cultura. Esses novos elementos, além de toda transformação e todo o amadurecimento vivenciados nessa etapa da vida, podem ajudar a justificar o aumento da depressão observado em adultos jovens2.
Ao considerar apenas os adultos jovens, os universitários, em razão das demandas provenientes do ensino superior e da preocupação com o mercado de trabalho1, podem ser ainda mais susceptíveis ao desenvolvimento de problemas psiquiátricos6, como a depressão. A depressão caracteriza-se pela presença de humor triste, vazio ou irritável, acompanhado de alterações somáticas e cognitivas, que afetam significativamente a capacidade funcional do indivíduo por pelo menos duas semanas7.
Em universitários, a prevalência média de indicativo de depressão é de 30,6%, variando de 10 a 84,5%6, com elevada variabilidade nos estudos mais recentes. Estudos sugerem, ainda, que a depressão entre universitários é positivamente associada a fatores sociodemográficos e ao estilo de vida, tais como sexo feminino8, baixa renda8, elevado consumo de alimentos não saudáveis9, inatividade física9, uso de álcool10 e tabaco10 e pouco tempo disponível para lazer11,12. Além dos fatores citados, estudos apontam a associação da depressão com alguns aspectos relacionados ao ambiente acadêmico, como série de estudo13 e a insatisfação com o desempenho acadêmico12.
A depressão nessa população, além do impacto do sofrimento psíquico14, pode ainda causar alterações cognitivas7. Esse prejuízo cognitivo pode, por sua vez, afetar o desempenho acadêmico, e com isso gerar um ciclo vicioso com a depressão12. Considera-se importante destacar que o número de adultos jovens com depressão vem aumentando2, e evidências na população universitária demonstram grande variabilidade em sua prevalência. Diante disso, considera-se imprescindível o acompanhamento da prevalência de depressão e dos possíveis fatores associados em universitários. Desse modo, o presente estudo buscou analisar a associação entre indicativo de depressão e variáveis sociodemográficas, acadêmicas e de hábitos de vida em universitários.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo de delineamento transversal, realizado na Universidade Estadual de Londrina (UEL) e parte do projeto “GraduaUEL: Análise da Saúde e Hábitos de Vida dos Estudantes de Graduação da UEL”. Todos os estudantes com idade maior ou igual a 18 anos e com matrícula ativa em 1 dos 51 cursos de graduação – 50 presenciais e 1 a distância — no ano de 2019 (n=12.536) foram convidados a participar da pesquisa.
O instrumento de pesquisa foi aplicado por meio da plataforma Google Forms®. Previamente à coleta de dados, foi realizado um pré-teste em uma instituição de ensino superior privada, seguido de um estudo-piloto em uma universidade federal, sendo possível verificar a funcionalidade da plataforma digital e o tempo demandado para o preenchimento do instrumento, bem como ajustar o instrumento de coleta, visando sua maior clareza.
A coleta de dados foi realizada no período de abril a junho de 2019. Uma ampla divulgação do projeto foi realizada concomitante ao período de coleta, de modo a incentivar a participação dos alunos. Foram realizadas visitas a todas as 259 turmas dos cursos presenciais de graduação, além da divulgação por meios de comunicação diversos, tais como rádio e televisão da universidade, folhetos e cartazes, redes sociais e, ainda, de forma eletrônica, foram remetidos e-mails por listas de transmissão em massa específicas da universidade. O questionário foi respondido de forma anônima, sendo facultativo o preenchimento do número de matrícula. Os estudantes foram orientados a preencher o questionário uma única vez.
Após o término da coleta de dados, a planilha de dados foi exportada para o programa Microsoft Office Excel® e duplamente revisada pela equipe. Foram excluídos questionários que estavam majoritariamente não respondidos e, nos casos que apresentavam respostas duplicadas ou triplicadas, manteve-se apenas o primeiro preenchimento. As situações de duplicatas ou triplicatas foram identificadas utilizando o número de matrícula do estudante. Ao final, foram observados 3.525 registros, dos quais, após conferência por dupla de pesquisadores, foram excluídos 82 registros duplicados/triplicados, 14 questionários preenchidos por estudantes que já haviam se graduado e 177 universitários com menos de 18 anos, resultando em 3.252. Desses, foram consideradas perdas 12 questionários sem informação da idade e 2 majoritariamente não respondidos ou com inconsistências no preenchimento. Assim, foram considerados válidos 3.238 questionários, dos quais foram excluídos 75 que não estavam com o Patient Health Questionnaire (PHQ-9) completamente preenchido, totalizando 3.163 estudantes — o que corresponde a 25,2% dos universitários elegíveis na instituição de ensino durante o período de coleta de dados.
O estudo teve como desfecho a variável “presença do indicativo de depressão”, que foi avaliada por meio do PHQ-9, escala previamente adaptada e validada para a população brasileira, que permite o rastreamento de indivíduos em maior risco de estar apresentando depressão. O instrumento foi pontuado mediante a soma das avaliações para as 9 questões, com somatório variando entre 0 e 27 pontos15. O ponto de corte para definir a presença de indicativo de depressão foi ≥9 pontos15.
Entre as variáveis independentes, foram avaliados os aspectos sociodemográficos: sexo (masculino; feminino); faixa etária (≥24 anos; 21–23 anos; 18–20 anos); orientação sexual (heterossexual; não heterossexual; não sabe/preferiu não responder); raça/cor (branca; preta; parda; outra [amarela ou indígena]); mora sozinho (não; sim); e trabalho remunerado (não; sim). As variáveis relacionadas aos hábitos de vida incluíram consumo de tabaco nos últimos três meses (nunca/uma ou duas vezes/mensalmente; semanalmente/diariamente ou quase todos os dias); consumo de bebidas alcoólicas nos últimos três meses (nunca/uma ou duas vezes/mensalmente; semanalmente/diariamente ou quase todos os dias); prática de atividade física (sim; não); satisfação com o tempo disponível para lazer nos últimos 30 dias (satisfeito/muito satisfeito; nem satisfeito, nem insatisfeito; insatisfeito/muito insatisfeito); e dependência autorreferida de mídias sociais (pouco dependente/não dependente/não utiliza; indiferente; muito dependente/dependente). Com relação aos aspectos acadêmicos, série (1a série; 2a e 3a série; 4a a 6a série); satisfação com curso escolhido (satisfeito/muito satisfeito; nem satisfeito, nem insatisfeito; insatisfeito/muito insatisfeito); e satisfação com o desempenho acadêmico (satisfeito/muito satisfeito; nem satisfeito, nem insatisfeito; insatisfeito/muito insatisfeito).
Os dados foram analisados pelo programa Statistical Package for the Social Sciences — IBM SPSS Statistic, versão 19.0 para Windows®. Realizou-se análise descritiva do desfecho e das variáveis independentes. A análise da associação entre o indicativo de depressão e as variáveis independentes foi realizada pela medida da Razão de Prevalência (RP) não ajustada, por meio da Regressão de Poisson com variância robusta. Posteriormente, foi aplicada uma análise ajustada, incluindo no modelo as variáveis que apresentaram p≤0,20 na análise não ajustada. Para análise da significância estatística, foi utilizado o intervalo de confiança de 95% (IC95%) e o p-valor. Considerou-se estatisticamente significativo o p<0,05.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos da UEL, sendo autorizado pelo Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) n.º 04456818.0.0000.5231. Os participantes foram devidamente informados quanto aos objetivos da pesquisa e lhes foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido na página inicial do questionário. Apenas prosseguiram com o preenchimento aqueles que concordaram em participar de forma voluntária.
RESULTADOS
Entre os respondentes (n=3.163), houve predomínio do sexo feminino (68,5%) e da raça/cor branca (70,1%). A idade média foi de 21,9 (±4,5) anos, com a maior parte concentrada na faixa etária de 18-20 anos (45,4%). No que se refere ao perfil acadêmico, 45,7% cursavam entre a 2a e 3a série. Quanto aos hábitos de vida, 52,2% referiram não praticar atividades físicas e 52,6% ser muito dependentes/dependentes de mídias sociais (Tabela 1). Em relação ao desfecho, 73,9% dos acadêmicos apresentaram presença do indicativo de depressão.
Descrição segundo características sociodemográficas, de hábitos de vida e acadêmicas, e prevalência de indicativo de depressão entre estudantes de graduação. Londrina-PR, 2019 (n=3.163)
Na análise ajustada, observou-se que as mulheres apresentaram maior prevalência de indicativo de depressão (RP=1,08; IC95% 1,06–1,10), assim como os estudantes que disseram não ser heterossexuais (RP=1,05; IC95% 1,03–1,07). No que concerne às variáveis acadêmicas, houve maior prevalência entre os estudantes que relataram estar nem satisfeitos, nem insatisfeitos ou insatisfeitos/muito insatisfeitos com o curso escolhido (RP=1,03; IC95% 1,01–1,05 e RP=1,04; IC95% 1,02–1,07, respectivamente) ou com o desempenho acadêmico (RP=1,07; IC95% 1,05–1,09 e RP=1,13; IC95% 1,10–1,15, respectivamente) (Tabela 2).
Razão de prevalência (RP) não ajustada e ajustada para presença de indicativo de depressão segundo variáveis sociodemográficas, de hábitos de vida e acadêmicas entre estudantes de graduação. Londrina-PR, 2019 (n=3.163)
Referente aos hábitos de vida, maior prevalência de indicativo de depressão foi identificada nos que não praticavam atividade física (RP=1,03; IC95% 1,02–1,05), que referiram maior consumo de tabaco nos últimos três meses (RP=1,03; IC95% 1,01–1,06), que relataram estar nem satisfeitos, nem insatisfeitos (RP=1,10; IC95% 1,07–1,13) ou insatisfeitos/muito insatisfeitos (RP=1,17; IC95% 1,14–1,19) com o tempo disponível para lazer e que referiram ser dependentes/muito dependentes de mídias sociais (RP=1,05; IC95% 1,03–1,07) (Tabela 2).
DISCUSSÃO
O presente estudo evidenciou uma elevada prevalência do indicativo de depressão com base no PHQ-9 na população estudada, associada ao sexo feminino, a estudantes que referiram não ser heterossexuais e que estavam insatisfeitos com o curso escolhido e com o desempenho acadêmico. Ainda, inatividade física, consumo frequente de tabaco, maior insatisfação com o tempo disponível para lazer e maior dependência autorreferida de mídias sociais também foram associadas ao indicativo de depressão.
Neste estudo, a prevalência de indicativo de depressão foi de 73,9%, superior à encontrada em outros estudos que também utilizaram o PHQ-9 como instrumento de avaliação16,17,18,19,20. O fato de não haver um consenso a respeito do ponto de corte para o PHQ-9 limita a comparabilidade dos resultados. No entanto, como ele foi validado para a população brasileira, o presente estudo optou pela utilização do ponto de corte recomendado pelo estudo de validação (≥9). Tratando-se de um teste de rastreamento, os autores afirmam que se deve privilegiar a sensibilidade para identificar o maior número possível de indivíduos que necessitam de cuidados de saúde15.
Em concordância com outros estudos, observou-se maior prevalência do indicativo de depressão no sexo feminino11,21. Entre as possíveis diferenças nas manifestações depressivas entre homens e mulheres, no âmbito biológico, destacam-se as alterações hormonais femininas, que predispõem à depressão nas mulheres22. Ademais, a diferença entre o papel social de cada sexo pode estar relacionada à vulnerabilidade, discriminação e ao preconceito, além da sobrecarga emocional que muitas vezes acomete mais frequentemente as mulheres20,23. Ainda, sugere-se que estudantes do sexo feminino apresentem maiores expectativas em relação ao futuro, e quando essas não são alcançadas, podem gerar desânimo e reações depressivas24.
No que concerne à orientação sexual, os estudantes que relataram não ser heterossexuais apresentaram maior prevalência do indicativo de depressão. Estudo realizado por Przedworski et al.25, com universitários dos Estados Unidos, constatou que os estudantes não heterossexuais apresentaram maior probabilidade de relatar diagnóstico de transtornos mentais, incluindo depressão, em relação aos heterossexuais. Evidências sugerem um maior risco de sofrimento psíquico em indivíduos que se identificam com uma orientação sexual diferente, devido à incerteza a respeito da identidade sexual, além das experiências de estigma e discriminação26.
Com relação à faixa etária dos indivíduos, não foi encontrada diferença significativa na prevalência de indicativo de depressão, tal como o estudo realizado por Lee et al.10, fato que pode ser devido à homogeneidade e estreita faixa etária da amostra.
O presente estudo também não constatou diferença significativa na prevalência do indicativo de depressão em relação à raça/cor, assim como estudo realizado com universitários do Sul do Brasil20. Contudo, resultados de revisão sistemática indicam maior prevalência de transtornos mentais em população negra, ainda que esse achado não tenha sido unânime nos estudos analisados27. Os autores dessa revisão destacam a necessidade de maior aprofundamento sobre a temática, com novos estudos que incluam populações mais heterogêneas quanto à raça/cor na composição das amostras, visto que, na maior parte dos estudos incluídos nesta revisão, houve predominância de indivíduos brancos27, situação também observada no presente estudo.
No que se refere à satisfação com o curso, estudo com universitários do Nordeste do Brasil evidenciou que os alunos menos satisfeitos com o curso escolhido apresentaram chance quase quatro vezes maior de terem depressão28. Resultado semelhante foi encontrado no presente estudo, no qual os universitários que relataram insatisfação com o curso apresentaram maior prevalência do indicativo de depressão. Quanto maior a insatisfação do estudante com o seu curso, menor é o seu grau de envolvimento e engajamento, aumentando, portanto, a presença de sintomas depressivos29. Ainda, maior prevalência de indicativo de depressão foi observada nos estudantes que estavam insatisfeitos com o desempenho acadêmico, corroborando resultados de outros estudos12,30. É importante destacar que essa relação pode ser bidirecional. A depressão debilita a capacidade de raciocínio, memorização, motivação e interesse do estudante, interferindo negativamente sobre o desempenho acadêmico31, assim como elevados níveis de fracasso acadêmico podem levar os universitários a maiores níveis de depressão32.
No que concerne aos hábitos de vida, no presente estudo, a prevalência do indicativo de depressão foi superior nos estudantes que relataram não praticar atividades físicas, corroborando dados apresentados por outros autores9,30. Como destacam Leão et al.28, a prática de exercícios físicos regularmente auxilia na produção de endorfina e serotonina, neurotransmissores responsáveis pela sensação de prazer e bem-estar. Além disso, de forma indireta, por meio das transformações corporais decorrentes do exercício, contribui para uma melhora na autoestima e consequente aumento da satisfação e felicidade. Por fim, a atividade física é uma oportunidade para o convívio social, trazendo benefícios no estabelecimento de interações afetivas28.
O presente estudo evidenciou também uma associação entre o indicativo de depressão e a frequência do consumo de tabaco, resultados que corroboram estudo realizado por Lee et al.10. É importante destacar a relação bidirecional entre essas variáveis. Acredita-se que os sintomas depressivos possam influenciar de maneira significativa o hábito de fumar nos indivíduos, uma vez que esses podem fumar para aliviar os sentimentos negativos33. Em contrapartida, estudos sugerem que o tabagismo eleva o risco de depressão34,35. Em relação ao álcool, o presente estudo não encontrou associação com a prevalência de indicativo de depressão, no entanto, observou-se um elevado consumo dessa substância pelos estudantes, o que pode ocasionar problemas sociais, psicológicos e de saúde36.
Outra variável associada com uma maior prevalência do indicativo de depressão foi a insatisfação com o tempo disponível para lazer, reafirmando o que foi observado em outros estudos11,12,13. Considera-se que possuir momentos de lazer proporcionam benefícios à saúde mental dos estudantes37. Pesquisas destacam que o lazer desperta uma experiência psicológica satisfatória, melhora a condição dos indivíduos e ainda é capaz de auxiliar na prevenção de doenças38.
Com o aumento do uso de dispositivos eletrônicos e da internet, especula-se o impacto dessas tecnologias na prevalência de depressão39,40. Após o ajuste final do cálculo da razão de prevalência, foi constatada associação significativa entre a maior dependência de mídias sociais e a presença de indicativo de depressão. O uso excessivo da internet pode ocasionar problemas como mau gerenciamento do tempo, distúrbios físicos e psicológicos, além de conflitos nas atividades diárias ou nos relacionamentos com amigos e familiares41. Ainda, é importante ressaltar que os tipos de conteúdo que atingem os usuários de mídias sociais, tais como publicações que reforçam o narcisismo, os padrões de vida, de consumo e o status, contribuem com o aumento na prevalência de transtornos psiquiátricos, incluindo sintomas depressivos42. Ademais, outro aspecto relevante é que o tempo excessivo dispensado online pode reduzir as interações sociais e contribuir para desenvolvimento da depressão43.
Considera-se como uma das limitações do presente estudo a utilização de um ponto de corte que privilegiou a sensibilidade em detrimento da especificidade da escala utilizada, o que pode resultar em uma prevalência superestimada do indicativo de depressão. Outra limitação se refere à baixa taxa de resposta, o que limita a extrapolação dos resultados para todos os estudantes, além do possível viés dos respondentes, no qual os que responderam podem constituir aqueles mais preocupados com seu estado de saúde ou que buscavam por uma atenção em relação a possíveis problemas existentes. Considera-se que o viés de memória foi minimizado pela escolha de questões, incluindo o PHQ9, que solicitavam aos estudantes que respondessem a respeito de um período de tempo recente. Não obstante, considera-se que o presente estudo apresentou uma amostra com elevado número de participantes e avançou ao abordar múltiplos centros de estudo, cursos e séries, uma vez que outros estudos concentraram-se em estudantes com características específicas, como ingressantes44 ou de cursos específicos, especialmente estudantes da área da saúde45. Adicionam-se como fortalezas a realização do estudo-piloto e a avaliação do questionário por especialistas.
Acredita-se que os resultados apresentados possam auxiliar na compreensão dos fatores associados à depressão e que o entendimento mais abrangente desse tema possa permitir a realização de ações intersetoriais no âmbito coletivo, com diminuição das desigualdades. Cita-se como exemplo a formulação de projetos de extensão multiprofissionais, que abordem, na comunidade universitária, questões envolvendo a depressão e sua prevenção. Considera-se que tais atividades possam auxiliar como uma forma de educação aos estudantes, com reflexão interna a respeito dos seus hábitos de vida e de suas escolhas.
No âmbito individual, considera-se importante a prestação de atividades assistenciais — principalmente aos indivíduos que obtiveram maior pontuação na escala de rastreamento — por grupos de apoio psicológico na universidade, além do fortalecimento e incentivo de espaços que busquem estabelecer redes de apoio aos universitários, como os centros acadêmicos e ligas acadêmicas. Ainda, é pertinente que sejam identificados limitantes e estressantes da organização curricular de cada curso, para a realização de propostas mais adequadas a cada realidade, visando à otimização da qualidade do ensino, com preservação da qualidade de vida dos estudantes.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
02 Dez 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
24 Jun 2021 -
Aceito
12 Mar 2022