Resumos
Resumo Evidências sobre a prática de preços mais elevados em produtos e serviços voltados ao público feminino, conhecida como pink tax, são observadas em diversos países no mundo. No Brasil, a literatura existente sobre o tema ainda é extremamente incipiente, além de focar sobretudo nos preços de produtos. Em primeiro lugar, o artigo faz uma revisão da literatura internacional e brasileira acerca do tema da pink tax. Na sequência, apresentamos os nossos próprios resultados de pesquisa. Investigamos a existência da pink tax nos serviços de lavanderia e salões de beleza das cinco maiores regiões metropolitanas do Brasil. O artigo também discute a relação entre gênero e espaço econômico, a natureza econômica da pink tax do ponto de vista da economia tradicional e o consumo feminino frente alguns estereótipos atribuídos às mulheres na contemporaneidade.
Palavras-chave: Pink Tax; Desigualdade de Gênero no Mercado; Discriminação de Preços
Abstract Evidence on the practice of higher prices on products and services for women, known as pink tax, is observed in several countries around the world. In Brazil, the existing literature on the subject is still extremely incipient, and focuses mainly on product prices. First, the article reviews the international and Brazilian literature on the subject of the pink tax. Next, we present our own research results. We investigated the existence of pink taxes in the laundry and beauty salon services in the five largest metropolitan regions of Brazil. The article also discusses the relationship between gender and economic space, the economic nature of the pink tax from the point of view of traditional economics, and women's consumption in the face of some stereotypes attributed to women in contemporaneity.
Keywords: Pink Tax; Gender Inequality in Market; Price Discrimination
Introdução
O presente trabalho apresenta uma das formas de discriminação de gênero ainda pouco conhecidas e difundidas no Brasil, seja como objeto de pesquisa acadêmica, seja entre o público leigo em geral: a chamada pink tax ou taxa rosa, em português. Essa expressão designa um fenômeno econômico de mercado, tratando-se da prática de preços mais elevados para produtos e serviços destinados ao público feminino, em comparação a produtos similares — em que amiúde apenas a cor muda — destinados aos homens (Manzano-Antón; Martinez-Navarro; Gavilan-Bouzas, 2018). Embora a expressão carregue a cor rosa, a discriminação de preços por gênero não se restringe apenas a produtos cor-de-rosa, contemplando, também, como dito, o setor de serviços.
Na realidade, se quiséssemos ser absolutamente rigorosos, sequer poderíamos classificá-la como uma “taxa” - um tipo de tributo instituído para remunerar um determinado serviço (ou uma determinada atividade) especial do Estado, como a taxa de coleta de lixo, por exemplo. Isto porque não existe em nosso sistema tributário uma taxa rosa e nem qualquer relação jurídico-tributária relacionada a cor de um produto. “Sendo assim, na maior parte das vezes deveríamos falar da existência de uma “cobrança rosa” (ou pink charge) que é realizada pelos empresários sobre produtos e serviços destinados ao público feminino que possuem um equivalente para o público masculino.” (FERNANDEZ; EHLERS, 2022, p. 6).
Significa dizer que, na maior parte dos casos, a pink tax não é um fenômeno tributário, mas sim mercadológico, uma prática econômica que possui, no entanto, impacto bastante importante sobre as consumidoras.
O trabalho possui o caráter de estudo exploratório. Empregou-se a metodologia do assim chamado “cliente oculto” como ferramenta de pesquisa nos setores analisados, que é definida por Christovam et al. (2009, p. 54) como “o tipo de pesquisa efetuada por pesquisadores que são designados para atuar como consumidores comuns em interações com os colaboradores de determinada empresa”. Assim, como explicam Aaker, Kumar e Day (2018), é possível captar o comportamento usual dos funcionários frente aos clientes, o que vem permitindo a identificação de casos de discriminação em diferentes setores. A coleta de dados concentrou-se em estabelecimentos escolhidos aleatoriamente nas cinco maiores regiões metropolitanas do Brasil segundo o IBGE: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Região integrada de desenvolvimento do Distrito Federal e entorno, e região metropolitana de Porto Alegre. A coleta dos dados foi realizada entre os meses de agosto e setembro de 2022, conforme as informações apresentadas no Quadro 1.
Este artigo está estruturado em seis seções, incluindo esta introdução. Na segunda seção apresentamos um panorama geral acerca da situação da mulher no mercado de consumo, enfatizando em especial as expectativas de consumo que a sociedade tem para cada gênero e como isso de certo modo justifica a existência da pink tax. Na sequência, ainda na mesma seção, explicamos quais as relações existentes (ou não) entre a chamada “taxa” rosa e a tributação, além de explicar como a teoria econômica tradicional enxerga (e justifica) o fenômeno. Na terceira seção, apresentamos uma revisão da literatura existente acerca da pink tax no setor de serviços — lavanderia e cortes de cabelo em salões de beleza — dos Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha e Brasil. A quarta seção apresenta os resultados da nossa pesquisa nas cinco maiores regiões metropolitanas brasileiras para os mesmos serviços referidos anteriormente, com o intuito justamente de, na quinta seção, fazer uma análise comparativa entre os resultados encontrados no Brasil e no exterior. Nas considerações finais resumimos os nossos principais argumentos, chamando atenção tanto para a necessidade de um aprofundamento desses estudos no Brasil como para uma (re)interpretação dos resultados da pink tax, à luz das desigualdades estruturais que marcam, na economia, o tratamento que é dado aos homens e às mulheres.
A mulher no mercado de consumo
As últimas décadas trouxeram grandes transformações para o público feminino e para a representação das mulheres sob o ponto de vista do consumo. A esse respeito, Lana e Souza (2018, p. 124) afirmam que “a entrada das mulheres no mercado de trabalho e a conquista de direitos sociais são traduzidas na publicidade de produtos de higiene e beleza como liberdade e autonomia para alcançar o corpo belo”. Para Lipovetsky e Serroy (2015), essa nova dinâmica amplificou a valorização da beleza da mulher, visto que, mesmo com a ampliação da representação feminina em funções tradicionalmente masculinas, as mulheres buscam cultivar a sua própria identidade.
No entanto, o preço de se manter dentro da identidade feminina pode ser custoso. Para as mulheres, em especial, o rigor estético é aparentemente maior, visto que os padrões desejáveis pela sociedade são constantemente comunicados por meio de revistas, estratégias de marketing, dentre outros canais (Yazıcıoğlu, 2018). Em relação a essa pressão estética, Lipovetsky e Serroy (2015) afirmam que dificilmente, o consumo feminino deixará de estar associado a algum ideal de beleza a ser alcançado. Tendo em vista os papéis de gênero, é importante compreender como essa questão é incorporada à dinâmica do consumo. Para Yazıcıoğlu (2018), a cultura associada aos produtos é um dos principais meios de se disseminar as expectativas que a sociedade tem para cada gênero. Assim, a autora evidencia que tal dicotomia é benéfica para o mercado à medida que produtos e serviços são comercializados e pensados sob o pretexto de serem voltados exclusivamente para as necessidades dos homens ou das mulheres. Desse modo, Yazıcıoğlu (2018, p. 31) argumenta que:
A maioria dos consumidores “compra” o marketing baseado em essencialismo, afirmando que homens e mulheres são diferentes e, portanto, precisam de produtos diferentes. Os profissionais de marketing parecem ter convencido, com sucesso, os homens e mulheres de que os produtos específicos para gênero disponíveis no mercado são, de fato, diferentes, não apenas devido ao design, mas também pelos ingredientes e funcionalidade.
Compreender a situação da mulher no mercado de consumo é mais complexo do que atribuir às consumidoras a responsabilidade integral por suas escolhas. Nesse sentido, Baudrillard (2009, p. 69-70) afirma:
As necessidades visam mais os valores que os objetos e a sua satisfação possui em primeiro lugar o sentido de uma adesão a tais valores. A escolha fundamental, inconsciente e automática, do consumidor é aceitar o estilo de vida de determinada sociedade particular (portanto deixa de ser escolha!) - acabando igualmente por ser desmentida a teoria da autonomia e da soberania do consumidor.
Considerando o exposto pelo autor, infere-se que o consumo individual reflete o que é designado ao grupo social a que ele pertence. Para as mulheres, o consumo pode ir além da identidade feminina, como afirma Piscitelli et al. (2019) sobre o uso de cosméticos “ainda que [...] esteja na esfera de autonomia das mulheres, [...], é igualmente verdade que o não cumprimento desse padrão, especialmente em ambientes profissionais, é visto como sinal de descuido e inadequação”. Desse modo, escolher um produto em razão do menor preço não é sempre uma opção, visto que estar dentro das normas de determinado gênero é uma questão de inclusão no convívio e de estar bem com o seu próprio corpo. Tendo isso em vista, é possível compreender parte das razões que naturalizaram a prática da discriminação de preços baseadas no gênero entre os consumidores.
Para Mariano (2018), o surgimento da diferenciação de preços para homens e mulheres pode remontar à década de 1930, período em que as lojas buscavam atrair consumidores masculinos após a crise econômica. Desse modo, os preços foram reduzidos e foram criadas promoções voltadas para esse público. Posteriormente, a partir da década de 1960, o autor argumenta que a as empresas começaram a investir no desenvolvimento de produtos específicos para o público feminino, o que acarretou o aumento dos custos de produção e consequentemente do produto final comercializado.
No entanto, a eclosão de um termo próprio para a discriminação de preços baseada no gênero se deu somente em 2014, na França, quando acontecia uma campanha liderada pelo grupo ativista Georgette Sand. Os manifestantes questionavam a cobrança mais elevada sobre produtos femininos, em especial as lâminas de barbear cor-de-rosa que, possivelmente, deram origem ao nome pink tax (Yazıcıoğlu, 2018). Além disso, é interessante observar que, após a manifestação francesa, houve maior discussão sobre o tema, como afirmam Noronha, Christino e Ferreira (2020, p. 3), “o número de artigos publicados acerca da Pink Tax aumentou significativamente depois de 2016 e em 2018 atingiu-se a maior média de publicações acerca do tema”.
Em 2015, o tema ganhou ainda mais destaque com a divulgação do estudo realizado pelo New York City Department of Consumer Affairs (NYDCA), que analisou 35 categorias diferentes de produtos por meio da coleta de preços de quase 800 itens. Dentre os setores escolhidos, foram contempladas diferentes etapas da vida de um indivíduo, desde roupas de bebês a cuidados com idosos. Os resultados da pesquisa apontaram preços em média 7% mais elevados para os produtos femininos. No entanto, ressalta-se que essa discrepância pode ser maior, visto que setores como o de cuidado pessoal apresentaram diferenças maiores do que a média e são utilizados ao longo de toda a vida adulta (De Blasio; Menin, 2015).
A Pink Tax no setor de serviços nos Estados-Unidos, no Reino-Unido, na Alemanha e no Brasil: salões de beleza e lavanderias
Nos Estados-Unidos, o estudo de Duesterhaus et al. (2011) utilizou uma amostra de 100 salões de beleza localizados na região sudeste do país, selecionados aleatoriamente a partir de anúncios nas páginas amarelas. Por meio de telefonemas, a cada estabelecimento foi perguntado o preço básico para um corte masculino e um corte feminino. Ao final da coleta, 15 salões apresentaram preços iguais para ambos os gêneros e o restante da amostra apresentou preços em média 53,7% maiores para as mulheres. Além disso, as diferenças de preço encontradas foram entre $0 e $25. Ainda, por meio de procedimentos estatísticos, os pesquisadores identificaram que, quanto mais sofisticado era o salão de beleza, maior a discrepância por gênero entre o preço cobrado para o corte de cabelo. Essas informações foram resumidas no Quadro 2.
Em 1992, o DCA, da cidade de Nova York, realizou uma coleta de preços em 80 salões da região e constatou que, em média, as mulheres pagavam 25% a mais para o mesmo corte de cabelo. Além disso, os pesquisadores apontaram que o desconhecimento sobre o preço pago por outros clientes (no caso, do sexo masculino) contribuía para que as consumidoras acabassem pagando a mais em certas situações (Department of Consumer Affair, 1992 apudDe Blasio; Menin, 2015, p. 15), conforme i Quadro 3.
No Reino Unido, Liston-Heyes e Neokleus (2000) realizaram um estudo com o intuito de analisar a prática de diferenciação de preços por gênero, bem como de avaliar se tal prática era proveniente de discriminação de preços ou de certa característica específica do setor. Para essa finalidade, inicialmente foram conduzidas 90 entrevistas presenciais com clientes selecionados aleatoriamente no Brent Cross Shopping, localizado em Londres, a fim de questionar o preço básico que eles desembolsavam por um corte de cabelo (independente do tempo, habilidade e/ou esforço envolvido). Depois, foram realizadas 150 entrevistas por telefone com representantes de cabeleireiros unissex com a intenção de primeiro, questionar o preço de um corte masculino e, em seguida, demandar o preço por um corte semelhante para a companheira. Os resultados podem ser esquematicamente visualizados no Quadro 4.
Os resultados mostraram que, em média, as clientes entrevistadas pagavam £10 a mais do que os homens por um corte de cabelo, sendo a amostra composta por frequentadores de salões unissex, salões femininos e barbearias. Já com relação aos profissionais de cabeleireiros unissex entrevistados por telefone, o estudo explorou as diferenças de preço cobradas por um corte de cabelo semelhante para homens e mulheres, o que resultou em uma cobrança 43% mais alta para as mulheres.
Ainda, o estudo de Liston-Heyes e Neokleus (2000) questionou os estabelecimentos unissex que cobraram preços mais elevados para o corte feminino, embora ele fosse semelhante ao masculino.
A resposta mais frequente foi que “as mulheres demoram mais tempo”, uma desculpa que não faz muito sentido, visto que especificamos tanto o homem quanto a mulher tinham cortes de cabelo semelhantes. As outras explicações mais populares foram que “as mulheres são mais exigentes”, “as mulheres são mais difíceis” e “as mulheres têm maiores expectativas” (Liston-Heyes; Neokleus, 2000, p.115).
Já na Alemanha, o Federal Anti-Discrimination Agency (2017) realizou um estudo nas cidades de Schwalbach am Taunus, Mainz, Rüsselsheim, Radebeu, Weinböhla e Dresden, com 381 tipos de serviços voltados, especificamente, para homens ou mulheres, mas que apresentavam características semelhantes. Dentre os setores analisados estavam salões de beleza, serviços de lavanderia, tratamentos de cosmética facial e serviços de costura. O resultado, considerando todos os segmentos analisados, revelou que 59% dos preços coletados apresentavam diferenças, e dentre estes, 50% eram mais caros para serviços femininos e 9% mais caros para o público masculino. Com relação aos salões de beleza, após a coleta de preços em 205 estabelecimentos (sendo 116 estabelecimentos referentes ao corte curto e 89 estabelecimentos para o corte longo), o estudo indicou que, em média, o preço pago a mais pelo corte de cabelo curto feminino foi de 12,50 €, o que equivale a 55% a mais para as mulheres, enquanto o preço pago a mais pelo corte de cabelo longo feminino foi de 17,05 €, o que equivale a 72% a mais para as mulheres. Além disso, destaca-se que o percentual de salões de beleza que oferecia preços diferentes pelo mesmo serviço foi o maior dentre todos os segmentos estudados: 89% dos estabelecimentos apresentaram preços diferentes para o corte de cabelo curto e 87% dos estabelecimentos apresentou preços diferentes para o corte de cabelo longo. No Quadro 5 essas informações foram sistematizadas.
No Brasil, Mariano (2018) elaborou uma pesquisa baseada em De Blasio e Menin (2015), com o intuito de verificar a presença da taxa rosa em produtos e no serviço de corte de cabelos. Os preços foram coletados entre outubro de 2016 e janeiro de 2017. Entretanto, as informações a respeito de quantos estabelecimentos foram utilizados para a amostra, bem como a localização, não estão disponíveis no documento apresentado pela pesquisa. A esse respeito, observe-se o Quadro 6.
Nos Estados-Unidos, na pesquisa de Duesterhaus et al. (2011), os autores realizaram a coleta de preços no segmento de lavanderias e utilizaram uma amostra com 100 estabelecimentos selecionados aleatoriamente a partir de páginas amarelas e localizados na região Sudeste do país. A cada estabelecimento foi solicitado um orçamento para lavagem a seco dos seguintes itens: terno masculino de duas peças, terno feminino de duas peças, blazer feminino, blazer masculino, camisa feminina, camisa masculina, calça feminina e calça masculina.
O estudo comparou os preços coletados por meio de uma série de amostras independentes. Ao final, não foram encontradas diferenças significativas para lavagem de ternos, blazers e calças. No entanto, diferenças significativas foram encontradas para a lavagem de camisas, as quais custavam, em média, cerca de 92% a mais para as mulheres. Além disso, o estudo ressalta que essas diferenças entre cotações de preços foram impostas pelas lavanderias antes que fosse questionado se as peças possuíam tecidos especiais ou enfeites que justificassem tais orçamentos. No entanto, posteriormente o estudo menciona que mais de 90% da amostra cobrava preços mais altos para tais especificidades, ou seja, as lavanderias levaram em consideração a tendência de que as roupas femininas são mais delicadas e, por isso, cobraram preços mais alto com base nessa suposição, conforme informações resumidas no Quadro 7.
Na Alemanha, o estudo conduzido pelo Federal Anti-Discrimination Agency (2017) nas cidades de Schwalbach am Taunus, Mainz, Rüsselsheim, Radebeu, Weinböhla e Dresden, analisou preços de lavagem de roupas em 31 lavanderias, conforme apresentado no Quadro 8.
Constatou-se que, em média, os preços eram 1,80 € mais caros, o equivalente a 92,6%, para blusas femininas em comparação com o preço de lavagem de camisas masculinas. A pesquisa aponta que a explicação para essa diferença pode estar atrelada à crença que existe sobre o cuidado com as blusas femininas, que deveriam ser passadas à mão, enquanto as camisas masculinas poderiam ser passadas de forma automática. No entanto, essa ideia é refutada pelos autores, que por meio de busca na Internet, encontraram produtos que permitiriam passar as blusas femininas de forma automática também.
Estudo empírico nas cinco maiores regiões metropolitanas do brasil: salões de beleza e lavanderias
No Brasil, dentre os 60 salões de beleza unissex contatados, 10% apresentaram preços iguais para o corte de cabelo masculino e feminino, nenhum apresentou preços menores para o corte básico masculino, e 90% apresentaram preços maiores para o corte básico feminino. De acordo com os preços coletados pela pesquisa, as mulheres pagaram, em média, R$41,28 a mais do que os homens, o que equivale a uma cobrança de 64% a mais para o corte de cabelo feminino. A partir dos preços coletados, relacionou-se as médias entre as diferenças de preços encontradas para cada região metropolitana, como indicado na Figura 1.
Os resultados indicam que a amostra de Porto Alegre apresentou maior discrepância em comparação com as demais, além de ter obtido uma diferença de R$ 16,75 em relação à São Paulo, região metropolitana com a menor média entre as diferenças de preço, conforme apresentado na Figura 2.
A respeito da coleta de preços em lavanderias, não foram encontradas cobranças diferentes para a peça masculina ou feminina de blazer e calça. As diferenças de preço encontradas foram, em média, de 0,29% a mais para a lavagem de terno masculino e de 3,26% a mais para a lavagem de camisa feminina. Em ambos os casos, não foi questionado pelos estabelecimentos se as peças possuíam material diferente ou que demandasse algum tipo de lavagem especial que justificasse uma cobrança diferente. Observe-se o Quadro 9.
Com relação ao percentual de lavanderias que apresentaram discrepância de preços, tem-se que 2,5% da amostra praticou cobrança de preços maiores para ternos masculinos, e 7,5% praticaram preços maiores para camisas femininas.
Comparação entre o estudo empírico e os estudos anteriores
Salões de Beleza
O resultado encontrado pelo presente estudo — preços 64% mais caros para o corte de cabelo feminino — é compatível com outras pesquisas já realizadas no exterior, visto que evidencia a prática de preços mais altos para mulheres. No entanto, a discrepância é superior aos estudos realizados previamente, com exceção do resultado entrado pelo Federal Anti-Discrimination Agency (2017) para corte de cabelo longo, que foi de 72% a mais para as mulheres.
No estudo de Mariano (2018) realizado em território nacional, a diferença de preços foi 27% maior para o corte de cabelo feminino, o que representa uma grande discrepância frente à presente pesquisa. No entanto, considerando que as Regiões Metropolitanas obtiveram resultados bastante distintos entre si, como ilustrado na Figura 2 (apresentada acima), é plausível que as diferentes abrangências dos estudos justifiquem tais contrastes.
Os nossos resultados também estão em conformidade com as pesquisas de Liston-Heys (2000), do Federal Anti-Discrimination Agency (2017), do Department of Consumer Affairs (1992 apud De Blasio; Menin, 2015) e Duesterhaus et al. (2011), conforme sistematizado no Quadro 10.
Lavanderias
Os resultados encontrados estão, de certa forma, em conformidade com os estudos realizados por Duesterhaus et al. (2011) e pelo Federal Anti-Discrimination Agency (2017), visto que ambos relataram preços superiores para a lavagem de camisas/blusas femininas. No entanto, nenhum dos estudos internacionais apresentou preços maiores para ternos masculinos, como foi o caso da presente pesquisa. Além disso, destaca-se uma grande diferença entre o resultado encontrado por nós para o serviço de lavagem de camisas femininas, que constatou 3,26% de cobrança superior para as mulheres, em comparação com Duesterhaus et al. (2011) e oFederal Anti-Discrimination Agency (2017), que apresentaram, respectivamente, 92% e 92,6% de diferença para o mesmo serviço, conforme esquematizado no Quadro 11.
- Comparativo entre Duesterhaus et al. (2011), o Federal Anti-Discrimination Agency (2017) e o Estudo Empírico por nós realizado
Podemos aventar algumas hipóteses para tal disparidade, especialmente no que toca especificidades econômicas e culturais entre o Brasil, os Estados Unidos e a Alemanha (países onde foram realizadas as pesquisa de Duesterhaus et al. (2011) e da Federal Anti-Discrimination Agency (2017), respectivamente). Do ponto de vista econômico, é sabido que os Estados Unidos seguem como maior potência e tendo um dos maiores PIB per capita do mundo. Já o Brasil, desde a pandemia de covid-19 atravessa uma séria crise político-econômica tendo alcançado apenas a 87ª posição no ranking dos maiores PIBs per capita do mundo em 2022. Esses fatores ajudam a explicar os menores salários que são pagos aqui, e a grande facilidade de se contratar empregados/as domésticos/as que lavem e passem roupas em casa. Nesse sentido, como não temos outros estudos brasileiros que sirvam como parâmetro de comparação, podemos inferir que aqui não observamos o fenômeno da pink tax ocorrendo nas lavanderias porque a baixa demanda que precisa ser diluída entre todos os estabelecimentos existentes não abre espaço na economia local para repassar (mais) esse ônus para as consumidoras brasileiras. O argumento da microeconomia tradicional de que as mulheres teriam uma predisposição de pagar mais caro por produtos e serviços pode ser real em algumas classes sociais onde a diferença de preços nos itens onde a pink tax é predominante, como no caso das lavanderias nos Estados Unidos, tem pouco ou nenhum impacto sobre a sua renda. No entanto, esta não é a realidade da maioria das consumidoras no Brasil.
Considerações Finais
No decorrer deste trabalho, vimos que a pink tax é uma estratégia adotada por empresas no mundo inteiro visando ampliar as suas margens de lucro, que consiste em atribuir preços mais elevados a produtos e serviços destinados ao público feminino. Em termos práticos, constata-se a existência dapink taxquando o produto ou serviço destinado ao público feminino, ainda que seja da mesma marca, possua a mesma finalidade, a mesma composição química (em casos de produtos cosméticos, por exemplo), as mesmas qualificações e especificações técnicas, tem o seu preço mais elevado comparativamente ao produto ou serviço destinado ao público masculino. Um grande número de mulheres, induzidas pela propaganda, simplesmente tendem a aceitar o argumento de que esses serviços são mais caros porque foram direcionados a elas, possuindo, portanto, alguma especificidade, e continuam a comprá-los sem questionar a discriminação de preço com base no gênero.
A análise dos estudos encontrados a respeito do tema da pink tax evidencia que a sua existência já foi ou ainda pode ser verificada em diferentes lugares do mundo. Nos Estados Unidos, no Reino Unido, na França e na Alemanha esse fenômeno já é estudado há vários anos. No Brasil, os estudos ainda são muito recentes. Acreditamos que, para combater as injustiças, é necessário, primeiramente tomar conhecimento delas, iniciar o debate e promover uma maior conscientização do público afetado.
No que se refere à pink tax, o mercado age em duas instâncias: perpetuando o estereótipo de gênero, de acordo com o qual as mulheres são mais predispostas a gastar que os homens e se apropriando do mesmo em benefício próprio. Desse modo, ao mesmo tempo que padrões de comportamento são impostos para as mulheres, novos produtos e serviços são comercializados com o intuito de suprir uma demanda fomentada pelo próprio mercado. Contudo, a prática de discriminação de preços em razão do gênero encontra, na economia tradicional, uma série de justificativas, como a diferença nos custos envolvidos na realização de determinados serviços, no tempo de execução e na predisposição a pagar entre os consumidores.
Com relação à pesquisa empírica, é importante ressaltar que, por se tratar de um estudo exploratório, os resultados encontrados não apresentam caráter conclusivo. No entanto, a pesquisa apresenta resultados bastante interessantes e compatíveis com os estudos internacionais, que apontam a existência da pink tax no setor de serviços de cortes de cabelo no Brasil, visto que foi possível observar a presença da cobrança extra em diversos estabelecimentos. No entanto, o mesmo não ocorreu com o caso da cobrança extra para peças femininas em lavanderias, o que instiga a necessidade de novos estudos. Nessa direção, seria ainda interessante que outros tipos de serviços pudessem ser investigados, tais como os serviços de mecânica de automóveis, planos de saúde e o mercado de crédito, por exemplo.
No contexto do que foi apresentado, o presente trabalho compreende ainda que, constatada a maior vulnerabilidade das mulheres frente aos homens (também) no mercado de consumo, é necessário ampliar a discussão para além da discriminação de preços, uma vez que até o presente momento a discussão da pink tax não tem considerado as desigualdades estruturais existentes entre homens e mulheres na economia como um todo (e não apenas no mercado de consumo).
Agradecimentos
Agradecemos a Paulo Hiroki Nishimoto pela colaboração com a coleta de dados.
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Agência financiadora Não se aplica.
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Aprovação por Comitê de Ética e consentimento para participação Não se aplica.
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Consentimento para publicação As autoras dão consentimento para a publicação.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
11 Mar 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
07 Mar 2023 -
Aceito
21 Ago 2023 -
Revisado
14 Fev 2024