Open-access Consensos de professores especialistas de subáreas de conhecimento de Enfermagem: objetivos, conteúdos e métodos

Consenso de profesores especialistas en subáreas de conocimiento de Enfermería sobre objetivos, contenidos y métodos

Resumo

Objetivo  descrever as relações entre objetivos, conteúdos e métodos de ensino em subáreas de conhecimento de Enfermagem a partir do consenso de professores especialistas.

Método  estudo Delphi em quatro rodadas. Participaram 112 professores de cursos de graduação de Instituições de Ensino Superior públicas do Brasil divididos em sete painéis por subárea. Os dados foram analisados pela técnica de Análise de Conteúdo à luz dos conceitos de conhecimento dos objetivos e conhecimento pedagógico de conteúdo de Shulman, transformados nas variáveis qualitativas de interesse, objetivos, conteúdos e métodos de ensino em torno das quais foi buscado consenso.

Resultados  somente as subáreas Enfermagem em Saúde Coletiva e Enfermagem na Gestão e Gerenciamento acordaram objetivos. Conteúdos acertados foram relacionados às políticas públicas e aos programas do Sistema Único de Saúde. Métodos sugerem a coexistência de tradição e inovação.

Conclusões e implicações para a prática  a tomada de consciência das relações entre os objetivos, conteúdos e métodos utilizados pelos professores impacta a promoção do diálogo e a integração entre as subáreas, implicando, na prática, uma formação profissional potencializada ou frágil em qualidade resolutiva de problemas de saúde.

Palavras-chave:  Docentes; Educação em Enfermagem; Educação Superior; Enfermagem; Ensino

Resumen

Objetivo  describir las relaciones entre objetivos, contenidos y métodos de enseñanza en subáreas del conocimiento de Enfermería a partir del consenso de profesores especialistas.

Método  estudio Delphi en cuatro rondas. Participaron 112 profesores de cursos de pregrado de instituciones públicas de educación superior de Brasil, divididos en siete paneles por subárea. Los datos fueron analizados mediante la técnica de Análisis de Contenido a la luz de los conceptos de conocimiento de los objetivos y conocimiento pedagógico del contenido de Shulman, transformados en variables cualitativas de interés, objetivos, contenidos y métodos de enseñanza en torno a los cuales se buscó el consenso.

Resultados  solo las subáreas Enfermería en salud colectiva y Enfermería en gestión y Gerenciamiento acordaron objetivos. Los contenidos del consenso se relacionaron con las políticas públicas y los programas del Sistema Único de Salud. Los métodos sugieren la coexistencia de la tradición e innovación.

Conclusiones e implicaciones para la práctica  la conciencia de la relación entre los objetivos, contenidos y métodos empleados por los docentes incide en la promoción del diálogo y la integración entre las subáreas, implicando en la práctica una formación profesional potencializada o frágil en términos de resolución de problemas de salud.

Palabras clave:  Docentes; Educación en Enfermería; Educación Superior; Enfermería; Enseñanza

Abstract

Aim  to describe the relationships among objectives, content, and teaching methods in subfields of Nursing knowledge from the consensus of expert professors.

Methods  a Delphi study in four rounds. Participants were 112 professors from undergraduate courses at public Higher Education Institutions in Brazil divided into seven panels by subarea. The data were analyzed using the Content Analysis technique in light of Shulman's concepts of knowledge of objectives and pedagogical knowledge of content, transformed into the qualitative variables of interest, objectives, content and teaching methods, around which consensus was sought.

Results  only the subareas of Collective Health Nursing and Nursing in Management and Administration agreed on objectives. Agreed contents were related to public policies and programs of the Unified Health System. Methods suggest the coexistence of tradition and innovation.

Conclusions and implications for practice  the awareness of the relationships among the objectives, contents, and methods used by the professors impacts the promotion of dialogue and the integration among the subareas, implying, in practice, a potentiated or fragile professional formation in resolute quality of health problems.

Keywords:  Faculty; Education in Nursing; Higher Education; Nursing; Teaching

INTRODUÇÃO

A prática dos docentes é sustentada por um conjunto de fontes e conhecimentos base,1 que são articulados entre si em um movimento ativo e reflexivo que Shulman2 denominou de Modelo de Ação e Raciocínio Pedagógico (MARP). Assim, quatro fontes de conhecimento (formação acadêmica, estrutura e materiais pedagógicos, literatura científica relacionada ao ensino e sabedoria adquirida com a prática docente) subsidiam sete categorias de conhecimento base: conhecimento de conteúdo; conhecimento pedagógico geral; conhecimento pedagógico de conteúdo; conhecimento do currículo; conhecimento sobre os alunos e suas características; conhecimento do contexto educativo e conhecimento dos objetivos, finalidades, valores educativos e seus fundamentos histórico-filosóficos.2,3

O MARP sustenta-se tanto em fontes de conhecimento base, que o professor acessa ao longo da trajetória,4 quanto no potencial reflexivo do professor.5 Assim, em suas fases de compreensão, transformação, ensino, avaliação, reflexão e novas formas de compreender, é distinto a cada professor e pode ser analisado por meio da manifestação do pensar e observação do agir.

A fase de compreensão é o ponto de partida. Nela, podem estar envolvidas todas as categorias de conhecimento base, com destaque aos conhecimentos dos objetivos, pedagógico geral, e de conteúdo.4 O conhecimento dos objetivos, finalidades, valores educativos e seus fundamentos histórico-filosóficos caracteriza o entendimento dos professores sobre por que e para que formar. É mescla de aspectos gerais, como o perfil profissional desejado, e aspectos estritos, como os objetivos de uma disciplina ou aula2 e pode ser observado nos planos de ensino, de aula, de forma explícita, ou ainda no discurso e nas escolhas metodológicas dos professores, de forma tácita.6

Já o conhecimento pedagógico geral caracteriza as estratégias abrangentes utilizadas pelos professores que transcendem a matéria ou disciplina, enquanto o conhecimento pedagógico de conteúdo é observado na compreensão e ensino por meio da eleição de métodos entendidos como a melhor forma de ensinar e de se aprender em um tema específico, que, no contexto da formação organizada nas subáreas do conhecimento, envolverá as particularidades do conteúdo em relação aos objetivos.7

Ao analisar estes conhecimentos no âmbito da fase de compreensão de professores de Enfermagem, observa-se que, para ensinar, os professores sustentam sua prática em diferentes fontes, utilizando evidências de práticas e crenças sobre as melhores formas de ensinar e aprender.8 Há estreita relação entre aquilo que os professores acreditam e sabem e o que executam e dominam.7 Além de conhecimentos teóricos, técnicos ou científicos adquiridos em sua trajetória de formação acadêmica ou por meio de estruturas e materiais pedagógicos, conhecimentos e crenças obtidos de outras fontes de conhecimento base para o ensino,8 como, por exemplo, a sabedoria adquirida com a prática docente, podem também influenciar a ampliação dos objetivos curriculares.

Na formação de enfermeiros, advoga-se em favor do perfil generalista, humanista, crítico-reflexivo, com profissionais habilitados a transformar a realidade social e a ser agentes de mudanças na reorganização das práticas – perfil este descrito nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs), ordenadoras da formação no país.9

Para tal, se considerada a premissa de que, na relação entre a educação superior e a produção de conhecimento por meio da investigação, esta exerce impacto mais ou menos direto pelas características do currículo,10 pode-se considerar que o trabalho pedagógico de escolas e professores se estrutura também, em maior ou menor medida, no conhecimento de Enfermagem, atualmente organizado nas subáreas: Enfermagem Fundamental (EF); Enfermagem de Doenças Emergentes, Reemergentes e Negligenciadas (EDERN); Enfermagem em Saúde do Adulto e do Idoso (ESAI); Enfermagem em Saúde da Mulher (ESMu); Enfermagem na Saúde da Criança e Adolescente (ESCA); Enfermagem na Gestão e Gerenciamento (EGG); Enfermagem em Saúde Mental (ESMe); Enfermagem em Saúde Coletiva (ESC).11

Desde a publicação das DCNs, observa-se, nas bases de dados, a contínua publicação de trabalhos que reportam dificuldades para a reorientação da formação profissional em Enfermagem, a exemplo da integração ensino-serviço12 e da interdisciplinaridade e transversalidade dos conteúdos relacionados ao Sistema Único de Saúde (SUS).13 É possível que estas e outras questões relacionem-se com o fato de que o ensino de Enfermagem intenciona a formação de profissionais generalistas, formados, via de regra, por especialistas que, para além do currículo formal, têm autonomia para mediar objetivos e conteúdos por meio de métodos de ensino.

Ao assumir que, em última instância, se intenciona promover aprendizado para a formação de enfermeiros generalistas, e que o aprendizado se sustenta na compreensão de professores especialistas, que traduzem conhecimento especializado a partir de um MARP individual para um contexto de ensino compartilhado entre pares, o foco deste artigo foi a relação entre objetivo, conteúdo e métodos de ensino. Assim, questiona-se: “Quais as relações entre os objetivos, conteúdos e métodos de ensino acordados por professores especialistas em subáreas do conhecimento de Enfermagem?”.

Esta pesquisa tem, portanto, o objetivo de identificar as relações entre objetivos, conteúdos e métodos de ensino em subáreas de conhecimento de Enfermagem a partir do consenso de professores especialistas.

MÉTODO

Estudo Delphi14 eleito em função da possibilidade de considerar professores especialistas de diversas regiões do Brasil, sem a necessidade de reuni-los em um ambiente físico, desenvolvendo o processo por meio de um ambiente virtual. O desenvolvimento do método é sistematicamente comunicacional. Trata-se de uma atividade interativa, controlada pelo pesquisador, com o objetivo de obter o mais confiável consenso de opiniões de um grupo de especialistas, mediante uma série de questionários intensivos, intercalados por feedbacks por meio de respostas curtas relativas às opiniões expostas.15

A identificação dos potenciais participantes ocorreu de março a dezembro de 2017 e foi dividida em três etapas: (1) levantamento, via e-MEC, das Instituições de Ensino Superior (IES) públicas que ofertavam cursos de graduação em Enfermagem no Brasil; (2) identificação dos professores por subárea do conhecimento a partir dos sítios institucionais dos cursos ou por contato de e-mail; (3) checagem do atendimento aos critérios estabelecidos no estudo e descritos a seguir por meio do Currículo Lattes.

Identificaram-se 79 IES que ofertavam 98 cursos: 19 no Sul; 24 no Sudeste; 17 no Centro-Oeste; 26 no Nordeste e 12 no Norte. Para a consideração do professor como especialista, foram critérios de inclusão: ministrar disciplina em cursos de Enfermagem; possuir graduação em Enfermagem, pós-graduação Lato ou Sricto sensu em subárea do conhecimento de Enfermagem; ter experiência assistencial, gerencial ou técnica como enfermeiro de, pelo menos, dois anos e atuação como docente de Ensino Superior em Enfermagem de, no mínimo, cinco anos. Estabeleceram-se como critérios de exclusão: ser professor temporário e/ou ministrar disciplinas do ciclo básico, como anatomia, biologia etc.

Identificou-se um total geral de 2716 professores assim distribuídos por subárea: 171 em ESMe; 225 em EGG; 254 em EF; 304 em ESCA; 335 em ESMu; 563 em ESC e 731 em ESAI. Na vigência da identificação dos participantes, a divulgação científica das subáreas do conhecimento eram distintas. Foi utilizada, no estudo, a proposta de Oliveira,16 que não inclui EDERN. Foram identificados 133 professores que ministravam disciplinas em mais de uma subárea, alocados como multi e, posteriormente, excluídos. Os professores foram ranqueados para identificar os que atendiam ao maior número de critérios de inclusão, mantendo a proporção regional, na intenção de garantir que todas as regiões do país estivessem contempladas.

Dez por cento dos professores de cada subárea compuseram a amostra por painéis. Subáreas com até 200 professores constituíram painel com 20 professores especialistas; até 300, com 30 e, assim, sucessivamente, sendo o número máximo por painel de 50 professores. Em cada subárea, os professores foram sendo convidados por e-mail disparado via SurveyMonkey®, plataforma online de pesquisa, de acordo com o ranqueamento estabelecido e, à medida que assentiam, recebiam o termo de consentimento e o questionário da primeira rodada. Quando declinavam da participação, eram imediatamente substituídos pelo próximo professor ranqueado na subárea.

Mediante os convites, 260 professores aceitaram participar do estudo. Todavia, 112 responderam ao questionário da primeira rodada, tornando-se efetivamente participantes, representando um retorno de 56%. A coleta de dados ocorreu de janeiro de 2018 a abril de 2019, tendo em vista a abrangência nacional do estudo, e foi desenvolvida em quatro rodadas independentes por subárea, sendo a primeira qualitativa e as seguintes quantitativas, baseadas na rodada imediatamente anterior.

O questionário da primeira rodada continha quatro questões abertas, baseadas nos conceitos de Shulman.2 O conteúdo qualitativo da rodada 1 foi analisado por meio da técnica de Análise de Conteúdo,17 de forma dedutiva, à luz dos construtos de Shulman.2 As unidades de registro foram transformadas em variáveis apresentadas nos questionários das rodadas 2, 3 e 4 como questões de múltipla escolha ou do tipo caixas de seleção com a intenção de obter consenso acima de 70%,18 calculado por média aritmética. A cada rodada, eram compilados os dados e apresentados aos participantes previamente ao momento de resposta das rodadas seguintes. A obtenção de consensos ocorreu nas subáreas em rodadas diferentes.

Este manuscrito é recorte do macroprojeto de pesquisa “Ação e raciocínio pedagógico de professores de universidades públicas em subáreas do conhecimento de Enfermagem”. Apresentam-se os resultados das três variáveis qualitativas nominais destacadas no Quadro 1, obtidas nas rodadas quantitativas. O estudo foi aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa sob o Parecer no 2.106.483/2017.

Quadro 1
Rodada, referencial teórico e variáveis de interesse.

RESULTADOS

Breve caracterização das fontes de conhecimento dos participantes

Quanto à formação acadêmica, 100% (n=112) dos professores possuíam mestrado, 84% tinham doutorado (n=94) e 30% (n=34) dos doutores perpetuaram a qualificação do conhecimento em estágio pós-doutoral; 78% (n=87) possuíam experiência profissional como enfermeiro, sendo a subárea de ESCA a única em que todos preenchiam este critério. Quanto à experiência docente, 4,5% (n=5) possuíam até cinco anos de atuação; 44% (n=49), até 15 anos; 40% (n=45), até 30 anos e 11,5% (n=13), até 45 anos.

Objetivos, conteúdos e métodos de ensino

Houve consenso, sobretudo, em conteúdos e métodos. Alguns conteúdos foram consenso em mais de um painel, como a sistematização da assistência, o Processo de Enfermagem e a consulta de Enfermagem. O mesmo com os métodos aula expositiva dialogada, simulação e práticas nos serviços de saúde.

Sobre os objetivos, considerando os sete painéis, somente EGG e ESC obtiveram consenso. Ainda que o método eleito para este estudo intencione a obtenção de consensos, opta-se por apresentar os objetivos delineados nos painéis das demais subáreas pelo entendimento de que dizem respeito à compreensão de parte dos professores no âmbito do MARP e que sua socialização possibilita tecer relações iniciais com os conteúdos e métodos.

As subáreas de ESMe e EGG compartilham o sentido de formação para a atuação em equipe, centrada no usuário e em seus direitos, esta última característica também sinalizada em ESC. A ESMe e a ESC sinalizam as políticas públicas de saúde e as redes de atenção. Há também sinalizações de uma formação em Enfermagem que articula uma ideia de formação integral do enfermeiro (assistência, educação, gestão e investigação) em EGG e ESAI, quando apontam que deve esta articular os processos de trabalho gerencial e assistencial, e a ESAI destaca ainda, no objetivo, a educação em saúde.

No Quadro 2, apresentam-se, por subárea, os consensos obtidos nas variáveis objetivo, conteúdos e métodos de ensino, organizados em sequência, do maior para o menor percentual de consenso.

Quadro 2
Resultados por subárea, por variável.

DISCUSSÃO

Há intencionalidade ao ensinar, como delineou Shulman2 no MARP. A partir de um dado conteúdo ou disciplina, este processo inicia-se com movimentos de compreensão e transformação realizados pelo professor em relação a objetivos, conteúdos e métodos de ensino.

Isso posto, buscaram-se identificar, a partir da explicitação do raciocínio pedagógico de professores, possíveis relações entre estes elementos não somente restritos ao âmbito de sua disciplina, mas em um exercício reflexivo de, a partir dela, extrapolar para um contexto mais amplo, o do ensino de uma determinada subárea do conhecimento de Enfermagem no âmbito de uma formação generalista. Assim, ao longo das rodadas da pesquisa, a partir da compressão que possuíam sobre a formação de enfermeiros, considerando suas fontes de conhecimento, os professores acordaram objetivos e elegeram conteúdos e métodos de ensino que consideraram pertinentes para atingi-los.

Sobre os objetivos, observou-se baixo consenso nas e entre as subáreas, o que pode se relacionar ao fato de que isto talvez não seja possível pela multiplicidade de competências requeridas do enfermeiro, cada uma delas gerando objetivos específicos, ou pela miscelânea de compreensões dentro da mesma subárea, reforçando a ideia de que o raciocínio pedagógico, além de individualizado, pode ser pouco compartilhado entre pares e negociado no contexto educacional.

Na tentativa de pensar a formação do enfermeiro de forma mais ampla e não restrita a uma ou outra disciplina, a clareza do objetivo da subárea, na fase de compreensão, parece cara à formação em Enfermagem. Um estudo a respeito do ensino da Enfermagem na América Latina e no Caribe19 propôs que currículos de graduação em Enfermagem potencializem atividades integradas e articuladas, a fim de alinhar competências universais e oportunizar, aos alunos, práticas de aprendizagem inovadoras e educação transformadora, valorizando a formação de profissionais que atendam às necessidades da população,20 o que implica que exista discussão entre professores de uma mesma subárea e também entre as subáreas.

A despeito das dificuldades de consenso, observam-se, na declaração dos objetivos de forma compartilhada entre algumas subáreas, verbos compatíveis com abordagens centradas no conteúdo, que são, geralmente, também centradas no professor,21 como fornecer (EF), introduzir (ESCA), instrumentalizar (ESMe) e ensinar (ESMe e ESAI). Abordagens como as destacadas são caracterizadas pelo fato de que a ação em relação ao objeto de aprendizagem (conteúdo, por exemplo) não é do estudante.

Quando analisados os conteúdos em comum entre as subáreas, observa-se uma negociação de compreensão entre o que seria conteúdo específico e conteúdos relacionados ao SUS, suas políticas e programas. Isto pode ser resultado do forte movimento indutor de reorientação da formação profissional em saúde para o SUS, que se concentrou, significativamente, nos primeiros momentos, na mudança das estruturas e dos materiais pedagógicos, alterando projetos pedagógicos e ementas, com dificuldade de reverberar em mudanças de práticas.9

Já nos métodos, observa-se a predominância de consensos em torno de métodos relacionados à ideia de aprendizagem ativa, característica de abordagens centradas no estudante, como práticas, estudos de caso e simulação, em conjunto ao método caracterizado como tradicional: a aula expositiva. Neste sentido, é possível que a formação em Enfermagem esteja em um período de transição induzido pelo constante discurso promotor da utilização de metodologias ativas, ainda que o ensino em Enfermagem seja visto como predominantemente tradicional.22

É também possível que isto seja um reflexo de um movimento de orientação tecnológica da formação docente5 em que, com base na literatura científica, se sugerem melhores práticas ou melhores métodos23 de ensinar, criando métodos canônicos. Esse fato pode sugerir que o conhecimento pedagógico de conteúdo seja instrumental, gerando modelos, formas padrão.

Observa-se também que as subáreas que listaram maior número de objetivos (EF, ESMu, ESMe), ainda que não pactuados, entraram em consenso sobre o maior número de métodos, o que pode sugerir maior diversidade didática na prática dos professores, benéfica à aprendizagem dos estudantes, pois contribui para um maior alcance de estudantes, com diferentes estilos de aprendizagem.24,25

Assim, se tomado o encadeamento entre objetivos, conteúdos e métodos, deve-se atentar para a presença de um distanciamento entre a intenção e a ação, pois a redação dos objetivos enfoca o professor e o método e estes requerem a participação ativa do estudante. Novamente, os distanciamentos na relação entre objetivos e métodos podem ser observados entre e nas subáreas, no uso de verbos e substantivos. Educar, ensinar, formar, sensibilizar, instrumentalizar e intervir carregam consigo espectros distintos, os quais podem conduzir os professores à eleição de métodos de ensino mais ou menos diretivos para atingir estes objetivos.26

Tomar consciência destes aspectos é relevante para a formação em Enfermagem, especialmente, se adicionada também uma consideração sobre a avaliação. A avaliação é apontada como um desafio do trabalho docente pelos potenciais conflitos teóricos do que avaliar, como avaliar e quem avalia.27

Na perspectiva da avaliação no MARP, é nesta fase que os professores avaliam o planejado e executado e, em teoria, é uma fase na qual os dados de desempenho dos estudantes são outputs do seu próprio desempenho. Tal perspectiva confirma que é preciso definir, prévia e claramente, os objetivos e o processo de ensino e avaliação de modo a serem perseguidos e, progressivamente, alcançados nas ações de ensino, como, também, constantemente verificados pela proposição de diferentes atividades avaliativas.28

CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA

Uma vez que a formação em Enfermagem segue as DCNs de Ensino, considerando os contextos locais de formação dos professores, é possível analisar as relações entre objetivos, conteúdos e métodos de ensino, e relacionar o ‘fazer’ entre e nas subáreas de conhecimento da Enfermagem. Destacou-se que há objetivos centrados no conteúdo e métodos de ensino que sugerem tanto a manutenção quanto a inovação por meio de aproximações com foco que caracteriza a abordagem centrada no estudante.

O método Delphi proporcionou que os professores discutissem esta intencionalidade e seus desdobramentos a partir de suas compreensões particulares, apresentando, assim, dificuldades na obtenção de consensos sobre os objetivos do conhecimento. A clareza dos objetivos auxilia os professores a eleger conteúdos e métodos de ensino compatíveis, bem como pode proporcionar diálogo entre os professores de diferentes subáreas. Isso seria profícuo ao desenvolvimento do ensino na subárea e à educação em Enfermagem, mas, também, com a possível presença de conservadorismo, padronização e inovação coexistindo.

A tomada de consciência do encadeamento entre objetivos, conteúdos e métodos pode colaborar com os resultados de aprendizagem de estudantes e servir de subsídio à formação docente, uma vez que a sabedoria adquirida com a prática de professores é uma importante fonte de conhecimento base para o ensino. Haja vista que as implicações para a prática reverberam em uma formação profissional potencializada ou frágil em qualidade resolutiva de problemas de saúde.

Destacam-se como limitações do estudo as perdas na primeira rodada e o fato de que a análise é baseada nas falas dos professores e não na observação de suas práticas e análise dos planos de aula. Discutem-se os consensos entre os professores por painéis, que não representam, necessariamente, o que fazem. Estudos in loco são recomendados.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    10 Ago 2021
  • Aceito
    09 Jan 2022
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