RESUMO
Objetivo construir e validar conteúdo de instrumento para avaliação socioestrutural e comportamental associado à infecção pelo HIV em jovens.
Método estudo metodológico, desenvolvido em duas etapas: elaboração do instrumento; e validação de conteúdo. Os itens que compuseram o instrumento foram selecionados através de revisão literária, tendo como referencial os domínios multiníveis do Modelo Social Ecológico Modificado, categorizados em componentes socioestruturais e comportamentais. O conteúdo foi avaliado por especialistas em duas rodadas conduzidas pela técnica Delphi, admitindo-se um índice de concordância de, no mínimo, 80%.
Resultados a primeira versão do instrumento continha 52 itens, distribuídos em três domínios. Na primeira rodada, 19 itens (36,5%) obtiveram Índice de Validade de Conteúdo inferior a 0,80, dois itens foram excluídos e os demais foram reformulados. Na segunda rodada, 2 itens foram excluídos e 3 foram incorporados como subitem, totalizando 45 itens. O Índice de Validade de Conteúdo do Instrumento foi de 95%.
Conclusão e implicações para a prática as recomendações dos especialistas contribuíram para a qualificação do instrumento Avaliação Socioestrutural e Comportamental-HIV, possibilitando a reorganização do conteúdo. O instrumento é válido para a identificação de fatores socioestruturais e comportamentais associados à infecção pelo HIV em jovens, com potencial para constituir planejamento de cuidados preventivos.
Palavras-chave: Adolescente; Análise Multinível; HIV; Infecções por HIV; Populações Vulneráveis
RESUMEN
Objetivo construir y validar el contenido de un instrumento de evaluación socioestructural y conductual asociada a la infección por VIH en jóvenes.
Método estudio metodológico, desarrollado en dos etapas: elaboración del instrumento; y validación de contenido. Los ítems que conformaron el instrumento fueron seleccionados a través de una revisión literaria, tomando como referencia los dominios multinivel del Modelo Ecológico Social Modificado, categorizados en componentes socioestructurales y conductuales. El contenido fue evaluado por expertos en dos rondas realizadas mediante la técnica Delphi, suponiendo una tasa de acuerdo de al menos el 80%.
Resultados la primera versión del instrumento contuvo 52 ítems, distribuidos en tres dominios. En la primera ronda, 19 ítems (36,5%) tuvieron un Índice de Validez de Contenido inferior a 0,80, dos ítems fueron excluidos y el resto fueron reformulados. En la segunda ronda, se excluyeron 2 ítems y se incorporaron 3 como subítems, totalizando 45 ítems. El Índice de Validez de Contenido del Instrumento fue del 95%.
Conclusión e implicaciones para la práctica las recomendaciones de los expertos contribuyeron para la calificación del instrumento Evaluación Socioestructural y del Comportamiento-VIH, permitiendo la reorganización del contenido. El instrumento es válido para identificar factores socioestructurales y conductuales asociados a la infección por VIH en jóvenes, con potencial para constituir una planificación de atención preventiva.
Palabras clave: Adolescente; Análisis Multinivel; VIH; Infecciones por VIH; Poblaciones Vulnerables
ABSTRACT
Objective to construct and validate the content of an instrument for sociostructural and behavioral assessment associated with HIV infection in young people.
Method a methodological study developed in two steps: instrument elaboration; and content validity. The items that made up the instrument were selected through a literary review using the Modified Social Ecological Model multilevel domains as a reference, categorized into sociostructural and behavioral components. Content was assessed by experts in two rounds conducted using the Delphi technique, assuming an agreement rate of at least 80%.
Results the first version of the instrument contained 52 items, distributed across three domains. In the first round, 19 items (36.5%) had a Content Validity Index lower than 0.80, two items were excluded and the rest were reformulated. In the second round, 2 items were excluded and 3 were incorporated as subitems, totaling 45 items. The Instrument Content Validity Index was 95%.
Conclusion and implications for practice experts’ recommendations contributed qualifying the Sociostructural and Behavioral Assessment-HIV instrument, enabling content reorganization. The instrument is valid for identifying socio-structural and behavioral factors associated with HIV infection in young people, with the potential to constitute preventive care planning.
Keywords: Adolescent; Multilevel Analysis; HIV; HIV Infections; Vulnerable Populations
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, o cenário mundial tem apresentado avanços diante das perspectivas do enfrentamento da epidemia de HIV. Embora a tendência geral de infecção venha diminuindo, a redução da incidência é limitada entre determinadas populações, como jovens de populações-chave. Estima-se, globalmente, que, do total de 1,57 milhões de novas infecções por HIV ocorridas em 2020, 27% encontram-se na faixa etária entre 15 e 24 anos.1,2 Entre 2007 e junho de 2022, no Brasil, um total de 102.869 (23,7%) casos de HIV foram observados entre jovens de 15 a 24 anos. Em 2021, foram registrados 40.880 casos novos de infecções por HIV, sendo que 23,4% concentraram-se na faixa etária entre 15 e 24 anos. Além disso, nos últimos 10 anos, 52.513 jovens de 15 a 24 anos, de ambos os sexos e vivendo com HIV, evoluíram para AIDS.3
Tal conjuntura motivou a proposição de estratégias de enfrentamento pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS), que inclui, entre outras, a ampliação de acesso universal a testagem sorológica, o tratamento e cuidados para o HIV, a implementação de ações de acesso ao Fast-Track e foco sobre grupos desproporcionalmente afetados pela epidemia.1 Nessa perspectiva, são pertinentes iniciativas que possibilitem a identificação de indicadores de vulnerabilidade que potencializam o risco da infecção pelo HIV entre jovens, a exemplo dos seguintes fatores estruturais já reconhecidos pela literatura, como desigualdades e violência de gênero, normas culturais e comunitárias, fatores econômicos, estigma e discriminação.4
Entre os menores de 18 anos, particularmente, reconhece-se a existência de barreiras políticas e legais relacionadas à idade que prejudicam o acesso aos serviços, incluindo testagem e aconselhamento em HIV, redução de danos e outros serviços necessários, sobretudo a populações-chave. Tais barreiras limitam a capacidade dos adolescentes de exercer seu direito de tomar decisões independentes. Destaca-se, nesse contexto, a resistência de adolescentes e jovens na busca por serviços de saúde, temendo discriminação e/ou possíveis consequências legais, permanecendo ocultos em espaços interventivos e excluídos de atenção essencial à saúde.1,5
Portanto, consiste em desafio a indução de abordagens que considerem e possibilitem intervenções sobre múltiplos fatores que influenciam e delineiam o padrão de vulnerabilidade de jovens ao HIV. Estudos apontam que ações de prevenção e controle da infecção ainda estão, majoritariamente, direcionadas a abordagens biomédicas e comportamentais, e estão descontextualizadas de variações sociais, culturais, econômicas e políticas.6 Concebe-se que, ainda, intervenções, no aspecto individual, dispõem de recursos limitados para mudar as estruturas sociais, cujas vulnerabilidades são de difícil transposição, sobretudo porque são (re)produzidas e perpetuadas ao longo de gerações.5,6
Diante da lacuna mencionada no contexto do planejamento do cuidado da população em foco, considerando a vulnerabilidade à infecção pelo HIV, este estudo propôs a construção e validação de um instrumento, tendo como referencial teórico o Modelo Social Ecológico Modificado (MSEM), por possibilitar a compreensão sobre fatores sociais, estruturais e comportamentais, apresentados em uma análise multinível, cujos elementos interagem e interferem sobre o risco de populações vulneráveis adquirirem a infecção por HIV. Esse modelo é composto por cinco níveis: indivíduo; rede social e sexual; comunidade; políticas públicas; e estágio epidêmico.7
Originalmente utilizado nos campos da psicologia e do desenvolvimento humano, o MSEM sofreu algumas alterações para a sua utilização no âmbito da saúde pública. Nesta área do conhecimento, o MSEM é considerado uma abordagem teórica que ressalta a importância de compreender a influência dos ambientes sociais e regulatórios no comportamento individual, sobretudo evidenciando a dinamicidade das relações entre pessoas, ambientes e outras influências sociais que modulam comportamentos, padrões de saúde-doença e respostas adaptativas ao longo da vida.6-8
Resultante dos campos da psicologia e do desenvolvimento humano, o MSEM foi adaptado à área da saúde pública como uma abordagem teórica que enfatiza a importância de compreender os ambientes sociais e regulatórios na previsão do comportamento de saúde individual. É um modelo que, quando usado na área da saúde, destaca a dinâmica de interações e relações existentes entre pessoas, ambientes e outras influências sociais que moldam os comportamentos, padrões de doença, bem como as respostas a eles ao longo do ciclo de vida.6-8
Além de predizer quais os fatores de cada nível que estão associados aos fatores de risco ou de proteção, há a nitidez de como os multiníveis podem estar sobrepostos ao processo de potencializar ou mitigar a transmissão do vírus. Nesse sentido, instrumentos orientadores do cuidado profissional de saúde baseado no modelo poderão contribuir com o aprimoramento de práticas e construção de oportunidades para a superação dos gaps nos campos da prevenção.8
Em face do exposto, este estudo objetivou construir e validar conteúdo de instrumento para avaliação socioestrutural e comportamental associados à infecção pelo HIV em jovens.
MÉTODO
O presente estudo, do tipo metodológico, é parte do projeto intitulado “HIV na população jovem: subsídios para o enfrentamento da epidemia a partir da análise de fatores socioestruturais e comportamentais”, e foi financiado pela Fundação de Apoio à Pesquisa da Paraíba (FAPESQ)/PPSUS-TO: 12/2021. Essa fase da pesquisa foi desenvolvida em João Pessoa, capital do estado da Paraíba, no período de outubro de 2020 a fevereiro de 2021, por meio das seguintes etapas: procedimentos teóricos (definição dos itens e construção do instrumento); procedimentos empíricos (validade de conteúdo do instrumento, submissão aos especialistas e verificação da confiabilidade do instrumento pela análise de concordância entre os especialistas); e procedimentos analíticos (consistência interna do instrumento).9
O processo de construção do instrumento consistiu, inicialmente, na definição dos itens que compuseram o instrumento, através de revisão integrativa da literatura, cuja análise foi norteada pelo MSEM,7 além das diretrizes políticas globais de enfrentamento ao HIV e AIDS.1 A partir dos resultados da revisão da literatura, os principais itens foram selecionados para compor o instrumento. A construção inicial do instrumento foi realizada pelos próprios pesquisadores, que tinham experiências teórica e prática com a temática. Foram elaborados, inicialmente, 52 itens, distribuídos em três blocos temáticos, como sociodemográfico, socioestrutural e comportamental, para serem submetidos à avaliação.
Sequencialmente, o instrumento foi submetido à avaliação de conteúdo por juízes especialistas, selecionados por critérios pré-definidos, como experiências profissionais ou acadêmicas com o cuidado à pessoa com HIV e AIDS e titulação mínima de mestrado. Adotaram-se a recomendação para indicação de, no mínimo, seis especialistas,9 e a técnica Delphi, que recomenda no mínimo duas rodadas de avaliação de conteúdo.10
A partir de uma busca na Plataforma Lattes do website do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e por meio de indicação ou recomendação de outros pesquisadores (técnica bola de neve), foram elegíveis 19 especialistas.9,10 O convite aos participantes dessa fase foi enviado por meio eletrônico, contendo uma apresentação sucinta dos objetivos e da descrição da pesquisa no corpo do e-mail. Atenderam aos critérios aqueles com título de mestre ou doutor e experiência científica e clínica em HIV e AIDS. Para a etapa de validação de conteúdo, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), o questionário com a caracterização dos especialistas e a versão inicial do instrumento foram inseridos na plataforma do Google (https://docs.google.com).
Cada item foi avaliado quanto à sua pertinência, considerando uma escala tipo Likert, estruturada em cinco proposições: “discorda totalmente”; “discorda parcialmente”; “sem opinião”; “concorda parcialmente”; e “concorda totalmente”. Ao final de cada item, objeto da avaliação, havia um campo específico para respostas abertas, no qual os juízes especialistas poderiam justificar suas respostas e/ou descrever sugestões que contribuíssem para a pertinência do instrumento.
Um prazo de 15 dias foi estabelecido para que os participantes pudessem responder ao convite e realizar a avaliação, etapa ocorrida no período de 13 de novembro a 31 de dezembro de 2020. Para que o instrumento proposto pudesse gerar resultados válidos e confiáveis, buscou-se relacionar os conceitos teóricos e os indicadores mensuráveis (itens), como também avaliar a extensão e dimensão de cada item em relação ao objeto de estudo, possibilitando julgamento sobre a relevância e adequação dos itens para conferir aplicabilidade ao instrumento.9,10
Para a avaliação da consistência interna do instrumento (procedimentos analíticos), foram mensurados os Índices de Validade de Conteúdo aplicados aos Itens (IVC), de Fidedignidade aplicado aos Domínios (IFD) e de Validade de Conteúdo aplicado ao Instrumento (IVI),10 considerando-se a frequência simples das respostas dos especialistas. Desse modo, foram mantidos no instrumento (nas duas rodadas de avaliação) apenas os itens cujos valores percentuais de concordância foram iguais ou superiores a 80% (0,80).9,11
Tendo em vista que o presente estudo faz parte do projeto mencionado, esta pesquisa foi aprovada sob Parecer no 3.935.713/2020 pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba (CEP/CCS/UFPB). Foi conduzida segundo diretrizes normativas da pesquisa, obedecendo à Resolução no 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, que regulamenta a pesquisa com seres humanos no Brasil.
RESULTADOS
Incialmente, 19 especialistas foram convidados para participar da pesquisa, todavia 14 deles concordaram em participar. Desses, 12 (85,7%) eram do sexo feminino, 9 (64,3%) estavam na faixa etária de 29 e 40 anos, 12 (85,7%) eram enfermeiros, 8 (42,9%) tinham o título de doutor, 4 (28,6%) atuavam na docência, 7 (41,2%) estavam vinculados a universidade públicas e 10 (71,4%) eram procedentes da região nordeste.
O processo de validação ocorreu em duas rodadas de avaliação. O instrumento construído continha em sua versão preliminar 52 itens, distribuídos em 3 domínios, sendo: domínio I - sociodemográfico (7 itens); domínio II - comportamental (19 itens); domínio III – socioestrutural (26 itens). Na primeira rodada de avaliação, utilizando a técnica Delphi, 19 (36,5%) obtiveram IVC inferior a 0,80. Dois itens foram excluídos (itens 10 e 11), e os demais foram reformulados, acatando sugestões dos especialistas. No geral, foram recomendadas inclusão de categorias de resposta e modificações no texto para que os itens ficassem mais compreensíveis.
Como o MSEM é pouco utilizado no cenário nacional,4-7 constatou-se que alguns itens do instrumento, notadamente do domínio socioestrutural, não foram devidamente compreendidos pelos especialistas devido à falta de aproximação com o tema. Assim, na segunda rodada, cada item foi explicitado na perspectiva de oferecer maior fundamentação para o julgamento dos especialistas (Figura 1).
Fluxograma das etapas de elaboração e de validação do Instrumento de Avaliação Socioestrutural e Comportamental.
Quanto ao formato, os especialistas sugeriram inverter as ordens dos domínios II (comportamental) e III (socioestrutural), para potencializar a relação estabelecida entre entrevistador e sujeito da pesquisa, principalmente nas questões relacionadas à sexualidade. Assim, o instrumento foi disposto na seguinte ordem: domínio I – sociodemográfico; domínio II – socioestrutural; e domínio III – comportamental. Finalizada a fase de revisão e readequação, a segunda versão do instrumento contou com 50 itens. Ainda nessa primeira rodada, os domínios I, II e III alcançaram IFD de 0,84, 0,85 e 0,84, sequencialmente. Quanto ao IVI, o instrumento pontuou 0,83.
Na segunda rodada, o instrumento foi reenviado aos 14 especialistas que participaram da primeira rodada da técnica Delphi, dos quais 10 colaboraram com a validação. Após a devolução do instrumento pelos especialistas, todas as sugestões foram consideradas e as respostas foram tratadas e analisadas quantitativamente, conforme já descrito (Figura 1).
Nessa fase, apenas dois itens (15 e 20) foram avaliados com escores inferiores a 0,80, e ambos compunham o domínio socioestrutural. Após a revisão e discussão por partes das pesquisadoras, chegou-se ao consenso de que os mesmos deveriam ser excluídos do instrumento. Mais 3 itens (25, 27 e 29) sofreram adequações e foram considerados como subitens e, por isso, o número total de itens do instrumento foi reduzido (Figura 1).
Mediante os resultados obtidos, o processo de validação de conteúdo foi finalizado, dando origem ao instrumento intitulado Avaliação Socioestrutural e Comportamental – ASECOMP-HIV, composto de 45 itens e IVI de 0,95. O instrumento, na sua versão final, assim como o IVC de cada item e o IFD dos domínios, está apresentado na Quadro 1.
DISCUSSÃO
O instrumento construído e validado reitera a importância da atenção especial aos jovens que vem sendo sinalizada através dos dados de concentração da epidemia do HIV neste segmento populacional, principalmente em jovens membros de populações-chave.1-3
Destaca-se que a limitação das ações de políticas públicas específicas para essa faixa etária, refletidas pelas tendências epidemiológicas atuais, ressalta o quão necessária é a consideração sobre os aspectos comportamentais e estruturais associados à soroprevalência neste seguimento etário, de forma a mitigar essa lacuna na natureza ecológica nos jovens, para uma atenção efetiva à saúde na perspectiva preventiva.12
No 1º domínio do instrumento (sociodemográfico), o item 5, “raça/cor”, foi reformulado, considerando as categorias de resposta do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Sobre esse aspecto, ressalta-se que, no Brasil, a raça é um elemento de estudo e compreensão de tendências epidemiológicas de agravos transmissíveis e não transmissíveis, compondo o modelo proposto pelo MSEM. Historicamente, indivíduos pardos e com baixa escolaridade têm restrições de acesso aos serviços de saúde e à educação, com consequente limitação a informações sobre as formas de prevenção e transmissão do HIV, interferindo, assim, sobre a vulnerabilidade dos jovens, expressando-se de forma desigual.13,14
No mesmo domínio, foi sugerida pelos especialistas a exclusão do item 7, “bairro de residência”. Entretanto optou-se pela manutenção do item, devido à possibilidade de tecer análises georreferenciadas dos jovens, além da possibilidade de obter dados sobre as variações contextuais (comportamento e estrutura) relacionadas à localização geográfica do jovem, para melhor definir padrões epidêmicos.7,13
Analisando o contexto do 2º domínio, socioestrutural, na primeira versão do instrumento, foi questionada a relevância dos seguintes itens: “Você já esteve preso ou institucionalizado”; “Qual o tipo de piso tem a sua casa”. Porém, na perspectiva do modelo ecológico, o perfil de condições habitacionais na juventude é imprescindível para compreensão das barreiras que podem limitar o jovem ao acesso a políticas públicas.1,3 Além disso, quanto à institucionalização, observa-se, com a variação entre estados no Brasil, que o encarceramento está associado a maior soroprevalência de HIV e outras IST, quando comparada à população geral. Tais associações podem estar relacionadas a práticas, hábitos e atitudes assumidas com maior frequência no encarceramento, como a utilização de drogas injetáveis, o compartilhamento de agulhas e práticas sexuais desprotegidas.15 Em investigação conduzida nos Estados Unidos da América (EUA), a junção de fatores estruturais e individuais, como uso de substâncias e histórico de encarceramento na vida de jovens negros que fazem sexo com homens, pode afetar sua vulnerabilidade ao HIV, constituindo condição sindêmica que aumentou o risco de transmissão e aquisição do HIV.14
Diante do exposto, e à luz do modelo teórico, considerou-se a importância social dos itens para a compreensão do fenômeno estudado, e ambos foram mantidos no instrumento.
No 3º domínio (comportamental), foram acrescentadas categorias de respostas nos itens “Motivo para realizar o teste” e “Já se relacionou com alguém soropositivo para o HIV”. O item “Idade na primeira relação sexual” foi mantido, pela sua relevância para a avaliação em nível individual, que pode ser representado por estudo brasileiro sobre comportamento de risco, onde, dos homens que tiveram iniciação sexual antes dos 15 anos (52,7%), 58,8% não usaram preservativo na primeira relação sexual.16 Ainda, cabe destacar que o comportamento do jovem ao assumir práticas sexuais seguras pode ser pensado como elemento de vulnerabilidade ao HIV tardiamente, deixando a realização de práticas de prevenção em segundo plano, e esse comportamento pode apresentar continuidade ao longo dos anos.17
Dos domínios apresentados, o socioestrutural apresentou maior frequência de IVC inferior a 0,80 (dez), quando comparado ao comportamental (sete) na primeira rodada. Consequentemente, foi submetido a maior número de alterações, o que pode representar ainda que os níveis de risco do âmbito socioestrutural do MSEM são desafios sob a perspectiva da abordagem da aplicabilidade de políticas públicas, haja vista também que se observa que a infecção por HIV ainda é historicamente associada às práticas de cunho comportamental.7,14
Dessa forma, as intervenções profissionais e as políticas públicas devem ser subsidiadas nas necessidades e na diversidade e dinamicidade do contexto social da comunidade – condições demográfica, econômica e política, níveis de escolaridade, prestação de serviços sociais, localização geográfica, crenças culturais e padrões de saúde-doença. Ressalta-se, ainda, que a fragilidade na implementação de ações de prevenção em qualquer nível, inevitavelmente, compromete a eficácia das estratégias realizadas em outros segmentos populacionais.3,7,14
O conhecimento de conjunto específico de múltiplos fatores estruturais e comportamentais que influenciam o risco e a vulnerabilidade de segmentos populacionais oportuniza a execução de ações de prevenção da transmissão do HIV com elevada cobertura de estratégias combinadas e fortalecimento de políticas públicas voltadas ao jovem. A consideração desses elementos possibilita ao cuidado profissional, na perspectiva do caráter multifacetado do risco de infecção ao HIV, a identificação da influência dos contextos sociodemográficos e socioestruturais comportamentais no desfecho sorológico da população jovem.
CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA
As recomendações dos especialistas contribuíram para a qualificação do instrumento ASECOMP-HIV, possibilitando a reorganização do conteúdo e qualidade técnica e científica dos itens avaliados. As taxas obtidas no processo de validação de conteúdo do instrumento ASECOMP-HIV apresentaram evidências de fidedignidade e validade à estrutura interna do instrumento, com a técnica de Delphi processada em duas rodadas e alcance final de IVI de 0,95.
Houve modificações do instrumento, obtendo-se subsídios validados para a possível identificação de fatores de vulnerabilidade à infecção pelo HIV em jovens. As contribuições dos especialistas acrescentaram itens indispensáveis para estruturação do questionário, constituindo uma ferramenta estratégica para respostas conjuntas ao enfrentamento da epidemia.
Instrumentos válidos e confiáveis são essenciais para verificar as múltiplas dimensões do risco ao HIV. Além disso, como característica inovadora, o instrumento permitiu estabelecer a associação entre os elementos demográficos, socioestruturais e comportamentais, e o desfecho sorológico para HIV, uma vez que instrumentos centrados, única e exclusivamente em componentes comportamentais, são limitados para explicar a dinâmica da epidemia. Portanto, o ASECOMP-HIV consiste em ferramenta útil capaz de orientar a obtenção de informações importantes inerentes aos aspectos socioestruturais e comportamentais.
Destaca-se que o instrumento validado poderá ser utilizado para subsidiar/apoiar a compreensão e mensuração das situações de vulnerabilidade que potencializam o risco de jovens à infeção pelo HIV.
Como limitações desta pesquisa, elenca-se a relação de poucos autores que estruturam o MSEM em estudos. Ressalta-se que, com o uso do instrumento na prática diária do serviço, podem-se suscitar novas necessidades de modificações que exigirão novos estudos de validação em relação aos itens apresentados.
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FINANCIAMENTO
FAPESQ/PPSUS - Edital 005/2020 - Termo de Outorga-TO: 012/2021. Título da pesquisa: “HIV NA POPULAÇÃO JOVEM: subsídios para o enfrentamento da epidemia a partir da análise de fatores socioestruturais e comportamentais”. Coordenação: Dra. Jordana de Almeida Nogueira.
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Extraído da tese “Fatores socioestruturais e comportamentais associados ao risco de infecção pelo HIV em jovens: análise subsidiada pelos elementos do Modelo Social Ecológico Modificado”. De autoria de Renata Olívia Gadelha Romero, sob orientação da Dra. Jordana de Almeida Nogueira. Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PPGENF), Universidade Federal da Paraíba (UFPB), 2022.
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Editado por
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EDITOR ASSOCIADO
Candida Primo Caniçalihttps://orcid.org/0000-0001-5141-2898
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EDITOR CIENTÍFICO
Ivone Evangelista Cabral https://orcid.org/0000-0002-1522-9516
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
16 Fev 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
18 Mar 2023 -
Aceito
01 Dez 2023