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Abandono Afetivo: Afeto e Paternidade em Instâncias Jurídicas

Emotional Abandonment: Affection and Paternity in Brazilian Courts

Abandono Afectivo: Afecto y Paternidad en Instancias Jurídicas

Resumo

O objetivo deste artigo é discutir arqueologicamente a articulação entre paternidade e criminalidade, tomando como base um documento jurídico que aciona um pai por abandono afetivo. Em especial, analisamos a produção de sujeitos nos jogos enunciativos que responsabilizam o pai por sua ausência na vida da prole. Para que se construa essa responsabilização em relação ao(a) filho(a) é necessário que os enunciados se movimentem e estabeleçam diferenciações entre a responsabilidade familiar x de outras instâncias (comunidade e Estado). No interior da instância familiar, os enunciados explicitam a matriz heterossexista, construindo lugares específicos para homens e mulheres, recheados de prescrições, funções e características. Para que se transforme numa demanda jurídica legítima, o afeto será entendido como cuidado e convívio. Mesmo nesta operação enunciativa, o cuidado paterno não se produz de forma semelhante ao cuidado materno. Ao referir-se à paternidade, o afeto (cuidado) se transformará na demanda por limite e autoridade, que se sustenta na associação entre a ausência paterna e a criminalidade.

Paternidade; Afeto; Psicologia Jurídica

Abstract

This article discusses the relation between paternity and crime using discourse analysis. We researched case that contained the judgment regarding the emotional abandonment by the father. In particular, we analyze the subject’s production in statement as they blame the father for his absence in children’s life. The use of the statements outlined the family responsibility and established differences between the family’s responsibility and community or State’s responsibility. Within the family unit, the statements described the father’s responsibility when they built specific roles for men and women with specific prescriptions, functions, and features, thereby creating a heterosexist matrix. When this turns into a legitimate legal demand, the affection will be translated as care and family intimacy. In this discursive analysis, differences can be observed in the manner in which the maternal and paternal care are discursively produced. In the case of paternal care, this difference can be translated into the child’s need for authority and the demand for limits. This difference could be at the base of the association between paternal absence and crime.

Paternity; Afecct; Forensic Psychology

Resumen

El objetivo de este artículo es discutir de forma arqueológica la relación entre paternidad y criminalidad, analizando un documento jurídico-legal a través del cual se acciona a un hombre- padre por Abandono Afectivo. En especial, se analiza la producción de sujetos en los juegos de enunciativos que responsabilizan al padre por su ausencia en la vida de los/as hijos/hijas. Para construir esta responsabilidad con relación al(la) hijo(a) es necesario establecer las diferencias entre la responsabilidad familiar y otras instancias (comunidad y Estado). En el interior de la familia, los enunciados dejan explícita la matriz heterosexual, construyendo lugares específicos para hombres y mujeres, llenos de prescripciones, funciones y características. Para convertirlo en una demanda legal legítima, el afecto se entenderá como el cuidado y la convivencia. Inclusive en esta operación enunciativa, la atención paterna no se produce de manera similar a la atención materna. Al referirse a la paternidad, el afecto (cuidado) se transformará en la demanda por límites y autoridad, que se sustenta en la asociación entre a ausencia paterna y la criminalidad.

Paternidad; Afecto; Psicología Criminal

A discussão presente neste artigo faz parte de um estudo maior que analisou arqueologicamente os enunciados a respeito de paternidade e criminalidade nas decisões dos tribunais de segunda e terceira instância dos estados do sul do Brasil, buscando descrever possíveis jogos de enunciação. O enunciado que foi o ponto de partida dessa pesquisa – ausência paterna como causadora de criminalidade1 - não surge como uma fórmula mágica nos materiais e nem foi buscado dessa maneira. Em contrapartida, surgiram movimentos de enunciados que de diversas formas articulavam essas duas questões (criminalidade e paternidade) e, com isso, evidenciavam lutas de forças, jogos de saber/poder que se mesclaram para que surjam as enunciações que fundamentam ou não as sentenças lidas.

Tomar a articulação entre paternidade e criminalidade a partir dos enunciados é tomar cuidado para escapar da busca por um correlato. Não há nessa pesquisa o intuito de verificar se essa articulação existe, autenticando a veracidade de uma proposição causal entre ausência paterna e criminalidade. Para Foucault (2005)Foucault, M. (2005) A arqueologia do saber (7a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária., essa seria uma das funções enunciativas, mas existem outras. O enunciado requer uma determinada posição de sujeito a ser ocupada, colocando em questão o princípio de autor, como problematizado anteriormente. Além disso, a função enunciativa ainda pressupõe tanto uma existência material quanto um domínio associado, relaciona-se com todo um campo adjacente, reatualiza outros enunciados, “figura em um campo definido, com uma posição determinada, em um jogo enunciativo que a extrapola” (Foucault, 2005Foucault, M. (2005) A arqueologia do saber (7a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária., p. 112). Não se busca atribuir “sentidos” aos enunciados, mas relaciona-los com um campo de objetos. Abrem-se posições subjetivas possíveis ao invés de definir aos enunciados um sujeito/autor. Em vez de limitá-los, posiciona-os num domínio de coordenação e coexistência.

Analisar uma formação discursiva é, pois, tratar um conjunto de performances verbais no nível dos enunciados e da forma de positividade que as caracteriza; ou, mais sucintamente, é definir o tipo de positividade de um discurso (Foucault, 2005Foucault, M. (2005) A arqueologia do saber (7a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária., p. 141-142).

Metodologia

Utilizamos como ferramenta a proposta arqueológica de Foucault (2005)Foucault, M. (2005) A arqueologia do saber (7a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária., buscando descrever uma arqueologia da articulação entre paternidade e criminalidade a partir de um determinado corpus. Em especial, neste artigo direcionamos a análise para um documento referente a “Abandono Afetivo”, processo em que um pai foi acionado por ter abandonado afetivamente o filho. Foucault (2005)Foucault, M. (2005) A arqueologia do saber (7a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária. propõe com o termo – arqueologia – não a busca de um começo ou de uma exploração geológica, mas “designa o tema geral de uma descrição que interroga o já dito no nível de sua existência; da função enunciativa que nele se exerce, da formação discursiva a que pertence, do sistema geral de arquivo de que faz parte” (p. 149).

Partimos de alguns princípios inspirados em Foucault (2005)Foucault, M. (2005) A arqueologia do saber (7a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária., de sorte a elaborar uma analítica que: 1. Não se propõe interpretativa, como se buscasse um discurso mais oculto; dirige-se ao discurso na qualidade de monumento2; 2. Não busca a transição contínua, mas quer “definir os discursos em sua especificidade; mostrar em que sentido o jogo de regras que utilizam é irredutível a qualquer outro” (p. 157); 3. Não é ordenada pela figura da obra, pois busca descrever práticas discursivas que podem atravessar obras individuais, comentando-as na íntegra ou em parte; 4. Não se propõe à reconstituição do pensamento ou desejo no momento em que os discursos foram proferidos, a arqueologia se constitui na “descrição sistemática de um discurso-objeto” (p. 158).

Em outras palavras, buscamos analisar a paternidade na sua articulação com a criminalidade sem tentar produzir uma ontologia do “pai”. Indagar “sobre como certos tipos de discurso produzem efeitos ontológicos ou operam através da circulação de movimentos ontológicos” (Prins, & Meijer, 2002Prins, B., & Meijer, I. C. (2002) Como os corpos se tornam matéria: entrevista com Judith Butler. Revista Estudos Feministas, 10(1), 155-167. doi:10.1590/S0104-026X2002000100009, p. 159). A estratégia para alcançar esse objetivo está em permanecer no contexto dos próprios discursos: “não existe nenhuma forma de contestar esses tipos de gramáticas a não ser habitá-las de maneira que produzam nelas uma grande dissonância, que ‘digam’ exatamente aquilo que a própria gramática deveria impedir” (Prins, & Meijer, 2002Prins, B., & Meijer, I. C. (2002) Como os corpos se tornam matéria: entrevista com Judith Butler. Revista Estudos Feministas, 10(1), 155-167. doi:10.1590/S0104-026X2002000100009, p. 159).

Tomamos como corpus de pesquisa a jurisprudência3, ou seja, as decisões concretas dos Tribunais de Justiça dos três estados da região sul (TJRS, TJSC e TJPR), além do Tribunal Regional Federal (4ª região) e Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF). A jurisprudência mostra-se campo fértil de análise tendo em vista sua dupla importância temporal: seu caráter histórico, pois permite analisar como têm sido utilizados alguns enunciados e seu caráter futuro, tendo em vista que a utilização de suas enunciações serve como precedente para legitimar decisões vindouras semelhantes. Nesse aspecto, verifica-se a sua “potencialidade normalizadora” (Perucchi, 2008Perucchi, J. (2008). “Mater semper certa est pater nunquam” O discurso jurídico como dispositivo de produção de paternidades. Tese de Doutorado. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC.), pois inova juridicamente ao estabelecer e esmiuçar, pela interpretação das leis, normas que não estavam explícitas no texto legal. Os efeitos da jurisprudência, como dispositivo de poder “incidem no cotidiano familiar, na vida de homens e mulheres nestes novos arranjos sociais contemporâneos. Opera por meio de um conjunto de regras constitutivas das práticas discursivas que normalizam modos de vida, atividades familiares, profissionais, de consumo e de sociabilidade” (Perucchi, 2008Perucchi, J. (2008). “Mater semper certa est pater nunquam” O discurso jurídico como dispositivo de produção de paternidades. Tese de Doutorado. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC., p. 62).

A pesquisa foi realizada no acervo virtual das instâncias jurídicas citadas acima, cruzando descritores reacionados aos termos paternidade e criminalidade. Ao todo foram selecionados 208 acórdãos4. Os materiais foram lidos e analisados, seguindo seus movimentos, deslocamentos, modificações e permanências na articulação entre paternidade e criminalidade. A análise completa compõe a tese de doutoramento da primeira autora. Para esta escrita, optamos por apresentar um acórdão referente à ação movida contra um homem pai por abandono afetivo. Não analisaremos juridicamente a decisão, julgando como procedente ou não essa demanda. Interessam-nos as enunciações que constroem as posições diferenciadas para sujeitos no exercício das relações familiares (pais, mães, filhos). Para esse objetivo, este documento se mostra bastante fértil.

Abandono afetivo

O documento aqui analisado é um acórdão do TJSC que tinha como foco das enunciações a questão do abandono afetivo, conforme as informações da ementa referente à decisão de março de 2007.

TJSC 2006.015053-0. DIREITO CIVIL – OBRIGAÇÕES – RESPONSABILIDADE CIVIL – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS – PROCEDÊNCIA DAQUELA E IMPROCEDÊNCIA DESTA EM 1º GRAU – INCONFORMISMO DE RÉU E AUTORA – INSURGÊNCIA DO REQUERIDO – ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM POR OFENSAS PROFERIDAS EM PROCESSO – ACOLHIMENTO – PROCRASTINAÇÃO DO FEITO – RESPONSABILIDADE DO SISTEMA LEGAL-JUDICIÁRIO – AUSÊNCIA DE DANOS MORAIS – INEXISTÊNCIA DE ILÍCITO – INCONFORMISMO DA REQUERENTE – VALOR ÍNFIMO – ABANDONO MORAL DO FILHO PELO PAI – MAJORAÇÃO DOQUANTUM POR DANOS MORAIS – QUANTIA ADEQUADA - DANOS MATERIAIS – NEXO CAUSAL ENTRE ILÍCITO E DECRÉSCIMO FINANCEIRO DA AUTORA – AUSÊNCIA – RECURSOS CONHECIDOS – PROVIMENTO PARCIAL AO DO RÉU E IMPROVIMENTO AO DA AUTORA

O pai que se omite em cuidar do filho, abandonando-o, ofende a integridade psicossomática deste, acarretando ilícito ensejador de reparação moral. O sofrimento do filho abandonado pelo pai gera à figura materna daqueles danos morais, principalmente quando a consequência desse sofrer é decisiva na formação da personalidade como um todo unitário.

Propomos uma circulação por essas enunciações, seguindo suas pistas, trilhas, rastros. Como nos alerta Butler (2003a)Butler, J. (2003a). Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade (R. Aguiar, trad.). Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira., “parece que cada texto possui mais fontes do que pode reconstruir em seus próprios termos. Trata-se de fontes que definem e informam a linguagem do texto, de modo a exigir uma exegese abrangente do próprio texto para ser compreendido” (p. 11). Percorremos esse documento buscando o que está aqui dito e as condições de possibilidade que permitem a esse(s) desembargador(es) dizer(em) o que aqui diz(em). Não se trata apenas de análise do texto que configura esse acórdão, mas dos textos que compõem esse texto. Tomamos cada citação utilizada nesses materiais como uma nova pista a ser buscada. Partimos de um primeiro material que foi se multiplicando nessas buscas e atravessamentos.

Trata-se de uma Apelação Cível5, decorrente de uma ação por danos morais e materiais interposta pela mãe de um filho “abandonado” pelo pai. O filho obteve o reconhecimento de paternidade e indenização por abandono afetivo em outro processo. Ou seja, a mãe, por ter assumido afetivamente sozinha o filho, acusa o pai de abandono afetivo e busca indenização por danos morais.

É necessário conhecer algumas particularidades desse acórdão. O pedido da mãe por danos morais sustenta-se em três pontos: 1) as ofensas que sofreu ao longo do processo; 2) a demora de 13 anos no reconhecimento da paternidade, pelo pedido de investigação solicitado pelo pai, mesmo sabendo que o filho era seu; e, 3) o acompanhamento do sofrimento do menor pelo abandono afetivo do pai após a abertura do processo de reconhecimento de paternidade. Ao longo do texto, cada ponto é julgado. A decisão, pela maioria6, teve a última demanda contemplada, mas as outras não. No caso das ofensas sofridas ao longo do processo, primeira demanda, a defesa alegou que os ataques pessoais à mãe do investigante faziam parte de uma tática. Além disso, o processo tramitou em segredo de justiça e as ofensas teriam sido proferidas pelo advogado e não pelo requerido pai. Em relação à segunda demanda – a demora no processo de reconhecimento de paternidade –, argumenta-se que o tempo para resolução da ação tem mais relação com os mecanismos da justiça do que com uma busca deliberada do requerido protelar o desfecho do processo.

A terceira demanda, o dano moral por abandono afetivo, carrega os jogos enunciativos que aqui nos interessam. Nessa demanda, há uma necessidade de enunciar a importância da figura paterna, possibilitando que analisemos enunciados em ação. Inicialmente, sustenta-se a importância do convívio familiar como um direito da criança e do adolescente, estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Brasil, 1990Brasil, (1990). Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União, 16 de junho de 1990.), salientando a necessidade da dupla parental.

Outrossim, o ECA, regulamentando o supramencionado dispositivo, prevê, dentre os direitos fundamentais da criança e do adolescente, o direito ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento (art. 15, ECA), bem como o de serem criados e educados no seio de sua família (art. 19, ECA). O direito à convivência familiar expressa, dentre outros desdobramentos, o direito dos filhos de serem acompanhados em seu desenvolvimento tanto pelo pai, como pela mãe (TJSC 2006.015053-0).

A definição do convívio como direito, pode ser compreendida como uma construção recente, atrelada à elaboração do ECA. Dias (2010)Dias, M. B. (2010) Manual de direito das famílias(7a ed.). São Paulo, SP: Revista dos Tribunais., relembra que anterior ao ECA, em processos de separação, o filho passava a residir com um dos genitores, aquele que detinha a guarda, “expressão que significa verdadeira ‘coisificação’ do filho, colocando-o muito mais na condição de objeto do que sujeito de direitos” (Dias, 2010Dias, M. B. (2010) Manual de direito das famílias(7a ed.). São Paulo, SP: Revista dos Tribunais., p. 430). Com a prioridade direcionada à criança, os dois pais permanecem atrelados aos direitos e deveres do poder familiar.

O convívio familiar passa a ser descrito, não apenas pela coabitação, mas pela determinação de práticas afetivas. A definição desse direito da criança não se restringe à satisfação das necessidades dos filhos, mas, sustentada pelo saberpsi, avança para a prescrição de relações cotidianas suficientemente adequadas do ponto de vista psíquico.

A grande evolução das ciências que estudam o psiquismo humano veio a escancarar a decisiva influência do contexto familiar para o desenvolvimento sadio de pessoas em formação. Não mais se podendo ignorar essa realidade, passou-se a falar em paternidade responsável... O distanciamento entre pais e filhos produz sequelas de ordem emocional e reflexos no seu sadio desenvolvimento. O sentimento de dor e de abandono pode deixar reflexos permanentes em sua vida (p. 106). (TJSC 2006.015053-0).

Podemos pensar que uma das condições que torna possível acionar um membro da família por abandono afetivo é um movimento nos próprios modos de compreender a(s) família(s). Pensando em imagens de família em algumas épocas históricas, Roudinesco (2003)Roudinesco, E. (2003). A família em desordem (A. Telles, trad.). Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar. analisa as demandas políticas lançadas à família. Numa imagem de família “tradicional”, o objetivo principal estava em assegurar a transmissão de um patrimônio, subordinada à lógica patriarcal e assentada numa ordem do mundo imutável. Já a família “moderna” (final do século XVIII) funda-se no amor romântico e obedece à lógica afetiva, atribuindo autoridade ora dividida entre Estado e pais, ora dividida entre pais e mães, semelhante ao jogo de forças presente nas enunciações em análise nesse acórdão. Na família “contemporânea”, surgida a partir de 1960, os indivíduos buscam relações íntimas ou realização sexual e a transmissão de autoridade vai se configurando numa problemática por conta das recomposições conjugais. Dessa rápida recuperação histórica, é interessante pensar que, no auge da afetividade, há certa cristalização das questões de autoridade e produção de categorias para o exercício das relações familiares, o que poderia estar em transformação e se caracterizar como certa “crise” contemporânea.

Apesar das diferentes nuances nas imagens de família e dos direitos das crianças e adolescentes produzirem obrigações em outros sujeitos e instâncias (a família, a sociedade e o Estado), é a família que recebe a responsabilidade maior. Partindo da “lógica e natural” responsabilização da família, as enunciações passam a descrever o que, nessa instância familiar, caberia a cada um dos membros, tarefas e funções específicas. Nesse sentido, o Direito entra na família, acompanhado do saberpsi, para prescrever, determinar e fiscalizar tarefas e funções específicas para os agentes que ali se encontram. Eis que se constrói, nesse documento, um lugar de pai, uma função paterna que precisa ser necessariamente exercida pelo homem, possível de ser acionado caso não venha a ocupa-la.

No âmbito da relação parental, sendo os pais os orientadores da entidade familiar, há que se reconhecer a importância da existência tanto da figura materna como da paterna para a formação do indivíduo, cabendo a ambos os pais o dever de oferecer aos filhos amparo e afeto, criando-os e educando-os com o carinho indispensável à formação da sua personalidade (TJSC 2006.015053-0).

Pater viril

O exercício da parentalidade aparece inicialmente direcionada a ambos mas, na sequência, se constrói o enunciado em prol da paternidade como elemento necessário e diferenciado da maternidade. Analisando a diferenciação binária da parentalidade é possível conhecer o que se constitui como polo para a paternidade, suas características, demandas, normatividades. Que características atribuem-se ao homem pai? Que jogos de saber poder evidenciam-se nessa produção de paternidade? Que discursos possibilitam esse investimento na figura paterna?

A ausência das funções paternas já se apresenta hoje, inclusive, como um fenômeno social alarmante e provavelmente é o que tem gerado as péssimas consequências conhecidas por todos nós, como o aumento da delinquência juvenil, menores de rua e na rua, etc. E isto não é um fenômeno de determinada classe social. Certamente, nas classes menos favorecidas economicamente, o abandono material é maior, pois se mistura também com a questão política de abandono de Estado, que também exerce em muitos casos, uma função paterna e de o ‘Grande Outro’. Esta ausência paterna e o declínio do pater-viril está acima da questão da estratificação social. É um fenômeno e consequência das transformações sociais iniciadas com a revolução feminista, a partir da redivisão sexual do trabalho e a consequente queda do patriarcalismo (solicitado autor livro Groreninga e Pereira, 2003Pereira, R. C. (2003) Direito de família: uma abordagem psicanalítica (2a ed.). Belo Horizonte, MG: Del Rey., p. 225) (TJSC 2006.015053-0).

Nessa citação, enunciados se atravessam compondo jogos de verdade, produzindo associações que fundamentam certa articulação entre ausência paterna e consequências sociais – delinquência juvenil e menores de rua. Mas não apenas essa associação está em jogo: fala-se de juventude, de desigualdade social, de abandono do Estado, transformações sociais, feminismo, patriarcalismo. Analisamos essa enunciação a partir da produção de sujeito que está aqui posta de uma forma bastante peculiar: o pai está aqui produzido na sua ausência. No discurso jurídico que contempla as questões de paternidade, os lugares de sujeito são múltiplos – o pai, mesmo que na ausência; o filho, a ser protegido como instância prioritária; a sociedade que sofrerá as consequências de exercício, ou não, da paternidade e o Estado como instância substitutiva da autoridade paterna.

As noções jurídicas de poder parecem regular a vida política em termos puramente negativos – isto é, por meio de limitação, proibição, regulamentação, controle e mesmo, “proteção” dos indivíduos relacionados àquela estrutura política, mediante uma ação contingente e retratável de escolha (Butler7, 2003aButler, J. (2003a). Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade (R. Aguiar, trad.). Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira., p. 18).

A categoria “pai” está sendo construída, potencializada e/ou regulada pelas mesmas estruturas de poder através das quais busca legitimação ou através das quais é solicitada a prestar contas. Além disso, nas importantes ressalvas de Butler (2003a)Butler, J. (2003a). Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade (R. Aguiar, trad.). Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira. aos pressupostos presentes na discussão da produção e ocultação de sujeitos políticos, há a invocação de um “antes” – premissa de um sujeito anterior a ser representado e a invocação de uma identidade comum acionada pela nomeação dessa categoria. Ambos os pressupostos retiram o caráter histórico das categorias identitárias, assim como invisibilizam as diferenças e “intersecções com modalidades raciais, classistas, étnicas, sexuais e regionais de identidades discursivamente constituídas” (p. 20). A interferência das transformaçõessociais aparece como um processo que deturparia a função “natural” e “a-histórica” do pai, no exercício da autoridade e também a função da mãe.

As enunciações estabelecem a primazia dessa problemática – ausência paterna – em relação a alguns outros marcadores sociais (estratificação social, abandono material). Eis a produtividade do enunciado: exclui ou minimiza os efeitos de outras relações de poder nos fenômenos colocados em questão (aumento da delinquência juvenil, menores de rua e na rua, dentre outros).

Além disso, a definição da paternidade como categoria explicativa é possível no acionamento de sua diferenciação em relação à maternidade. Caso contrário, estaria falando de parentalidade8, ou de forma mais ampla, do papel da família. Investigando a “categoria” jurídica nomeada de “abandono afetivo”, há prevalência de processos acionando o pai por abandono afetivo. Em menor número estão processos de abandono afetivo em que a mãe é acionada. Nos casos da mãe, confirmado o abandono afetivo, a mesma perde o poder familiar. Tasch (2010)Tasch, F. (2010). Responsabilidade civil na relação paterno-filial. Recuperado em 24 de março de 2010, de http://www.lfg.com.br
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explica que na jurisprudência de Santa Catarina, os casos de abandono por parte da mãe geralmente referiam-se à avaliação dos modos de vida dessa mãe (várias eram usuárias de álcool e/ou drogas), culminando com a extinção do poder familiar. Nesse sentido, configura-se o abandono afetivo materno quando, através de uma avaliação moral, entende-se que esta mãe “não possui condições psicológicas e morais para proporcionar uma formação saudável e digna a seus filhos” (Tasch, 2010Tasch, F. (2010). Responsabilidade civil na relação paterno-filial. Recuperado em 24 de março de 2010, de http://www.lfg.com.br
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, p. 13).

Já no caso dos homens pais – geralmente ações ajuizadas pelas mães juntamente com seus filhos – o processo não busca a retirada do poder familiar. Pelo contrário, expressamente, busca manter esse vínculo e pleiteia a responsabilização através da determinação de uma indenização por danos morais. Nesse caso, a permanência do poder familiar e o pagamento da indenização são pensados ambos como uma punição. SegundoDias (2010)Dias, M. B. (2010) Manual de direito das famílias(7a ed.). São Paulo, SP: Revista dos Tribunais., num caso assim, a perda do poder familiar, isoladamente, poderia “constituir-se não em uma pena, mas uma bonificação por abandono” (p. 450).

Há certo mal-estar vinculado ao exercício da parentalidade masculina, como se o pai sempre quisesse da paternidade fugir. Será que a paternidade seria um campo em que o masculino estaria colocado como problemático? Será que o lugar problemático do masculino em relação à parentalidade constitui-se a partir da explicitação do caráter construído dessa relação?

As demandas associadas ao exercício materno e paterno aparecem distintas, apesar da mesma categorização: “abandono afetivo”. Ao pai, os jogos enunciativos demandam o exercício da autoridade (colocando como consequência a ausência de figura de autoridade). Já à mãe reivindica-se o cuidado, provando ou não sua negligência. Atualizam-se binarismos: feminino/masculino, cuidado/autoridade, corpo/mente, natureza/cultura. A demanda ao pai por afeto, no abandono afetivo, poderia ser considerada uma subversão a essa coerência binária, não fosse o enunciado produzir o afeto como coisa distinta para pai e mãe. No caso do que se apresenta no documento, o afeto masculino seria exatamente o exercício da autoridade.

Problematizar essa construção binária é colocar em questão os limites das especificidades do que se direciona para homens e mulheres, para pais e mães, para o masculino e feminino. Será sempre a paternidade uma referência ao binarismo heterossexual? Poderíamos pensar em paternidade como um exercício da parentalidade sem o atravessamento da matriz heterossexual? Seria possível estabelecer essa mesma demanda jurídica – dano moral por abandono afetivo do filho – no caso de um casal homossexual? Seria possível o uso do mesmo enunciado, caso os dois sujeitos fossem nomeados “pais”? Em que medida a categoria “pai” só alcança estabilidade e coerência no contexto da matriz heterossexual? Matriz heterossexual ou heteronorma ou heterossexualidade compulsória são modos de explicitar uma operação permanente e gritante, mas ao mesmo tempo invisibilizada, que exige unidade entre sexo, gênero e desejo (homem, masculino) de forma oposicional à outra unidade de sexo, gênero e desejo (mulher, feminino).

A coerência ou a unidade interna de qualquer um dos gêneros, homem ou mulher, exigem assim uma heterossexualidade estável e oposicional... A instituição de uma heterossexualidade compulsória e naturalizada exige e regula o gênero como uma relação binária em que o termo masculino diferencia-se do termo feminino, realizando-se essa diferenciação por meio de práticas do desejo heterossexual (Butler, 2003aButler, J. (2003a). Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade (R. Aguiar, trad.). Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira., p. 45).

Ao fazer referência a “pai” e “mãe” como categorias distintas e opostas na forma como devem exercer a sua relação parental, a enunciação nos remete ao binarismo e à cristalização dessa matriz9. Partir do fato, tomado como incontestável, de que para gerar uma criança necessita-se de uma pessoa do sexo masculino e outra do sexo feminino, bem como limitar a isso as possibilidades de vínculo parental é o que Fassin10 (2011)Fassin, E. (2011) Entre família e Nação: a filiação naturalizada Polis e Psique, 1(número temático), 8-25. descreve como naturalização ou biologização da filiação. A filiação tinha sua dimensão social e cultural reconhecida pelos especialistas do Direito de família até os anos 1990 e a retomada naturalista da filiação vem à tona precisamente quando surgem reivindicações homoparentais. Enfatizar o caráter biológico da filiação surge como estratégia para argumentar a limitação de direitos homossexuais sem assumir discursos explicitamente homofóbicos (Fassin, 2011Fassin, E. (2011) Entre família e Nação: a filiação naturalizada Polis e Psique, 1(número temático), 8-25.).

Essa dualidade primária é produzida teoricamente como uma condição para existência e constituição do sujeito na ordem simbólica – herança de teorizaçõespsi. Numa entrevista de Butler com Rubin (2003)Rubin, G., & Butler, J. (2003). Tráfico sexual: entrevista.Cadernos Pagu, (21). doi:10.1590/S0104-83332003000200008, essa questão é colocada sob suspeita, em especial pelo caráter essencialista do âmbito simbólico, como se ele fosse anterior a qualquer construção social, uma relação simbólica que precederia qualquer vida social.

Há algo intrinsecamente problemático em qualquer ideia de que, em certa medida, a própria linguagem ou a capacidade para adquiri-la requer uma diferenciação sexual enquanto diferenciação principal. Se os seres humanos fossem hermafroditas ou se reproduzissem de forma assexuada, imagino que ainda seriam capazes de falar (Rubin, & Butler, 2003Rubin, G., & Butler, J. (2003). Tráfico sexual: entrevista.Cadernos Pagu, (21). doi:10.1590/S0104-83332003000200008, p. 166).

A dupla origem se configuraria como começo invariável – homem no lugar de pai e mulher no lugar de mãe. Todas as possibilidades divergentes dessa premissa sacralizada encontram-se à margem das possibilidades legitimadas de parentesco, em especial as demandas homoparentais. Perde espaço também a filiação monoparental, pois também colocaria em questão a possibilidade de exercício da parentalidade por apenas uma das figuras parentais. A adoção por solteiros seria a prova de que existem regimes de filiação distintos. Contrapondo “a ‘ilusão antropológica’, segundo a qual ‘a’ cultura – ou somente ‘a nossa cultura’ – determinaria verdades atemporais, a ideia de que a ordem simbólica da filiação é histórica, isto é, que se trata de uma ordem definida por escolhas políticas” (Fassin, 2011Fassin, E. (2011) Entre família e Nação: a filiação naturalizada Polis e Psique, 1(número temático), 8-25., p.14). Em relação ao material aqui analisado, as enunciações negam a possibilidade de exercício monoparental da filiação sob pena de descaracterizar a demanda da mãe ao pai que abandonou o filho. Considerar possível e legítimo que uma mãe ou um pai assuma individualmente as responsabilidades da filiação, desconfigura a responsabilização da outra figura.

As condições de possibilidade da construção desse enunciado – de que para a origem da criança devem existir pai e mãe como duplo ponto de referência –, segundo Butler (2003b)Butler, J. (2003b). O parentesco é sempre tido como heterossexual?Cadernos Pagu, 21, 219-260. doi:10.1590/S0104-83332003000200010, repousam “em um conjunto de pressuposições que ecoam a posição de Lévi-Strauss em The Elementary Structures of Kinship de 1949” (p. 244). Esse clamor em nome da criança carrega em si o pressuposto de que essa criança também seria (ou deveria ser) heterossexual. Em nome “da criança” reitera-se a norma heterossexual, pois não se consideram as crianças que escapam a esse restrito formato. Como pergunta Preciado (2013)Preciado, B. (2013). Quem defende a criança queer? (F. Nogueira, trad.). Funkcarioqueeer. 17 de janeiro de 2013. Recuperado em 14 de janeiro de 2013, de http://funkcarioqueer.wordpress.com/2013/01/17/quem-defende-a-crianca-queer-beatriz-preciado/
http://funkcarioqueer.wordpress.com/2013...
, “Quem defende a criançaqueer11?”. A dupla original (pai e mãe) nos remete ao drama edipiano, não como uma fase de desenvolvimento ou em um tempo definido, mas como uma precondição da individualização. Entretanto, nas sociedades estudadas por Lévi-Strauss, que serviram de base para essas formulações, o parentesco nas relações de casamento e descendência “eram a estrutura social. Elas organizam quase toda a vida social ou então constituíam o mais importante e visível aparato institucional” (Rubin e Butler, 2003Rubin, G., & Butler, J. (2003). Tráfico sexual: entrevista.Cadernos Pagu, (21). doi:10.1590/S0104-83332003000200008, p. 190). Já nas sociedades urbanas modernas, as questões de parentesco não funcionam da mesma forma, no sentido da estruturação da vida social. Isso não quer dizer que o parentesco perde sua importância, tendo em vista que, a partir dele, uma série de práticas se torna possível – como é o caso do judiciário nos documentos analisados.

As relações de parentesco estariam, então, a serviço da heterossexualidade compulsória e também as identidades de gênero derivariam, em certa medida, das relações de parentesco. Pensar a parentalidade com figuras que colocam em questão a heterossexualidade seria questionar a possibilidade de perpetuação dessa matriz e, por conseguinte, colocar a transmissão da cultura (heterossexual) também em risco. Subversão dessa lógica questionando os termos que a constroem.

Se compreendermos a lei como uma estrutura anterior e transcendente às manifestações sociais, políticas e, necessariamente, históricas, o simbólico será apresentado como uma força que não poderá ser modificada e subvertida sem a ameaça da psicose ou da perversão. Ao contrário, se compreendermos a lei como algo que é vivido e constantemente reiterado de forma imanente às relações de poder, as possibilidades de modificação e subversão, inclusive do simbólico, não necessariamente significarão uma ameaça à cultura e à civilização (Arán, & Peixoto Júnior, 2007Arán, M. & Peixoto Júnior, C. A. (2007) Subversões do desejo: sobre gênero e subjetividade em Judith Butler. Cadernos Pagu, (28), 129-147. doi:10.1590/S0104-83332007000100007, pp. 142-143).

Nesse sentido, não haveria uma correspondência direta entre o exercício de uma relação parental exercida por um pai e/ou uma mãe real e as posições ou figuras imaginárias que sustentam simbolicamente o sujeito. Há que se pensar com que concepção de pai se lida nessas práticas discursivas, que pai é reivindicado pelo saber psi e que pai está sendo reivindicado nos materiais jurídicos, a partir de uma interpretação e usos deste saber. Percorrendo os textos que são tomados como base para o acórdão, compreende-se que o pai e a paternidade são reivindicados no seu papel universal como base do saber psi a respeito da constituição de sujeito.

Ainda que Édipo fosse universal... isso de maneira alguma confirmaria a tese de que ele é a condição da cultura: essa tese pretende saber que ele sempre funciona da mesma maneira, isto é, como condição da própria cultura. Mas se Édipo é interpretado em sentido amplo, como um nome para a triangularidade do desejo, então é relevante perguntar: que formas essa triangularidade assume? (Butler, 2003bButler, J. (2003b). O parentesco é sempre tido como heterossexual?Cadernos Pagu, 21, 219-260. doi:10.1590/S0104-83332003000200010, p. 256-257)

Negligencia-se a produção histórica e cultural que possibilita ao pai ocupar determinados lugares e eis que a tarefa deveria ser exatamente “pensar pai, mãe e filhos como lugares de sujeito instituídos socialmente e historicamente; pensar a identidade individual, familista e edipianizada como uma forma histórica de constituição de sujeitos, de produção de subjetividades” (Albuquerque Junior, 2005Albuquerque Junior, D. M. (2005). Os nomes do pai: a edipianização dos sujeitos e a produção histórica das masculinidades. O diálogo entre três homens: Graciliano, Foucault e Deleuze. In M. Rago; L.B.L. Orlandi, & A. Veiga-Neto (Orgs.), Imagens de Foucault e Deleuze: ressonâncias Nietzschianas (2a ed., pp. 111-121). Rio de Janeiro, RJ: DP&A., p. 117). Nesse sentido, o Édipo circunscreve-se a uma realidade social, a saber, a família nuclear burguesa da sociedade moderna Ocidental, apesar de ser tomada como essência para toda e qualquer subjetividade (Albuquerque Junior, 2005Albuquerque Junior, D. M. (2005). Os nomes do pai: a edipianização dos sujeitos e a produção histórica das masculinidades. O diálogo entre três homens: Graciliano, Foucault e Deleuze. In M. Rago; L.B.L. Orlandi, & A. Veiga-Neto (Orgs.), Imagens de Foucault e Deleuze: ressonâncias Nietzschianas (2a ed., pp. 111-121). Rio de Janeiro, RJ: DP&A.).

Buscando compreender a constituição do sujeito, explicita-se a subjetividade como condição de potência e efeito das relações de poder. Sujeito é um lugar ambíguo, pois é a condição de possibilidade de uma forma de potência e, ao mesmo tempo, efeito de um poder anterior12. Se os modos de subjetivação contemporâneos ou as formas como os explicamos em algumas teorizações psi estão atreladas ao casal heterossexual, as relações de poder decorrentes dessas análises produzem efeitos hierarquizantes tomando como forma “natural” a matriz heterossexista.

O que se coloca em questão são os modos como essas formulações agem constituindo e posicionando sujeitos e, ao mesmo tempo, sendo constantemente constituídas na forma como os sujeitos reais se posicionam em relação a elas, ou seja, a operação performática do parentesco (Butler, 2003aButler, J. (2003a). Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade (R. Aguiar, trad.). Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira.). A parentalidade, constituída na heterossexualidade compulsória diferencia o exercício a partir de sujeitos posicionados como pais ou mães. Em decorrência, a paternidade e a maternidade são fabricadas conforme um arranjo social prévio e a-histórico.

Cabe analisar alguns termos com os quais a paternidade é construída nesse documento. Um deles é “Pater viril” (conforme citação anterior), uma expressão peculiar presente na citação do acórdão e nos materiais encontrados nas pistas das enunciações. O estranhamento à expressão surge pela redundância. Não seriam todos os pais viris? A redundância aqui serviria exatamente para marcar a impossibilidade de pensar a “função paterna” para além da presença ou referência a um corpo masculino. Um corpo masculino dotado de pênis, ativo, heterossexual, potente – viril.

Seguindo a trilha dos materiais que compõem o documento pesquisado13, encontramos uma reflexão deste autor sobre as transformações contemporâneas que posicionam diferentemente mulheres e homens em função da “grande revolução da sexualidade masculina” – a invenção da pílula da potência – o Viagra. Segundo Pereira (2002)Pereira, R. C. (2002). Pai, por que me abandonaste? Artigos IBDFAM. Recuperado em 22 de janeiro de 2013, de http://www.ibdfam.org.br/novosite/artigos/detalhe/41.
http://www.ibdfam.org.br/novosite/artigo...
, o comprimido “vem anunciar a fé no significante maior da masculinidade de nossa cultura: garantia de potência ao símbolo fálico. Portanto, ele é a promessa de sustentação da cultura fálica tão ameaçada no pós-feminismo” (p. 1).

O apelo à construção de um “pater viril”, assegura o exercício da paternidade a um determinado sexo, remete esse sexo a um corpo que seria natural e anatomicamente diferenciado. Para que se problematize essa estratégia de produção distinta de corpos humanos, evidenciando os jogos de poder, é interessante pensar a respeito da construção social do gênero e do sexo. Não evidenciar essa construção, ou seja, “colocar a dualidade do sexo num domínio pré-discursivo é uma das maneiras pelas quais a estabilidade interna e a estrutura binária do sexo são eficazmente asseguradas.” (Butler, 2003aButler, J. (2003a). Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade (R. Aguiar, trad.). Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira., p. 25).

Entendemos gênero, inspiradas nas problematizações de Butler (2003a)Butler, J. (2003a). Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade (R. Aguiar, trad.). Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira., como performatividade “efeito de uma prática reguladora que busca uniformizar a identidade por via de uma heterossexualidade compulsória” (p. 57). A univocidade do sexo, a coerência interna do gênero e a estrutura binária para o sexo e gênero são consideradas ficções reguladoras que consolidam e naturalizam regimes de poder. Não existe uma substância ou identidade de gênero por trás das expressões de gênero. O que se entende como gênero está constantemente sendo “constituído performativamente, pelas próprias expressões tidas como seus resultados” (Butler, 2003aButler, J. (2003a). Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade (R. Aguiar, trad.). Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira., p. 16).

Encontramos nessas enunciações jogos de verdade a respeito do sexo, gênero e desejo que buscam manter uma unidade estável através da heterossexualidade compulsória. Nos materiais, fala-se da importância e das peculiaridades necessárias ao exercício da paternidade, não simplesmente como o exercício de uma relação parental, mas se constrói o enunciado na diferenciação da paternidade em relação à maternidade. Tal atributo busca estabilidade num corpo masculino, que, por sua vez é tomado como uma evidência natural – a diferença sexual, que não facilita a compreensão de seu caráter produzido.

“Amar é faculdade, cuidar é dever”

O afeto é construído como autoridade no âmbito do Direito em geral, “vai além do sentimento, e está diretamente relacionado à responsabilidade e ao cuidado... por isso pode se tornar uma obrigação jurídica e ser fonte de responsabilidade civil” (Pereira, 2012Pereira, R. C. (2012). Indenização por abandono afetivo – TJSC: decisão comentada. Recuperado em 1 de outubro de 2012, de http://rodrigodacunha.adv.br/rdc/?p=1705
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, p. 8). É com base nessa construção técnica – que estabelece a afetividade como cuidado – que é possível atribuir responsabilidade aos pais para além da obrigação alimentar e exigir sanções ao seu exercício, quando considerado inadequado.

Seguindo o rastro dessa categoria jurídica – “Abandono Afetivo”, chego à decisão mais recente do STJ14. A decisão de abril de 201215 avalia se o abandono afetivo “constitui elemento suficiente para caracterizar dano moral compensável” (STJ 1159242). A enunciação da ministra relatora busca legitimar o cuidado como um valor jurídico. “O cuidado dentro do contexto da convivência familiar leva à releitura de toda a proposta constitucional e legal relativa à prioridade constitucional para a convivência familiar” (STJ 1159242). Para tanto, o texto do relatório resgata a teoria de Winnicott para mostrar a importância do cuidado na constituição infantil.

[...] do lado psicológico, um bebê privado de algumas coisas correntes, mas necessárias, como um contato afetivo, está voltado, até certo ponto, a perturbações no seu desenvolvimento emocional que se revelarão através de dificuldades pessoais, à medida que crescer. Por outras palavras: a medida que a criança cresce e transita de fase para fase do complexo de desenvolvimento interno, até seguir finalmente uma capacidade de relacionação, os pais poderão verificar que a sua boa assistência constitui um ingrediente essencial. (Winnicott, 2008Winnicott, D.W. (2008). A criança e o seu mundo (6a ed.). Rio de Janeiro: LTC.) (STJ 1159242).

A enunciação legitima o cuidado como uma conduta a ser avaliada, prescrita e cobrada nas instâncias competentes. “Não se discute mais a mensuração do intangível – o amor – mas, sim, a verificação do cumprimento, descumprimento, ou parcial cumprimento, de uma obrigação legal: cuidar” (STJ 1159242, p. 10). Esse movimento responde à crítica feita a esses processos pela impossibilidade de obrigar um pai ou uma mãe a amar seus filhos. Através da diferenciação entre amor e cuidado, “o amor é faculdade, cuidar é dever” (STJ 1159242, p. 11), normatizam-se modos de cuidar e, por consequência, se possibilita a mensuração do cuidado. A medida do cuidado se verifica em diferentes ações: “presença; contatos, mesmo que não presenciais; ações voluntárias em favor da prole; comparações entre o tratamento dado aos demais filhos – quando existirem –, entre outras fórmulas possíveis que serão trazidas à apreciação do julgador, pelas partes” (STJ 1159242, p. 11). Se o afeto fosse somente uma expressão de amor, a reivindicação por responsabilidade civil não encontraria legitimidade.

dos filhos que comparecem em juízo brandindo a só ausência de amor e carinho de seus pais. Nesses casos, o pai (ou a mãe, ou ambos) até se desincumbe do dever de prestar auxílio material ao filho, mas não dá a este o carinho, a atenção e o amor necessários. Aqui é pacífica a inexistência de abalo moral indenizável, tendo em vista a máxima segundo a qual não se pode obrigar a gostar de quem quer que seja, nem mesmo dos próprios filhos (TJSC 2011043951-1, apud Pereira, 2012Pereira, R. C. (2012). Indenização por abandono afetivo – TJSC: decisão comentada. Recuperado em 1 de outubro de 2012, de http://rodrigodacunha.adv.br/rdc/?p=1705
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, p.4).

Para que seja possível responsabilizar o pai civilmente é necessário que o enunciado explicite o dano causado pela falha paterna, no caso pela omissão do cuidado. A construção argumentativa de um dano reside na produção da determinação causal entre ausência paterna e problemas na constituição subjetiva do filho. Nesse sentido, invisibilizam-se diversos outros fatores presentes na história de vida de uma criança/filho(a) para que seja ressaltada a ausência paterna. Da mesma forma, invisibilizam-se inúmeros aspectos da vida daquela criança/filho(a), para se ressaltar apenas os problemas, tomados como efeito direto dessa ausência.

Não apenas a prescrição e mensuração do cuidado estão colocadas em questão, mas o seu efeito no desenvolvimento infantil. Entretanto, o julgamento do STJ também teve uma divergência (assim como no caso em análise). No voto vencido, há uma interpretação importante em relação aos estudos psicológicos que servem de base para o enunciado do dano.

Na educação e na criação dos filhos, não há um molde perfeito a ser observado, pois não há como medir o grau de atenção, de carinho e de cuidados dispensados pelos pais a sua prole, pois cada componente da célula familiar tem também a sua história pessoal... Assim, imprescindível apoiar-se sobre firme substrato e esclarecer que o abandono afetivo apenas ocorre quando o progenitor descumpre totalmente seu dever de cuidado, infringindo flagrantemente as mais comezinhas obrigações para com seu filho (STJ 1159242, p. 42).

Além disso, em nenhuma família há como se ter garantias dos efeitos positivos na vida dos membros. Essa é a principal enunciação do voto vencido, explicitando uma problematização ética, através dos efeitos desse tipo de decisão.

Qualquer pessoa poderá dizer assim: mas estou sendo preterido em relação aos meus irmãos e qualquer dado subjetivo poderia motivar um pedido de indenização por dano moral. Ora, isso faria com que quantificássemos ou potencializássemos as mágoas... Então, abrir essa porta aqui, reconhecer isso como um direito não podemos, com todo o respeito. Existe uma lesão à estima. Todos nós. (STJ 1159242, pp. 16-17).

No documento do TJSC, o relator procura mostrar a responsabilidade paterna que foi negligenciada e os efeitos dessa ausência, ressaltando os princípios constitucionais que não foram observados por conta dessa omissão. Várias são as formas de dizer sobre a ausência paterna e as suas consequências para o desenvolvimento infantil e a sociedade, salientando as peculiaridades do exercício da paternidade e a necessidade de valorização dessa função. Além do enunciado em prol do direito da criança e da divisão de tarefa com a mãe, as formulações que clamam pelo pai revestem-se de um pânico relacionado à ausência desse ente. As consequências não cessam de serem listadas e a indenização é posta como forma de valorização da própria paternidade.

A valorização da paternidade, nessas enunciações, é necessária como resistência às transformações sociais que deslocaram as posições historicamente cristalizadas de homem e mulher. As mudanças, com importantes implicações para as relações de gênero, são tomadas como perda e busca-se estabelecer uma diferença do que seria o lugar simbólico do pai e a mudança real nas relações de gênero, como forma de legitimar a supremacia paterna.

Não se pode confundir a mudança do sistema patriarcal com a desvalorização da figura paterna. A denúncia da opressão do homem sobre a mulher, e a igualdade de direitos, não pode significar a mudança de posição do pai. Esse sempre ocupará o lugar de representante da lei, pois afinal isto é determinante para a estruturação dos sujeitos. A consideração das diferenças, e não da igualdade é que possibilitará a aproximação do ideal de justiça, bem supremo do Direito (Pereira, 2003Pereira, R. C. (2003) Direito de família: uma abordagem psicanalítica (2a ed.). Belo Horizonte, MG: Del Rey., p. 144).

Há também uma discussão que nos aponta para a primazia da biologia no âmbito da paternidade, através da confirmação da ligação genética. Espera-se que dessa ligação biológica decorra uma ligação afetiva, quase como instintiva. Exatamente na falha desse mecanismo instintivo, que deveria ser automático, reflexo, chama-se a ação da justiça, entra em cena o Estado.

Semelhante a essa discussão (natureza x cultura), em discussões feministas ocorria o intuito de desmontar o mito do instinto materno – um amor incondicional que brotaria naturalmente em cada mulher ao se descobrir mãe. Ou seja, mesmo quando a mãe gera biologicamente uma criança, a crítica feminista16 mostrou o caráter produzido/inventado que liga afetivamente a mulher à criança, evidenciando as exigências e prescrições que são demandadas nessa filiação.

Através do que está dito nesses materiais, a paternidade retoma essa ambição biológica, antes direcionada apenas à maternidade, atrelando a confirmação da vinculação genética à possibilidade de demandar uma vinculação afetiva.

O exame de DNA ocupa um lugar privilegiado no âmbito dos exercícios de poder por parte do discurso jurídico exatamente por tornar visível e atribuir um estatuto de verdade ao que era, até então, suposição. Os desdobramentos políticos do uso dessa tecnologia na esfera jurídica são inúmeros e complexos. A tese, defendida enfaticamente em alguns enunciados da jurisprudência, da eficácia do DNA tem conseguido, por exemplo, corroborar ou refutar os testemunhos acerca da índole da vida sexual de uma mulher envolvida como “pólo passivo”, ou seja, quando não é ela a autora do processo, nas investigações de paternidade (Perucchi, & Toneli, 2008Perucchi, J., & Toneli, M. J. F. (2008). Aspectos políticos da normalização da paternidade pelo discurso jurídico brasileiro. Revista Psicologia Política, 8(15), 139-156., p. 146).

Nessa perspectiva, a problemática da ação de abandono afetivo está localizada na explicitação de que, a comprovação da vinculação genética não produz facilidade maior para a vinculação afetiva. Se o Direito institui o pai, através da atribuição da paternidade, o Estado encontra seu limite na dificuldade para fazer com que esse pai se torne um pai presente afetivamente e não apenas financeiramente.

Entretanto, mesmo que se entenda a paternidade como um exercício construído: “um pai, mesmo biológico, se não adotar seu filho, jamais será o pai” (Pereira, 2002Pereira, R. C. (2002). Pai, por que me abandonaste? Artigos IBDFAM. Recuperado em 22 de janeiro de 2013, de http://www.ibdfam.org.br/novosite/artigos/detalhe/41.
http://www.ibdfam.org.br/novosite/artigo...
, p. 4), a possibilidade de recusa da paternidade não é tida como legítima, ou como um direito desse pai. Em texto explicativo sobre o programa “Pai presente”17, do Conselho Nacional de Justiça, Dias (2012)Dias, M. B. (2012). Pai ausente. JusBrasil, 17 de fevereiro de 2012. Recuperado em 21 de janeiro de 2013, de http://arpen-sp.jusbrasil.com.br/noticias/3033356/artigo-pai-ausente-por-maria-berenice-dias
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explica a importância de notificação do genitor para o reconhecimento ou o comparecimento para submeter-se ao exame de DNA, tendo em vista que a recusa em submeter-se ao exame de DNA gera a presunção de paternidade, conforme Lei no 12.004 de 2009 (Brasil, 2009Brasil. (2009). Lei nº 12.004, de 29 de julho de 2009. Altera a Lei nº 8.560, de 29 de dezembro de 1992, que regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento e dá outras providências. Diário Oficial da União, 30 de julho de 2009.).

Ninguém vai querer assumir a paternidade, que impõe obrigações e encargos, se tem a chance de relegar tais responsabilidades para um futuro às vezes bem distante. As consequências dessa omissão são severas. Subtrai do filho o direito à identidade, o mais significativo atributo da personalidade. Também afeta seu pleno desenvolvimento, pois deixa de contar com o auxílio de quem deveria assumir responsabilidades. (Dias, 2012Dias, M. B. (2012). Pai ausente. JusBrasil, 17 de fevereiro de 2012. Recuperado em 21 de janeiro de 2013, de http://arpen-sp.jusbrasil.com.br/noticias/3033356/artigo-pai-ausente-por-maria-berenice-dias
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, p. 1)

Hennigen e Guareschi (2008)Hennigen, I., & Guareschi, N. (2008). Os lugares de pais e de mães na mídia contemporânea: questões de gênero. Revista Interamericana de Psicologia, 42(1), 81-90. apontam que ainda há brechas na lei, no sentido dos deveres paternos, mas permanecem formas de regulação e controle da subjetividade18. “Cada vez mais aparecem conhecimentos, informações, dados, depoimentos e toda a ordem de indicação de que o pai precisa participar da vida dos(as) filhos(as)” (Hennigen e Guareschi, 2008Hennigen, I., & Guareschi, N. (2008). Os lugares de pais e de mães na mídia contemporânea: questões de gênero. Revista Interamericana de Psicologia, 42(1), 81-90., p. 89). Nos materiais tomados aqui em análise, a paternidade não é posta como direito do pai, muito menos se supõe a possibilidade de renunciar a ela: “Assim, a convivência dos filhos com os pais não é direito do pai, mas direito do filho. Com isso, quem não detém a guarda tem o dever de conviver com ele. Não é direito de visitá-lo, é obrigação de visitá-lo” (TJSC 2006.015053-0). O direito em primeiro plano é o do filho, contemplado com o exercício adequado da paternidade iniciado com o reconhecimento.

Está também colocado o direito da mulher/mãe contar com a divisão da parentalidade para que não assuma sozinha a tarefa que seria de responsabilidade dos dois. “A requerente não interpôs ação indenizatória em nome do filho pelos abalos morais por ele enfrentados, mas sim em nome próprio, pleiteando a reparação pelos abalos que ela, como genitora do menor, teve que suportar ao acompanhar o sofrimento do filho abandonado” (TJSC 2006.015053-0). Porém, no documento, fica evidente que o direito da mãe acionar o pai por abandono não é aceito tranquilamente.

Ouso dissentir da maioria por entender que os fatos narrados pela autora não configuram, no presente caso concreto, hipótese de dano moral à sua pessoa... A meu ver, o sofrimento alegado pela autora é condizente com as peculiaridades do seu envolvimento com o requerido, pois era do seu conhecimento que o réu já tinha uma família constituída com esposa e filhos, e mesmo assim, a requerente optou por manter com ele um relacionamento de longos anos, vindo, inclusive, a ter com ele um filho. Nesse cenário, o sofrimento experimentado pela mãe ante a ausência do requerido na vida do menor era uma hipótese perfeitamente previsível por parte da autora, não me parecendo razoável que ela, sabendo dessa situação, venha pleitear em juízo uma indenização por danos morais em nome próprio, com base no sofrimento experimentado pelo filho (TJSC 2006.015053-0).

Forte jogo enunciativo que coloca em questão o fato dessa mãe ter se relacionado com um homem casado. Julga-se moralmente o relacionamento da mãe e a decisão “dela”19 de ter um filho nessas condições. Não à toa, a estratégia da defesa foi desqualificar a honra da apelante, dizendo inclusive que ela mantinha relacionamento com outros homens, o que não ficou provado no processo. A forma como o documento analisa a conduta da mulher parece uma fixação da moral conservadora diante das transformações sociais. Fonseca (2011)Fonseca, C. (2011). As novas tecnologias legais na produção da vida familiar: antropologia, direito e subjetividades. Civitas,11(1), 8-23. doi:10.15448/1984-7289.2011.1.9188 aponta que, anteriormente, “qualquer situação que indicava a possibilidade da mulher possuir mais de um parceiro sexual, servia para exonerar qualquer homem de responsabilidade paterna” (p. 14). Com base em observações da prática jurídica, a autora mostra que houve transformações e hoje a inovação tecnológica é tomada pelos juízes como maneira de evitar discussões moralistas. “Se a mulher é virgem ou prostituta, se o homem é companheiro dela durante vinte anos ou uma só noite, a resposta do juiz é a mesma: vamos ver o que diz o DNA” (Fonseca, 2011Fonseca, C. (2011). As novas tecnologias legais na produção da vida familiar: antropologia, direito e subjetividades. Civitas,11(1), 8-23. doi:10.15448/1984-7289.2011.1.9188, p. 14).

Além disso, se a lei não mais diferencia filhos que são concebidos dentro do contrato de casamento, outrora chamados de legítimos, daqueles externos aos parâmetros matrimoniais, por que essa mulher deveria presumir uma paternidade ausente? Aqui se explicita de maneira bastante intensa a colagem da parentalidade com a conjugalidade enquadrada com a moldura fracamente envernizada da moral. Os efeitos dessa colagem se transformam em desigualdade e hierarquização de filhos considerados legítimos ou bastardos. A posição da mulher mãe desloca-se de mulher vítima para mulher promíscua. Deslizamento construído e enraizado na dicotomia ‘santa x puta’.

Considerações Finais

A necessidade de análise dos termos que circulam nesses jogos enunciativos se fundamenta na concepção de que é nessa construção discursiva que se posicionam e se produzem diferentemente os sujeitos. Na enunciação do voto vencido, evidencia-se o processo de produção de jogos de verdade. Mesmo nessa enunciação do voto vencido que não tem força de lei, pois não se desdobra nas ações indicadas, estão lá jogos de verdade, temporariamente não contemplados.

Além disso, os limites de “ganhar” ou “perder”, “defesa” e “acusação” são embaralhados nas enunciações. No caso da presente pesquisa, essas enunciações explicitam construções sociais, históricas e culturais a serem analisadas com bastante cuidado, pois produzem sujeitos, em especial o sujeito pai. Na nomeação compulsória da paternidade pelo exame de DNA ou na presunção de paternidade, caso haja negativa em fazer o exame, ou ainda no reconhecimento “espontâneo”20, há movimentos de produção de pai. A palavra legitimada pelo Estado através das instâncias jurídicas define um pai e dessa nomeação decorrem muitas outras práticas que serão reguladas – atribuição de um sobrenome, sucessão, dever de alimentos e, no limite, afeto ou a ação por abandono afetivo.

O discurso jurídico institui a atribuição de níveis valorativos à paternidade, classifica-a, nomeia-a, define seu lugar no arranjo familiar e sua importância na vida social. Mas não faz isso sozinho, conta com outros discursos e seus múltiplos dispositivos de poder. Há todo um campo associado que merece atenção. Assim, é importante avaliar o efeito de discursos reconhecidos como científicos sobre o conjunto de práticas e discursos que constitui a jurisprudência brasileira acerca da paternidade (Perucchi & Toneli, 2008Perucchi, J., & Toneli, M. J. F. (2008). Aspectos políticos da normalização da paternidade pelo discurso jurídico brasileiro. Revista Psicologia Política, 8(15), 139-156., p. 146).

A forma como acontece essa produção de paternidade precisa ser problematizada, inclusive na Psicologia. Mesmo que se saliente a importância da paternidade, Valente, Medrado e Lyra (2011)Valente, M. B., Medrado, B., & Lyra, J. (2011). Ciência como dispositivo de produção da paternidade: análise de produções científicas brasileiras. Athenea Digital, 11(2), 57-72. mostram que essa não ocorre na forma de um convite, mas como imposição ou sanção, produzindo também formas de resistência. “A paternidade é fabricada pela técnica médico jurídica, ao mesmo tempo, parece resistir como uma verdade eminentemente social” (Valente et al., 2011Valente, M. B., Medrado, B., & Lyra, J. (2011). Ciência como dispositivo de produção da paternidade: análise de produções científicas brasileiras. Athenea Digital, 11(2), 57-72., p. 69).

Enquanto empresta legitimidade, o reconhecimento jurídico regula os termos do que será considerada paternidade ou não. Tal processo possibilita questionar qual a atratividade da busca dessa legitimidade? Qual o custo desse reconhecimento (pensando que há sempre um campo de exclusões nessas definições)? No caso do documento analisado, o jogo entre legitimação e regulamentação é bastante complexo. A legitimação do Estado já estava dada – o reconhecimento da paternidade realizado, mas de certa forma não garantia a efetividade do exercício da paternidade. A legitimação só se efetivaria pela regulação dessa legitimação. Se a lei o aponta como o pai, é necessário que se estabeleçam os critérios de avaliação de quem poderá ser considerado pai.

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  • 1
    O impulso inicial para essa pesquisa foram algumas ações sociais, uma forte articulação entre ausência paterna e criminalidade, como se a primeira fosse causa da segunda. As ações foram desenvolvidas por uma parceria entre uma organização não governamental - ONG de combate à criminalidade de Porto Alegre, o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (MPRS) e as Secretarias Estaduais da Saúde (SESRS) e da Educação (SEERS) (Moreira & Toneli, 2013Moreira, L. E., & Toneli, M. J. F. (2013). Paternidade responsável: problematizando a responsabilização paterna. Psicologia & Sociedade, 25(2), 388-398.)
  • 2
    Tomar o discurso como documento é buscar definir “os pensamentos, as representações, as imagens, os temas, as obsessões que se ocultam ou se manifestam nos discursos” (p. 157), como se ele fosse signo de outra coisa. Já a arqueologia se diferencia por tomar discurso como monumento, pois busca descrever os próprios discursos “enquanto práticas que obedecem a regras” (p. 157). Esclarecemos que neste artigo quando se faz referência a “documentos” não se adere a essa forma de analisar o discurso, não se utiliza a palavra como conceito teórico, mas se faz referência aos materiais que compõem o corpus de pesquisa, pois se tratam de documentos jurídicos..
  • 3
    Derivado do latim jurisprudentia, de jus (Direito, ciência do Direito) e prudentia (sabedoria), entende-se literalmente que é a ciência do Direito vista com sabedoria. Os romanos definiam-na, segundo Ulpiano, como o conhecimento das coisas divinas e humanas e a ciência do justo e do injusto: divinarum atque humanarum rerum notia, justi atque injusti scientia. Modernamente, é jurisprudência aplicada também no sentido de Ciência do Direito. É claro o sentido literal: o Direito aplicado com sabedoria (Silva, 2000)Silva, P. (2000) Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro, RJ..
  • 4
    Acórdão – Designação dos julgamentos proferidos por tribunal.
  • 5
    Apelação – termo originado do latim appelatio, que é usado no mesmo sentido originário: recurso interposto de juiz inferior para superior. Designa um dos recursos que se pode utilizar a pessoa prejudicada pela sentença, a fim de que, subindo a ação para superior instância, e, conhecendo está o seu mérito, pronuncie uma nova sentença, confirmando ou modificando a que se proferiu na jurisdição de grau inferior (Silva, 2000)Silva, P. (2000) Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro, RJ..
  • 6
    Interessante que nesse documento há um voto contrário às decisões tomadas pela maioria, ou seja, dos três juízes um discordou, procedimento que, na maioria dos acórdãos lidos, não ocorreu. Esta característica nos possibilita conhecer algumas enunciações e suas contestações, além de explicitar certos jogos de saber/poder.
  • 7
    Butler (2003a)Badinter, E. (1998). Um amor conquistado: o mito do amor materno. São Paulo, SP: Círculo do Livro. propõe uma crítica genealógica à produção de sujeitos políticos, em especial, à categoria “mulheres”. Nessa crítica, alerta para o processo de ocultação e naturalização das operações políticas que efetivam a construção dos sujeitos. Numa simples representação de sujeitos, há um imbricado e simultâneo processo de produção desses sujeitos.
  • 8
    Utilizamos o termo parentalidade com o objetivo de descolar a categoria de gênero vinculada ao exercício parental, colocando em questão a dicotomia presente ao se falar em maternidade e paternidade. Segundo Uziel et al. (2006)Uziel, A. P., Ferreira, I. T. O., Medeiros, L. S., Antonio, C. A.O., Tavares, M., Moraes, M. B. et al. (2006). Parentalidade e conjugalidade: aparições no movimento homossexual. Horizontes Antropológicos,12(26), 203-227. doi:10.1590/S0104-71832006000200009, essa terminologia, apesar da pouca usualidade no cotidiano, foi estabelecida a partir do vocabulário francês (traduzida do original parentalité) com o intuito mesmo de evitar a generificação do termo, própria da língua portuguesa.
  • 9
    Apesar disso, em outras decisões jurídicas, o Brasil tem construído um enunciado importante em termos de isonomia. Cabe lembrar a decisão do STF, em 2011, que atribuiu à união estável homoafetiva o reconhecimento como entidade familiar (STF 477.554, 16 de agosto de 2011). É exatamente nesses embates que ficam claras as colagens em relação ao casamento/conjugalidade e parentesco/parentalidade. Haja vista a polêmica em relação ao reconhecimento da união entre casais homoafetivos ser legitimada como casamento e o temor do desdobramento desse reconhecimento na legitimação do parentesco dos casais legitimados por essa via. Nesse sentido, muitos projetos de lei só são aprovados quando estabelecem claramente uma separação do casamento com as questões do parentesco.
  • 10
    Fassin (2011)Fassin, E. (2011) Entre família e Nação: a filiação naturalizada Polis e Psique, 1(número temático), 8-25. mostra que nos Estados Unidos da América a polêmica do debate se refere à sacralização do casamento, já no contexto francês a sacralização está vinculada à filiação e à nacionalidade. O autor tem uma reflexão interessante sobre a sacralização, explicando que ela refere-se ao processo de naturalização: “o que se sacraliza, em uma sociedade democrática, é aquilo que se estima essencial e que se busca, então, retirar da esfera da deliberação política para conceder o estatuto de verdade absoluta que transcende a história” (p. 11).
  • 11
    Queer não está sendo utilizado por Preciado (2011)Preciado, B. (2011). Multidões queer: notas para uma política dos “anormais”. Revista Estudos Feministas, 19(1), 11-20. doi:10.1590/S0104-026X2011000100002 como um neologismo às minorias sexuais, mas como movimento de “desterritorialização da heterossexualidade” (Preciado, 2011, pPreciado, B. (2011). Multidões queer: notas para uma política dos “anormais”. Revista Estudos Feministas, 19(1), 11-20. doi:10.1590/S0104-026X2011000100002, p. 14). A potência do conceito está em situar o corpo não como “um dado passivo sobre o qual age o biopoder”. Queer está sendo utilizado para nomear o “monstro sexual”, onde as minorias tonam-se multidões. “A sexopolítica torna-se não somente um lugar de poder, mas, sobretudo, o espaço de uma criação na qual se sucedem e se justapõem os movimentos feministas, homossexuais, transexuais, intersexuais, transgêneros, chicanas, pós-coloniais” (Preciado, 2011, pPreciado, B. (2011). Multidões queer: notas para uma política dos “anormais”. Revista Estudos Feministas, 19(1), 11-20. doi:10.1590/S0104-026X2011000100002, p. 14).
  • 12
    Foucault (1995)Foucault, M. (1995). Microfísica do poder (R. Machado, trad.). Rio de Janeiro, RJ: Graal. retoma dois significados da palavra sujeito: “Sujeito a alguém pelo controle e dependência, e preso à sua própria identidade por uma consciência ou autoconhecimento” (p. 235). Desconstrói-se a perspectiva comum de que o poder subordina os sujeitos desde fora. Para Foucault e assumido também por Butler, o poder é algo que constitui o sujeito.
  • 13
    Na análise, buscamos os textos completos que foram utilizados para citações no acórdão.
  • 14
    Esse documento não fazia parte do arquivo montado a partir da pesquisa na jurisprudência, mas foi aqui inserido como um desdobramento, no sentido de compreender as condições e enunciações referentes à categoria jurídica do “Abandono Afetivo”.
  • 15
    STJ 1.159.242 - SP Recurso especial (2009/0193701-9). Julgadores: Nancy Andrighi (Relatora), Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva. Data do julgamento: 24 de abril de 2012. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE.
  • 16
    Conforme problematizado em trabalho anterior (Moreira, & Nardi, 2007Moreira, L. E., & Nardi, H. C. (2007) Maternidade, paternidade, homoparentalidade - reflexões sobre o exercício da parentalidade e as questões de gênero. In Anais de trabalhos completos XIV Encontro Nacional da Abrapso. Rio de Janeiro: Abrapso.), uma análise clássica desses cuidados, dentro da perspectiva feminista, é o estudo de Badinter (1998)Badinter, E. (1998). Um amor conquistado: o mito do amor materno. São Paulo, SP: Círculo do Livro. sobre a construção do amor materno. Analisando a França do século XVII e principalmente XVIII, período caracterizado pela prática materna de entregar os filhos às amas-de-leite e que se contrapõe às práticas atuais de cuidado materno. Ao analisar tal período, Badinter (1998)Badinter, E. (1998). Um amor conquistado: o mito do amor materno. São Paulo, SP: Círculo do Livro. propõe o questionamento do amor materno, enquanto um sentimento feminino natural e universal, salientando que conforme a sociedade valorize ou deprecie a maternidade, a mulher será em maior ou menor medida uma “boa” mãe. A autora mostra que o “amor materno” foi sendo construído no final do século XVIII. “A ‘invenção’ do amor materno estava associada ao discurso econômico (importância da população e controle da mortalidade) e filosófico (expressão do amor através das ideias do Iluminismo), situando as mulheres como intermediárias e interlocutoras entre o Estado e a família e localizando-as como responsáveis pelo futuro das nações” (Moreira, e Nardi, 2009Moreira, L. E., & Nardi, H. C. (2009). Mãe é tudo igual? Enunciados produzindo maternidade(s) contemporânea(s). Revista Estudos Feministas, 17(2), 569-594. doi:10.1590/S0104-026X2009000200015, p. 572).
  • 17
    Programa instituído por meio do Provimento n 12/2010. Determina às Corregedorias de Justiça dos Tribunais de todos os Estados que encaminhem aos juízes os nomes e dados dos alunos matriculados em escolas sem o nome do pai, para que deem início ao procedimento de averiguação de paternidade, instituído pela Lei n8.560/92. “A iniciativa busca aproveitar os 7.324 cartórios com competência para registro civil do país para dar início ao reconhecimento de paternidade tardia. A partir da indicação do suposto pai, feita pela mãe ou filho maior de 18 anos, as informações são encaminhadas ao juiz responsável. Este, por sua vez, vai localizar e intimar o suposto pai para que se manifeste quanto a paternidade, ou tomar as providências necessárias para dar início à ação investigatória” (CNJ, 2012)Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Pai presente. Recuperado em 13 de outubro de 2012, de http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/infancia-e-juventude/pai-presente
    http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z...
    .
  • 18
    O investimento na paternidade está presente também em outras áreas. Müller (2012)Müller, R. C. F. (2012) A constituição de uma política de saúde para homens no Brasil (2009-2011): bases simbólicas e lugares de enunciação. Tese de Doutorado. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ., analisando documentos da área de saúde pública no Brasil (elaboração e implantação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem, 2009), mostra que o investimento na paternidade parte da estratégia da fragilização e vulnerabilização do homem-pai, buscando-se um encadeamento onde é necessário “cuidar do pai para que ele possa ser também um cuidador” (Müller, 2012, pMüller, R. C. F. (2012) A constituição de uma política de saúde para homens no Brasil (2009-2011): bases simbólicas e lugares de enunciação. Tese de Doutorado. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ., p. 212). Na análise da “emergência de um novo pai na ressignificação da paternidade como um direito do homem” (p. 213), o exercício da paternidade não estava aberto a qualquer possibilidade, mas marcado por questões de dever, de responsabilidade e de direito.
  • 19
    No documento, a responsabilização da reprodução está colocada unicamente nos ombros da mulher: “a requerente optou por manter com ele um relacionamento de longos anos, vindo, inclusive, a ter com ele um filho” (TJSC 2006.015053-0). Essa enunciação contraria várias formulações do campo da saúde que, conforme indica Müller (2012)Müller, R. C. F. (2012) A constituição de uma política de saúde para homens no Brasil (2009-2011): bases simbólicas e lugares de enunciação. Tese de Doutorado. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ., buscam legitimar a participação do pai nas diferentes instâncias e etapas relacionadas ao planejamento familiar, com o objetivo explícito de ampliar e deslocar a responsabilidade sobre as práticas contraceptivas, antes restritas às mulheres.
  • 20
    Colocamos em questão o reconhecimento espontâneo porque há, por exemplo, no Programa Pai Presente do CNJ, um investimento intenso na importância do reconhecimento paterno. Nesse sentido, espontâneo refere-se ao fato do pai aceitar colocar o nome na certidão de nascimento sem que seja necessária a realização do exame de DNA.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2015

Histórico

  • Recebido
    15 Jun 2013
  • Revisado
    20 Jan 2014
  • Aceito
    03 Jul 2015
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