Open-access Grupo de Apoio Psicológico aos Trabalhadores em Situação de Desemprego

Support Group for Unemployed Workers

Grupo de Apoyo Psicológico a Trabajadores Desempleados

Resumo

A legislação do trabalho em vigência no Brasil intensificou formas mais flexíveis de contratação de força de trabalho e métodos de produção mais ajustáveis ao mercado, o que contribui para o aumento do desemprego no país. As mudanças afetaram diretamente a saúde mental dos trabalhadores, que passaram a se submeter a pressões e formas mais rígidas de contratação. Diante do cenário atual, este artigo objetiva analisar uma experiência de um grupo de apoio psicológico com trabalhadores em situação de desemprego, desenvolvido em uma clínica-escola de Psicologia da região Norte do Brasil. Foram realizados sete encontros, com média de duração de 90 minutos cada, o aceite foi estabelecido por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os participantes tinham idades entre 37 e 51 anos, sendo dois homens e três mulheres; o tempo mínimo de desemprego foi de oito meses e o máximo de dois anos. Verificou-se que estes valorizavam o trabalho formal em detrimento do informal, pois o primeiro representava maior reconhecimento social, segurança e estabilidade profissional. A situação de desemprego gerou sentimentos de perda, humilhação e exclusão social que repercutiram no estado de humor, no aumento da ansiedade e do estresse. Conclui-se que a Psicologia pode oferecer suporte baseado em uma escuta acolhedora e compreensiva dos fenômenos ligados ao mundo do trabalho e/ou nas repercussões ligadas à subjetividade dos trabalhadores em situação de desemprego.

Palavras-chave: Desemprego; Humilhação; Sofrimento; Trabalho Informal

Abstract

The labor legislation in force in Brazil has improved flexible forms of employment recruitment and labor-intensive production techniques, which contributes to the increase in the country unemployment rates. With the pressure and more rigid forms of hiring, these changes directly affected the mental health of workers. Considering that, this article aims to analyze the experience of a support group for unemployed workers developed in a school psychology clinic in Northern Brazil. The intervention consisted of seven meetings with an average duration of 90 minutes each, and the group was formed by two men and three women aged from 37 to 51 years, with minimum unemployment time of eight months and maximum of two years; all individuals agreed to participate by signing the Informed Consent Term. The participants reported preferring formal work over the informal one, for it represents greater social recognition, security, and professional stability. Unemployment evoked feelings of loss, humiliation, and social exclusion, besides impacting humor and heightening anxiety and stress. The results indicate that psychology can offer support based on a welcoming and comprehensive listening of phenomena related to the world of work and/or consequences of unemployment on workers’ subjectivity.

Keywords: Unemployment; Humiliation; Suffering; Informal Work

Resumen

La nueva legislación laboral en Brasil intensificó formas más flexibles de contratación de fuerza laboral y métodos de producción más ajustables al mercado de trabajo, lo que contribuye al aumento del desempleo en el país. Los cambios afectaron directamente la salud mental de los trabajadores que pasaron a someterse a presiones y formas más rígidas de contratación. Ante el escenario actual, este artículo tiene como objetivo analizar la experiencia de un grupo de apoyo psicológico a trabajadores en situación de desempleo, desarrollado en una clínica-escuela de psicología de la región Norte de Brasil. Se realizaron siete reuniones, con media de duración de 90 minutos cada una, y se obtuvo el consentimiento por medio de la firma del documento de consentimiento informado. Los participantes tenían edades entre 37 y 51 años, siendo dos hombres y tres mujeres; el tiempo mínimo de desempleo fue de ocho meses y el máximo de dos años. Se observó que los participantes valoraban el trabajo formal en relación a lo informal, pues aquel les garantía un mayor reconocimiento social, seguridad y estabilidad profesional. La situación de desempleo les generó sentimientos de pérdida, humillación y exclusión social, que repercutieron en el estado de humor, en el aumento de la ansiedad y el estrés. Se concluye que la psicología puede brindar soporte por medio de una escucha acogedora y comprensiva de los fenómenos relacionados al mundo laboral y/o a las repercusiones asociadas a la subjetividad de los trabajadores en situación de desempleo.

Palabras clave: Desempleo; Humillación; Sufrimiento; Trabajo Informal

O desemprego sempre esteve presente em muitas famílias e indivíduos de diversos países, sejam eles desenvolvidos ou não, todavia, países em desenvolvimento, os ditos “periféricos”, sofrem de forma mais concreta com tal fato. O Brasil fechou, em março de 2018, com uma taxa de desocupação de 13%, que contabilizando 13,7 milhões de pessoas em situação de desemprego. Trabalhadores(as) com ou sem carteira assinada foram depostos de seus trabalhos, sendo que o setor privado e, mais precisamente, os setores da indústria, comércio e construção, foram os que mais demitiram (BENEDICTO, 2018). Essa realidade representa o ponto culminante de uma escalada de desgastes, configurando um trauma para a subjetividade dos trabalhadores sem emprego.

Para agravar a situação, recentemente o Brasil fez alterações no sistema de regulação social do trabalho e de sua proteção, que se construiu durante décadas na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e levou adiante um pacote de ajustes fiscais austeros aos direitos dos trabalhadores. A aprovação da nova legislação do trabalho no país, em 2017 (Lei nº 13.467, 2017), alterou mais de cem pontos na CLT e, com isso, intensificou formas mais flexíveis de contratação de força de trabalho temporário, de tempo parcial, subcontratação (terceirização e quarteirização) e contratos intermitentes, que adotam métodos de produção mais ajustáveis ao mercado, trazendo insegurança e medo quanto à perda do trabalho (Antunes & Praun, 2015; Fleury, 2018; Oliveira & Figueiredo, 2017).

Para justificar tais mudanças, o governo brasileiro associou a reforma à retomada do crescimento econômico, promovendo cortes nos gastos públicos e se posicionando de forma favorável aos discursos que defendem as privatizações/apropriação do bem público pelo setor privado. Esses são discursos amplamente difundidos por economistas, estudiosos e demais figuras públicas que afirmam defender tais medidas no intuito de resolver crises e incentivar o retorno do crescimento da economia brasileira. O cenário é sustentado pelo desmonte das políticas públicas e sociais; pela reforma do Estado; pela perda de alguns direitos dos trabalhadores; e por alterações da legislação trabalhista com a preponderância do negociado sobre o legislado (Carvalho, Carvalho Neto, & Girão, 2017; Fleury, 2018; Teixeira, 2017)1.

As modificações provocaram uma escalada de retrocessos aos trabalhadores, e as formas de instituir tais mudanças são sutis e impositivas, fundamentadas por meio de prerrogativas políticas, econômicas e sociais. Como consequência, os ajustes e as alterações nos modos de produção vêm provocando o enfraquecimento do poder de articulação da classe trabalhadora por meio da desestruturação dos sindicatos e de sua cooptação, transformando o conjunto de trabalhadores em mera massa de manobra, promovendo um novo formato de controle do trabalho e instaurando a regulação privada como regra do jogo (Krein, 2018; Leite, 2018; Oliveira, 2017; Oliveira & Figueiredo, 2017).

Diante disso, percebe-se a importância da Psicologia repensar a relação entre população desempregada e saúde mental do trabalhador, tendo em vista que estudos da área mostram a associação entre desemprego e sofrimento mental (Barros & Oliveira, 2009; Buendia, 2010; Dejours, 1999; Estramiana, Gondim, Luque, Luna, & Dessen, 2012; Granado, 2014; OIT, 2009; Pinheiro, & Monteiro, 2007; Rodrigues et al., 2017; Seligmann-Silva, 2011; Silva & Marcolan, 2015; Tittoni, 1994).

Foi a partir desse desafio que se buscou constituir, no Serviço de Psicologia Aplicada (SPA) de uma universidade pública, em um estágio supervisionado de uma clínica do trabalho do curso de Psicologia da região Norte do Brasil, uma proposta de grupo de apoio psicológico ao trabalhador e trabalhadora em situação de desemprego. Procurou-se construir neste grupo um espaço de reflexão e compartilhamento de experiências, histórias, sentimentos e estratégias que trabalhadoras(es) encontravam para lidar com o fato de estar sem emprego, contribuindo para a construção de uma rede de apoio social/acolhimento e minimizando os impactos psicológicos provindos do fenômeno do desemprego.

A finalidade do grupo foi oferecer uma escuta diferencial para trabalhadores em situação de desemprego que procuravam o serviço de triagem/acolhimento do SPA da universidade. Os encontros tiveram como temáticas o sofrimento psíquico produzido no trabalho, as vivências afetivas-emocionais, as representações e as estratégias de enfrentamento da situação vivida. A proposta deve contribuir com as discussões acerca da saúde mental dos trabalhadores na região Norte do Brasil e incentivar futuras pesquisas acadêmicas e institucionais em que se possam buscar medidas de intervenção para prevenir o adoecimento psíquico e promover o bem-estar do trabalhador em situação de desemprego.

Procedimentos metodológicos

Utilizou-se a Psicodinâmica do Trabalho (PdT) e os dispositivos da Clínica do Trabalho (CT) como referências no processo de intervenção em grupo e análise das narrativas contidas no mesmo, pois estas possibilitam compreender como a subjetividade é mobilizada no trabalho e quais seus efeitos benéficos ou nocivos para o funcionamento psíquico de cada sujeito. Para Dejours (2017), a prática do psicoterapeuta deve ser instrumentalizada não somente a partir da aptidão, talento ou intuição do terapeuta, mas de seus conhecimentos teóricos, conceituais e, principalmente, da sensibilidade para escutar e tentar compreender o que diz e vivencia o paciente quando narra suas experiências e os seus constrangimentos vivenciados no trabalho.

A PdT promove a elaboração do sofrimento por meio da palavra, caracterizando-se como um instrumento político, uma vez que permite que o paciente, no decorrer do processo terapêutico, elabore seu pensamento e se reposicione diante da situação vivida. Esta postura é uma ação política, ou seja, ao transformar o sofrimento em ação, dar-se-á outro destino a ele, retomando o protagonismo na cena dos fatos da vida (Gómez, Mendes, Chatelard, & Carvalho, 2016; Mendes, 2015; Merlo, 2014).

Participantes do grupo e questões éticas

Os participantes foram selecionados a partir da análise de 398 fichas das(os) pacientes que realizaram processo de acolhimento no SPA em 2018. Esse serviço é referência no acompanhamento psicológico do curso de Psicologia de uma universidade pública da região. Além da procura espontânea da comunidade, diversos pacientes recebem encaminhamentos provenientes de instituições como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) ou da rede pública de ensino. Para a seleção, utilizou-se como critérios de inclusão os trabalhadores que se encontravam em situação de desemprego, descritos nas informações da ficha do paciente e/ou em suas queixas, que tivessem disponibilidade de participação.

Foram contatados, via telefone, 15 pacientes para participar do grupo, sendo que oito confirmaram presença, mas somente cinco compareceram no dia programado. Estes tinham idades entre 37 e 51 anos, sendo dois homens e três mulheres, três com ensino médio completo e dois com ensino superior. Entre as profissões/formações, uma participante tinha graduação em Serviço Social e outra em Administração, enquanto os outros três eram trabalhadores informais: empregada doméstica, construção civil e atendente de bar. O tempo que os participantes se encontravam em situação de desemprego foi, em média, 17 meses.

Como procedimento ético, no primeiro encontro foram feitos alguns esclarecimentos sobre o funcionamento do grupo e, após o aceite, procedeu-se com a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Por questões éticas, os nomes dos participantes do grupo são fictícios e escolhidos a partir de constelações: Antila, Capella, Aries, Taurus e Orion.

Procedimentos e análise dos encontros

Foram realizados sete encontros, sendo um por semana, com média de duração de 90 minutos cada. No primeiro encontro, procedeu-se com o acolhimento, a apresentação geral do grupo, de seus objetivos e o estabelecimento do contrato ético, bem como a proposição de que todos pudessem expor sua trajetória de trabalho e como experienciavam o desemprego. No segundo encontro, buscou-se entender o significado do desemprego e suas implicações na vida dos participantes. No encontro seguinte, o intuito foi ressignificar a condição do desemprego, possibilitando o processo de desculpabilização da(o) trabalhadora(or). No quarto dia, os participantes refletiram sobre suas escolhas profissionais durante sua trajetória de trabalho. No quinto encontro, objetivou-se estabelecer a troca de experiências e o reconhecimento das táticas e estratégias adotadas ao longo do tempo sem trabalho. O sexto dia consistiu em compartilhar os saberes e conhecimentos construídos no percurso de trabalho. No sétimo e último encontro, a proposta foi sistematizar as estratégias para enfrentamento do desemprego, permitindo a reflexão de planejamentos futuros. Para registro dos encontros, utilizou-se o diário de campo como ferramenta na captura de significados expressos durante as interações do grupo mediado pelas temáticas.

A análise das falas foi feita por categorização temática (Bardin, 2011), que é uma “operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento” (p. 117), ou seja, a partir das falas, isolam-se as categorias temáticas e as sistematizam a fim de organizar os significados constitutivos da mensagem.

Resultados e discussões

Sobrevivência, trabalho e sentidos do desemprego

As narrativas a serem apresentadas de Antila, Capella, Aries, Taurus e Orion são histórias de vida, luta e conquistas elaboradas cotidianamente no tecido de suas vidas. Nelas, as histórias têm nuances e significados diferentes, entretanto, o eixo que integra suas histórias é a luta pela sobrevivência em um sistema societário que nem sempre favorece o pleno desenvolvimento dos sujeitos, tanto no sentido psicológico quanto no social. O que acontece é o inverso: este sistema os coloca diante de crises existenciais, por vezes, difíceis de dissolução. O trabalho sempre aparece na individualidade das narrações do grupo porque ele é o eixo fundamental que organiza suas vidas, portanto, é necessário descrever quem são os(as) trabalhadores(as) que participaram dos encontros no SPA e como vivenciam/ressignificam a perda de seus vínculos de trabalho.

Antila tem 48 anos, ensino médio completo, está solteira e em situação de desemprego há dois anos. Ela sobrevive com o auxílio dos filhos e a partir dos “bicos” [sic] com serviços domésticos. Começou a trabalhar aos 12 anos de idade, sendo que, durante toda a vida profissional, as atividades que exerceu foram na informalidade, como a prestação de serviços de babá, empregada doméstica de serviços gerais e lavadeira/passadeira de roupas.

Capella tem 37 anos, é do sexo feminino, casada, tem dois filhos e, há um ano, graduou-se em Serviço Social. Sobre sua experiência profissional, esta se deu em empresas privadas ligadas ao comércio. Ela estava em situação de desemprego há oito meses e sobrevive com o apoio financeiro de parentes.

Aries tem 46 anos, é divorciada, mãe de um casal de filhos adultos, formada em administração e, há dois anos, está desempregada. Sua experiência profissional é no ramo administrativo (setor de Recursos Humanos) e imobiliário (corretora de imóveis). No passado, foi empresária na área de estética, saúde e beleza, mas, segundo ela, sofreu um desfalque financeiro e perdeu o investimento.

Taurus tem 37 anos, é solteiro, sem filhos e mora com a mãe, tem o ensino médio completo. Já trabalhou em diferentes áreas, incluindo o serviço público, porém, foi na área do comércio que vivenciou a maior parte de suas experiências profissionais. Ele ressalta que a relação empregador e empregado, no trabalho informal, é permeada por humilhações decorrentes da relação profissional precária. Nesse sentido, ele tem vislumbrado, no empreendedorismo, o caminho para o alcance de seus objetivos, entretanto, tem esbarrado na falta de capital financeiro.

Já Orion tem 51 anos, é solteiro, tem cinco filhos e iniciou sua vida no trabalho aos 15 anos como aprendiz e com carteira assinada. No decorrer de sua trajetória, ele passou por diversas e longas experiências em empresas privadas, no entanto, estava em situação de desemprego há um ano. O entrevistado se refere ao último emprego, na área da construção civil, como o mais traumático, devido a uma demissão abrupta logo após o afastamento por razões médicas.

Suas trajetórias, mesmo que diferentes, acabam encontrando um significado comum, haja vista que o trabalho é fundamental em suas vidas, é a ação que congrega suas individualidades e os laços sociais estabelecidos. No plano individual, é central para a formação da identidade e para a saúde mental, e, no que se refere a relações de gênero, possibilita a superação das desigualdades, repercutindo não somente na economia financeira, mas também como na afetividade e na sexualidade (Dejours, 2009).

Se o trabalho é cenário de intensas vivências, então a perda dele poderá significar um abalo de todos os sonhos e projetos, colocando em risco a sobrevivência de si mesmo e de sua família (Heloani, 2016; WHO, 2009). Essa situação cria no trabalhador um sentimento de impotência, já que ele se vê excluído da realidade de trabalho. Orion descreve a situação de desemprego como um luto devastador de sua dignidade:

O que mais me abateu foi o desemprego. Você vai trabalhando, trabalhando e se acostuma né?. . . Meu menino às vezes vem falar comigo para eu não ficar assim, que todos sabem que eu gosto de trabalhar. A gente precisa trabalhar para se sentir útil. Não somos máquinas, não somos robôs. O que tô sentindo aqui é o que todos sentem. Sempre fui muito ativo com minha vida divertida, com a família, mas, depois disso tudo, que aconteceu, dei uma mudada, eu não saio mais, não me divirto mais. E as pessoas ficam te cobrando, você não consegue reagir. (Orion)

Para Orion, não ter trabalho é como não ter um sentido de existência, pois sua ocupação preenchia esse significado. Em vários momentos ele narra sua história como um “antes” e um “depois”: o antes representava um período de prazer e felicidade advindo do reconhecimento por seu engajamento no trabalho, já o depois é marcado pela melancolia e pela dor, desencadeadas pela culpa da perda do emprego. A vivência de Aries com relação ao trabalho e ao desemprego é similar à de Orion, visto que o sentido de sua existência está atrelado ao sentido no trabalho e a possibilidade de contribuição social:

O que percebi é que o trabalho dignifica a pessoa, faz a pessoa se sentir útil. Trabalhei a vida toda e hoje não encontro um trabalho, tem situações que não me sinto útil. Tenho como me sustentar, mas preciso ser útil. O que estou devolvendo para a sociedade? Não tenho a oportunidade de devolver. Em algum momento, a gente tem que ser útil. (Aries)

Para Antila, “é difícil ficar sem trabalhar, sem dinheiro, sem dinheiro fico doente”. Ela atribui ao dinheiro aspectos subjetivos de utilidade e qualidade, expressos por meio do pagamento, um sentido de retribuição concreta e objetiva, ou seja, trabalhar e receber salário tem uma dimensão material e simbólica, é uma retribuição moral que a faz se sentir reconhecida no tecido social, com o status de trabalhadora (Dejours, 2009).

Outra significação recorrente no grupo foram os sentimentos de perda e exclusão vivenciados na situação de desemprego, pois a perda de rendimentos dificulta a manutenção das necessidades básicas da família, situação que leva a serem vistos pelo grupo familiar e social como culpados. Eles se sentem excluídos e solitários diante da repercussão da condição traumática do desemprego em suas vidas, como pode ser observado nas seguintes narrativas: “O desemprego é como um fantasma que assola. Quando você está com emprego, você olha dignamente para as pessoas, sem trabalhar já não é assim” (Orion); “O desemprego afetou a maneira como as pessoas me tratam” (Capella). Na mesma perspectiva, Antila diz que:

Até no meu meio familiar, até pela família, sou vista como uma pessoa excluída. Você é julgada, criticada, pois acham que você não se esforça. . . Você desempregada é como se fosse ninguém, até para a igreja você é excluída. Tipo, nas comemorações, você tem que contribuir e você não pode. Às vezes, até para sair não te chamam como antes. Eu gostava muito de sair, de balada, agora não me chamam mais. (Antila)

Vários autores corroboram no entendimento de que o trabalho produz sentido de inclusão social, visto que a própria sociedade atribui valor aos que estão produzindo e, quando deixam de produzir, perdem esse lugar socialmente ocupado, ou seja, não têm como pagar suas contas (Grisci, 1999; Sant’Anna, 2001; Tittoni, 1994; Vasconcelos & Oliveira, 2004; Wickert, 1999).

Embora o desemprego apresente rupturas em diferentes dimensões na vida dos trabalhadores, este foi um exercício de ressignificação e de desafio a ser superado para poder alcançar o crescimento pessoal, uma oportunidade de autoconhecimento e de se reinventar frente às adversidades. As seguintes narrativas apontam nessa perspectiva: “A fase do desemprego é como uma recuperação” (Orion); “Estou tentando ganhar algum dinheirinho, estou fazendo atividades de artesanato, é uma terapia para mim” (Antila); “O desemprego é superação, né? O trabalho dignifica a alma, significa prazer. . . Espero que alguém me ajude a superar, me ajude a conseguir algo melhor, a estudar mais” (Capella).

Observa-se que os participantes buscam formas de lidar com a situação de desemprego, objetivando reaver o investimento e o reconhecimento social subjetivo centralizado no trabalho. Dejours (2009) afirma que o sofrimento pode apresentar-se como patogênico quando o sujeito não consegue transformá-lo ou ressignificá-lo, mas também pode ser criativo, quando o sujeito consegue transformá-lo em algo benéfico para si. Destarte, o sofrimento pode mobilizar mecanismos que permitem que se possa agir frente aos sentimentos de perdas, desamparo e exclusão.

Precarização, informalidade e insegurança

O capitalismo do século XIX esbarrou na insígnia de retorno rápido de capitais, investimentos empresariais irracionais e mudanças na moderna estrutura institucional por contratos, eliminando burocracias, com o objetivo de tornar as organizações mais flexíveis e de retorno financeiro a curto prazo. O novo capitalismo redefiniu o mercado de trabalho, e os trabalhos informais se tornaram opções alternativas na busca de renda (Antunes, 2011; Sennett, 2008).

Os séculos XX e XXI, marcados pelo capitalismo global, acompanham neste processo uma nova gestão do trabalho com objetivos de reduzir custos e alcançar cada vez mais uma maior produtividade e competitividade. Para se ajustar ao mercado de trabalho, uma das estratégias utilizadas pelas empresas foi a flexibilização das relações profissionais e trabalhistas e, para legitimar esta nova forma de gestão, é preciso utilizar-se de mecanismos de cooptação dos trabalhadores às metas. Para Navarro, Maciel e Matos (2018), o modelo Toyotista tornou-se hegemônico, combinando-se com uma gestão rígida, associado à ameaça do desemprego e da precarização. Os efeitos se expressam pelo aumento do desemprego estrutural, pela fragmentação dos coletivos de trabalhadores e por crescente individualização e informalidade.

O trabalho presencia, em escala mundial, um processo amplo de criação e recriação de novas formas de organização e gestão da força laboral. Este cenário, por sua vez, contribui para a produção e reprodução de uma série de dificuldades aos trabalhadores desempregados no processo de reinserção no mercado formal de trabalho, acabando por encontrar na informalidade o único recurso para o enfrentamento do desemprego estrutural. Desse modo, as dificuldades se encontram logicamente articuladas às dinamicidades e mudanças no mundo do trabalho, além das novas exigências que lhe são atribuídas.

A informalização do trabalho tornou-se um traço constitutivo e crescente da acumulação capitalista dos últimos séculos, uma vez que se torna cada vez mais permanente nos mecanismos e engrenagens que impulsionam o mundo do trabalho em direção à informalidade. Antunes e Praun (2015) compreendem que o investimento massivo em tecnologia e a mudança na gestão organizacional do trabalho possibilitam a expansão intensificada da reestruturação produtiva, tendo como consequências a flexibilização, a informalidade e a profunda precarização das condições de trabalho e de vida da classe trabalhadora brasileira. Os autores alertam que a busca por empregos informais nem sempre é uma opção desejada pelos trabalhadores, entretanto, a necessidade de manutenção de sua sobrevivência e de sua família os submete a um trabalho precário e inseguro, por não oferecer amparo e proteção nas atuais leis trabalhistas.

As mudanças trouxeram impactos na forma de ser do trabalhador, entre estas, podem ser observadas o despreparo quanto às novas qualificações exigidas no mercado de trabalho, bem como as determinações do mercado sobre as atividades desenvolvidas: “Há gente que endeusa o empregador, mas, para ele, o que interessa é o lucro, pois quem move o Brasil é o trabalhador. Com a crise, muita gente foi para a informalidade e não sabe lidar, não tem preparo” (Taurus). Ainda sobre os impactos das atuais mudanças no mundo do trabalho, Antila afirma:

Eu vejo diferença em ser faxineira na casa dos outros e numa empresa. Na empresa, a gente tem uniforme, tem carteira assinada e outras coisas. Nas casas não tem isso! Fui lavadeira por quase 20 anos e sempre na informalidade, sem carteira assinada. . . Com essa crise da lei da empregada doméstica, muita gente não quer mais contratar empregada e isso não é bom, mas é a lei que dá certa proteção. Para a empregada, a lei é ótima, mas para o empregador dizem que não é, é muito mais gasto. . . E aí que começou a parar de contratarem as domésticas e começaram a vir as diaristas. Tá todo mundo desesperado por qualquer 100 ou 150 reais e aceitam qualquer coisa por isso. Então, até nisso eu sou desvalorizada. Eu acompanhei muito sobre a lei no programa da Ana Maria Braga2, a própria Ana Maria Braga falava o lado bom e o lado ruim de ter o registro na carteira. (Antila)

Mesmo que a Lei nº 150, de 1 de junho de 2015, que trata da legalização do contrato de trabalho doméstico, tenha representado uma conquista para toda a categoria, para a trabalhadora, ela dificultou a contratação formal por parte dos empregadores e impôs obstáculos ao acesso do trabalho formal. Trabalhar como empregada doméstica na informalidade significa ser regulada pela lei do mercado, não havendo espaço para a autonomia da trabalhadora e, em alguns casos, gerando uma relação que envolve humilhação, submissão e desvalorização.

A insegurança e a instabilidade no mundo do trabalho foram sentimentos compartilhados por todos no grupo, o que diferencia é a trajetória de vida no trabalho e a subjetividade envolvida neste processo. As definições compartilhadas foram do medo da rejeição e da solidão na busca por um trabalho: “É difícil ser rejeitada, tem que se amar muito, pois ela está em todo lugar, você vai num lugar e te colocam para baixo” (Capella); “. . . acho muito difícil lidar com a rejeição” (Antila).

Além disso, os participantes assinalaram o processo de exclusão e desigualdade que estão submetidos na situação de desemprego, como a falta de referência profissional e o injusto processo de “apadrinhamento” [grifo dos autores], falta de oportunidades iguais para ampliação das práticas profissionais, impeditivos em decorrência dos aspectos fenótipos, tais como: estatura, idade e/ou aparência física, até a existência de cargos de baixa qualificação/remuneração em substituição de contratações com salários maiores. Nesse sentido, os participantes afirmam que: “É difícil arranjar algo sem referência, sem nunca ter tido trabalhado fora, sem experiência” (Antila); “A gente esqueceu da questão da idade também. As pessoas com minha idade enfrentam outros problemas para conseguir emprego. Eu não tenho idade para me aposentar, mas também ninguém vai me dar um emprego pela minha idade” (Orion).

Assim, para Matos (2018) e Santos (2008), os trabalhadores encontram barreiras físicas, simbólicas e conjunturais para se reinserir no mercado de trabalho. Estas barreiras geralmente são sentidas por meio da desigualdade, humilhação, assujeitamento, perversa flexibilização, declínio dos direitos sociais e trabalhistas, precarização e terceirização. O grupo compartilha os obstáculos no processo de desemprego: “Vê como o desemprego não é só eu que vivo, não é só eu que me sinto inútil, humilhada. . .” (Capella); “Você é julgada, criticada e humilhada pois, acham que você não se esforça” (Antila); “Essa questão do currículo, da formação, você se preparar tanto, se esforça tanto e não consegue entrar no mercado de trabalho” (Orion).

Vincular-se a uma instituição profissional e socialmente reconhecida, para os trabalhadores, é um meio que permite a construção não apenas de vínculos sociais, mas também profissionais e afetivos, garantindo a socialização e a solidificação de sua identidade e subjetividade como trabalhador(a), pois é nas relações com os outros que nos diferenciamos, nos reconhecemos e somos reconhecidos (Bendassolli, 2012). “Você trabalhando é diferente, é um prazer, você se vê útil, sai de casa e volta sabendo que terá dinheiro no fim do mês” (Orion).

Quando o trabalhador está na situação de desemprego, ele fica desacreditado com relação a suas potencialidades e seus sonhos. A falta do trabalho pode aumentar o nível de sofrimento e estresse causado pela situação em que se encontram. Ainda, a experiência do desemprego poderá ser agravada em função da duração do tempo sem trabalho. Ao perceber que os esforços investidos para buscar trabalho não dão resultados esperados, o trabalhador sente-se desmobilizado para seguir na procura por um emprego formal. Estramiana et al. (2012) alertam que, quanto maior a prolongação do período sem trabalho, maior será a deterioração da saúde mental dos trabalhadores.

Construindo formas e estratégias de enfrentamento à situação do desemprego

A Psicologia compreende que o tempo de vida no trabalho é permeado de sonhos, desejos e aprendizados, mas, quando as forças sociais passam a transformar o contexto de trabalho, impedindo sonhar, desejar e aprender, este trabalho se converte em fonte de sofrimento e, frequentemente, de adoecimento. Dessa maneira, a construção de espaços que possibilitam a escuta, a socialização, o respeito, o compartilhamento das experiências, dos constrangimentos e das dores, bem como das alegrias, dos prazeres e das sublimações, se apresentam como um modo de resistência e existência diante de uma realidade cada dia mais injusta.

Os encontros com trabalhadoras(es) em situação de desemprego descrevem o atual cenário social, político e econômico brasileiro. Os conflitos compartilhados entre os trabalhadores da região Norte representam um fenômeno mais amplo e global das mudanças enfrentadas no mundo do trabalho. Realidades que se apresentaram por vezes contraditórias, difíceis de resolver na sua individualidade, como qualificação/desqualificação, formalidade/informalidade, precarização/eficiência, submissão/autonomia e proteção/desproteção surgem sempre ligadas a uma crise econômica e social e trazem um sofrimento social, físico e mental a todos.

Neste sentido, a experiência se revela uma das possíveis práticas de acolhimento e intervenção oferecidas no serviço de uma clínica-escola com abordagem da Clínica do Trabalho. Sua proposta se diferencia por sua capacidade de compreensão e de escuta dos fenômenos ligados ao mundo do trabalho, utilizando-se de uma escuta qualificada a partir de um coletivo de trabalhadores (Schlindwein, Silva, Bueno, & Morais, 2017). Ao compartilhar os sentimentos e vivências nos encontros realizados, bem como nas atividades propostas, os participantes verbalizaram que a compreensão, a empatia e a escuta geraram efeitos positivos diretamente no seu humor, encarando o grupo como um caminho de “recuperação/luz” (Orion); que possibilitou “abrir novos horizontes e novos conhecimentos/aprendizados” (Capella) promovendo “a valorização da pessoa e da vida” (Antila).

Estes ainda apontaram a importância da fala/escuta como apoio psicológico diante dos efeitos nocivos da situação de desemprego, evidenciando pontos importantes na elaboração dos sentimentos e reestruturação da autoestima: “Parece que renovou alguma coisa, melhorou o meu espírito, eu precisava conversar” (Orion); “Eu melhorei bastante quando comecei a compartilhar o que angustiava, é útil ouvir as outras pessoas e o modo como encaram as coisas” (Capella); “Me senti compreendida, senti o apoio e o acolhimento, sentia muita falta desse tipo de contato. É ótimo falar dos problemas, pois tem pessoas que passam pela mesma coisa” (Antila).

Em diversas situações, foi possível identificar nas falas dos participantes o fortalecimento da autonomia, que se foi adensando no decorrer dos encontros. Esse processo favoreceu a mobilização subjetiva e contribuiu para a transformação do sofrimento em momentos de elaboração e reposicionamentos. Observa-se que, diante do sofrimento, é necessário a criação de estratégias de enfrentamento, pois estas agem para amenizar as consequências advindas da percepção do sofrimento no trabalho e funcionam ante a recusa em perceber aquilo que faz sofrer (Morais, 2013).

As discussões em grupo possibilitaram o entendimento crítico sobre o fenômeno do desemprego, compreendendo que este não é resultado de incapacidades pessoais ou de inadaptações, mas de um problema estrutural proveniente de um sistema social deficitário e desigual. Tais reflexões auxiliaram no processo de desculpabilização dos participantes, pois alguns acreditavam que a situação de desemprego relacionava-se apenas a fatores particulares, como a falta de qualificação e pouco estudo ou dedicação.

Além disso, foram verificados movimentos concretos e subjetivos na vida dos participantes. Os concretos foram observados a partir da reconstrução de um projeto de vida profissional. Antila encontrou forças no grupo para procurar cursos de design de interiores, pois, ao recordar os aprendizados que teve no trabalho como empregada doméstica, percebeu que tem habilidades para a decoração de casas, uma vez que auxiliou muitas das suas antigas “patroas” [sic] em tais atividades. A entrevistada afirmou: “Se eu fazer o curso, eu posso sentir uma gana de voltar a estudar de novo, né? Pensar no ensino superior” (Antila). Capella começou um curso de maquiadora, pois considerou importante tentar outro meio para obter renda e ajudar financeiramente a família. Por outro lado, disse: “. . . ainda quero estudar, atuar na minha área de formação, vou continuar tentando” (Capella). Taurus, na busca por autonomia e liberdade, vislumbrou no empreendedorismo o caminho para o alcance de seus objetivos, entretanto, esbarrou na falta de capital financeiro. Ele não finalizou a participação nos encontros, pois acabou mudando de estado em busca de outras oportunidades de trabalho.

No que se refere às mudanças subjetivas, estas consistiram na valorização de si mesmo e do outro, no não se sentir excluída(o), envergonhada(o) e isolada(o), no se impor mais e não se submeter ao imperativo dos outros, na valorização do trabalho e não apenas do dinheiro proveniente dele, no desejo de mudança e crescimento, no reconhecimento dos aprendizados obtidos por meio do trabalho e no sentimento de liberdade, estes explicitados nas falas de Capella e Antila:

Agora não me sinto culpada como antes. Nós estamos inseridos num determinado contexto que faz a gente se sentir assim, né?. . . Eu nunca tinha pensado no que já aprendi, antes eu só via os problemas do trabalho, mas teve sim os aprendizados. . . Antes, nem lembrava dos meus antigos empregos. . . O que mais marcou foi saber que eu não estava sozinha, vi que outras pessoas passavam pela mesma situação. . . Quanto mais informação você recebe, mais você consegue se abrir para possibilidades. Acho que o grupo significou liberdade para mim, me senti livre ao pensar e ver que existem outras possibilidades. (Capella)

A gente tem que se valorizar, não se submeter. Eu comecei a falar “não!” para algumas coisas. . . Compreendi que eu tenho que me impor no serviço, cobrar o valor que eu achar justo. Hoje eu tento resolver as minhas coisas sozinha, pois não quero mais me sentir submissa a ninguém, não quero ninguém jogando nada na minha cara! Comecei a exercer minha autonomia, estou me sentindo independente. Isso deu uma guinada na minha vida. Antes, eu só pensava no dinheiro, mas eu vi que aprendi muita coisa. . . Não podemos parar, eu não estou mais preocupada com o tempo que perdi, estou pensando no que vou ganhar. . . Quero ter um curso para ganhar dinheiro, ter meu diploma e, também, ter prazer. Quero algo que me dê prazer, quero dinheiro é lógico, mas também quero sentir o prazer. Quero ter trabalho, quero ter reconhecimento. Quando tiver um trabalho, não quero sair de casa pensando que estou indo só pelo dinheiro. Isso é horrível, você já chega no lugar com a cara fechada. Hoje não me submeto a isso só por dinheiro. (Antila)

Abordar as relações de emprego-desemprego envolve desconstruir e enfrentar discursos hegemônicos cristalizados que paralisam possibilidades de ação e atuação. Embora breves, as falas ainda apresentavam em sua narrativa “escorregões” [sic] na compreensão do fenômeno e a reprodução de alguns preconceitos. Neste sentido, apesar de o grupo não ter conseguido abranger o maior número possível de trabalhadores em situação de desemprego, pôde permitir aos que participaram deste processo compartilhar seu sofrimento, bem como se repocionar diante das singularidades que compartilhavam da realidade vivida.

Diante do exposto, o grupo com trabalhadoras(es) em situação de desemprego se define como um grupo de apoio com efeitos terapêuticos, pois contribuiu para o alívio dos sofrimentos psicológicos provindos do fato de não ter um trabalho/emprego, bem como serviu como modo de refletir acerca dos conteúdos emocionais, permitindo o sentimento de pertença, a valorização do relacionamento interpessoal, a aceitação do outro e a livre expressão dos conflitos. Considera-se que os grupos contribuem para o fortalecimento pessoal por meio do apoio coletivo, promovendo a desindividuação e a escuta de diferentes modos de existência (Barros, 1997; Farina & Neves, 2007; Mantovani, 2008).

Considerações finais

Com base nos resultados deste estudo, a intervenção realizada junto aos trabalhadores(as) em situação de desemprego contribui não apenas para a formação acadêmica dos estudantes de Psicologia, mas também para o papel desta na construção de conhecimentos pautados em ações coletivas de atenção e escuta do sofrimento mental relacionado à situação de desemprego.

O dispositivo clínico utilizado para as intervenções no grupo buscou adotar uma escuta compreensiva e acolhedora, de modo que permitisse ao trabalhador refletir sobre as vivências de sofrimento diante da situação de desemprego. O efeito terapêutico desta abordagem é observado no decorrer dos encontros, nos depoimentos e nas expressões compartilhadas, bem como no processo de desculpabilização, na identificação com a situação do outro e na possibilidade de sair do isolamento e da solidão (Dejours, 2017; Mendes, 2015; Merlo, 2014). Então, a Clínica do Trabalho se mostra como uma possibilidade de intervenção que visa compreender e mitigar o impacto do desemprego na subjetividade e na saúde mental das(os) trabalhadoras(es).

No que diz respeito à realização de atividades com grupos de trabalhadores desempregados, é necessário destacar as limitações na realização dos encontros, tendo em vista as dificuldades financeiras dos mesmos, os enfrentamentos singulares para expressar os sentimentos no coletivo e para conseguir conciliar um horário entre todos. Em suma, as clínicas-escolas de Psicologia cumprem um importante papel social na atual conjuntura brasileira no contexto do trabalho e/ou desemprego, transpondo conhecimentos por meio das práticas que atendam às demandas das comunidades que vivenciam o processo de precarização do mundo do trabalho.

Apesar das idiossincrasias da história de vida, de trabalho e desemprego de cada um dos participantes, é possível observar que suas vidas são marcadas por sofrimentos decorrentes de um sistema social desigual, todavia, também foi observado o esforço de cada sujeito para ressignificar suas histórias e experiências e continuar em busca de seus sonhos, projetos e desejos. Tendo em vista a crescente taxa de desemprego no país e no mundo, concomitante ao crescimento da ocupação informal, faz-se necessário proceder com maiores investigações e estudos da Psicologia e de outras áreas do conhecimento, visando compreender as relações de trabalho na informalidade e o impacto na subjetividade e saúde mental de trabalhadores e trabalhadoras.

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    O termo “negociado sobre o legislado” tem sido utilizado por muitos estudiosos, principalmente da área do Direito, para fazer referência às recentes reformas no Direito do Trabalho. Entende-se como “negociado” os acordos entre os trabalhadores e os empregadores, que são feitos em nível individual e/ou coletivo, por meio dos sindicatos; já o “legislado” se refere aos direitos trabalhistas que são previstos, por exemplo, pela Constituição Federal de 1988 e pela CLT (Sorgi & Cenci, 2017).
  • 2
    Programa matinal de temas variados exibido em canal de televisão aberta.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    16 Abr 2019
  • Aceito
    14 Ago 2020
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